Com certeza, a parte do jornal que mais me atrai é a da cultura. As exposições de pintura, de escultura; os shows de MPB, os concertos nos parques; as entrevistas com atores, com escritores; as novidades do cinema, do teatro… tudo, enfim, é muito prazeroso, estimulante.

É claro que os cadernos de economia, de imóveis, de carros, todos são importantes, úteis. Mas, convenhamos, nada como a arte para nos abrigar contra as possíveis intempéries da vida.

No entanto, para que esse abrigo divino não se comporte como um guarda-chuva made in China – barato e bonitinho, permeável e quebrável à primeira tempestade –, será preciso bom senso. Caso contrário, aquilo que, a meu ver, deveria servir para deleitar, animar, enlevar acarretará justamente o contrário!

E essa perigosa consequência paira sobre todas as facetas do leque chamado arte. Explico com três situações:

Se pensarmos no maravilhoso mundo da moda, as mulheres podem passar o dia todo em altíssimo-astral depois de folhearem as últimas criações de Dolce & Gabbana, de assistirem à mais recente megaprodução de Karl Lagerfeld, ou de apreciarem as vitrinas coloridas e exuberantes da nova coleção Versace.

Podem, contudo, ficar perplexas, tristes e revoltadas por um longo período por não terem conseguido desviar os olhos de alguma propaganda que, irrefletida, insistiu em misturar a alta-costura com a violência contra a mulher.

De igual forma, podemos ligar a TV paga, buscar Errado pra cachorro, do imortal Jerry Lewis, contorcer-nos a cada cena em que o seu personagem (Norman Phiffier) se vê provocado por sua futura sogra, a milionária senhora Tuttle, e irmos dormir tão bem que sequer nos lembraremos que também temos problemas.

Ou podemos, antes de entrarmos o mundo de Morfeu, retorcer-nos assistindo a Seven, com Brad Pitt e Morgan Freeman, o que nos garantirá um memorável passeio fluvial, vogando desesperançados no Estige, sob o olhar incompassivo do barqueiro Caronte.

Por fim, se nos lembrarmos de Eugênia Grandet, de Balzac, iremos nos deliciar com as peripécias do sovina seu pai, e passaremos o nosso dia de trabalho rindo muito por dentro, sobretudo quando toparmos com um e outro colegas que com ele se pareçam.

Mas se estivermos com um pezinho na depressão, e, desavisados, pegarmos para ler o Budismo moderno, de Augusto dos Anjos, com certeza um urubu pousará na nossa sorte, e nos arrastaremos pelo resto do dia implorando com os olhos quem nos console.

Aliás, e já que as situações findaram nesse terreno, não chega a ser desanimador constatarmos que muitos concursos literários preferem laurear os livros que enaltecem a podridão, banalizam a violência, vulgarizam ou promiscuem o sexo, ou primam por um final patético?

Mas o que dizer das obras que, sem nada deverem a um excelente enredo, são em tudo comedidas, e ainda possuem o mérito de suscitar bem-estar aos leitores tão logo dobrem a última folha?

“Nada de finais edificantes”, “Nada de happy ends”, atalhariam os que decidem o que vende.

E de certo emendariam: “Nada de crônicas que ousem discordar”.

Não é no mínimo curioso, portanto, que muitas pessoas escolham, prefiram e até defendam para si um céu acinzentado, quando poderiam desfrutar de uma bonança duradoura, alcançada pelo só fato de mudarem os seus pendores artísticos?

É que somos individualidades. E gosto não se discute.

Com efeito, são verdades…

Mesmo assim, compreendendo e respeitando as opiniões em contrário, convém que finalize estas poucas linhas com um breve aconselhar:

Quando saírem para um novo dia, e as nuvens estiverem derramadeiras, não se esqueçam de levar o guarda-chuva apropriado. Evitarão voltarem ensopados.

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