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Reflexo da Morte

Episódio 10: Reflexo da Morte

Escrito por Melqui Rodrigues

 

 

 

 

Era véspera de Halloween de 1995 e eu estava na casa do meu melhor amigo Dennis, na época eu tinha 8 anos de idade e ele tinha 10 anos. O Dennis sempre foi mais “evoluído” em vários sentidos, ele sabia de coisas que eu – sendo uma criança de 8 anos – não poderia descobrir sozinho.

Naquela noite, os pais do Dennis tinham saído e nos deixou a sós na casa dele, mas não comemore! As casas daqui da cidade do Goiás não são como as mansões dos filmes americanos, mas estávamos ali jogando videogame. Eu era tão franguinho que as vezes tinha vergonha de ficar perto de amigos mais velhos que eu, mas com o Dennis eu não tinha esse problema. Bom, pelo menos, não até aquela noite que estávamos jogando e do nada ele pausou o jogo e disse:

– Gabriel! Quer que eu te mostre uma coisa?

Gabriel é o meu nome, mas gostaria que não fosse. Eu estranhei a pergunta do Dennis, depois respondi de volta:

– Claro! O que é?

Você por acaso já ouviu alguma vez a história do Candyman?

Candyman? O que é isso?

—Não é “o que é isso” Gabriel! O Candyman é um monstro do espelho. Dizem que ele é muito perigoso.

— Se ele é perigoso, por que você tá falando dele?

Eu era muito medroso, confesso. E antes mesmo do Dennis começar a explicar sobre o tal Candyman, eu já estava me borrando nas calças.

— Escuta Gabriel, já ouvi muito meus amigos falarem disso e eles nunca tiveram coragem de invocá-lo, você quer fazer isso comigo hoje para provarmos a todos que somos corajosos?

— Mas… Mas…

— …Você quer ou não quer Gabriel?

— Tá, tudo bem, eu… Eu acho que sim, mas e teus pais?

— Meus pais não vão precisar saber de nada, a gente faz isso bem rápido só pra ver como é o rosto dele.

— E como é o rosto dele?

— Não sei, mas dizem que é assustador. Boatos que ele aparece conforme o medo da pessoa que o invoca.

Não entendo de onde o Dennis tirou essa história mirabolante, como um garoto de 10 anos já poderia ter essa malícia? Eu concordei (discordando) em “invocá-lo”, mas na verdade não tinha ideia do que eu estava fazendo, foi quando ele me levou para o corredor do banheiro onde tinha um espelho no final da parede. Parecia mais uma brincadeira de criança até que ele citou as regras:

— A maneira de invocar o Candyman é chegar de frente ao espelho e repetir o nome dele 5 vezes, daí ele aparece.

— Eu… Eu não estou gostando nada disso (Literalmente eu não estava).

— Por favor, Gabriel! Para de ser medroso! Escuta… No “três” nós dois vamos olhar para o espelho e falar o nome dele 5 vezes tá pronto?

— Bom, estou né?

— Então vamos lá! 1… 2… 3!

“Candyman, Candyman, Candyman, Candyman, Candyman”.

Tudo ficou em silêncio naquele momento, alguma coisa ali não tinha funcionado e eu perguntei ao Dennis só por curiosidade:

— Não deu certo, ele demora muito pra aparecer?

— Eu não sei, acho que a gente tá se esquecendo de alguma coisa. Ah! Lembrei! Temos que apagar todas as luzes da casa.

— Todas as luzes?

— Claro! Vai me dizer que tá com medo?

— E você não está? Dennis, é o Dia das Bruxas.

— Ah, por favor! Aqui no Brasil ninguém comemora Halloween. Deixa de ser besta e me ajuda a apagar tudo.

E lá fui eu ajudar o Dennis a apagar todas as luzes daquela casa, já estava tudo escuro, o Dennis acendeu uma vela para nos guiarmos até o espelho, estávamos nós dois há menos de 2 metros de distância do mesmo, ele assopra a vela e me faz a terrível pergunta:

— Está pronto?

Eu respondi afirmativamente, mas não sabia descrever o pavor que estava sentindo naquele momento. Então nós dois juntos exclamamos:

Candyman, Candyman, Candyman, Candyman, Candyman.

Silêncio absoluto, até os cães do lado de fora pararam de latir, o espelho sequer se mexia ou fazia qualquer tipo de reação. Eu decepcionado, mas ao mesmo tempo aliviado saí de perto do Dennis resmungando.

— Tá vendo como é tudo mentira? Essas histórias não existem.

— Pois é, achei estranho. Fizemos tudo certo.

Eu estava procurando algum interruptor para ligar as luzes novamente.

— Eu acho melhor a gente voltar a jogar.

Foi quando eu ouvi um barulho de vidros se quebrando, parecia que a casa estava tremendo, ouvi o grito do Dennis.

— GABRIEL!

— Dennis!

Eu acabei tropeçando em um móvel e não conseguia enxergar nada, mas sabia que tinha alguém perto do Dennis, ele gritava e parecia estar sentindo muita dor, eu me arrastei pelo chão e parecia que eu estava na cozinha, foi quando eu fui apalpando o fogão lentamente, os gritos do Dennis começaram a diminuir e eu fui me levantando até alcançar a boca do fogão e para a minha sorte encontrei uma caixa de fósforos.

Eu acendi o primeiro e tentei iluminar o local e não consegui ver meu amigo, depois acendi outro e fui andando até chegar ao corredor, aqueles fósforos eram péssimos e toda hora apagava, foi quando eu acendi um terceiro e último fósforo, no momento que a pouca luz daquele fósforo iluminou o corredor eu pude testemunhar com meus próprios olhos o meu pior pesadelo. Era ele! Candyman! Ele estava com suas garras encravadas no corpo do Dennis e sangue jorrava por todo o corredor, minhas mãos tremiam com o fósforo na mão quando aquele monstro olhou para mim repentinamente e abriu sua boca mostrando seus dentes afiados, e tudo o que eu soube fazer foi gritar.

— Aaaaaaaaaaaahhh!!!!!!

Após aquela noite eu nunca mais fui o mesmo.

Goiânia, Goiás, 30 de Outubro de 2005.

Bom, se a dúvida de vocês era se eu sobrevivi, aqui estou! Por algum motivo o Candyman me poupou. Agora aquele Gabriel franguinho e mequetrefe é um homem de 18 anos… Após aquela noite na casa do Dennis, os pais deles me culparam por tudo! Então meus pais não tiveram outra alternativa a não ser me mandar pra São Paulo até as coisas se resolverem. Nesse período, meus pais acabaram se separando e foi minha mãe que largou o meu pai.

Depois de 10 anos estou voltando à minha amada, porém traumatizante Goiânia, creio que minha aparência está bem melhor do que antes, acho que eu faria sucesso com as garotas daqui se eu estudasse em alguma escola ou faculdade: Magro, cabelos pretos, só o meu nariz pontudo que estraga, mas… Eu nem sei se quero me aproximar de alguma garota, principalmente se ela for da época de 10 anos atrás onde eu saí daqui conhecido como “O garoto que invocou o ‘Candyman’”. Parece até irônico, mas estou eu aqui de volta na minha cidade, na minha casa e é 30 de Outubro, dia errado para voltar.

Eu bati na porta de casa e estava bem tímido, foi quando meu pai, José, abriu pra mim e mostrou um sorriso, ele parecia bem emocionado quando me viu.

— Meu filho! Você voltou!

— Oi pai, então… Eu voltei né? Acho que dessa vez é pra ficar.

— Fico feliz meu filhão, olhe pra você! Já é um homem! Entra, entra! Deixa eu pegar tua mala.

— Pai, não precisa se incomodar.

— Não é incômodo nenhum, o filho pródigo volta pra casa!

Enquanto meu pai colocava a minha mala no chão da sala, eu pude ver um rostinho nos espionando no canto da parede, meu pai percebeu de cara de quem se tratava.

— Lucas, filho! Venha cá conhecer o teu irmão! Vamos! Não precisa ter vergonha.

Foi quando lentamente do canto da parede da sala apareceu o Lucas. Sim, ele é meu irmão e já estava com 8 anos. Meus pais tiveram ele 2 anos depois que eu fui para São Paulo, eu não sabia como reagir naquele momento e certamente ele também não sabia. Ele foi andando bem devagar até chegar perto de mim, ele simplesmente tem a mesma fisionomia que eu tinha quando era da idade dele.

— Você… Você é meu irmão?

Ele me perguntou bem tímido e eu respondi:

—Sim, eu sou teu irmão, Lucas. O Gabriel!

O Lucas me olhou por alguns segundos e do nada “voou” para me abraçar.

— Meu irmão! Agora eu tenho um irmão!

Eu estava completamente emocionado naquele momento, nunca havia sentido essa emoção e esse calor humano desde o ocorrido naquela noite. De alguma maneira o meu irmão Lucas trouxe aquela chama em meu coração que se apagou há 10 anos.

Mais tarde meu pai me levou até o meu quarto, estava tudo lá em seu devido lugar, achei estranho que não tenham cedido aquele quarto ao Lucas, meu pai preferiu fazer outro só pra ele e deixou o meu ali intacto. Eu olhei na cômoda as fotografias, e lá tinha uma que estava o Dennis e eu, meu pai percebeu que tudo aquilo estava me deixando meio emotivo e questionou:

— Tá tudo bem filho?

— Sim pai, eu estou bem, não se preocupe.

— Já faz 10 anos né?

— É sim, hoje mesmo completaria 10 anos. O Dennis era pra estar na faculdade, poxa…

— Termine de ajeitar as tuas coisas e vamos lá pra cozinha lanchar.

Eu rapidamente me arrumei e fui pra cozinha, meu pai havia preparado aquele famoso café que só ele sabe fazer. Estava com saudades de tudo isso, mas faltava algo… Minha mãe não estava ali presente. Mas eu pude pela primeira vez sentir que estava em família novamente.

— Estou tão feliz que você está aqui de novo meu filho!

— Eu também estou, pai.

— Lucas, vem lanchar, filho!

— Já vou pai!

— Escuta pai (eu perguntei), o que aconteceu com os pais do Dennis?

— Bom, eles acabaram vendendo a casa, depois foram embora. Ninguém tem notícias deles há uns 6 anos.

— Pra quê eles quiseram vender a casa sendo que o principal problema deles, eles conseguiram se livrar? Que era eu.

— Gabriel, por favor, não diga isso.

— É claro que era pai, ou você não acha que esse foi um dos motivos de você e a mamãe terem me mandado pra São Paulo? Todos acharam que eu era louco! Que tudo que eu inventei sobre o Candyman era mentira e que na verdade quem matou o Dennis foi algum animal que escapou do zoológico. Pai, estamos no Goiás e não no safari pra um animal escapar assim e invadir uma casa perto da meia-noite de halloween.

— Gabriel, por favor…

— Todos esses anos eu fui taxado como um louco, eu jamais inventaria uma história como essas! Eu não sou assim e você sabe disso pai!

— Gabriel…

— O que é?

— Olha pra trás.

Eu olhei pra trás e vi meu irmão me olhando assustado com o chilique que eu estava tendo naquele momento.

— Lucas, me desculpa!  Senta aqui no colo do teu irmão. Escuta, o que acha de depois do lanche você me mostra os brinquedos que você tem no teu quarto?

— Sim, eu posso mostrar o Playstation 2 que meu pai comprou!

— Uau! Playstation 2? Caramba, naquela época eu mal tinha um Nintendo 64, né pai?

— Gabriel, você sabe que…

—…É brincadeira! Haha, eu vou brincar um pouco com meu irmão.

Era de noite e eu estava tentando dormir, uma forte chuva caia lá fora seguida de raios e relâmpagos, eu estava tendo um pesadelo horrível, era sobre a noite em que o Dennis morreu, eu ouvia o grito agudo dele atormentando a minha cabeça. Eu podia ouvi-lo repetindo constantemente: “Ele é real, ele é real”.

Eu acordei ofegante, quando olhei para os lados vi várias crianças ao redor da minha cama.

— O que… O que tá acontecendo? Quem são vocês?

As crianças faziam sinal de silêncio e começaram a dizer:

Ele está vindo! Ele está vindo!

Uma das crianças pegou um espelho pequeno e colocou na minha frente, e quando eu olhei estava refletindo a minha imagem quando eu era criança. Eu comecei a chorar, meu coração acelerou, me afastei para a cabeceira da cama e quando olhei para o lado vi o Dennis deitado ao meu lado dizendo:

Quer jogar, Gabriel?

Mais uma vez eu levanto no pulo! Olhei para os lados e vi que não tinha nada, era tudo parte do meu pesadelo, a minha testa estava suada, eu respirava ofegante, eu olhei para a porta do meu quarto e vi ela se abrindo bem devagar. Eu comecei a ficar assustado, aquele ruído da maçaneta dilacerava meus ouvidos como se fosse uma agulha, pensei em chamar pelo meu pai, já me preparando para o pior, a porta abriu de vez… Era Lucas vestido com um pijama azul.

— Gabriel, posso dormir com você? Eu estou com medo da tempestade.

— Claro que pode campeão, deita aqui.

O Lucas sentou na minha cama e colocou a mão na minha testa.

— O que aconteceu? Você tá com a testa toda molhada!

— Eu tive um pesadelo maninho, mas vai ficar tudo bem.

— Achei que os adultos não tivessem pesadelos.

— Se engana Lucas, nós adultos somos os que mais têm pesadelos.

Então Lucas dormiu comigo naquela noite, quem diria que eu estaria servindo de proteção para alguma criança sendo que toda vida eu fui um medroso?

O dia amanheceu e meu irmão foi pra escola, ele estava feliz com a minha volta, aliás, para ele eu nunca fui embora, pois quando ele nasceu, eu sequer estava aqui. Meu irmão tinha muitas semelhanças a mim, e creio que os amigos dele também sabiam que ele é meio bobo e poderia cair fácil em qualquer conversa.

Alguém daquela maldita cidade comentou sobre o Candyman para aqueles garotos amigos do meu irmão, eu sei por que em uma conversa rápida com meu pai, ele titubeou quando eu perguntei se o Lucas sabia de alguma coisa. Se tem uma coisa que ninguém pode fazer é me enganar, afinal fui enganado durante toda a vida.

Após algumas horas, eu saí na rua pra andar um pouco, enquanto eu caminhava, pude perceber os burburinhos de pessoas na rua me encarando. Não eram garotas ou garotos da minha idade, eram pessoas mais velhas, quase da idade do meu pai.

Eles estavam me olhando com medo e eu pude ouvir em meio aos sussurros alguém dizendo:

— Olha, é ele!

— Esse aí é aquele garoto?

Aquilo estava me incomodando pra caramba! Eu comecei a acelerar o passo enquanto aquelas pessoas esquisitas ficavam cochichando sobre mim, de repente uma mulher parou bem na minha frente com os olhos arregalados e exclamou:

— Você carrega a morte, garoto!

Ela era louca! Tirei as mãos imundas dela de mim e saí correndo dali.

Voltei para a minha casa e fui na cozinha ver se ainda tinha um pouco de café, quando eu havia acabado de colocar no copo, o Lucas chegou com três amigos dele: Manuel, David e Samantha. Não sei o motivo, mas eu não fui com a cara de nenhum deles, exceto pela Samantha que parecia bem CDF com aqueles óculos fundo de garrafa dela.

— Gabriel, esses são meus amigos Manuel, David e Samantha. Gente, esse é o meu irmão.

Manuel incrédulo pergunta:

— Você nunca tinha nos dito que tinha um irmão.

O outro idiota David também manteve a mesma postura.

— Pois é, muito estranho a gente ser amigo há tanto tempo e você dizer que tem um…

— …Sim, ele tem um irmão como está vendo e acho que não vejo o menor problema nisso, certo?

Eu precisava interromper, aqueles garotos eram irritantes.

— Ai desculpa, esses meus amigos são meio lesados mesmo.

Disse Samantha demonstrando ser mais inteligente que eles. Eu respondi:

— Não se preocupe, crianças são assim.

— Gabriel, eles vieram brincar comigo, a gente vai ficar lá no meu quarto.

— Tudo bem Lucas, mas não façam bagunça hein?

— Não faremos.

— Ok, comportem-se!

O que há de errado em deixar 4 crianças brincarem sozinhas? Exceto pelos pais de Samantha em deixa-la andar com três marmanjos, eu se fosse pai de menina, não deixaria, os garotos de hoje são muito maliciosos. Espero que meu irmão não siga esse caminho.

Bom, eu havia terminado de tomar café e fui para cima, quando estava andando pelo corredor, pude ouvir perfeitamente a voz dos amigos do Lucas conversando.

— Todas as janelas e luzes estão fechadas, estão prontos?

Era a voz irritante do Manuel falando. O Lucas respondeu:

— Tem certeza que isso vai dar certo?

— Deixa de ser medroso, Lucas!

Me lembrei exatamente de como o Dennis falou comigo há exatos 10 anos, eu estava atrás da porta, mas conseguia ouvir perfeitamente eles.

— No três a gente começa. Vamos lá! 1, 2, 3!

­— Candyman, Candyman, Candy…

Aquelas vozes fizeram eu arrepiar a minha alma, meu coração acelerou e antes que concluíssem o terceiro “Candyman”, eu abri a porta do quarto e me enfureci diante do que estava vendo.

— O que vocês pensam que estão fazendo?

— Irmão, eu…

— Você ficou louco, Lucas? Não tem ideia do perigo que você tá correndo chamando por este nome!

Eu abri todas as janelas e cortinas, não consegui disfarçar minha ira na frente dos coleguinhas dele.

— Quem vocês acham que são pra virem até a nossa casa e encherem o meu irmão com essas coisas?

— Gabriel, eles são só os meus amigos, nós estávamos brincando e…

— … Eu não quero saber Lucas! Eles envenenaram você com toda essa história! Eles não sabem o que estão fazendo!

O Manuel com o seu jeito arrogante diz:

—Aposto que esse teu irmão é o garoto louco que minha mãe dizia que foi embora daqui dizendo ter visto o monstro do espelho. Que piada!

Eu franzi a testa e perguntei:

— O que você disse moleque?

— É isso mesmo, meu pai e minha mãe falavam de um garoto que enlouqueceu e aposto que você é o cara, já dá pra perceber só de olhar pra você.

— Escuta moleque, eu só não te dou uma…

Samantha interrompe:

— Já chega! Vamos Manuel e David, eu sabia que era loucura vim pra cá.

Os dois garotos e a menina saíram, eu pensei que tinha feito uma boa ação, mas o efeito foi o contrário, e meu irmão ficou furioso.

— Por que você fez isso? Eles são meus amigos!

— Eles não são teus amigos, Lucas! Amigos não colocam os outros em perigo.

— Ninguém aqui estava em perigo! Quer saber? Eu odeio você Gabriel! Eu gostaria que eu nunca tivesse tido um irmão! Eu te odeio! Sai do meu quarto! Sai do meu quarto agora!

A minha alma se destruiu naquele momento, em um dia eu conquistei meu irmão mais novo e no outro eu acabei fermentando o ódio no coração dele, eu me retirei daquele quarto totalmente arrasado e assim fiquei até o momento do meu pai chegar do trabalho e me ver naquela situação.

— Filho, o que aconteceu Gabriel?

— Pai, me desculpa! Voltar pra cá foi um erro! Eu sinto muito!

Eu abracei o meu pai e desabei de tanto chorar, mais uma vez eu havia estragado tudo, parece que eu nasci pra me dar mal.

Era 11 da Noite do dia 31 de Outubro, um dia como outro qualquer em várias partes do Brasil, mas não era para mim. Eu estava no meu quarto lendo um livro, após terminar me bateu uma baita curiosidade de descobrir algo sobre a casa do Dennis, então fui pesquisar na internet e assustei com as notícias que haviam:

“Garoto de 10 anos é morto por animal selvagem na sua própria casa no estado do Goiás”.

“Pais do garoto morto acusam o amigo de ter matado ele”.

“Garoto que testemunhou a morte de Dennis Ribeiro é levado embora por ser considerado louco”.

“Pais de Dennis Ribeiro venderam a casa após 2 anos da morte do filho”.

“Família abandona casa da família Ribeiro por afirmar ouvir coisas estranhas pela casa”.

“A casa onde viveu o garoto Dennis Ribeiro continua sem proprietário”.

Foi nestas duas últimas notícias que meus olhos se arregalaram. Eu não hesitei e fui imediatamente até a sala despertar o meu pai que como sempre estava dormindo no sofá.

— Pai, acorda! Pai!

— O que… O que foi meu filho? Já é de manhã?

— Não, não é de manhã. Por que não me disse que a casa do Dennis estava abandonada?

— O quê? E isso importa agora, filho?

—Sim, muito me importa, pois até onde eu sei, o senhor havia me dito que tinham vendido a casa.

— Sim, eles venderam a casa, outras famílias começaram a morar lá, mas acabou que ninguém ficou e agora a casa está abandonada.

— Ótimo você falar isso só agora, hoje de tarde eu flagrei o Lucas aqui em casa com os amigos dele e eles estavam invocando o Candyman, pai!

— Já chega Gabriel! Para de inventar essa história de novo!

— Você sabe que eu não invento! O Candyman é real, pai! Ele matou o Dennis e pode voltar a matar, ele só está esperando alguém que o invoque, e quem melhor do que o Lucas pra fazer isso? Espera um pouco… Lucas!

Eu fui correndo até o quarto do Lucas, tirei o cobertor e estava cheio de travesseiros por baixo, eu percebi que os sapatos dele não estavam ali e nem sua blusa de frio. Eu não sei por qual motivo, mas eu decidi olhar a secretária eletrônica pra ver as últimas ligações e tinha um recado 20 minutos antes, era do imbecil do Manuel.

E aí Lucas, bora passar o halloween hoje naquela casa abandonada? Será eu, você, o David e a Samantha. Vamos ver se o tal do Candyman é real”.

Naquele momento eu larguei o telefone no chão e minhas pernas ficaram bambas, meu pai foi até a mim e eu estava em choque.

— O que aconteceu Gabriel?

— O Lucas não está no quarto.

— O quê? Como assim?

— Ele não tá pai! Eu vi o recado na secretária eletrônica. Ele foi até a casa do Dennis com aqueles amigos idiotas dele.

— Ah, por favor, Gabriel! São crianças! Você também já teve 8 anos antes.

— Mas eu não brinco com a minha vida, eu falei pra você que isso era sério!

Eu dei as costas para o meu pai e fui descendo as escadas.

— Onde você pensa que vai?

— Como assim? Vou até lá buscar o meu irmão, eu não vou permitir que eles tragam aquele monstro de volta.

— Deixa de ser besta, Gabriel! Você tá ficando paranoia igual da outra vez.

— Muito obrigado por me lembrar. Quer saber? Acho que foi por isso que a mamãe se separou de você, porque tá na cara que você não se preocupa nem um pouco com tua família.

Eu sei que não deveria ter falado aquilo, mas foi necessário, meu pai ficou relutante, mas decidiu me seguir. Peguei a minha jaqueta e saí no meio da noite até a maldita casa onde tudo começou, meu pai estava me seguindo numa distância respeitosa, ele achava que eu não tinha visto ele. Mas foi melhor eu ter fingido.

E lá estava eu de volta àquela maldita casa após 10 anos! Eu entrei e só conseguia ver a escuridão daquela casa, comecei a dar passos lentos, senti que estava pisando em folhas secas, possivelmente pelo abandono da casa, teias de aranha ficavam tocando o meu rosto, tudo aquilo era horrível. Então na penumbra daquele lugar eu ouvi 4 vozes de crianças falando em alto e bom som:

Candyman, Candyman, Candyman, Candyman, Candyman.

Eu paralisei, não sabia o que fazer, senti um ar gélido arrepiando a minha espinha dorsal, pairou um silêncio absoluto naquela casa, o mesmo de 10 anos atrás, foi quando eu ouvi a voz do Manuel resmungando:

— Viram seus burros? Não há nada de mais nisso.

Ainda paralisado eu ouvi aquele mesmo barulho de vidros se quebrando e um grunhido seguido pelos gritos das crianças.

— LUCAS! – Eu gritei.

O pavor tomou conta de mim e de todos que estavam naquela casa, eu podia apenas ouvir a voz do meu irmão e dos outros garotos gritarem. Eu acendi um isqueiro que estava no meu bolso e tentei iluminar um pouco, então eu vi ele! Sim, o desgraçado do Candyman segurando Manuel pelo pescoço e depois ele arrancou a cabeça dele com suas garras e em seguida a jogou para o outro lado do corredor como se fosse uma bola de basquete. Eu olhei para a cabeça do Manuel no chão e olhei para o maldito novamente, estávamos cara a cara após 10 anos, eu precisava fazer algo, não poderia deixar ficar barato.

Ele veio tentar me seguir e eu corri e consegui encontrar um interruptor do cômodo onde eu estava, quando eu acendi o interruptor o maldito sumiu. Achei estranho ter energia elétrica naquela casa sendo que a mesma estava abandonada,quando o Candyman sumiu, eu pude ver Lucas, Samantha e David correndo em minha direção.

— Gabriel! Gabriel!

O Lucas me abraçou muito forte.

— Você tinha razão, ele é real!

Eu tentando encorajá-lo respondi:

— Lucas, a gente precisa sair daqui agora!

Mas ele não queria deixar que a gente saísse e a porta se fecha. David pergunta desesperado:

— Como vamos sair daqui?

— Estranho, o Candyman só age na escuridão, por que ele está fechando as portas com a luz acesa?

Estávamos dentro daquela casa encurralados, tentei abrir a porta e não consegui, a luz era a nossa única arma.

— Escutem todos! Se mantivermos a luz acesa, ele não vai poder aparecer, entenderam?

Foi quando a luz da sala começou a piscar.

— Essa não, alguém acende a lâmpada de outro cômodo!

Samantha tenta acender as lâmpadas de um dos quartos e a mesma estava queimada.

— Essa lâmpada tá queimada!

— Droga! Peguem suas lanternas garotos!

David era tão idiota quanto o Manuel, ele chegou perto demais de um dos quartos onde estava uma escuridão agoniante, vimos apenas as garras do maldito Candyman puxando-o para dentro e ouvimos o seu grito:

— AAAAAAHHH!

Ele tentava se segurar na porta do quarto, mas uma força sobrenatural a fecha rapidamente decepando os seus dedos, David já não estava mais entre nós. Meu irmão se desesperou:

— David! David, não!

Já não tínhamos mais tempo, duas crianças estavam mortas e Lucas, Samantha e eu certamente seríamos os próximos, eu rapidamente consegui ligar o máximo de lâmpadas o possível para afastá-lo e reunir os garotos, a casa estava muito empoeirada, então eu abracei os dois garotos e mesmo não tendo ideia do que podia acontecer, eu dei a eles esperança:

— Agora vai ficar tudo bem.

Maldita a hora que eu fui dizer isso! Um blackout aconteceu em toda a cidade, não existia mais energia elétrica em lugar nenhum, era mais uma vez nós contra a escuridão. As crianças se abraçaram em mim mais forte do que nunca, mas eu estava com tanto medo quanto elas, foi quando ouvimos o barulho do trinco da porta da sala girar.

Achei estranho, pois minutos atrás eu não estava conseguindo abrir, nós estávamos apreensivos ao ver a porta se abrindo, não dava pra enxergar quem ou que era, então consegui acender a lanterna do Manuel e vi que era nada mais e nada menos que o meu pai, maldita hora em que ele foi me seguir!

— Gabriel? O que você tá fazendo…?

Foi quando o Candyman avançou no meu pai, eu derrubei a lanterna no chão com o susto e ela se quebrou, só pude ouvir os gritos e do nada o blackout cessou e o Candyman não estava mais lá. Mas quando olhamos para frente, meu pai estava flutuando meio metro do chão, ele estava com os braços abertos e em seguida seu corpo vira de cabeça pra baixo no formato de uma cruz invertida.

Havia um corte em seu estômago e suas tripas estavam do lado de fora, formando uma poça de sangue no chão.

— Pai!

Eu gritei desesperado e corri para tentar ajuda-lo. Consegui colocá-lo no chão e vi que ele ainda estava consciente.

— Pai, por favor, não faz isso comigo!

— Gabriel, me desculpa! Eu… Eu tentei ser um bom pai pra você, mas… Eu não consegui filho, me-me perdoa.

— Não, pai!

— Pai! (Lucas gritava)

Eu vi meu pai dar o último suspiro, meu coração se dividiu em centenas de pedaços, minha alma estava destruída, mas naquele momento uma ira bateu forte em meu coração! Tudo que eu queria era me vingar do desgraçado que matou meu pai, que matou o Dennis e as outras crianças.

Então eu procurei na casa tudo o que fosse útil, peguei um cabo de vassoura, encontrei uma faca, amarrei uma na outra com o cadarço do meu tênis e formei uma lança. Lucas e Samantha ficavam me olhando, eu estava cheio de raiva, então eu fui quebrando todos os espelhos da casa um por um, até os mais insignificantes eu quebrei, um filme se passava pela minha cabeça, algo me dizia que eu teria que voltar a aquela casa pra me vingar da morte do Dennis.

Finalmente eu quebrei todos os espelhos da casa, exceto um: O da parede do corredor próximo ao banheiro, apaguei todas as luzes de todos os cômodos. Eu estava louco? Talvez! Mas precisava fazer aquilo, e finalmente eu cheguei no meu limite, fiquei no final do corredor e comecei a gritar.

— Era isso que você queria seu desgraçado? Então vamos lá! Candyman…

— Não, Gabriel, não faça isso!

— Cala a boca Lucas! Candyman… Candyman…

— Não, por favor! Não faz isso irmão!

Candyman e… Candyman! Aparece seu desgraçado!

Ele como sempre fazendo o seu suspense, foi quando eu ouvi uma voz sussurrando e chorando dizendo:

— Eu sinto muito Gabriel, eu não deveria ter feito aquilo com você.

Eu impactado respondi:

— Dennis? Por que Dennis? Por que você tinha que me deixar?

— Não foi minha culpa! Você sempre foi o meu melhor amigo, sempre foi e sempre será.

— Eu daria tudo pra ter você de volta meu amigo.

— Ainda dá tempo Gabriel, ainda podemos ser como nos velhos tempos.

— Claro meu amigo, mas tem um pequeno problema… Você não é o Dennis seu miserável!

Eu enfiei o cabo de vassoura com a faca na garganta do falso Dennis e rapidamente ele se transfigurou voltando à sua forma natural e retornou ao espelho, foi quando um ciclone sobrenatural começou a se formar dentro da casa, as portas se abriram, era a nossa chance de escapar.

— Depressa! Vamos fugir daqui!

Começamos a correr e o maldito nos alcançou e apanhou Samantha.

— Socorro! Me solta!

— Samantha! – meu irmão gritou.

O Candyman estava a ponto de matar a pobre Samantha, mas o monstro viu algo nela que o incomodou, eu não havia percebido, mas ela tinha um colar com uma cruz. Foi aí que eu matei a charada! Lembrei de algo que eu aprendi em São Paulo quando estive lá.

O maldito soltou a Samantha, retornou pra outro lugar e depois ela veio tossindo até nós completamente assustada. Eu perguntei:

— Samantha, você tá bem? Precisamos sair daqui!

Estávamos correndo para alcançar a saída quando o Candyman saiu do espelho e puxou as pernas do meu irmão e foi arrastando-o pelo corredor.

— GABRIEL! SOCORRO!

— LUCAS!

Eu corri para tentar alcançá-lo e consegui segurar os braços do meu irmão.

— Segura firme, Lucas! Não solte a minha mão!

— Por favor, não me solta Gabriel! Por favor!

Samantha estava paralisada sem saber o que fazer.

— O que eu faço?

—Corre! Peça ajuda!

— Mas eu tenho medo!

— Depressa! Vai pedir ajuda ou todos nós vamos morrer aqui.

A pobre Samantha saiu correndo da casa, alguém teria que avisar o que estava acontecendo caso eu não sobrevivesse, o demônio continuava a arrastar o meu irmão para dentro do espelho, eu estava sendo arrastado também tentando segurá-lo.

— Você arruinou a minha vida há 10 anos atrás! Eu não vou deixar que faça o mesmo com meu irmão seu miserável!

Eu consegui puxar o Lucas de volta e corremos para o final da parede, mas a fúria do monstro ainda estava ali se projetando no espelho como um espectro do mal. Então eu me lembrei da cruz da Samantha, alguns flashes vieram à minha cabeça que me criaram coragem, algo que eu aprendi em São Paulo durante esses 10 anos que estive lá me impulsionou, então eu fui me aproximando dele, meu irmão se desesperava.

— Gabriel, o que você vai fazer?

Eu me aproximei do monstro, levantei minha mão direita e comecei a exclamar em alta voz:

— “Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará. Direi do Senhor: Ele é o meu Deus, o meu refúgio, a minha fortaleza, e nele confiarei. Porque ele me livrará do laço do passarinheiro, e da peste perniciosa, Ele me cobrirá com as suas penas, e debaixo das suas asas confiarei; a sua verdade será o meu escudo e broquel, não terei medo do terror da noite e nem da seta que voa de dia, nem da peste que anda na escuridão, nem da mortandade que assola ao meio-dia. E mesmo que eu andar pelo vale da sombra da morte, mau nenhum temerei!“.

Eu intensifiquei ainda mais a minha voz e prossegui:

— Aqui eu te mando embora satanás e toda a tua escória, dano nenhum causará a mim e ao meu irmão, pois maior é o Espírito de Deus que habita em mim, do que aquele que está no mundo!  D´Ele é o Reino, a Glória e o Poder para todo o sempre… AMÉM!”.

A projeção maligna do Candyman se retorceu dentro do espelho enquanto o ciclone sobrenatural ficava mais forte dentro da casa, um feixe de luz tomava conta de todo o espelho e iluminava a casa, pela primeira vez ouvimos um grito de desespero do maldito, a luz tomou conta de tudo e o espelho se partiu em mil pedacinhos. Eu me abaixei para proteger o meu irmão dos fragmentos do espelho, quando olhei novamente percebi que o Candyman foi aprisionado! Para sempre!

Ah! Tinha uma coisa sobre mim que eu não havia contado, o tempo em que eu estive em São Paulo, acabei frequentando a igreja, mas não acreditava em muita coisa até chegar este momento, acho que desde o começo Deus tinha um propósito de me trazer de volta a este lugar. Agora somos só o Lucas e eu, perdemos o nosso querido pai e não sei como vamos cuidar um do outro, mas agora nossos corações podem descansar em paz, pois estaremos preparados pra qualquer adversidade, afinal de contas… O que seria pior do que enfrentar um demônio chamado Candyman não é mesmo?

31 de Outubro de 2005 ficará marcado como o ano em que meu irmão Lucas e eu vencemos o Candyman . Que fique essa lição pra vocês! Não tentem brincar com o sobrenatural, ele não hesita em querer brincar com você.

FIM

 

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