Antologia especial
Autor Anônimo

Ela adentrou o quarto num passo solene, perlustrou a parede nas cores azul e preto e, naquele momento, recordou-se que seu vestido, sim, o vestido que lha cobria as vergonhas eram da cor mesma. Não sabe como e nem por que esse fato trouxe deveras angustia; suficiente, é claro, para fazê-la por completo em lágrimas.

     Tão somente fez-se triste; tão somente fez-se riso. Ela rira de maneira contida no início, porque gargalhava logo depois. Creia, um gargalho de dor, mas de prazer. Permitiu-se sentir prazer na dor, e quando esse rastro de filosofia aproximou-se como vento de seus ouvidos, ela parou. Entre o respiro profundo, um rasgo de voz imiscui-se:

– Completa não sou!

      O consciente pendenciava com o inconsciente: uma rixa de anos, de séculos, de milênios. Não sabia ela ao certo quanto tempo, mas, somente, as cores daquela, desta parede, fizeram-ma despertar de um pesadelo. O azul, pensou, o azul do céu que, tão logo, pode ser do inferno. Sim, querido, conhecia-ma que, entre o profano e o sagrado, uma cortina fina e bege existia; por fim, o singular óbice.

       Um colar de pérolas agarrava-se no pescoço, de onde as lágrimas fluíam  e tamborilavam no adereço, o qual não o aceitava resignado, pois, logo, fazia-o cadente para as outras partes; passando, desta forma, a gotícula por todo o corpo. E o mesmo acontecia em seu interior, e projetou-se nas paredes do quarto, tal qual no chão.

      A fotografia encarcerada em um quadro, como se ali lho protegesse, perguntava-se: Carece de proteção? Tentou pensar que não, porém, entre o tentar e o conseguir, rendeu-se ao executar.

– Tenho, tão só tenho, de sua essência esvair-se daí, amor meu.

     Exprimiu-se de modo eloquente para com o retrato, fê-lo seguro ao encostar-se em seus peitos, pensou: Ouça as batidas, amor, de meu coração. Ouça.

     É-lhe trivial o fato. Recordar, dantes e vigente, é viver. Viver!

     Há em vossos pensamentos e atitudes o principal e a causa derradeira e inexorável da humanidade: no âmbito idealizado, o inerente tempo, e na carne, a morte.

     O físico valor daquele corpo másculo e cabeludo na fotografia, fazia-se utópico. Só dele podê-lo-ia auferir lamúrias: hipérboles de saudosismo. Todavia, cuido, que esse desejo de retroceder aos zênites não parte só desta mulher: há em todas as viúvas da bússola e nos viúvos dos bordéis.

– Senhora Lívia? Está a esconder-se onde?

     Ao escutar o seu nome sendo proferido pelos lábios de Murilo, Lívia, num movimento melancólico, deixou-se está abraçada ao finado. A voz grave de Murilo, o filho desse romance, encontrava aparado na do pai. Imane era a quimera de um cabrito macho. Que pena! sôfrega pensava a mulher: nunca o enxergaste. O cabrito não a alcunhava de mãe, pois, para ele, o melhor era Lívia. Senhora Lívia. Silenciosa, ela não redarguira, mesmo sendo essa a sua necessidade primeira.

– Lívia! – bradou Murilo e, após uma pausa, especulou: no quarto do finado.

    No ímpeto entrou, e o rosto de efebo patife encontrou com o da progenitora: cada qual se fitou.

– Abrace-me, Murilo.    

     Os braços envolveram-se no plano físico e no metafísico. Cá se deixa conjecturar: o que há de plano supraterrestre nessa cópula? Ela não abraçava o filho, a liberdade efetiva alça o seu apogeu: o marido apareceu no comenos azado.

– Amo-a – Disse Murilo.

     Lívia ergueu os olhos e deixou-os serem analisados pelos de Murilo. A ausência do azáfama, fê-lo as bocas oscularem-se. Tudo está consumado.

 

 

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