Um amor reprimido pela mais linda delas.

Entre o amor e a amizade sem saber em qual estrada se anda.

Sempre juntas e unidas, está disposta a se declarar, mas sempre no destino há alguém para atrapalhar.

Mas eis que as palavras soou ao vento

Em silêncio espera a resposta, em cima daquele palco, seu coração em desalento.

Mais um coração partido, mas de sua mão não largaria.

Não se tornaria sua namorada

Mas para sempre serão amigas.

-Ellen dos Santos-

Aline sempre achou que havia algo de fascinante em andar de braços dados com outra garota, o ato simples e espontâneo sempre a preenchia com um sentimento de realização que ela não compreendia inteiramente, não até conhecer Bárbara.
Ela estava feliz de um lado, melancólica de outro. Mesmo que Aline sentisse que havia algo ali, era mais provável que fosse apenas coisa da sua cabeça. Só porque sua crush olhava na sua direção, não queria dizer, necessariamente, que estava olhando para você.
Elas estavam descendo a rua do comércio no centro da cidade, sob o sol escaldante do meio dia. Vestiam o uniforme verde do Colégio Santo Agostinho, mas não se destacavam na multidão, no centro da cidade havia mais cinco escolas e todas possuíam nomes de padres, santos ou freis.
As ruas no centro da cidade eram estreitas, transeuntes e vendedores ambulantes se espremiam nas calçadas. De vez em quando alguém oferecia chips de celular, DVDs piratas ou um panfleto de alguma empresa. Aline e Bárbara tinham saído há pouco tempo da escola, e agora estavam indo para as lojas de tecidos que ficavam nas ruas de baixo.
Era junho, o período das festas juninas já tinha começado e, como todas as outras escolas, o Santo Agostinho ia fazer uma festa para arrecadar fundos. Durante anos a instituição de ensino estava guardando o dinheiro para colocar centrais de ar em todas as salas, o que parecia legal. A escola dava um pequeno incentivo para que os alunos participassem dos grupos de dança, o equivalente a dez pontos em todas as matérias. Embora não precisassem, as duas entraram em um dos grupos.

— Precisamos de pano quadriculado, muito filó e aquelas meias brancas compridas — disse ela — Felizmente os materiais não são caros e, como a mamãe não vai cobrar para fazer as roupas, não vamos ficar pobres. — disse Bárbara, contando os itens nos dedos.
Aline não respondeu imediatamente, ela estava pensando no quanto Bárbara era bonita. Os cabelos escuros eram longos e enrolados, os lábios tinham o formato de um coração, havia sardas em seu rosto que a deixavam ainda mais fofa. Ela não era como as garotas esbeltas que fazia meninos babarem, era o tipo que arrancava risadas deles sem nenhum esforço.
— Acha que vamos terminar a coreografia em dois dias? Precisamos de no máximo cinco minutos para uma apresentação razoável e não estamos nem perto de sermos razoáveis!
— Não se preocupe, você é tudo, menos razoável — comentou Aline, subitamente.
— Isso porque as outras meninas são ainda piores do que eu. — Bárbara revirou os olhos.— Você é a única de nós que dança bem, podia me ensinar a dançar daquela forma.
— Não sou tão boa assim, no primeiro ano fiquei tão nervosa que acabei vomitando no meio da quadra durante a apresentação, depois sai correndo.
— Obrigada por me tranquilizar — disse ela, sarcasticamente.
Aline sorriu de volta e, em um ímpeto de coragem, colocou o braço ao redor dos ombros de Bárbara. Estando tão perto, ela conseguia sentir o cheiro de perfume, shampoo e pele. Aline reprimiu a vontade de virar o queixo da outra em sua direção, acariciar os lábios com o polegar para então beijá-la lentamente.
Bárbara seria recíproca, ou a empurraria para longe?
— Disponha.
Aquele era o último ano delas no ensino médio, depois disso provavelmente iam parar de se ver aos poucos, a amizade morreria lentamente com a distância até não existir mais. Se um dia se vissem casualmente por aí, perguntariam uma a outra sobre as novidades, mas sem real interesse, e não passaria disso.
As palavras que poderiam mudar tudo estavam bem na ponta da língua de Aline, faltava apenas um pouco de coragem para dizê-las. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. O medo de Aline não era dizer tais palavras, mas estragar a amizade depois de dizê-las.

Era sexta-feira, a festa junina seria no dia seguinte. As coisas no grupo de dança melhoraram um pouco no ensaio da tarde, depois da educação física. Talvez, só talvez, as meninas do grupo não arruinassem tudo durante a apresentação.
Como todos foram liberados mais cedo, ninguém poderia inventar uma desculpa para não comparecer ao ensaio daquele dia. Aline estava prestes a começar a guardar suas coisas, quando notou Bruno na porta da sala. De todos os meninos irritantes que ela conhecia, Bruno era o pior de todos. Ele precisava de um corte de cabelo, as pontas douradas estavam começando a enrolar.
Aline não gostava dele, não porque ele fosse irritante, mas porque ela tinha ciúmes. Bruno possuía características que Bárbara adorava em uma pessoa, cabelos loiros e olhos de um castanho profundo, quase pretos. Ela pintou os cabelos de loiro, na esperança de que Bárbara a notasse, lamentavelmente, seus olhos não eram tão escuros, eram castanhos como café em pó.
Bárbara a cutucou, parecendo levemente incomodada. Ela também já tinha notado Bruno, ele flertava com Juliana, uma colega de sala. O rapaz estava escorado no batente, mãos nos bolsos, sorriso tímido pintado nos lábios, simplesmente irresistível para Bárbara, profundamente irritante para Aline.
— Ele é um idiota — rosnou Aline, protetoramente. — E ela não é melhor que você.
Nenhuma era.
Aline não queria vê-lo ali, o garoto por quem Bárbara tinha se apaixonado perdidamente desde o primeiro momento que o vira, há dois anos e meio atrás. Ela conhecia a história como se tivesse vivido pessoalmente.
Durante oito anos Bárbara estudara na escola pública Padre Antônio de Carvalho e, quando concluíra o fundamental, nenhum dos amigos viera com ela para o Santo Agostinho, era como se tivessem se divorciado da menina. Sem amigos em um colégio no centro da cidade, nenhum rosto conhecido ou amigável no primeiro dia, exceto o de Bruno.
Se não tivesse acontecido a mesma coisa com ela neste ano, Aline classificaria amor à primeira vista como ficção, ou talvez uma piada ruim de uma comédia romântica.
— Nunca mais vou confiar em garotos que fazem poesia — disse Bárbara secamente. Juliana afastou uma mecha do cabelo ruivo para trás da orelha, sorrindo de volta. —Em ruivas sexies, menos ainda.
— Devo pintar o cabelo de ruivo? — indagou Aline, com entonação de flerte e ciúmes.
— Claro que não! — Bárbara riu e afastou uma mecha do cabelo de Aline para trás da orelha. — Prefiro mil vezes o seu falso tom de loiro.
Aline sentiu seu rosto esquentar. Às vezes era difícil se convencer de que não havia nada.
— Eu queria te dizer uma coisa.
— O que?
— Eu gosto…
Antes que Aline terminasse, alguém entrou na sala chamando a atenção de Bárbara, acabando totalmente com sua coragem repentina.
— Meninas, o ensaio já vai começar.— avisou Alessandra, parada na porta. O casal de pombinhos já tinha ido embora, voado para quem sabe onde. — Só estão faltando vocês.”
Depois que Alessandra foi embora, as duas voltaram a guardar seus materiais, silenciosamente, a atmosfera humorada tinha se dissipado por completo. Aline estava carrancuda. Quando estava prestes a dizer aquelas palavras sufocantes, alguém aparecia para fazer com que as engolisse de volta.

O dia da festa junina havia chegado e, contra todas as probabilidades, o grupo conseguiu terminar a coreografia a tempo. Com um pouco de sorte, ninguém erraria os passos na frente de todo mundo.
Aline estava aflita e sentia que poderia vomitar a qualquer momento Felizmente já estava dentro do banheiro feminino do ginásio da escola, onde todas as meninas estavam trocando de roupa. Ela queria colocar tudo para fora, literal e metaforicamente falando. Precisava dizer a Bárbara o que sentia, senão ficaria infeliz por um longo tempo.
Bárbara estava atrasada. Sem ela, Aline não iria à quadra para a apresentação. A única razão pela qual estava participando de um grupo de dança era porque a outra havia prometido que dançaria junto com ela. Desde o primeiro ano, Aline não tinha sentido vontade de estar sob os olhos de tanta gente. Ela estava prestes a ligar para Bárbara quando a amiga entrou pela porta segurando uma sacola grande de papel, ela cheirava a perfume e a maquiagem. O enjoo que Aline sentia se dissipou, dando lugar a sensação de borboletas no estômago.
O figurino era composto de saia quadriculada com muito filó para dar volume, blusa e meias brancas, completando com sapatilhas pretas. Seu cabelo estava dividido em duas marias-chiquinhas, os lábios estavam pintados de vermelho e havia pintinhas em seu rosto. As roupas e a maquiagem eram para fazê-las parecerem com caipiras modernas, mas Bárbara conseguia um efeito diferente, ela parecia uma boneca.
— Você está linda — balbuciou Aline, com a garganta repentinamente seca.
Bárbara a encarou cabeça aos pés e assobiou.
— Ceroula chique.
— Meu short agradece o elogio e esquece a ofensa. — O short de Aline tinha lacinhos brancos nas pernas e elástico largo na cintura.
— Seu short se parece com algo que sua bisavó usaria, quando ela era criança, é claro. — Barbara retirou a saia de dentro da sacola e lançou para ela. — A mãe fez na mesma medida que a minha. Como temos quase o mesmo corpo, não deve ficar nem muito apertado, nem muito frouxo.
— Sua mãe é maravilhosa, tenho certeza que vai servir como uma luva.
Bárbara entrou de vez no banheiro e seguiu em direção ao espelho grande para checar a maquiagem, enquanto Aline lançava a saia por cima da cabeça para terminar de se vestir.
— Estão todas prontas? — inquiriu Alessandra, a líder do grupo. — Estamos em cima da hora.
— Eu estou. — as garotas responderam, em coro.
— Glória a Deus!
Aline, que estava com as mãos para trás fechando o zíper, ficou com uma expressão aflita.
— Espera um pouco, emperrou, não está fechando. Bárbara ajuda aqui!
— Deixa comigo. Podem ir na frente, a gente não demora — disse Bárbara às outras garotas.
Em instantes elas ficaram sozinhas.
Aline teve um arrepio quando Bárbara a pegou firmemente pela cintura, mesmo que fosse apenas para ajustar o cós da saia. Ela fantasiou com Bárbara a envolvendo com seus braços quentes, colocando o queixo em seu ombro enquanto dizia qualquer coisa melosa.
Aline não sabia exatamente o que a outra fez, como num passe de mágica o zíper desemperrou e a fantasia se dissipou como uma bolha de sabão.
— Foi o filó que prendeu.
Aline respirou fundo, talvez esse não fosse o melhor momento, mas ela sabia que se demorasse um pouco mais acabaria perdendo a coragem.
— Eu te amo. — declarou Aline.
— Eu sei.
Para Aline, a suavidade com que a voz de Bárbara soou deixou claro que ela não havia interpretado direito sua declaração. Aline se virou, ficando frente a frente com ela.
— Espera, você não está entendendo. Não estou falando de uma amiga para outra, estou falando romanticamente. Eu realmente gosto de você. Não estou pedindo para retribuir nada, só queria você soubesse — disse Aline, com seriedade e pegou as mãos de Bárbara. Dizer que estava apaixonada não era um crime, não era uma cobrança. Bárbara não era obrigada a ter os mesmo sentimentos que ela, nunca seria.
— Está falando sério?
Aline assentiu, estudando atentamente as feições dela. Bárbara não parecia chocada, nem incrédula, era mais como se tivesse pensando nas palavras certas para não magoá-la.
— Aline, eu…
Antes que ela terminasse a sentença, Alessandra retornou, parecendo impaciente.
— Já estão prontas?
— Mas que inferno, já estamos indo!”
Aline saiu sem olhar para trás, desistindo de esperar por uma resposta que não teria, pelo menos não agora.
Ela sentia como se um peso enorme tivesse sido tirado de suas costas. Aquela sensação sufocante havia desaparecido, por outro lado, seu coração parecia querer escapar pela boca. Dali a alguns anos ela se lembraria daquele dia com nostalgia e sem arrependimentos. Ela havia tentado!
O grupo de oito meninas seguiu para o grande espaço reservado para as apresentações. Por ser um grupo consideravelmente pequeno, e por ser o primeiro a dançar, apenas uma pequena parte do público estava realmente prestando atenção. Se alguma delas vomitasse, era improvável que seu rosto fosse lembrado na segunda feira.
As garotas entraram em posição, seguraram nas mãos umas das outras para formar uma ciranda.
— As Moças do Sertão irão dar inícios às apresentações na noite — o mestre de cerimônia anunciou o grupo no microfone, com a voz artificialmente animada. — Lembrem de passar depois nas nossas barracas, moças bonitas não pagam, mas também não levam!
— Jesus Cristo, que piada horrível. — disse Bárbara com humor na voz, que Aline não tinha certeza se era real.
Aline queria perguntar à outra o que estava pensando, mas no momento só poderia dançar conforme a música.

Subindo a rua da escola havia uma praça, à medida que a festa junina avançasse grupos cada vez maiores iriam para lá. Assim que a apresentação acabou, Bárbara agarrou sua mão e juntas correram parte do caminho.
Ainda era cedo, o fluxo não era tão grande, o lugar era perfeito para as duas conversarem. A praça possuía uma pequena quadra de futebol, as grades de proteção estavam retorcidas em alguns pontos como se alguém tivesse tentado arrancá-las à força. Bem ao lado da quadra havia duas mangueiras e, sob elas, bancos largos de concreto pintados de branco.
As duas sentaram ali sob as mangueiras, tendo a visão panorâmica de uma quadra vazia. A música vinda da escola era como um zumbido abafado.
— Então, o que ia me dizer naquela hora?
— Na verdade, eu não sabia o que dizer, e ainda não sei ao certo.
— Pode ser qualquer coisa — Aline sussurrou, sentindo o rosto esquentar. Parte dela desejava que Bárbara dissesse que a amava, a outra parte sabia que isso não era possível.
— Também gosto de você, mas como amiga — disse Bárbara, gentilmente.
Aline sentiu uma pontada no peito e piscou rapidamente, na esperança de afastar as lágrimas.
— Ei, não fica assim. Um dia você vai encontrar uma garota legal que goste de você da mesma maneira. Até lá, você ergue a cabeça e segue em frente.
— Você conseguiu seguir em frente depois do Bruno? — Não era uma pergunta, era mais uma conclusão ácida.
— Bruno é só um bocó — disse Bárbara, sem se abater. — Sabe, eu costumava mandar mensagem para ele pelo Facebook, mas ele me ignorou todas as vezes. Se me perguntar se eu acho ele bonito, eu vou responder que é claro que sim! Mas o Bruno para mim agora é como aqueles bolos bonitos de padaria. Só de olhar você sente vontade de comer, mas infelizmente enjoa fácil.
Aline conseguiu rir um pouco enquanto limpava o canto dos olhos.
— Você detesta bolo.
— Totalmente.
— Espero que você não se torne meu bolo de padaria, ainda quero ser sua amiga.
— Eu seria um bolo maravilhoso, você jamais ia ficar enjoada — falou Bárbara, acrescentando após uma curta pausa — Ainda sou sua amiga, sempre serei.
Barbara ergueu o mindinho, Aline o enlaçou com o seu.
— Eu vou gostar disso.
Mesmo que seu coração estivesse meio partido, o melhor a fazer era erguer a cabeça e seguir em frente. Haveria outras oportunidades para amar, sempre haveria.

FIM

 

 

A Widcyber está devidamente autorizada pelo autor(a) para publicar este conteúdo. Não copie ou distribua conteúdos originais sem obter os direitos, plágio é crime.

  • Lindo e delicado. Adorei! Mas confesso que torci pras duas ficarem juntas no final. Sorte e sucesso Mori!!

  • O que posso dizer? Foi simplesmente sensacional! Tal como o primeiro amor adolescente que tem uma dor, mas não é um caso perdido, me apaixonei.

  • Quantas pessoas sofrem por terem receio do preconceito. Achei lindo o conto. Parabéns!!!

    • Isso mesmo, o que vale é tentar e não ter arrependimento no futuro por não ter feito nada.
      Obrigada por comentar.

  • Gostei da delicadeza da história. Parabéns para a autora que deixou um gostinho de quero mais…

  • Lindo e delicado. Adorei! Mas confesso que torci pras duas ficarem juntas no final. Sorte e sucesso Mori!!

  • O que posso dizer? Foi simplesmente sensacional! Tal como o primeiro amor adolescente que tem uma dor, mas não é um caso perdido, me apaixonei.

  • Quantas pessoas sofrem por terem receio do preconceito. Achei lindo o conto. Parabéns!!!

    • Isso mesmo, o que vale é tentar e não ter arrependimento no futuro por não ter feito nada.
      Obrigada por comentar.

  • Gostei da delicadeza da história. Parabéns para a autora que deixou um gostinho de quero mais…

  • Pesquisa de satisfação: Nos ajude a entender como estamos nos saindo por aqui.

    Leia mais Histórias

    >
    Rolar para o topo