Nota do autor: “Para melhor experiência, recomenda-se o uso de fones de ouvido. Boa leitura!

 


A Fazenda

(Baseado em fatos reais)

Um conto de Melqui Rodrigues


   

 

ATO I

 

Parque da Barragem, Julho de 1991.

 

Em uma cidade que fica divisa com o Distrito Federal e Goiás, um casal está dentro de um carro felizes em começar uma vida nova, eles acabaram de se casar e estão se mudando pra um local longe da família e de todo mundo, eles só queriam curtir a vida de casado deles.

A mulher se chama Bianca, 24 anos, moça alta, morena, cabelo liso e lábios carnudos. Seu marido se chama Jeferson, 26 anos, 1,80, cabelo cacheado um pouco crespo e barba.

Jeferson conseguiu juntar dinheiro antes do casamento e comprou uma casa em uma fazenda, e ali ele poderia viver com sua esposa e quem sabe? Com seus filhos!

Depois de algumas horas de viagem eles chegam à fazenda, o local é muito amplo e fica bem distante do bairro mais próximo daquela cidade.

Os setores comerciais ficavam cerca de 40 minutos de distância dali, não tinha uma padaria, supermercado ou farmácia ali por perto. O mais próximo era uma mercearia pequena que ficava a uns 20 minutos da casa, mas mesmo assim eles pareciam não se importar com as dificuldades que iriam enfrentar.

O local também tinha muita terra, e Julho era um mês seco, então o sol castigava a cidade nessa época do ano. Bianca desce do carro e fica admirando a casa modesta que passará a morar.

É uma casa simples, pintada de um azul bem claro, tem três cômodos e mais um banheiro. Ao redor, temos alguns currais para os animais, árvores de vários frutos, um local realmente agradável de se ver.

Bianca fica um tempo admirando a paisagem e seu marido a abraça dizendo:

— Gostou da nossa casa nova, amor?

— Claro que sim. Estando ao seu lado pra mim é o que mais importa.

— Mas… Fica distante de tudo e a mercearia mais próxima fica há 20 minutos daqui.

— Simples, o dia que precisarmos comprar algo, a gente compra logo um monte de coisas pra não precisar tá saindo direto, ainda bem que temos o nosso carrinho.

— Sim, meu amor.

Anoitece e eles arrumam a mesa para jantarem a luz de velas, Jeferson abre uma garrafa de champanhe e coloca na taça de Bianca, depois ele enche a taça dele, os dois brindam e começam a dar muitas gargalhadas até ficar de madrugada.

No dia seguinte, Jeferson se levanta para procurar emprego, ele dá um beijo na sua esposa e pega seu carro. Por sorte, ele já tinha feito uma compra bem ampla, já que Bianca ficaria sozinha na casa e teria que andar quilômetros se quisesse comprar algo.

Depois de algumas horas, Bianca está fazendo o almoço, ela prova a água do arroz pra ver se tá bom de sal e ouve um barulho perto do pé de manga ao lado da casa. Ela sai e deixa a panela de arroz no fogo e vai até o pé de manga, ela vê que algumas mangas maduras haviam caído no chão e decide pegar uma pra comer mais tarde, ela está agachada de costas e ouve um barulho que parecia uma relinchada, quando olha pra trás vê um homem montado em um cavalo se aproximando e ele tenta domar o cavalo que parecia estar nervoso.

— Uooww! Calma, amigo, amigo.

Bianca se assusta e dá um passo pra trás.

— Calma, moça! Desculpa, eu não queria te assustar.

— E o senhor quem é?

— Eu trabalho na granja que fica a alguns quilômetros daqui.

— Mas o que está fazendo na minha fazenda?

— A senhorita é a nova moradora? Estranho, tem tanto tempo que ninguém mora aqui, quando eu vejo pessoas por essas bandas, são os moleques pegando manga ou amoras, mas nunca veio alguém pra morar.

— O meu marido e eu nos mudamos ontem pra casa, somos… Bom, somos recém-casados.

— Parabéns, moça! E seu marido onde está?

— Ele… Ele saiu pra procurar emprego, na verdade ele já tinha sido indicado por um amigo que mora no Bairro Pérola e foi fazer a entrevista.

— Eu moro no bairro Pérola, mas pra eu ir para a granja, preciso sempre passar por aqui, não tem outro caminho, mas não se preocupe, que sou da paz, não quero incomodar nem a senhora e nem o seu marido.

— Agradeço e me desculpa, é que… Como eu acabei de me mudar, ainda estou conhecendo o lugar, então…

— … Sim, um folgado apareceu a cavalo perto da sua casa e já está te tirando a paciência.

— Não, por favor, não diga isso.

O cavalo daquele senhor começa a ficar cada vez mais agitado.

— Wuooow! Calma, garoto!

— Será que é por minha causa?

— Não, ele é dócil. Mas o problema não é você, é a fazenda.

— O que tem a fazenda?

— Dizem que ela atrai coisas sobrenaturais, e os animais acabam percebendo isso.

— E você acha que eu vou acreditar nisso?

— Tanto faz, mas se cuida. Não falo pelos fantasmas e sim pelos moleques que de vez em quando aparecem por aqui. Tenha um bom dia!

— Até logo!

O capataz sai dali em seu cavalo e Bianca fica por alguns segundos pensativa no que ele disse, ela ignora os fatos e decide voltar pra dentro de casa. Quando ela entra, sente um cheiro de queimado vindo da cozinha.

— Ah não! Não acredito! Droga! Meu primeiro dia de dona de casa foi um fracasso.

São 6 da tarde e Jeferson chega em casa e está com um semblante feliz.

— Amor?

— Oi, meu amor. E aí?

— Boas notícias! Fui contratado!

— Sério?

— Sim, começo amanhã! Mas tem uma parte ruim.

— O que foi?

— É que o trabalho não será aqui no Parque da Barragem, será em outra cidade, então ficarei mais tempo fora de casa, eu acho que só vou chegar às 8 da noite.

— Eu vou ficar esse tempo todo longe de você?

— Ah,meu amor! Não se preocupe, é o começo da nossa nova vida, lembra?

— Verdade.

Bianca dá um beijo em Jeferson e ambos vão jantar.

Primeiro dia de trabalho de Jeferson e como ele mesmo disse, chegou por volta das 8 da noite muito alegre e abraçando a esposa.

Os dias foram se passando e eles de fato estavam tendo uma vida feliz. Certo dia, Bianca está lavando as louças e ouve um barulho na porta da casa, ela deduziu que poderia ser alguma manga que caiu, mas prefere ir ver mesmo assim.

Quando ela abre a porta, leva um susto ao ver uma galinha morta em sua porta.

— Ahhh! Meu Deus!

Ela fica enojada vendo aquilo, quem poderia ter colocado aquela galinha na porta da casa dela? Ela ouve umas risadas de garotos entre 10 a 12 anos correndo por ali pelas redondezas, então ela decide chamar a atenção deles.

— Ei, moleques! Foram vocês que colocaram aquela galinha na minha porta?

Um deles responde:

— Eu não, a gente acabou de chegar.

— Como vou saber se não estão mentindo?

— Moça, a gente só veio pegar algumas amoras, só isso.

O outro pergunta:

— Espera, a senhora mora nessa casa?

— Sim, por quê?

— Credo! E como a senhora consegue? Minha mãe falava que antes de construírem essa casa, faziam rituais de magia negra aí.

— Ah, fala sério, garoto!

— Não, é verdade.

O outro garoto fala:

— Sim, por isso que todo mundo fala que essa fazenda é amaldiçoada, de dia não acontece nada, mas dizem que de noite os espíritos vagam furiosos por aqui.

— Olha, eu já ouvi baboseira demais por hoje. É melhor vocês irem pra casa de vocês!

— Mas deixa a gente pegar amora, por favor, nossa casa fica longe daqui.

— Ah, tá bom, tá bom. Mas vê se não demora!

Bianca desiste de ficar discutindo com os garotos e volta pra dentro de casa, mas ainda sim ela está bastante intrigada com o que ouviu. Se for verdade ou não, isso não sabemos.

Anoitece e já são 20h30, Jeferson ainda não chegou, é a primeira vez em semanas que ele se atrasa e Bianca começa a ficar preocupada, ela olha para o relógio ansiosa, são 9 horas da noite e ela decide jantar sozinha. Ela achou estranho porque Jeferson sempre chegava na hora para ambos jantarem juntos.

Jeferson chegou 21h30 e parecia estar bem mais cansado que os outros dias.

— Amor, graças a Deus você chegou! O que aconteceu? Você nunca chegou tarde desse jeito.

— Oi, amor! Nada, é que teve uma demanda até mais tarde, por isso que demorei.

Bianca sente um cheiro de bebida vindo dele.

— Você bebeu?

— Bom, o Ronaldo me chamou pra tomar uma depois do expediente, foi coisa rápida.

— Amor, mas é Terça-Feira, imagine se você não consegue levantar amanhã porque bebeu demais?

— Tá bom, tá bom, eu só quero dormir, estou exausto.

— Não vai jantar?

— Estou sem fome, só quero dormir.

Bianca fica bastante intrigada, pois nunca viu o seu marido daquele jeito.

Os dias foram se passando e Jeferson chegava cada vez mais tarde em casa, isso estava preocupando ainda mais Bianca que nunca mais conseguiu ter um jantar decente com o seu marido, ele passou a chegar às 10, 10:30 e até 11 horas da noite, e quase sempre estava fedendo a bebida.

Bianca estava começando a ficar angustiada, esse não é o mesmo homem por qual ela se casou meses atrás, alguma coisa estava errada. Ninguém muda assim da água para o vinho.

Certo dia, pela tarde, Bianca abre o armário e vê que as coisas estão começando a faltar em casa, ela achou estranho porque Jeferson sempre fazia compras bem antes justamente pra ela não ter que se deslocar dali, pois o bairro mais próximo fica há 20 minutos de caminhada.

Ela sai de casa e vê aquele mesmo capataz da outra vez, dessa vez ela que o chama e ele retorna o caminho para ir até ela. Ele desce do cavalo pra cumprimentá-la.

— Boa tarde, senhora!

— Boa tarde, é… Primeiro quero me desculpar pela outra vez e segundo… Como eu faço pra chegar na mercearia mais próxima? É que acabou algumas coisas aqui em casa e meu marido chega tarde, então não posso esperar até a noite.

— Tá tudo bem? Parece pálida?

— Eu? Você está achando?

— Bom, se a senhora quiser… Eu posso buscar pra senhora, claro, se isso não arrumar nenhum problema pra ti.

— Faria isso? Obrigada, eu… Posso fazer uma listinha?

— Claro!

— Espera só um pouquinho, eu vou lá dentro anotar.

Uns cinco minutos depois, Bianca retorna e entrega um papel e o dinheiro para aquele capataz um pouco receosa.

— Não se preocupe, senhora, moro nessas bandas há mais de 10 anos e sempre fui um trabalhador honesto, não precisa ter medo, vou trazer suas compras.

— Obrigada, de coração.

Cerca de algum tempo depois, o capataz retorna com as compras de Bianca, já era por volta das 6 e pouco da tarde.

— Quase que não consigo chegar, moça. Fiz de tudo pra não derrubar nada, tá aqui o seu troco.

— Não, pode… Pode ficar com o troco, é o mínimo que eu posso fazer depois da ajuda.

— Não, moça, eu fiz um favor e não posso aceitar isso, pegue! Sei que a senhora vai precisar.

— Bom, mais uma vez agradeço.

— Se precisar, estarei por aí.

— Escuta, até agora acho que nunca nos apresentamos formalmente. Meu nome é Bianca.

— Meu nome é Estevão, senhora. Pode me chamar de Seu Estevão.

— Escuta, Seu Estevão… Acredita mesmo em feitiçaria e essas coisas?

— Eu queria não acreditar, mas não posso ignorar a existência deles.

— Há uns dias atrás uns garotos estavam passando por aqui e… Disseram que essa casa foi construída em cima de um local onde realizavam magia negra. É verdade isso?

— Bom, aí tá uma coisa que eu não sei, já ouvi alguns boatos de que nas redondezas desse fazendão realmente tem pessoas que fazem esse tipo de trabalho, agora não sei dizer se a residência da senhora foi construída por cima de um local assim.

— Pois é, eu… Há uns dias atrás… Eu abri a porta e tinha uma galinha morta na frente da minha casa.

Estevão começa a fazer o sinal da cruz.

— Santa mãe de Cristo!

— O que isso significa?

— A senhora por acaso é devota a alguma religião?

— Eu sou católica, bom… Eu acho.

— Se eu fosse a senhora, pedia pra benzer a tua casa, não me leve a mal, mas não é normal colocarem isso na porta da casa de alguém.

— Acha que foi algum… Espírito?

— Não, moça. Mas acredito que tenham pessoas que fazem magia negra e querem de alguma forma afrontar a senhora ou o seu marido. Mas se for caso de espíritos… Notou algo estranho na tua casa nos últimos dias?

— Não que eu me lembre, por quê?

— Tem certeza? Procure puxar pela memória.

Bianca tenta achar algo em seus pensamentos e lembra que a única coisa estranha foi justamente o comportamento de seu marido que mudou bruscamente de uns dias pra cá, mas ela achou um assunto muito pessoal pra falar para um “estranho”, então preferiu não mencionar.

— Olha, pra ser sincera não lembro de nada.

— Isso é um bom sinal, mas se cuida e mantenha o teu marido informado de tudo. Confia em mim.

Estevão monta em seu cavalo e Bianca fica observando-o partir, vemos alguém observando ela através do para-brisa de um carro, ela entra na casa e depois vemos que a pessoa em questão é Jeferson que incrivelmente chegou mais cedo.

Ele dá partida no carro novamente e estaciona do lado da casa, ele desce do carro e está com cara de poucos amigos. Ao entrar, Bianca fica surpreendida ao vê-lo ali tão cedo e corre para dar um beijo nele.

— Amor, que milagre foi esse que chegou cedo?

Quando ela está prestes a dar um beijo nele, ele desvia e olha sério pra ela.

— Quem era aquele cara que acabou de sair daqui?

— Aquele cara? Ah sim, é o Seu Estevão, ele trabalha em uma granja aqui perto.

— Sim, mas o que ele fazia aqui?

— Nada de mais, amor. Eu pedi pra ele ir na mercearia trazer algumas coisas pra mim.

— Quê? Um desconhecido? Enlouqueceu? Imagine o que esse cara poderia fazer!

— Ele não fez nada, amor, eu só pedi…

— … Olha, Bianca! Eu estava o dia todo no trabalho e senti que deveria sair mais cedo hoje, foi como se uma voz dissesse “Vai agora, você terá uma surpresa”. E realmente eu me surpreendi.

— O que você tá falando? Eu só pedi a ele um favor, trazer algumas compras pra mim, porque as coisas já estavam acabando, por que você parou de comprar assim do nada?

— Agora você quer virar a mesa e colocar a culpa em mim?

— Jeferson, eu… Eu não estou entendendo, aconteceu alguma coisa? Você não era assim, toma um copo d’água.

Ela pega um copo com água, entrega pra ele e ele furioso taca o copo na parede.

— Eu não quero nada!

Bianca fica estarrecida com a atitude de Jeferson.

— O que aconteceu, amor? Por que tá agindo assim?

— Me deixa em paz, Bianca!

— Não, eu exijo uma explicação!

— Eu não quero falar nada!

Ele sai bufando em direção ao quarto, Bianca vai atrás dele querendo explicações.

— Eu exijo uma explicação agora, Jeferson!

— Me deixa em paz, caralho!

Jeferson de costas, vira de frente pra ela e desce um tapa em Bianca.

Ela fica completamente em choque, nunca imaginou uma atitude dessas vindo dele. Jeferson fica por alguns segundos olhando pra ela, parece que nem ele sabe o motivo de ter feito aquilo, Bianca segurando a mão no rosto, diz:

— Você bateu em mim?

— Bi… Bianca, eu…

— … Nem meu pai nunca me bateu na cara, seu infeliz! Como se atreveu?

— Bianca, eu..

— … Fica longe de mim, Jeferson! Fica longe de mim!

Como aquilo pôde acontecer? Onde estava o casal feliz que não se importava com as consequências da vida?

Horas mais tarde, Bianca está na cama chorando, Jeferson chega na porta do quarto e sussurra.

— Bianca, Bianca, me desculpa. Eu não sei o que deu em mim, eu não queria ter feito isso, por favor.

Bianca não diz nada, apenas preferiu ficar ali chorando e sem reação.

Alguns dias depois, Jeferson e Bianca saíram pra comprar umas coisas, ela compra um teste de gravidez sem que seu marido soubesse. É fim de semana, Jeferson está na sala assistindo seu futebol e vemos Bianca no banheiro sentada na privada, ela aguarda alguns minutos e depois pega o seu teste de gravidez. Deu positivo! Ela se levantou, olhou-se no espelho com o semblante feliz, enfim poderá construir sua família.

Ela sai do banheiro toda entusiasmada e se aproxima de Jeferson.

— Meu amor, eu tenho uma surpresa!

— O que houve, amor?

— Vai querer deixar esse campeonato de lado ao ouvir isso.

— Nossa, e o que é assim tão importante?

— Eu estou grávida! Você vai ser papai!

A notícia caiu como uma bomba para Jeferson, seu semblante mudou de uma forma repentina, ele se levanta do sofá e Bianca ainda não se tocou na reação dele.

— Isso é maravilhoso, não é? Enfim seremos pais!

— Bianca… Eu pensei que tinha dito que estava se cuidando.

— Quê? Como assim?

— Por que não se cuidou?

— Achei que era teu sonho ser pai.

— Talvez foi um dia… De quanto tempo?

— Eu… Ainda não sei, fiz um teste de farmácia.

Jeferson se assenta no sofá e friamente diz:

— Não podemos ter esse bebê.

— O quê? Você tá maluco? Quer que eu faça o quê? Que eu o aborte? E toda aquela palhaçada de direitos humanos?

— Não me interessa, Bianca! Não vamos ter esse bebê! Faça o que for preciso, mas ele não é bem vindo agora.

— O que você tá falando? Jeferson, quem é você? Você não é o meu marido!

— Já chega, Bianca!

Enquanto eles estão discutindo, um corvo pousa na janela e fica os observando.

— Sabe o que eu acho? Que você engravidou de propósito só pra me prender aqui dentro de casa, é isso!

— Do que você tá falando? Eu nunca faria isso!

— É isso sim, aposto até que esse filho não é nem meu, aposto que você deu pra aquele capataz enquanto eu trabalhava.

Bianca desce um tapa seco na cara de Jeferson.

— Nunca mais se refira a mim dessa forma, Jeferson! A minha mãe criou uma mulher e não uma vagabunda.

— Eu me cansei disso!

Jeferson pega sua jaqueta e as chaves do carro.

— Onde você vai?

— Não é da sua conta!

— Volta aqui, Jeferson! Jeferson! Volta aqui!

Jeferson sai “cantando pneu” dali e Bianca tenta chamar por ele enquanto a poeira cobre a frente de sua casa com o cantar dos pneus.

— Jeferson!! Jeferson!

Minutos depois, Jeferson está em seu carro com os nervos a flor da pele, ele ouve uma voz e quando vira para o lado, tem um homem no banco do passageiro.

— Eu disse a você, Jeferson. A tua esposa não é quem você diz ser.

— Cala a boca! Você foi quem disse pra eu chegar cedo naquele dia.

— E assim descobriu a infidelidade de sua esposa, não foi? Quem sabe quantos outros ela não levou pra lá? E olha que aquele capataz é um senhor, imagine quantos homens interessantes ela não deve ter levado pra cama enquanto você enchia a cara até tarde da noite? Imagine quantos homens não deitaram na cama onde você dorme?

— Já chega! Já chega!

Jeferson freia bruscamente e coloca a cabeça no volante, quando ele olha para o lado, o homem já não está mais ali. Poderia ser a sua mente pregando-lhe uma peça?

Setembro de 1991.

Bianca está do lado de fora perto de uma árvore bem pensativa, ela vê um grupo de garotos passando por ali de bicicleta.

— Ei, garotos! Espera um pouco! Preciso de um favor!

— Sim, senhora!

— Vocês sabem me dizer onde eu posso encontrar um orelhão mais próximo?

— No bairro Alterosa.

— Aonde?

— Aquele bairro ali que fica logo na saída do fazendão, é o primeiro bairro que você chega quando sai daqui. É só a senhora ir reto até encontrar a Mercearia Dias, aí lá tem um orelhão.

— Muito obrigada, garoto!

Bianca rapidamente volta pra dentro de casa e pega um cartão telefônico, pela primeira vez ela perdeu o medo de sair de casa.

Ela andou muito e mesmo cansada, ela consegue chegar ao bendito orelhão. Ela coloca o cartão e disca um número.

— Mãe? Oi, é a Bia! Mãe… Vem me buscar, por favor! Eu não aguento mais!

Bianca chora no orelhão enquanto fala com sua mãe do outro lado.

Alguns minutos depois, voltando pra casa, quando ela está prestes a sair do bairro, uma senhora passa por ela e pega na sua mão.

— Saia da casa!

— Quê?

— Saia! Eu sinto cheiro de morte no banheiro.

Bianca fica irritada e tira sua mão bruscamente da mão da senhora.

— Tá maluca? Eu nem te conheço! Sai fora!

Quando Bianca vira de costas, a senhora pronuncia algo:

— O que há em seu ventre vai arruinar tudo.

Bianca fica paralisada sem entender o que aconteceu, ela vira de frente olhando para ela novamente.

— O que a senhora disse?

— O cheiro da morte tá vindo do banheiro.

A velha sai de perto e deixa Bianca completamente estarrecida.

Dias depois, Bianca está na sala fazendo crochê e novamente ouve um barulho na porta da sua casa, ela deixa o pano e a agulha na mesa e se levanta pra ver o que se trata. Quando ela abre a porta, vê uma cuia cheia de velas pretas e pedaços de ossos.

— Ahhh!

Bianca põe as mãos na boca e se afasta enojada. Ela encosta na parede e começa a sentir uma dor forte na barriga.

— Aaaaaai!

A dor parecia insuportável, ela põe a mão por debaixo do vestido e quando tira, sua mão está banhada a sangue.

— Não, não, não pode ser possível.

Bianca se esforça pra ir até à porta com bastante dificuldade, ela tira aquela cuia da sua frente e vai pra fora. A dor em sua barriga está a cada vez mais forte.

— Socorro! Socorro! Alguém me ajuda!

Ela começa a se rastejar pelo chão empoeirado pedindo socorro e ninguém aparecia, nem mesmo o bondoso capataz e sequer uma das crianças que hora ou outra passavam por ali pra apanhar amoras. Nada! Era apenas ela gritando de dor e toda ensanguentada.

— Alguém, por favor! Me ajuda! Eu preciso ir pro hospital!

Enquanto Bianca está ali cheia de dor, ela vê meio embaçada aquela mesma velha que apareceu pra ela outro dia. Bianca se esforça pra tentar enxergar direito e estende as mãos em direção à ela.

— So… Socorro.

— Eu disse, Bianca. Esse é só o começo do cheiro da morte, menina. Lembre-se! O cheiro da morte está no banheiro.

Bianca não conseguia processar absolutamente nada que ela estava dizendo e acabou perdendo a consciência, não havia mais ninguém ali por perto, essa velha era real ou apenas fruto da imaginação de Bianca?

Alguns dias se passaram, Bianca estava ficando a cada dia mais fraca, pálida, ela de fato perdeu o bebê naquele dia, mas foi como se uma parte dela tivesse morrido junto, ela mal se alimentava e já não ia pra fora com tanta frequência como antes.

Jeferson chega do trabalho, já é aproximadamente 10 horas da noite, Bianca encosta na parede do quarto e conversa com o marido.

— Chegou tarde!

— Por que a janta não tá na mesa?

— Não fiz janta hoje, ainda sobrou do almoço, pode esquentar.

— Sobras do almoço? Tá ficando louca? Toda noite eu chegava e você já deixava a minha comida pronta, o que foi agora?

— Jeferson, eu passei mal o dia inteiro, mal conseguia me movimentar, eu devo tá com anemia, não sei. Desde que eu tive o aborto, eu…

— … Não me interessa! A única coisa boa disso tudo foi que não tivemos que nos preocupar com essa criança.

— Você se ouve quando fala? Que diabos deu em você?

— Pra quem disse que estava doente, você tá com a língua bem afiada.

— Eu sou tua esposa! Eu confiei em você toda a minha vida, desde que chegamos nesta casa você tem agido de uma forma estranha, me maltrata, mal fala comigo… Quer saber? Eu vou embora daqui!

— O que disse? Você não é louca, não vai sair daqui!

— Ah é? Quem vai me impedir? Você? Pois é tarde demais, Jeferson! Já liguei pros meus pais, eles estão vindo me buscar. Sai da minha frente!

Jeferson agarra Bianca pelos braços.

— Não! Você não pode sair dessa casa! Não pode sair da fazenda!

— Quem você acha que é pra me impedir? Eu vou sair desse maldito lugar quer você queira ou não.

Bianca se dirige até a porta, Jeferson a puxa pelo braço a encarando e diz:

— Você só sai daqui morta!

Jeferson esbofeteia Bianca e ela cai no chão urrando de dor, ela tenta se levantar e ele dá outro tapa nela.

— Anda! Fala que vai sair daqui de novo sua vagabunda!

Bianca pega a panela que está no fogão e acerta a cabeça dele, ela sai cambaleando pela fazenda, é noite enluarada e ninguém poderia ajudá-la naquele momento.

— Me ajudem! Socorro!

— Volta aqui, Bianca!

Jeferson alcança Bianca, ela cai no chão, ele agarra uma de suas pernas e com a outra ela chuta a cara dele. Em seguida ela tenta se levantar e Jeferson a arrasta pelas duas pernas, ela tenta se segurar nas folhagens caídas no chão sem nenhum sucesso.

Jeferson pega Bianca no colo e a leva pra dentro de casa, ele a joga encima da cama e tira o cinto de sua calça.

— Faça o seu trabalho como esposa, ou você não me serve de nada!

— Não, Jeferson! Para! Eu não quero!

Jeferson ignora a súplica e começa a ter relações sexuais com Bianca e ela está completamente desesperada, em um momento ele olha pra frente e vê aquele mesmo homem que apareceu no carro dele dizendo:

— Esse é o teu lar, Jeferson. Não deixe que ela tire você daqui.

Na contrapartida, enquanto Bianca está sendo violentada, ela olha para o lado e vê aquela velha em pé diante da janela.

— Você vai saber a hora, vai sentir o cheiro… No banheiro.

O que fica claro ou não, é que duas entidades estão persuadindo o casal, este homem está fazendo com que Jeferson se transforme nesse monstro, enquanto a velha está tentando alertar Bianca de alguma coisa, mas talvez esse alerta já tenha sido tarde demais.

Outubro de 1991

Bianca chegou ao seu limite, após aquela noite tórrida, as agressões continuaram constantemente, cada palavra que Bianca pronunciava, Jeferson se transformava de uma maneira terrível. Chegava bêbado em casa e todas as vezes a maltratava, ela nunca mais viu o bondoso capataz, foi como se toda a sua esperança tivesse desaparecido, ela já estava farta de todas essas agressões, precisava pensar em algo, precisava dar um ponto final em tudo isso.

Em um dia como qualquer um outro, Bianca vê que seu marido trouxe algumas ferramentas de trabalho, ela encontra entre elas um machado. De alguma maneira, ela ficou por alguns minutos fitada naquele machado, era como se uma voz soasse no ouvido dela que aquele machado seria sua válvula de escape.

Ela tira o machado dali e o leva para o quarto, escondendo-o debaixo da cama. Ao fazer isso, ela sorri do nada e vai para a cozinha preparar a comida e por algum motivo, ela fez uma janta caprichada colocando tudo aquilo que o esposo dela sempre gostou, ela prepara a mesa e a deixa bem ornamentada para quando ele chegasse.

Passou-se algumas horas, Jeferson chega às 22h30, neste dia ele não estava tão bêbado como de costume. Ao entrar na casa, ele se assusta ao ver a mesa farta e sua esposa em uma das cadeiras olhando pra ele.

— Olá, amor! Chegou cedo! O jantar já está pronto. Fiz estrogonofe pra você, sei que adora.

— Eu…

— Ow! Você deve ter trabalhado muito hoje, não é? Eu entendo, querido… Mas prove um pouco, você vai adorar.

Jeferson sem entender muito decide se sentar à mesa e prova da comida feita pela esposa, alguns minutos depois ele havia terminado de jantar e se espreguiça na cadeira dizendo:

— Nossa! Comi que nem um cavalo.

— Espero que tenha gostado, por que não vai tomar um banho pra relaxar os nervos? Imagino que teve muito, mas muito trabalho hoje não é?

Bianca dá um sorriso amarelado, Jeferson fica um pouco confuso, mas vê que é uma boa ideia.

— Tudo bem, eu vou tomar um banho, e… Me espera na cama?

— Claro, meu amor! Como toda esposa fiel e submissa faria.

Cerca de 10 minutos se passaram, Jeferson está tomando banho e vemos alguém se aproximando da porta, ele está de costas e enquanto a água corria pelo seu corpo nú, a porta se abre lentamente e ele não ouve nada.

Percebemos que a pessoa em questão é Bianca, ela está com o machado nas mãos, seu olhar está cheio de ódio, suas mãos até então estavam trêmulas, mas rapidamente elas param de tremer e agarram firmemente aquele machado. Aproveitando que ele ainda está de costas, Bianca friamente acerta o machado no ombro dele, ele urra de dor e o sangue jorra pela parede. Ela espera que ele vire de frente e acerta outra machadada na cabeça dele partindo uma parte do crânio, Jeferson cai no chão e Bianca continua a acertá-lo.

Várias, várias vezes, sem hesitar, ela sorri de uma forma diabólica enquanto crava aquele machado no corpo do marido. O sangue jorra em seu rosto, nas suas roupas e em todo o banheiro.

Ao perceber o que havia feito, Bianca olha para as suas mãos repletas de sangue, ela fica por alguns segundos observando o corpo de Jeferson, o banheiro fica encharcado de sangue e ela pela primeira vez na vida, não sentiu um pingo de remorso, foi como se aquilo tudo fosse a sua libertação, a sua carta de alforria. Após o ato, Bianca foi dormir toda suja como se nada tivesse acontecido.

Amanhece, é por volta das 6 da manhã, Bianca acorda e vê que não pode ficar com aquele corpo por muito tempo ali, alguma coisa ela tinha que fazer pra se livrar daquele “peso”. Então ela pega o machado e procura alguma coisa para deixá-lo bem mais afiado.

Após amolar o machado, Bianca pega um saco preto enorme e vai com ele até o banheiro. Quando chega lá, ela se ajoelha perto do corpo do marido e deixa um de seus braços bem estirados, ela fica alguns segundos olhando e em seguida começa a esquartejar Jeferson parte por parte.

Cada parte de seu corpo ela jogava dentro do saco, ela não parecia se importar com a nojeira que estava fazendo, enfim cortou tudo e os amarrou dentro do saco e levou pra cozinha. Antes de fazer qualquer outra coisa, Bianca pega uma bacia com água e sabão e começa a esfregar em todo o banheiro pra tirar aquelas manchas de sangue, ela continua com a mesma roupa da noite anterior, mas por algum motivo se preocupou apenas em limpar o banheiro e sequer trocou a sua roupa que também está ensanguentada.

Ela consegue limpar todo o chão, mas em um local específico da parede, ela não conseguia limpar, por mais que esfregasse infinitas vezes, aquelas manchas não saíam. Vendo que seria inútil tentar limpar, ela desiste e volta para a cozinha.

Bianca vai puxando o saco com muita dificuldade até chegar do lado de fora, ela olha para um lado e para o outro pra ver se encontra alguém e não havia nem sinal de gente ali. Bianca continua a arrastar o saco com os pedaços do corpo do marido para o mais profundo daquele fazendão.

De longe, podemos ver que alguém a está observando e percebe que ela está toda ensanguentada e arrastando aquele saco que deixava um rastro de sangue no caminho.

Passou-se cerca de 40 minutos, Bianca chega a lugares que ela nunca tinha ido além daquela fazenda, ela vai parar em uma área cheia de rochas e umas estacas com cabeças de caveira em cada uma delas.

Ela se detém, larga o saco e avista no meio daquelas rochas uma pessoa, quando chega mais perto, trata-se daquela mesma velha de antes.

— Parabéns! Você é uma de nós agora, aquele sangue no banheiro será o sinal que ninguém pode tocar nesse território. Ninguém!

Bianca continua confusa e neste momento ouve um alerta.

— Parada ou eu atiro!

Bianca não faz nada, apenas dá um sorriso diabólico e levanta as mãos para a cima em sinal de rendição. Um grupo de policiais com alguns cães farejadores chegam ali e abordam a moça.

— Departamento! Estamos aqui com a suspeita pela qual recebemos a denúncia anônima que estava “zanzando” pela fazenda.

Outro policial o chama:

— Chefe! Vem ver isso!

Eles abrem o saco e veem o corpo mutilado de Jeferson ali dentro.

— Meu Deus, que horror! Ela que fez isso?

Bianca está ajoelhada no chão e outro policial a está algemando.

— Está presa, senhora!

Bianca dá um sorriso cínico e diz:

— Agora está feito! Essa fazenda pertence a nós… Pertence ao sobrenatural.

Os policiais olham um para o outro, ninguém entende nada, por que isso aconteceu? O que vai ser de Bianca agora? Ela poderá um dia se recuperar de tudo o que viveu?

 


 

 

                            ATO II

 

 

Águas Lindas de Goiás, (antigo Parque da Barragem) 2001.

 

É final de Setembro e tinha poucos dias que a humanidade havia presenciado um dos maiores atentados do mundo: As Torres Gêmeas no dia 11 de Setembro. A cidade que antes se chamava “Parque da Barragem” agora é conhecida como Águas Lindas, a mudança foi ainda nos anos 90 após o ocorrido na casa da fazenda.

Vemos em um fusca vermelho, uma família que parece está bastante feliz indo em direção a algum lugar. Dirigindo está Luís, homem alto, 35 anos e cabelo preto e liso, ao lado dele está a sua mulher Sandra, 29 anos, cabelos loiros e olhos verdes.

No banco de trás estão os três filhos do casal. Alex tem 10 anos, estatura normal, cabelo preto, pele clara e olhos escuros. O do meio se chama Gustavo, tem 7 anos, cabelo castanho e encaracolado. A caçula se chama Júlia, 5 anos, loira de franja e tem olhos verdes iguais os da mãe.

Eles estão no fusca bastante animados cantando “Pelados em Santos” do “Mamonas Assassinas”, naquela época, mesmo após 5 anos da morte dos componentes da banda, as músicas faziam muito sucesso entre jovens e adultos.

Eles estão terminando a música e Luís pede pra que todos se preparem:

— Vamos lá, quero todo mundo junto nessa parte, 3, 2, 1…

— VOCÊ É MEU XUXUXINHO!

Ao entoarem o trecho da música, ambos caem em gargalhadas e a pequena Júlia abraçada à sua boneca, curiosa, questiona:

— O que é xuxuzinho, mãe?

— Ah, meu amor. Você é um xuxuzinho.

Alex, o mais velho resmunga.

— Ah, você não é não.

— Fica quieto, Alex!

— Alex, filho. Não fique caçoando de tua irmã. Você é o xuxuzinho da mamãe sim, Júlia.

— Viu, seu bobão! Eu sou o xuxuzinho da mamãe e você não.

— Ah, cala a boca! (dando língua pra ela)

— Mãe, o Alex me deu língua!

— Alex? Quer parar?

— Ah, mãe, qual é?

Luís impõe autoridade.

— Alex, não fale desse jeito com a tua mãe.

— Sempre sobra pra mim.

Gustavo que até então estava quieto, se pronuncia.

— Pai, ele tá com ciúmes porque sabe que vocês gostam mais dos caçulas do que dele.

— O quê? Cala a boca, Gustavo!

— Vem calar!

— Oh mãe! Fala pro Gustavo parar!

— Nossa, mas vocês estão impossíveis hoje! Luís, faça alguma coisa.

— É o seguinte, se não se comportarem, não terão pizza no fim de semana.

As crianças automaticamente se comportam na mesma hora. Sandra impressionada questiona:

— Como você fez isso?

— Eu tenho meus truques, querida.

Passou-se cerca de meia hora e finalmente aquela família chega ao seu destino. E para a nossa infelicidade que acompanhou o que aconteceu com aquele casal há 10 anos, eles foram parar justamente na fazenda, aquela fazenda. E o pior de tudo, aquela mesma casa.

Parece que nada mudou de 10 anos pra cá, a não ser pelas árvores que cresceram ao redor e já não tem mais tanto verde e nem animais por perto, pelo menos não ali ao redor da casa.

Luís e sua família descem do fusca e ambos ficam observando o local.

— Amor, essa é a casa?

— Pois é, não é muito grande, mas… Dá pra sustentar nós 5.

— Eu falo que é totalmente longe de tudo, não tem nenhuma casa aqui por perto?

— Dentro da fazenda não. A não ser pela granja que tem bem lá embaixo. Como a área é aberta, hora e outra a gente vai topar com trabalhadores da granja.

— Isso não me deixa nada confortável.

— Meu bem, concordamos com isso, lembra?

Sandra é totalmente diferente de Bianca, ela não aceitava tão facilmente as coisas apesar de que sempre teve um relacionamento saudável com o seu marido.

As crianças ficam admiradas com tantas árvores ao redor, Gustavo dá a volta pela casa e encontra a amoreira muito mais bonita que na década passada.

— Caraca, Alex, Júlia, tem amora aqui atrás.

— Sério?

— Ahh eu quero amora!

Sandra adverte:

— Crianças, cuidado! Não fiquem perambulando por aí sozinhos.

Enquanto as crianças se lambuzam com as amoras, o casal adentra à casa e Sandra fica admirada porque está tudo organizado.

— Uau! Achei que ia chegar e a casa estaria caída aos pedaços.

— Claro que eu vim aqui antes pra arrumar tudo, né amor?

— Gostei do que vi. Acho que vou colocar você pra ser o dono de casa e eu sair pra trabalhar, o que acha?

— Não, você vai detestar a minha comida, senhorita Sandra.

— Bobo.

Sandra dá um beijo de leve em Luís e vai observando a casa.

— Tem quantos cômodos mesmo?

— Quatro incluindo o banheiro. A gente pode colocar o Alex e o Gustavo pra dividir o quarto e a Júlia dorme com a gente por enquanto, pedi pra colocar a caminha dela em um canto no nosso quarto.

— O Alex vai odiar ter que dividir o quarto com o Gustavo.

— Ah disso eu tenho certeza!

Sandra continua olhando cômodo por cômodo até chegar ao banheiro, ela entra e fica olhando por alguns minutos, Luís entra.

— E aí, o que achou?

— Bem, considerando que estamos longe de tudo e de todos… Eu gostei da casa.

— Sabia que ia gostar, amor.

Sandra olha por alguns instantes pra parede e repara nas manchas vermelhas.

— Amor, aquelas manchas… São de sangue?

— Aonde?

— Ali no canto da parede.

— Ah, acho que não, amor.

— Eu tenho quase certeza que isso é mancha de sangue.

Ela passa o dedo na parede.

— E pelo visto está aqui há muito tempo.

— Deve ser tinta ou coisa do tipo.

— Tinta vermelha? Em um banheiro que o azulejo é azul claro? Não mesmo.

— Talvez os antigos moradores iam pintar e depois desistiram e não conseguiram tirar as manchas depois.

— É, só se for mesmo. A propósito, quem eram os antigos moradores?

— Pra ser sincero… Não sei dizer.

— Isso me deixa muito “aliviada”, vamos colocar as caixas pra dentro.

Sandra e Luís sequer imaginavam que naquele mesmo banheiro, um crime brutal havia ocorrido há 10 anos, um homem foi totalmente desmembrado naquele local e o pior de tudo… Tanto ele quanto ela não estavam mais em pleno gozo de suas faculdades mentais, ou pelo menos, é o que parecia.

Já é noite, ambos estão ali na sua nova moradia conversando enquanto Luís está ao telefone.

— Tá brincando? Não fazem entrega pra essas bandas? Mas… Tudo bem, eu entendo. Obrigado!

— O que foi, amor?

— É, crianças. Parece que ficaremos todos sem pizza hoje.

Ambos começam a resmungar.

— Ah não!

— Fala sério, pai. Você prometeu!

— Desculpem, mas não foi minha culpa.

— O que eles disseram, amor?

— Que não fazem entregas pra essa região à noite.

— Mas não é nem 8 horas.

— Pois é, mas segundo eles, é perigoso fazer entregas pra cá depois das 18h.

— Fala sério, isso é discriminação!

— E a pizzaria mais próxima fica há uns 4 quilômetros daqui e eu não estou afim de dirigir agora à noite, então criançada, vamos ter que comer outra coisa.

— Bom, já vi que vocês não tem outra alternativa: Terão que comer a macarronada da mamãe.

E assim eles degustaram da boa macarronada que Sandra melhor sabe fazer. As horas foram passando e eles ficavam conversando, os garotos brincavam de tazos enquanto a pequena Júlia brincava com suas bonecas. Luís tenta sintonizar a TV seminova de 20 polegadas enquanto Sandra lia um livro no sofá.

Já era por volta da meia-noite. Alex e Gustavo já foram dormir e Sandra está colocando a pequena Júlia pra dormir em sua caminha que fica dentro do quarto do casal.

— Até o papai construir um quarto só pra você, vai dormir com a gente, tá bom?

— Eu vou poder ter o meu quarto cheio de bonecas?

— Claro, meu amor! Cheio de bonecas, ursos de pelúcia, do jeito que você gosta.

— E ele vai ser pintado de rosa?

— Claro, a cor que você quiser.

— Que massa!

Sandra solta uma gargalhada discreta.

— Meu amor, onde aprendeu a falar isso?

— Eu vi o Alex falando.

— Espero que esse garoto não aprenda outro tipo de palavreado, por enquanto “massa” é aceitável. Vai dormir, tá meu anjo? Boa noite!

— Boa noite, mamãe!

Todos enfim foram dormir, aquela será a primeira noite daquela família em sua nova casa. Já é por volta de 1 hora da manhã. Gustavo está se revirando por um lado e pro outro da cama. Ele acorda, se recosta na cabeceira e observa seu irmão Alex dormindo.

Gustavo se levanta e vai para a cozinha. Ele pega um copo e o enche de água, quando dá o primeiro gole, ele parece sentir que tem alguma coisa na porta. Gustavo fica paralisado olhando por alguns minutos, ele dá os primeiros passos em direção à porta. Aparentemente não tem nada ali, mas ele sente como se algum animal ou coisa parecida estivesse à espreita.

Gustavo começa a esticar a mão levemente até a maçaneta, quando está prestes a girar, ele vê alguém pegar em seu ombro.

— Gustavo!

— Ahh!

Gustavo deixa o copo cair quebrando-o, é o seu irmão Alex.

— O que você tá fazendo aqui?

— Você… Você me assustou!

— Você queria ir pra rua, tá ficando louco?

— Não, é que, é que…

Sandra ouve o barulho e vai até a cozinha e fala sussurrando pra eles.

— Meninos, já é uma hora da manhã. O que vocês estão fazendo?

— O Gustavo estava querendo abrir a porta, mãe.

— Gustavo?

— Não, mãe. Eu não estava, eu… Eu, eu ouvi um barulho e…

— … Já chega! Pra cama os dois! Sorte que o pai de vocês não acordou, porque aí vocês estariam muito encrencados.

Os dois garotos voltam para o quarto, mas alguma coisa deve ter acontecido, Gustavo não iria querer se aproximar da porta de sua casa no meio da noite assim do nada.

No dia seguinte, Luís saiu para assinar a papelada de seu novo emprego, ele é um engenheiro civil formado e ficou muito feliz pela oportunidade que recebeu. Ao sair dali, Luís foi até o colégio mais próximo de onde eles eles estão morando para matricular seus dois filhos, mesmo em pleno Setembro, ele não queria que ambos perdessem o ano escolar, então conseguiu duas vagas para Alex e Gustavo em uma escola que fica há uns 20 minutos da fazenda.

Horas mais tarde, Sandra está estendendo roupas no varal enquanto os garotos estão lá dentro brincando. A pequena Júlia sai pra fora e questiona sua mãe:

— Mãe… A senhora viu minha boneca? Aquela grande que o papai me deu.

— Não, meu amor. Você não tinha ido dormir com ela?

— Tinha, mas quando eu procurei pra brincar, ela não estava.

— Vê com seus irmãos, com certeza eles esconderam.

Júlia entra pra dentro de casa e vê seus irmãos brincando com bola de gude na sala.

— Gustavo, você viu minha boneca?

— Você tem um monte de boneca, Júlia!

— Não, mas eu quero a “sofia”, a boneca que o papai me deu de aniversário.

— Não vi não.

— Alex, você viu minha boneca?

— Tô nem aí pra tua boneca!

Júlia desapontada decide ir procurar a boneca sozinha. Ela entra no quarto de seus pais e começa a chamar por ela.

— “sofia”! Cadê você?

Júlia olha debaixo da cama dos pais e não vê nada. Em seguida ela olha debaixo da caminha dela e também não encontra nada. A menina olha o guarda-roupa dos pais e também nada encontra.

Após quase desistir, ela prefere ir no quarto dos irmãos. Quando entra ali, ela sente um arrepio soprando seu cabelo. A garota não dá muito caso e decide procurar sua boneca pelo quarto.

Após olhar por debaixo das camas, ela ouve um sussurro.

— Psiu! Ei! Aqui.

Júlia se levanta e fica encarando o guarda-roupa.

— “sofia”?

— Sou eu, eu tô aqui dentro, vem brincar.

A voz era como de uma criança, e ressoava de uma maneira sussurrada.

— Vem brincar comigo, Júlia. Vem!

Júlia vai andando em direção ao guarda-roupa lentamente. Ela para por instantes, hesita e a voz continua chamando-a.

— Tenho uma surpresa pra você aqui dentro, você não quer ver?

Júlia está ressabiada, mas dá mais alguns passos em direção ao guarda roupa. Quando ela abre a porta, seus olhos ficam arregalados diante de algo que vê e solta um grito estarrecedor.

— Aaaaaaaahhhh!!!! Aaaaaaaaahhh!!

Sandra ouve os gritos de Júlia e deixa o cesto de roupas no chão e vai imediatamente pra dentro da casa, ao chegar lá, seus irmãos já estão no quarto e ambos estão olhando pra dentro do guarda-roupa estupefatos e Júlia está chorando no pé da cama.

— O que foi? Por que a gritaria?

Os garotos apontam pra dentro do guarda-roupa e Sandra vê a boneca “sofia” enforcada no cabide sem roupinhas e com o desenho de uma cruz invertida no peito.

Sandra fica completamente em choque diante do que vê.

Cerca de meia hora depois, Luís está na sala tendo uma conversa séria com Alex e Gustavo. Eles se encontram no sofá ouvindo o sermão do pai.

— Muito bem, agora vocês podem começar a me dizer… Qual de vocês fez essa brincadeira sem graça com a sua irmã?

Alex responde:

— Mas pai, não foi a gente, nós estávamos brin…

— … Não levante o tom de voz pra mim, Alex! Só porque está ficando um rapaz, não te dá o direito de me responder com malcriação.

Gustavo reforça:

— Mas pai, não fomos nós. A gente estava brincando na sala e ouvimos os gritos da Júlia.

Sandra e Júlia estão em um canto da sala testemunhando o sermão.

— Ah, é? Se não foi um de vocês dois, quem foi? Hein? Vão falar que foi a mamãe, o papai ou a própria Júlia que fez isso?

Os garotos preferem manter o silêncio.

— Ótimo! Estão de castigo! Sem videogame por uma semana.

— Ah não, pai!

— Sem reclamar ou eu aumento pra duas semanas, Gustavo!

Os dois garotos se levantam do sofá e vão para o quarto resmungando. Luís coloca a mão na cabeça e murmura.

— O que esses moleques estão aprendendo hoje em dia?

Luís vai pra fora e Sandra senta na poltrona colocando Júlia no colo.

— Não se preocupe, meu amor. Eles não vão mais fazer isso.

— Mamãe, eu ouvi a “sofia” me chamando.

— Quê?

— Ela disse que tinha uma surpresa pra mim, por isso eu abri o guarda-roupa.

— Você andou assistindo filmes de terror, filha? Ai, tenho que falar pro Alex parar de ver esses filmes na tua frente.

Algumas semanas se passaram e aparentemente nada de estranho voltou a acontecer, os garotos começaram a estudar enquanto Sandra e Júlia ficavam sozinhas em casa. Diferente daquela família anterior, todos eles gostavam de frequentar a igreja. Então todos os Domingos, Luís levava a sua família para uma igrejinha no bairro mais próximo dali.

Era tudo muito simples, todos eles estavam seguindo suas vidas normalmente, até que um dia na escola dos garotos, na roda de conversas no recreio, Gustavo acabou soltando pra um grupo de colegas o local onde ele mora, e isso parece não ter ressoado muito bem nos ouvidos deles.

— Quê? Você mora no “fazendão”? Tá maluco? Aquele lugar é assombrado!

— Não é não, por que tá dizendo isso?

— Claro que é, minha mãe me contava das coisas que aconteciam ali, disse que várias pessoas morreram naquele lugar.

— Para, não é verdade!

— O Gustavo deve até mijar na cama com medo dos fantasmas.

— Parem com isso!

O grupo de garotos começa a cantarolar “O Gustavo mora na casa assombrada”, “O Gustavo mora na casa assombrada”.

Gustavo começa a lacrimejar e se sente afrontado pela provocação dos colegas.

— Parem! Parem! A minha casa não é assombrada!

Os outros garotos continuavam a cantarolar, um deles fica bem próximo de Gustavo e diz:

— Quem você já viu lá? O Candyman? A loira do banheiro? Quem?

— Para! Para!

Alex vê aquilo e corre rapidamente empurrando o garoto que provocava o irmão.

— Deixa meu irmão em paz!

— Uuui, o “Gugu” tem um defensor.

— Cala a boca! Por que não mexe com alguém do teu tamanho?

— Vai encarar, parceiro?

— Vem pra cima então!

Os dois garotos começam a se “atracar” pelo chão distribuindo socos e chutes. Os demais garotos continuavam a provocar pra que eles continuassem a briga. Gustavo olha para o portão da escola e vê um homem de chapéu, não podemos ver o seu rosto direito, mas o garoto fica tão assustado que enquanto o seu irmão está brigando com um colega, a urina começa a escorrer pelas suas calças e ele fica se tremendo.

Alex cessa a briga e percebe que algo está errado com o irmão.

— Gustavo, o que aconteceu com você?

— Me leva pra casa, por favor!

 

Trinta minutos mais tarde, os garotos chegam em casa e Sandra fica impactada com a situação que seus filhos se encontram.

— Mas o que aconteceu com vocês? Não me diga que… Não me diga que brigaram na escola? Alex, você tá brigando na escola?

— Mas mãe, eles estavam…

— … Eles, eles! Sempre eles! Você nunca tá errado, né? Gustavo, meu filho, o que aconteceu? Você… Você tá molhado.

— Ma… Mãe.

— Chega! Venha tomar um banho, e você mocinho (se dirigindo a Alex), pro seu quarto!

— Mas eu… Ahhh!

Alguns minutos depois, Sandra já havia terminado de dar banho em Gustavo, ela o coloca na cama enquanto veste sua calça de dormir.

— Mãe, por favor, não conta pro papai que eu mijei nas calças. Por favor! Por favor!

— Filho, seu pai não ia se importa com isso.

— Não, se ele souber vai dizer que eu sou uma criança, e eu quero ficar grande como o Alex.

— Não sei dizer se o teu irmão é a melhor influência pra você. Veja só o que ele fez.

— Mas mãe, o Alex brigou com os moleques porque eles estavam zoando comigo.

— Espera, eles estavam zoando com você?

— Sim, porque eu disse que morava nessa casa e eles disseram que esse fazendão é assombrado e ficaram zombando de mim.

— Mas que ideia idiota desses garotos! Bom, então se o Alex brigou, não que isso justifique, pra defender você… Acho que ele merece uma desculpa.

 

Alex está na sala sentado no sofá com um cubo mágico na mão, sua mãe chega à espreita o tanto envergonhada.

— Seu irmão me disse o que aconteceu… Que você brigou porque os colegas estavam caçoando dele.

Alex mantém silêncio e continua concentrado no cubo. Sandra percebe a indiferença do filho e se aproxima parando de frente a ele.

— Olha, eu sei que estou sendo dura com você, mas é que… Últimamente eu tenho estado tão estressada que…

— … Esse é o problema, mãe! Você e o papai nunca me ouvem!

— Alex, não diga isso.

— Mas é verdade, tudo o que acontece é minha culpa. Eu não queria ter me mudado pra cá e vocês me obrigaram, tudo o que acontece com o Gustavo ou com a Júlia é culpa minha, eu sempre estou errado!

Alex se levanta zangado e vai em direção à porta.

— Espera, Alex! Onde você vai?

— Não sei, mãe! Eu estou cansado desse lugar, cansado dessa maldita fazenda, eu quero ir embora dessa casa!

Quando Alex está prestes a passar pela porta, esta fecha sozinha bruscamente, Alex cai no chão assustado.

— Ahh!

— Alex? Alex? O que… O que foi isso?

— A porta… A porta fechou sozinha, voc… A senhora viu, não foi?

Sandra fica observando a porta fechada completamente intrigada.

 

Mais tarde, Sandra está conversando com Luís sobre o incidente.

— Eu estou te falando, Luís. A porta fechou sozinha! Eu estava lá.

— Deve ter sido o vento, amor. Não exagera.

— Não! Não tinha corrente de ar nenhuma, a porta bateu com muita força.

— Tá, e o que você quer que eu faça? Que eu compre outra porta? Reforce a tranca?

— Não, eu… Eu só estou um pouco confusa. Têm acontecido umas coisas estranhas ultimamente.

— Amor, só estamos tendo problemas de adaptação. É normal, tem nem 3 meses que nos mudamos, depois vamos nos acostumar.

— Espero que sim… E a propósito… Vá conversar com teus filhos, acho que eles precisam muito do pai nesse momento.

Sandra vai para cozinha e deixa Luís o tanto pensativo, ele sabe que têm ficado muito distante dos filhos nos últimos dias.

1 mês depois…

 

Aparentemente, nada mais estranho aconteceu durante este mês que passou. Sandra está cozinhando enquanto Júlia está assistindo desenhos no tapete da sala. Sandra vai até o lado de fora para recolher as roupas no varal, ela olha para o horizonte e parece ter visto alguém. Um pouco desconternada ela se aproxima pra saber quem é e vê um homem montado a cavalo observando a casa e as árvores.

Essa pessoa era ele! O Seu Estevão, o mesmo bondoso capataz que ajudou Bianca antes do tórrido crime naquela casa. Estevão está com cerca de 55 anos e está bastante pensativo olhando para o “nada”. Sandra estranha a presença dele e o questiona:

— Pois não, senhor? Posso ajudá-lo?

Estevão ignora a pergunta e declama com entonação meio “teatral”:

— Ah quanto tempo eu não venho aqui nesta fazenda! Tanta coisa aconteceu, tanta coisa mudou ou então… Nada mudou! O inferno continua aqui disfarçado desse paraíso.

Sandra fica sem reação e insiste em questioná-lo mais uma vez.

— Me desculpe, mas quem é o senhor?

Dessa vez Estevão dá atenção a ela e fitando-a como se não tivesse notado antes sua presença ali, questiona:

— A senhora mora aqui?

— Sim, me mudei há uns 2 meses, mas quem é…

— … Não sabe o que aconteceu aqui? Não sabe o que esconde essa fazenda?

— Desculpe, mas… Eu não estou entendendo.

— Esse lugar tem cheiro de morte! Tudo o que é tocado aqui, vira um mar de sangue.

— Olha, senhor, não quero ser grosseira, mas…

Júlia sai na porta e chama pela mãe.

— Mami, eu estou com fome!

— Já estou indo, meu amor. Senta lá no sofá que daqui a pouco te dou a comida.

Júlia entra e Estevão fica observando incrédulo.

— Filhos? A senhora tem… Filhos?

— S-sim, tenho três filhos, mas… Escuta, o que o senhor quer na verdade? Eu poderia…

— … Saia da fazenda!

— O que disse?

— Você não me ouviu? Saia desse lugar o quanto antes! A tua família está em perigo! Proteja os teus filhos! Não podem ficar aqui! Não podem!

— Espera, mas por quê isso?

— Saia agora antes que seja tarde!

Estevão segura firme a rédia de seu cavalo e sai galopando, Sandra tenta impedí-lo.

— Espera, volta aqui! Quem é o senhor? Por que eu tenho que sair da fazenda? ESPERA!

Estevão parte em retirada deixando Sandra completamente intrigada, ela decide voltar para dentro de casa e na porta encontra uma cuia de ossos. Ela coloca as mãos na boca a princípio e depois se agacha pra vê-los. Ela olha para um lado e para o outro e não vê mais ninguém, quem ou o quê poderia ter colocado aquilo ali? Estaria se repetindo a mesma história com Bianca?

Naquele mesmo dia, Luís chegou muito mais tarde que o de costume, Sandra fica preocupada, era a primeira vez que o seu marido chegava duas horas mais tarde. Ele sempre chegava por volta das 18h30 e no mais tardar às 19h. Foi um dia “atípico”, mas por quê?

— Tenho uma notícia boa e uma ruim, amor. Me transferiram pra outro setor que é um pouco mais longe, eu vou ganhar um pouco mais, só que vou começar a chegar mais tarde nos próximos dias.

— Nossa, amor! Mas por que te transferiram assim do nada?

— Eu também não entendi, mas… Enfim, eu vou tomar um banho e vou me deitar. Te amo!

Luís vai para o banheiro, Sandra pensa em contar sobre o misterioso capataz que apareceu pela manhã ou sobre aquela cuia com ossos que encontrou, mas preferiu deixar o marido descansar. Com certeza ele deve ter tido um dia agitado, não queria incomodá-lo.

É madrugada, o relógio no quarto dos dois garotos aponta para 02:58AM.

Vemos Gustavo deitado na cama e seus olhos começam a ficar incômodos, ele os abre e fica meio ofegante. Em seguida o garoto se senta na cama e começa a fitar a penumbra próxima ao guarda-roupa. Seus olhos começam a lacrimejar e sua testa soa, ele está sentindo um medo gélido na espinha, mesmo assim decide sussurrar para o seu irmão.

— Alex… Alex, acorda!

Alex a princípio não dá ouvidos. Gustavo insiste em sussurrar.

— Alex, Alex!

Alex incomodado acorda e vira para o irmão.

— O que foi, Gustavo? Por que tá acordado? O papai vai brigar.

— O… Olha.

Gustavo aponta para a escuridão no guarda-roupa.

— O quê?

— Você… Não tá vendo? E nem ouvindo?

— Gustavo, eu não estou vendo nada.

Gustavo ouve alguém cantar bem baixinho uma música.

“Um, dois… Não olhe pra trás. Três, quatro… Correr não adianta mais…”

— É ele, é o homem do chapéu preto.

— Gustavo, eu não estou vendo nada.

Alex se levanta da cama e vai em direção ao guarda-roupa.

— Não, não, Alex! Não vai, não vai!

— Calma, não tem ninguém.

— Ele tá, ele tá dentro do guarda-roupa, por favor!

A misteriosa canção volta a ser entoada, mas aparentemente só Gustavo consegue ouvi-la.

“Cinco, seis, chegou a sua vez…”

— Por favor, Alex! Não abre o guarda-roupa, por favor, por favor!

— Calma, eu só vou te mostrar como não é nada.

Gustavo abraça forte o travesseiro enquanto Alex abre o guarda-roupa. Ele mexe nas roupas e não vê nada.

— Viu só, eu disse que não era nada.

Ao concluir a frase, uma figura espectral com o rosto enorme e um chapéu preto sai da penumbra do guarda-roupa e grita:

— “SETE, OITO, NOVE E DEZ, ELE VAI PUXAR SEUS PÉS!”

Os dois garotos gritam desesperadamente:

— AAAAAAAAAAAHHHHHHHH!!! AAAAAAAAAAHHHHH!!

Luís e Sandra acordam assustados com os gritos. Os garotos estão na porta do quarto e não conseguem abrir, eles clamam por ajuda.

— PAAAI!! PAI! SOCORRO!!

Luís chega na porta do quarto e tenta abrir.

— Alex, Gustavo! Abram a porta!

Sandra também fica em desespero:

— O que tá acontecendo?

Júlia também se levanta da cama e fica atrás dos pais vendo eles tentando abrir a porta enquanto os irmãos pedem socorro de lá de dentro.

— PAI, ELE TÁ AQUI DENTRO! SOCORRO! SOCORRO!

— LUÍS, FAÇA ALGUMA COISA!

— EU ESTOU TENTANDO ABRIR!

Do lado de dentro do quarto, enquanto Alex está tentando abrir a porta, Gustavo olha pra trás e vê o “homem de chapéu preto” sentado na janela apontando o dedo pra eles e cantarolando.

— “UM, DOIS, NÃO OLHE PRA TRÁS!”

— AAAAAAAAAHHH!! ALEX! ELE VAI PEGAR A GENTE!

Alex também vê a figura e desesperado clama pelos pais.

— PAI, MÃE!! SOCORRO!!!

Luís não vê outra alternativa a não ser arrombar a porta.

— Afastem-se! Eu vou arrombar a porta! Fica no pé da cama os dois!

Luís começa a chutar a porta incansavelmente, até que no quinto chute consegue abri-la. Os dois garotos correm para os braços do pai, Sandra fica tentando acalmar os filhos.

— O que aconteceu?

Gustavo exclama:

— O Homem do Chapéu preto! Ele tá aqui no quarto!

— É verdade, pai! Eu vi ele!

Enquanto Sandra e Luís tentam ver o que aconteceu no quarto, Júlia vai se afastando deles com um urso de pelúcia na mão até chegar no corredor que dá pra cozinha, ela ainda ouve os gritos do pai procurando por algo dentro do quarto, mas então ela fita algo na cozinha. Os olhos da pequena garota ficam enormes, ela abraça seu urso de pelúcia com toda a força possível, ela quer gritar, ela precisa gritar, ela deve gritar. Até que ela tira força de onde não tem pra ecoar o mais agudo grito de clemência naquele momento.

— AAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHH!

Luís e Sandra juntamente com os garotos saem imediatamente do quarto e quando chegam na cozinha se deparam com um bode negro à espreita da porta dos fundos.

— Meu Deus! Meu Deus! O que um bode tá fazendo aqui dentro?

— Tira ele daqui, Luís! Tá assustando a Júlia!

Luís fica tentando expulsar o bode que insiste em continuar ali.

— Sai daqui! Sai daqui seu animal maldito! Sai daqui!

Após pressioná-lo, o bode sai correndo pra fora de casa. Sandra abraça Júlia.

— Você tá bem, meu amor?

De repente, barulho de pedras sendo lançadas no telhado é ouvido.

— AAAAHHHH, MAMI!

— Luís, o que é isso?

O barulho estava cada vez mais forte como se realmente várias pessoas estivessem atirando pedras no telhado. Luís perde a paciência e pega um facão encima do armário da cozinha, ele sai de casa explodindo em fúria apontando o facão para o que quer que seja que poderia estar ali fora.

— SAIAM DA MINHA CASA! APAREÇAM, SEUS DESGRAÇADOS! VOCÊS ME OUVIRAM? SE NÃO DEIXAREM A MINHA FAMÍLIA EM PAZ, EU CHAMO A POLÍCIA! DEIXA A GENTE EM PAZ, SEUS FILHOS DA PUTA!

 

Ninguém! Absolutamente nenhuma alma viva apareceu ali, Luís vendo que não tinha mais nada a se fazer, abaixa o facão e volta pra dentro de casa. Os filhos imediatamente correm para abraçá-lo. Algo de muito errado já está acontecendo, talvez Sandra deveria ter dado ouvidos ao Seu Estevão, o que eles podem fazer agora depois desta noite?

 

 


 

 

ATO FINAL

 

Passou-se o dia, os garotos dormiram juntamente com seus pais, aparentemente tudo “voltou ao normal”. Luís parece não ter dado muito crédito ao que aconteceu, para ele, tudo não passou de uma brincadeira de mal gosto de arruaceiros que passavam por ali e que o famoso “homem do chapéu preto” era apenas uma imaginação dos filhos. Mas então como explicar a presença daquele bode dentro da casa? E como explicar as pedras sendo arremessadas no telhado no meio da noite em uma casa na fazenda onde fica distante de tudo?

Luís segue incrédulo e prefere tocar sua vida adiante, mas Sandra é muito mais esperta, ela sabe que tem algo errado acontecendo, e por mais que não queira, ela acredita nos filhos. Então Sandra toma uma atitude, ela decide ir juntamente com Júlia visitar o pastor da igrejinha onde eles vão de vez em quando. Alex e Gustavo estão no colégio enquanto isso.

O pastor se chama Alfredo, homem alto, 45 anos, careca e com o nariz pontudo.

— Irmã, que prazer tê-la por aqui!

— Boa tarde, pastor Alfredo, eu… Posso entrar?

— Claro, claro, entre.

Minutos depois, Sandra está na mesa com Júlia em seu colo conversando com o pastor.

— Olha, eu não sei se o senhor acredita nessas coisas, mas… Ultimamente tá acontecendo alguns “eventos” um pouco estranhos na minha casa.

— Desculpa, mas que tipo de eventos?

— Olha, pastor. O senhor vai pensar que eu estou louca, mas é como se minha casa estivesse sendo assombrada por alguma coisa, as últimas duas noites não estamos conseguindo dormir e meus filhos insistem que estão vendo algo e não sei o que fazer.

— Onde a senhora mora?

— Na casa do fazendão.

O pastor Alfredo muda o semblante do nada e começa a ficar com as mãos trêmulas.

— Pastor, o senhor está bem?

— Então… Então vocês moram naquela casa?

— Sim, mas… Qual o problema?

— Ai, filha! Se soubesse o que já aconteceu naquela fazenda, já teriam se mudado pra bem longe.

— Mas… O que foi que aconteceu? Pastor, eu preciso saber o que há de errado naquele lugar.

— É… É… Meu bem! (Ele chama pela esposa)

— Sim?

— Por que não leva essa princesa pra tomar um chocolate?

— Claro, você quer tomar chocolate, linda?

— Quero!

— Então vem cá com a tia. Tudo bem, Sandra?

— Oi, pastora!

A esposa de Alfredo leva Júlia para tomar um chocolate enquanto ele continua a conversa com Sandra.

— Escute bem. Há mais ou menos uns 10 ou 11 anos, um casal morava ali. O marido começou a chegar tarde em casa e fedendo a bebida, ele começou a espancar a mulher toda vez que chegava bêbado em casa. Até que um dia… Ela se cansou e o matou com um machado enquanto ele estava no banho.

— Ai, meu Deus!

— E essa não é a pior parte. Ela esquartejou o corpo do marido e o colocou em um saco arrastando-o sabe lá Deus pra aonde. Até hoje não sabemos o que realmente aconteceu com ela, a polícia do Parque da Barragem que era o nome da nossa cidade antes preferiu abafar o caso. Só que uma coisa eles não sabiam… Tanto ele quanto ela estavam sendo influenciados por uma força demoníaca. Eu não acredito em fantasmas, irmã Sandra, mas acredito nas potestades e nos principados, e aquela fazenda é dominada por uma legião de demônios, muitos deles extremamente fortes capazes de possuir uma pessoa como foi o caso do Jeferson.

— Espera um pouco, mas como você sabe de tudo isso? Como sabe que foi uma coisa demoníaca?

— Porque o Jeferson trabalhava comigo naquela época. Sim! Éramos colegas de trabalho e eu lembro perfeitamente quando ele chegou alegre e sorridente e falava da esposa e do sonho de ser pai. Mas passado alguns meses, Jeferson começou a agir estranho, estava sempre furioso e chegava até mesmo a beber no horário de expediente escondido. Eu não era pastor na época, mas eu podia sentir que Jeferson não era mais o mesmo e que alguma força maligna estava fazendo a cabeça dele… Eu orei! Implorei ao Senhor pra me mostrar o que havia de errado, eu queria pensar que não era nada, mas no dia do incidente foi como se um véu que cobria os meus olhos tivessem se rasgado e o Senhor me revelou em visão o que aconteceu, meu coração ficou estremecido, então eu senti que Deus estava me incomodando pra eu levantar muito cedo e ir naquela fazenda.

E foi o que aconteceu, eu peguei meu carro velho e fui em direção à aquela fazenda por volta das 6 da manhã, eu entrei na casa e vi rastros de sangue em todo o lugar, principalmente no banheiro, tinha muito sangue nas paredes do banheiro! Eu fiquei em choque, não vi nem o Jeferson e nem sua esposa Bianca. Então eu saí e vi que tinha rastros de sangue no matagal que levava pra algum lugar, eu segui aqueles rastros e vi de longe uma mulher arrastando um saco preto, eu tinha certeza que era a Bianca. (Seus olhos começam a lacrimejar) Quando vi isso, foi a confirmação da visão que eu tive. Então eu decidi ligar pra polícia anonimamente, em meia hora eu acho, eles apareceram e depois não soube mais nada da Bianca, fiquei com medo de dar qualquer depoimento, aquele lugar me dava arrepios, eu só queria voltar pra casa e pra minha mulher.

Alfredo para por uns instantes, soluça e as lágrimas escorrem pelo seu rosto e ele continua a falar com a voz embargada:

— Naquele dia eu percebi que eu tinha um chamado nessa Terra, mas me acovardei! Talvez se eu tivesse percebido antes poderia ter salvado aquele casal, mas não! Deixei duas almas partirem de uma forma trágica… Desde então eu penso dia e noite desse ocorrido, foi aí que eu percebi qual era o meu chamado, eu precisava me tornar alguém, precisava ser alguém com quem as pessoas pudessem ter um intercessor, mas falhei, irmã Sandra! Eu queria poder voltar atrás e consertar tudo isso! Talvez assim o Jeferson e a Bianca ainda estariam vivos e… Me desculpe, eu… Eu…

— … O senhor não teve culpa, pastor. Fez o que podia fazer.

— Mas o diabo é sujo, filha! Ele vai fazer de tudo pra nos enfraquecer.

— Então significa que… A minha casa está sendo manifestada por demônios?

— A casa não, a fazenda inteira. Mas como a sua casa é o único “templo” erguido em paredes daquela região, os demônios se concentram mais nesse lugar. Escute, Sandra, notou alguma coisa diferente no seu marido?

— Que eu saiba não, por que a pergunta?

— Tem certeza? Mudanças repentinas de humor, ou mudança no seu itinerário de maneira abrupta?

Sandra começa a puxar pela memória e se lembra de que uns dias pra cá seu marido têm chegado muito tarde e que ele anda bastante incrédulo em relação às coisas que acontecem na casa.

— Agora que você perguntou… Eu acho que sim, ele têm chegado tarde em casa e um pouco impaciente.

— Desculpa a pergunta, mas seu marido tem ou já teve algum tipo de vício com bebida, cigarro e essas coisas?

— Não, o Luís nunca foi dessas coisas.

— Isso é um ótimo sinal! Mas preste atenção, filha. O demônio que ronda a sua casa quer se manifestar no seu marido, da mesma forma que ele fez com o Jeferson, e você precisa ser forte. Agora você tem três filhos e pode ser que os demônios estejam tentando pregar uma peça com eles, mas fique de olho em seu marido, não ignore os sinais, ninguém avisou para a Bianca o que estava acontecendo, mas agora eu estou tendo a chance de te avisar, então, por favor… Tome cuidado, filha! Estarei orando por vocês, mas preciso que faça a sua parte também.

— Obrigada, pastor. Se não se importa… Eu poderia deixar a Júlia com a sua esposa só até eu resolver umas coisas em casa?

— É claro, filha. A sua pequena estará protegida com a gente.

— Obrigada, pastor! Eu preciso tirar essa história a limpo, preciso enfrentar esses malditos demônios.

 

Escola Municipal, Classe da 1ª série.

Na sala de aula onde Gustavo estuda, a professora está ensinando os alunos da primeira série a pronunciar os números da maneira correta. Tendo os números escritos na lousa de 1 a 10, ela com uma régua pede pra que os alunos repitam.

— Vamos lá, crianças! Um, dois!

— Um, dois!

— Muito bem! Agora, três, quatro!

— Três, quatro!

Gustavo está olhando para a lousa e sua vista começa a embaralhar, ele ouve os colegas repetindo aqueles números várias vezes, mas é como se ele não tivesse ali, seu olhos estão pesados, os alunos continuam a repetir os números de 1 a 10. Até que do nada ele se levanta da cadeira e começa a exclamar com uma entonação de voz mais grave e forte:

— UM, DOIS! NÃO OLHE PRA TRÁS! TRÊS, QUATRO, CORRER NÃO ADIANTA MAIS!…

Os demais alunos e a professora ficam estarrecidos diante da atitude do garoto.

— CINCO, SEIS, CHEGOU A SUA VEZ! SETE, OITO, NOVE, DEZ, ELE VAI ARRANCAR SEUS PÉS! ELE VAI ARRANCAR SEUS PÉS! ELE VAI ARRANCAR SEUS PÉS!

— Gustavo, Gustavo! Pare com isso!

Gustavo não parava de repetir a mesma frase, a professora se aproxima dele e começa a sacudi-lo, o garoto cai no chão tendo uma espécie de convulsão.

— Alguém chama a diretora, por favor!

Enquanto isso, Alex está urinando no banheiro da escola. Ao terminar, ele dá descarga e quando se aproxima da porta, ouve um gemido de dentro do banheiro.

O garoto se aproxima novamente do box, ele vê a água da privada borbulhando, não dá muito crédito a princípio, mas quando sai de perto e olha para o outro box, vê uma figura feminina fantasmagórica com uma espécie de camisola branca. Ela começa a esfregar suas partes íntimas se exibindo pro garoto.

— Você não queria conhecer a loira do banheiro, Alex?

— AAAAAAAHHHHHH!!

Alex sai correndo do banheiro e vai pro pátio da escola. Ele realmente viu aquilo ou seria fruto da sua imaginação? Isso não sabemos, mas ele percebe o movimento agitado na sala onde seu irmão estuda e corre imediatamente pra lá.

Ao chegar na sala, ele se depara com o seu irmão tendo convulsões no chão da sala enquanto está rodeado por alunos e alguns professores. Ele abre caminho no meio deles, empurra a professora sem pensar direito e corre pra tentar acalmar o irmão, ao encostar a cabeça dele em seus braços, Gustavo solta uma sussurrada de alívio e para de se tremer.

— Gustavo, o que foi?

— Alex! Alex, eu tô com medo, tô com medo, mano!

Alex abraça seu irmão assustado e os demais ficam baqueados sem saber o que de fato aconteceu ali. Aquela fazenda está manipulando eles, qualquer um deles, e pelo visto eles não precisam estar dentro da fazenda ou mais preciso dentro da casa, a família inteira está marcada.

 

Lago Sul, Brasília-DF, 15h00.

 

Luís está no escritório da construtora onde foi transferido e o engenheiro-chefe chega até ele.

— Luís, infelizmente vou precisar que fique até um pouco mais tarde hoje, temos um projeto com urgência pra entregar.

— Mas não disse que não teria mais novos projetos pra hoje?

— Eu também fui pego de surpresa, também queria poder sair mais cedo, mas… Se você animar, podemos ir pro bar quando terminar.

— Não, eu passo. Quando terminar, eu quero ir direto pra casa, minha esposa e meus filhos vão estar me esperando.

— Uhh! O famoso “homem de família” isso é tão anos 80. Beleza, então, a gente vai se falando.

Ao sair, Luís fica um tempo sozinho e de repente ele começa a ouvir uns sussurros em seu ouvido.

“Luís… Luís…”

A princípio ele ignora, e os sussurros continuam. Dessa vez com palavras que não se podem compreender e tudo está embaralhado, ele sente um arrepio na espinha. Luís se levanta da cadeira assustado, ele olha pra trás e não vê ninguém.

— Meu Deus, ainda é 3 da tarde e eu já estou cansado desse jeito, acho que preciso de um café.

 

Na casa da fazenda, Sandra chega ali após a conversa que teve com o pastor Alfredo. Ela suspira olhando para o teto e em seguida decide ir para a cozinha, ela pega na fruteira um tomate, apanha uma faca e começa a cortá-lo em cima da pia. Ela vai até o armário pra pegar um vinagre e quando volta a faca pela qual estava cortando o tomate não estava mais ali, ela pensou em procurar, talvez poderia ter deixado em outro lugar, mas após a conversa que teve com o pastor Alfredo, ela já sabia o que realmente aconteceu.

Então Sandra fica no meio da cozinha circulando e olhando para o teto e para as paredes.

— Eu sei muito bem o que vocês são! Vocês estão tentando nos destruir, mas não vão conseguir! Já não basta o que fizeram com aquele pobre casal? Vamos! Apareçam, covardes! Apareça seja lá de qual legião vocês vieram! Mexeram com a pessoa errada! Vamos, apareçam!

Sandra mantém silêncio por alguns segundos… Quando vê que não viu ou ouviu nada, murmura:

— Eu sempre soube, vocês não passam de uns demônios de merda!

Ao pronunciar isso, a cadeira da cozinha se movimenta para frente. Sandra se assusta, mas dessa vez com a convicção do que está enfrentando.

— Ah então é um jogo? É o melhor que você pode fazer?

De repente todas as panelas começam a balançar na pia e as portas dos armários ficam abrindo e fechando, Sandra fica completamente aterrorizada, ela corre para o quarto imediatamente e pega a bíblia que está sob a mesinha e corre novamente à cozinha apontando a bíblia para as paredes e para o teto.

— Vamos! Continuem! Vocês estão mexendo com a pessoa errada! Essa família não é igual a que vocês mataram! Vão mesmo me desafiar? Tentem a sorte!

Ao findar a última frase, os armários param de se mexer, ao igual que as panelas que pararam de bater. Sandra assume um semblante de coragem e determinação neste momento.

— Quer saber? Eu já estou de saco cheio disso!

Minutos depois, Sandra entra no banheiro abruptamente com um balde cheio d’água, sabão e um esfregão, ela se ajoelha no piso do banheiro e começa a esfregar a parede no local onde tem as manchas de sangue. Ela esfrega incansavelmente, com força, com raiva, com muita raiva.

— Sai! Sai, suas manchas malditas!

Ela não parava de esfregar um minuto sequer e aquela mancha não queria sair, Sandra começa a ficar cansada e ainda mais irritada.

— Droga! Droga!

Ela larga a esponja no chão, fica bastante decepcionada por alguns segundos e em seguida, a porta do banheiro fecha abruptamente. Sandra se levanta assustada e quando olha para o chão, vê o banheiro começar a se encher de sangue.

— Meu Deus! Meu Deus!

Ela olha para a privada e sangue começa a transbordar dali e em seguida a parede do banheiro começa a ficar encharcada de sangue que caía do teto, Sandra está desesperada, o banheiro é pequeno e imediatamente aquele local iria ficar inundado, ela mais uma vez tenta abrir a porta e não consegue. Entra em desespero, o volume de sangue aumentava a cada instante, ela coloca as mãos nos olhos e começa a gritar incansavelmente.

Ela gritou tanto que quando se deu conta estava novamente sentada no chão do banheiro com o balde e o esfregão ali do lado, todo aquele sangue desapareceu, bom, nem todo… O da parede insistiu em continuar ali.

 

Casa do Pastor Alfredo, 16h.

 

Júlia está comendo umas torradas na sala enquanto assiste TV, a esposa do pastor Alfredo, Sônia, vai até ela ver se está tudo bem.

— É uma pena que aqui em casa não tenha nenhuma amiguinha pra você brincar, Júlia. Tá gostando da torrada?

— Unrrum.

— Tá bom, se quiser eu pego mais chocolate pra você.

— Sim, por favor.

— Ah, você é um amor de menina!

Sonia deixa Júlia na sala, um programa infantil está sendo transmitido. Júlia dá uma mordida na torrada e observa o que está sendo comentado no programa.

Até que do nada a transmissão corta pra uma mulher vestida de palhaço e olhando para a tela.

— E todas as crianças podem se juntar a mim, inclusive você, Júlia!

Júlia para de mastigar e fica estarrecida ao ver que a mulher vestida de palhaço está chamando por ela.

— Eu?

— Você mesma, querida. Vamos! Se aproxime! Vamos fazer um jogo!

Júlia se levanta e fica encarando a TV.

— Nós vamos fazer um jogo muito divertido, Juju. Que é… Muahahahaha! Ai ai ai desculpe, eu não resisto, às vezes sou tão risonha.

Júlia começa a dar passos para trás.

— Qual o problema, Júlia? Está com medo? Não quer brincar comigo?

— N-não, eu não quero brincar.

— Ora, vamos! Não tenha medo.

Júlia já com lágrimas nos olhos fala:

— Não, não, eu não quero!

A mulher na TV muda o semblante e a entonação de voz.

— Então você não quer brincar, sua garota estúpida? QUER QUE EU FAÇA COM VOCÊ COMO EU FIZ COM A TUA BONECA?

— Ahhhhhhh! Pastora Sônia! Pastora Sônia!

Júlia corre pra fora da sala, ela procura pelo corredor da casa e vê vários quadros, todos eles tem a imagem da mulher palhaço.

— Sai! Mamãe! Mamãe!

JÚLIA, JÚLIA, JÚLIA, JÚLIA, JÚLIA.

— Para! Para!

Júlia está se debatendo com os olhos fechados, quando abre vê que a pastora Sônia está ali tentando acudi-la.

— Júlia, Júlia! Calma, querida! O que aconteceu? Sou eu!

Júlia percebe que se trata de Sônia, olha para os quadros novamente no corredor e vê que está tudo normal, a garota abraça a pastora dizendo:

— Eu quero minha mãe, me leva pra casa, por favor!

— Calma, querida, calma. Eu vou pedir pro tio Alfredo te levar, ok?

 

Já é por volta de 5 horas da tarde e o pastor Alfredo precisou romper o seu trauma e foi até a fazenda levar a pequena Júlia de volta para casa. Ela sai do carro e vai imediatamente abraçar a mãe.

— Oi, meu amor! Eu ia te buscar. O que houve?

Alfredo responde:

— Acho que ela não aguentou ficar muito tempo longe da mãe. E até entendo, o que uma criança de 5 anos vai querer fazer na casa de dois rabugentos, não é?

— Agradeço muito pastor Alfredo, não sabe o quanto agradeço. Quer entrar e tomar um café?

Alfredo a princípio consente ao pedido, mas ao pisar os pés na porta da casa, sente algo de muito errado. Ele recua e inventa uma desculpa.

— Acabei de lembrar que preciso resolver umas coisas lá em casa, senão com certeza passaria, mas quem sabe no fim de semana e eu posso trazer a Sônia também?

— Sim, por favor! Seria ótimo receber visitas aqui e ainda mais pessoas como o senhor.

Alfredo aperta a mão de Sandra.

— Se cuide, filha. E tenha fé… Muita fé.

Sandra entende o pedido do pastor, mas ao mesmo tempo fica temerosa, ele sentiu algo no qual o impediu de entrar naquela casa. Poderia ser a presença maligna se acercando?

Já é 6 horas da tarde e os garotos chegam em casa, Sandra percebe que alguma coisa de errada aconteceu com eles.

— O que vocês tem?

— Eu… Eu caí na escola, mãe.

— Gustavo, mas o que foi dessa vez, filho?

— A culpa foi minha, mãe. Eu estava brincando com os moleques e sem querer esbarrei nele e ele caiu.

— Ai meu Deus! Vocês dois precisam tomar cuidado.

Sandra percebe que ambos estão com seus semblantes assustados e Gustavo está com os olhos de quem acabou de chorar.

— Espera um pouco, não foi só isso o que aconteceu, não é?

Alex e Gustavo se entreolham um para o outro, Júlia vem atrás e rompe o silêncio.

— Tinha uma mulher vestida de palhaço na casa do pastor, ela estava na TV e disse que ia fazer a mesma coisa que fez com a minha boneca.

Sandra fica estarrecida, ela já entendeu o que está acontecendo.

— Vocês dois também viram alguma coisa? Podem falar a verdade, eu não vou brigar com vocês.

— Eu… Eu vi a loira do banheiro na escola e o Gustavo disse que o homem do chapéu preto tá perseguindo ele.

— Muito bem, está anoitecendo, seu pai ainda não chegou e é até melhor porque preciso ter uma conversa com vocês três antes que…

O celular de Sandra toca.

— Espera um pouco… Oi?

— Meu amor, devo chegar hoje umas 19h00. Consegui que me liberassem mais cedo.

— Ai, graças a Deus, amor!

— Tá tudo bem?

— Sim, sim, bom… Nós esperamos você.

— Ok, manda um beijo pras crianças, vou levar uma surpresa pra elas, até daqui a pouco!

— Até, meu amor.

Sandra desliga o celular e junta os três filhos na sala.

— Escutem bem o que a mamãe vai dizer… Eu acredito em vocês, tá? Tem coisas estranhas acontecendo nessa casa e nessa fazenda, eu vi hoje à tarde algumas coisas e… Precisamos ser fortes porque o papai não acredita na gente. Alguma coisa tá querendo fazer o papai nos machucar.

Gustavo questiona:

— Mas o papai não iria machucar a gente, iria?

— O papai não. Mas a coisa que tá fazendo a cabeça dele sim. Então temos que estar preparados, nós não sabemos como o seu pai vai chegar hoje, então fiquem atentos. Quando ele chegar, não saiam de perto de mim de forma alguma, e lembre-se… Se ele tentar me machucar ou qualquer um de vocês… Saibam que não é o pai de vocês, alguém está forçando ele. Ok?

Já passam das 8 da noite, Luís está saindo do prédio e entra no seu fusca. Ele dá partida, mas o carro se recusa a pegar. Ele gira a chave mais uma vez e nada.

— Mas… O que tá acontecendo?

Luís sai, abre o capô do fusca e aparentemente nada estava fora do lugar.

— Que estranho! Não é gasolina e não tem nada fora do lugar. Droga! Como é que eu vou voltar pra casa?

Na fazenda, Sandra está lavando as louças e ouve seu telefone tocar, ela seca as mãos e atende.

— Oi!

— Amor, eu estou aqui na porta da empresa e o carro não tá querendo pegar, o engenheiro pediu pra eu ficar até mais tarde, estou fazendo de tudo aqui pra conseguir chegar a tempo de ver as crianças acordadas.

— Mas… Amor, você não tinha ligado no final da tarde dizendo que chegaria mais cedo?

— Não, eu não te liguei, fiquei ocupado o dia inteiro, estou te ligando só agora.

— Espera, espera… Não, Luís, era o teu número e era a tua voz, você até disse que ia trazer uma surpresa pras crianças.

— Sandra, eu não liguei.

— Então se não foi você…

Sandra olha pela janela e vê de longe dois sujeitos se aproximando da casa.

— … Amor, vem pra cá! Rápido!

— O que aconteceu?

— Amor, tem dois homens aqui perto de casa, rápido!

Sandra desliga o telefone, Luís sente a urgência da esposa.

— Droga! Droga!

Ele entra no fusca novamente e tenta ligar a chave.

— Vamos, vamos! Pega!

De fato, dois indivíduos pareciam estar mergulhado em drogas, um deles com uma garrafa de cerveja na mão e o outro fumando, eles estão se aproximando da casa.

— Ih, olha lá! Uma casinha nesse fim de mundo!

— Será que mora alguém lá?

— Bora descobrir, parça. Quem sabe a gente não encontra uns “bagulho” pra vender.

— Demorou, parça!

Sandra ainda olhando pela janela percebe que os indivíduos não iam parar, ela imediatamente desliga a luz da cozinha e em seguida da sala, ela sussurra para os filhos.

— Meninos, desliguem tudo! Desliguem a TV e não façam barulho.

Gustavo questiona:

— Mas o que foi mamãe, é o papai?

— Não, não é o seu pai. Eu vou pedir pra você e pra Júlia se esconderem no quarto. Alex, você me ajuda a reforçar a tranca da porta.

— Tá bom.

Mas já era tarde.

— Ô de casa! Tem alguém aí?

— Shhh, vão! Se escondam e não façam barulho.

Júlia e Gustavo vão para o quarto deste último e Alex fica escondido no quarto da mãe. Sandra se esconde atrás da geladeira na cozinha.

Os dois indivíduos conseguem entrar, a tensão aumenta, eles não podem fazer nenhum barulho. Sandra ouve da cozinha um deles exclamando.

— Ora, ora e não é que essa casa é arrumadinha, “sôr”?

— Se liga, malandro. E se tiver gente aqui, o que “nóis vai” fazer?

— Ah, cala a boca, vê se encontra alguma coisa de valor.

No quarto dos pais, Alex encontra uma lanterna e segura ela com toda força mesmo não sabendo o que fazer.

No quarto de Gustavo, ele e Júlia estão escondidos debaixo da cama, um deles entra no quarto e começa a vasculhar o lugar. Gustavo tapa a boca de Júlia pra que ela não faça nenhum barulho.

Mas o pobre Gustavo está tão apavorado quanto ela, o homem se aproxima da cama onde eles estão, é possível ver os seus sapatos sujos e cheios de terra. Gustavo e Júlia fecham os olhos, percebe que ele está prestes a se agachar e encontrá-los.

Então o seu outro parceiro o chama:

— Aí “cumpadi”, chega aí!

O homem recua e vai em direção ao seu companheiro, Alex consegue espiar pela brecha da porta do quarto dos pais.

O outro homem chega na cozinha.

— O que tu manda?

— Parece que não tem muito tempo que cozinharam aqui.

Sandra pega o vaso que está em cima da geladeira e o segura com cautela, um dos homens se aproxima, Sandra aguarda o momento oportuno.

Quando ele passa pela geladeira, não avista Sandra e ela de imediato quebra o vaso na cabeça do sujeito.

— Ahh! Saiam da minha casa!

O homem urra de dor e acerta um tapa em Sandra, ela reage e dá um soco no sujeito. Júlia ouve de dentro do quarto e sai debaixo da cama. Gustavo tenta detê-la.

— Júlia, volta aqui!

Júlia corre até a cozinha e vê sua mãe forcejando com o bandido.

— Mamãe!

— Júlia! Sai daqui!

O outro homem agarra Júlia pelos braços.

— Olha só o que temos aqui.

— Ahhh me solta! Mãe!!

— Solta minha filha! Alex, Gustavo, fujam!

Alex e Gustavo reagem, vão até próximo a cozinha, vê a situação, Alex quer fazer algo, mas está tão amedrontado que não consegue.

— Depressa! Fujam! Peçam ajuda!

Os dois garotos não encontram outra solução e fogem pra fora de casa, eles começam a correr incansavelmente naquele fazendão, conseguirão pedir ajuda?

Dentro da casa, o terror continua, Sandra tenta se debater com chutes e socos no sujeito.

— Desgraçados! Deixem-nos em paz!

O outro sujeito quebra a garrafa que está na mesa e aponta para o pescoço de Júlia.

— MAMI!

— Não! Não, por favor, tenham misericórdia! Deixem minha filha em paz!

— CALA A BOCA, SUA VAGABUNDA!

— Nós vamos te ensinar a respeitar. Bora, “cumpadi”, “vamo” arrastar elas até a granja e mostrar como se depena uma galinha.

— NÃO! NÃO, ME SOLTEM! SEUS FILHOS DA PUTA!

— MAMÃE! MAMÃE!

Os dois sujeitos levam a força Sandra e Júlia pra fora da casa da fazenda em direção à granja.

Enquanto isso, Alex e Gustavo permanecem correndo, eles já não tem ideia pra que direção estão indo.

— Alex, espera!

— A gente tem que pedir ajuda, você ouviu a mamãe!

— Mas a gente nem sabe se estamos no caminho certo! Tá muito escuro! Você tá com a lanterna.

— Espera, espera.

Alex tenta fazer a lanterna pegar sem nenhum resultado.

— Droga! Pega! Vai!

Gustavo ouve um barulho.

— Alex, tá ouvindo isso?

— O quê?

— Tá vindo daquela direção.

Está bastante escuro pra onde Gustavo está apontando. Então após bater várias vezes na lanterna, Alex acende pra aquele local e eles avistam uma manada de bois enormes e assustadores.

— AAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHH!!!!!

— CORRE, GUSTAVO! CORRE!

Os dois garotos saem correndo por outra direção, mas aquela noite ainda reservava surpresas.

Na estrada, Luís está impaciente tentando chegar o mais rápido o possível, mas parece que tudo o impedia de chegar.

— Mas que droga!

Ele tenta ligar pra Sandra, cai direto na caixa postal.

— Ahhh caralho! Aguenta firme, amor! Aguenta firme, crianças! Eu estou chegando!

 

Cerca de alguns minutos mais tarde, os dois indivíduos jogam Sandra e Júlia no chão da granja. Sandra se recosta em um dos galinheiros.

— O que vocês querem? Por que estão fazendo isso?

— A gente não ia querer nada, mas pensando bem… Não é todo dia que uma loira gostosa como você aparece na nossa frente.

— Malditos! Vocês não tem ideia do que estão fazendo.

— Ah é? Então me fala aí, puta! Fala! O que a gente não deveria tá fazendo? Você tá no meio do nada, ninguém vai vim salvar você e sua filhinha idiota.

— A propósito “cumpadi” o que a gente faz com essa pirralha?

— Se encostarem um só dedo na minha filha, eu juro que acabo com vocês!

— Relaxa, dona. Ela não nos interessa, agora você sim, bebê.

Sandra cospe na cara do indivíduo.

Ele ri sarcasticamente e dá um soco em Sandra que cai no chão.

— Mamãe!

— Ei, vai com calma, garotinha!

Ao cair, Sandra percebe que no canto ali perto tem um machado, ela disfarça pra não gerar alarde, mas parece ter tido uma ideia.

— A gente vai fazer o seguinte, dona! Vamos colocar a sua filhinha pra assistir enquanto a gente fode contigo. O que acha?

— Vocês… Vocês são uns monstros!

— Quer dizer que não vai ceder pra a gente? Ow “Cumpadi”!

O outro homem pressiona a garrafa quebrada contra o pescoço de Júlia.

— Mamãe!

— Tá bom! Tá bom! Eu faço, mas por favor não façam nada com minha filha.

— Boa garota!

Sandra fica bem mais próxima do machado, os sujeitos estavam tão cegos que não conseguiam vê-lo entre o feno próximo do galinheiro onde Sandra está.

— Aí, menininha! Sua mãe nunca te contou como você nasceu? Eu vou te mostrar como.

— Filha, fecha os olhos, a mamãe vai ficar bem.

— Ma… Mami.

— Vai ficar tudo bem, meu amor.

— É, com certeza vai ficar tudo bem, loira gostosa!

— Aí, deixa um pouco pra mim, “cumpadi”. Depois de você é a minha vez de “meter” nela.

— Suave, “cumpadi”.

O outro fala no ouvido de Júlia.

— Agora observe, menininha. Essa noite vai ser divertida.

 

Na casa do pastor Alfredo, este já se encontra deitado e sente um incômodo enorme no peito.

— Ahh, meu Deus!

— Alfredo! Alfredo, o que aconteceu?

— Tem alguma coisa errada acontecendo com aquela família.

— Quem?

— A família do Luís e da Sandra. Preciso ir lá.

— Mas a essa hora?

— Eu já abandonei uma família uma vez, não vou repetir esse erro novamente.

 

Na fazenda, Alex e Gustavo continuam correndo em direção ao desconhecido, ambos estão cansados, sujos de terra e sem forças pra continuar. Gustavo pede pra parar por instantes.

— Espera, espera! A gente… A gente deve tá caminhando em voltas. Devíamos voltar pra casa e tentar ajudar a mamãe, por que o papai não chegou a tempo? Alex, você tá me ouvindo?

Ele olha pra trás e Alex já não está mais ali.

— Alex! Alex!

Ele olha para todos os lados e de uma maneira misteriosa, Alex havia sumido.

— ALEX! ALEX! Não me deixa sozinho! ALEX!

 

Na granja, Sandra continua a tecer dos dois bandidos, um deles está desabotoando sua blusa e começa a passar a língua nos seios de Sandra ainda com o sutiã.

Sandra fica com repulsa e estende um dos braços vagorosamente para alcançar o machado, Júlia permanece com os olhos fechados como a sua mãe pediu.

O homem abaixa o zíper da calça e a desabotoa, quando está subindo o vestido de Sandra até a cintura, ela olha para o canto do ombro do outro homem que está com Júlia e grita:

— Luís! Aqui! Socorro!

Os dois homens ficam em alerta, o primeiro sai de cima de Sandra e o segundo deixa Júlia de lado pra tentar ver por quem Sandra chamava. Quando o homem que tentou violar Sandra está de costas, ela segura o machado com as duas mãos e o acerta certeiramente nas suas costas.

— Ahhhh!!!

— Morre, seu desgraçado! Morre!

— Mamãe!

— Júlia, se esconde!

Quando o outro homem tenta se aproximar, ela imediatamente retira o machado do primeiro e acerta na cabeça do outro.

— MORRE, FILHO DA PUTA! MORRE!

Sandra começa a desferir vários golpes de machado contra os dois homens! O sangue jorra em seu rosto durante o ato, o galinheiro fica barulhento, Sandra parecia estar domada de ódio e continua a desferir golpes nos homens, até que Júlia grita:

— Mamãe!

Quando ouve o chamado de Júlia, Sandra dá conta de si e percebe que fez algo terrível, ela se aproxima da filha tentando consolá-la.

— Filha, tá tudo bem. Tá tudo bem. A gente vai sair daqui.

Júlia vê algo atrás.

— Mãe, olha!

Sandra olha pra trás e vê uma figura, uma entidade parecida com Jeferson totalmente nu e com um machado na cabeça.

— Hahahaha, foi exatamente assim que ela me matou. Aprendeu direitinho, Sandra! Será que vai conseguir fazer o mesmo com o seu marido quando ele vier te matar? HEIN? VAI CONSEGUIR??

A entidade começa a correr em direção a elas, Sandra e Júlia saem correndo da granja.

As duas não olham pra trás, Sandra segura a mão de sua filha e com a outra mão continua com o machado, elas seguem trilhando pela escuridão daquela fazenda tentando chegar em algum lugar.

 

Cerca de 20 minutos se passaram, Sandra e Júlia já estão distantes dali. Enquanto isso, o pastor Alfredo está em seu carro indo em direção à casa da fazenda. Ele tem pressa em salvar aquela família, ele olha no celular rapidamente e quando olha pra estrada de novo vê alguém ali, e freia bruscamente. Quando desce do carro, percebe que é Gustavo.

— Filho, o que você tá fazendo aqui no meio do nada sozinho?

— Por favor, me ajuda! Me ajuda!

— O que aconteceu?

— Dois homens entraram na minha casa e vão machucar minha mãe e minha irmã.

— Sangue de Cristo! Entre no carro, garoto! Vamos!

Gustavo entra no carro do pastor e ele segue caminho para o local.

 

Após um bom tempo ter passado, Luís finalmente chega em casa após um trajeto conturbado, ele desce imediatamente do fusca e corre pra casa percebendo que a porta está escancarada.

— Sandra! Sandra! Meu Deus, o que aconteceu aqui?

Ele percebe que a casa tá um pouco revirada devido o forcejo que Sandra teve com os criminosos.

— Alex! Gustavo! Júlia! Meu Deus, o que aconteceu aqui?

Ele vai até a cozinha e vê cacos de vidro espalhados pelo chão e pela mesa.

— Sandra! Meu Deus, onde você está? ONDE VOCÊ TÁ, CARALHO?

— Queria mesmo me ver?

— Sandra, eu…

— … Fica longe!

— Mas Sandra, o que tá…?

— Papai!

— Júlia, filha!

— Não se aproxime dele, Júlia!

— Amor, sou eu! O que tá acontecendo? E… Por que você tá toda suja de sangue? O que aconteceu com você? Cadê, cadê os meninos?

Sandra está temerosa ameaçando-o com o machado.

— Ele disse que o demônio ia usar você pra nos machucar.

— O quê? Quem disse e que demônio?

— Como vou saber que não está mentindo? Como vou saber se é mesmo o Luís?

— Amor, olha pra mim, sou eu!

— Naquela hora eu recebi uma ligação sua e mais tarde você liga dizendo que iria chegar mais tarde, então quem foi que ligou antes?

— Sandra, olha… Você tá assustada e eu entendo perfeitamente bem que esteja assustada, agora abaixa esse machado, você está assustando a tua filha e está me assustando.

Sandra ouve sussurros em seus ouvidos.

Não dê bola pra ele, Sandra. Mate-o! Vingue a todas nós, mata ele!

— Por favor, Sandra. Não faça isso.

— Mamãe, é o papai! Ele não vai machucar a gente. Por favor!

— Sandra, eu te imploro, abaixa esse machado!

Sandra após muito relutar decide abaixar o machado, ela ainda em choque diz:

— Eu não entendo, achei que a entidade tivesse te possuído, por isso que você estava estranho, chegando tarde, com mudanças de humor. Então será que eu fui esse tempo todo enganada?

Ouve-se uma voz vindo da porta dos fundos.

— Não, você não está enganada.

— Alex?

— Filho?

— Olá, mamãe! Olá, papai! Ou devo dizer… Olá, intrusos!

Sandra pergunta:

— O que aconteceu com você? Cadê o seu irmão?

— Deve estar perambulando por aí com medo e sozinho, se mijando nas calças como ele sempre faz, sinceramente como vocês aguentam esse porre?

— Alex, por que tá agindo dessa forma?

A voz dele engrossa.

— EU NÃO SOU O ALEX! Ainda não conseguiu perceber? Eu passei anos procurando uma oportunidade de me alimentar dos medos de uma família novamente e tudo estava indo bem, mas esse inútil (apontando para Luís) estragou tudo! Era pra ter se repetido! Eu iria entrar na cabeça do patriarca da família pra destruir cada um de vocês um por um, nem mesmo os meus mais leais companheiros conseguiram fazer algo, eu me pergunto: Que porra de família são vocês? A mulher do banheiro, a bruxa, o Homem Torto, Azazel, o demônio dos brinquedos, eles nunca falham! Mas a passagem para eu entrar ainda estava fechada! Então… Não tive escolha, me aproveitei da fragilidade do Alex! Do medo, da revolta, eu fui alimentando isso na cabeça dele que vocês não o amavam, que vocês papais só davam atenção ao Gustavinho e à Julinha. Tentei fazer por diversas vezes que o Alex machucasse o Gustavo, mas o filho de uma puta realmente amava o irmão! Como se sente agora, Sandra? Como se sente ao saber que seu primogênito era o típico filho ideal que todo mundo desejava e que vocês dois desvirtuaram ele? Depois que o Gustavo e a Júlia nasceram, vocês foram deixando o pobre Alex de lado, e isso foi crescendo uma amargura e um ódio profundo nele. Hahahaha, é tão irônico isso!

— Alex, se você ainda tá aí dentro, não deixe esse demônio te dominar.

— Cala a boca, sua vaca! O Alex não vai te escutar. Todos vocês estragaram os meus planos, mas com o Alex eu posso reconstruir o meu império… O quê? Vocês não sabiam que o Alex tem mais ligação com essa fazenda do que vocês mesmo imaginam? Ele nasceu exatamente no mesmo dia que aconteceu aquela “linda” fatalidade aqui. No mesmo dia que a jovem Bianca esquartejou o seu marido, isso foi quando? Há 10 anos? Quantos anos vocês acham que o Alex tem?

— Sandra, pegue a Júlia e vão pro carro, esse assunto é comigo.

— Ahhh, o papai está preocupado com a familiazinha? Sabia que a sua esposa tava fudendo com outro cara ainda agora?

— Quê?

— Não dá ouvidos a ele, Luís. Esse não é o Alex!

— É verdade, eu podia ouvir o gemido dela, Luís. Nem você fazia ela gemer dessa forma.

— Cala essa boca, seu maldito! Sai do corpo do meu filho!

— O que foi? Tem medo da verdade? Ou tem medo de eu entrar na vagina da tua mulher?

— Seu…

— … Luís, não! Lute contra o demônio! O Alex está sendo escravo!

Eles ouvem o grito de Gustavo do lado de fora.

— Mamãe!

— Sandra!

— Ai, meu Deus! Gustavo!

Sandra e Júlia vão em direção à porta, o demônio resmunga.

— Pastorzinho de merda!

Após Sandra e Júlia saírem de casa, a porta é fechada abruptamente deixando Luís preso lá dentro.

— Não, não! Luís! Luís!

— Sandra! Sandra!

O pastor Alfredo se aproxima.

— Filha, o que aconteceu?

— A gente precisa ajudar o Luís. O senhor tinha razão, o demônio queria entrar nele, mas não conseguiu e entrou no Alex.

— O seu filho? Ai meu Deus!

Dentro de casa, o demônio encara Luís.

— Agora somos só você e eu, papai.

— Alex, filho. Eu sei que você tá aí dentro, não deixe esse demônio te vencer, filho.

— Hahahahahaha! É piada, né? “Ain, não deixe ele te vencer”. Eu sou muito mais poderoso do que você imagina, papai! Eu não sou qualquer demônio, eu sou o próprio DEMÔNIO, o ceifador, o belial, a serpente e vários nomes que vocês crentes idiotas podem me chamar.

— Escuta bem…

Luís pega um isqueiro no bolso, o acende e o coloca próximo à cortina da janela.

— Hahahaha, o que vai fazer? Tacar fogo na casa? Esqueceu que eu vim do inferno?

— Não, mas se essa casa queimar, você não terá mais nenhum templo pra sustentar sua corja de demônios, sendo assim você vai enfraquecer e vai vagar por essa fazenda e nenhuma família vai poder pisar os pés aqui novamente. Você vai morrer de fome e não terá ninguém pra atormentar nas próximas décadas.

O demônio fica hesitante, até que decide tentar impedir.

— Eu não vou permitir!

— Tarde demais!

Luís acende o isqueiro na cortina e deixa o fogo começar a se espalhar.

— Não!

— E sabe o que é melhor? Eu vou ligar o gás e todos nós morreremos aqui.

— Volta aqui, seu filho da puta!

O demônio agarra os pés de Luís, ele reluta até chegar na cozinha. Ele consegue ligar as bocas do fogão. O demônio abocanha o braço de Luís, ele lança-o no chão. Em seguida, ele corre como um animal para o outro cômodo da casa e pega o facão.

— Vem, papai! Vem, desgraçado!

— Deixa meu filho em paz!

— Tente me impedir!

O demônio no corpo de Alex começa a ameaça-lo com o facão, Luís tenta se desvencilhar dele.

Luís consegue agarrar o seu braço fazendo com que ele solte o facão, o demônio morde suas mãos fazendo com que ele se ajoelhe de dor e em seguida ele pressiona os dedos contra os olhos de Luís.

— HAHAHAHAHA! VOCÊ NÃO PODE ME VENCER!

— AHHH! ME LARGA, DESGRAÇADO!

Luís o empurra para longe. Na sala, o fogo começa a tomar conta das janelas e o cheiro de gás fica cada vez mais forte.

— Eu vou te matar, papai! Vai morrer pelas mãos de seu próprio filho!

.De repente ouve-se uma voz em alto e bom som e com autoridade exclamando do lado de fora, é o pastor Alfredo.

— SATANÁS! O TEU REINADO ACABOU!

O corpo de Alex começa a tremer.

— Droga! Faz esse maldito pastor calar a boca!

— VOCÊ JÁ PERDEU, DEMÔNIO! DEIXE ESSA FAMÍLIA E O CORPO DESSE GAROTO EM PAZ! ESSE GAROTO É UM SERVO DO ALTÍSSIMO!

Sandra e Gustavo percebem que o fogo está tomando conta da casa, este último decide correr até lá.

— ALEX! PAPAI!

Quando Gustavo tenta se aproximar da casa, ele é arremessado para o outro lado.

— GUSTAVO, FILHO!

Ao tentar acudir o filho, Sandra é arrastada por uma força sobrenatural.

— AAAHHHH! SOCORRO!

Júlia grita desesperada:

— Mamãe!

O pastor Alfredo fica apavorado, Luís percebe que isso está incomodando os demônios.

— Continue, pastor! NÃO PARE! CONTINUE A EXPULSÁ-LOS!

— Ah! Ahrg! Está bem! OUÇAM BEM, POTESTADES! NÃO HÁ MAIS ESPAÇO PRA VOCÊS NESTE LAR E NESTA FAZENDA! ESTE LUGAR A PARTIR DE AGORA ESTARÁ TOMADO PELO SANGUE DE CRISTO!

Dentro da casa, Alex se ajoelha e começa a sentir muita dor de cabeça.

— Ahh! Aiii!

— CONTINUA, PASTOR! CONTINUA!

— … ELE TE LIVRARÁ DO LAÇO DO PASSARINHEIRO, E DA PESTE PERNICIOSA, ELE TE COBRIRÁ COM AS SUAS PENAS E DEBAIXO DE SUAS ASAS ESTARÁS SEGURO…

Enquanto ele declama, Júlia aos poucos começa a flutuar na frente do pastor.

— Ahhhhh! Socorro! Mamãe!

— JÚLIA! JÚLIA! PÔE MINHA FILHA NO CHÃO!

Gustavo se levanta e ouve alguém o chamando, ele olha pra trás e vê o homem de chapéu preto.

— Hehehe, olá, Gustavo!

— FICA LONGE DE MIM!

A entidade se dispersa como fumaça e Gustavo corre em direção à mãe e ao pastor Alfredo. Este continua a declamar o Salmos 91 enquanto Sandra tenta descer a filha que está sendo sustentada por uma força sobrenatural.

— FARTÁ-LO-EI COM LONGURA DE DIAS, E LHE MOSTRAREI A MINHA SALVAÇÃO. EM NOME DO SENHOR E SALVADOR JESUS CRISTO… EU O EXPULSO!!!

Neste momento, a força que sustentava Júlia se dissipa e ela cai nos braços da mãe.

— Ahh!

— Júlia, Júlia, minha filha, você tá bem?

Lá dentro Alex abre os olhos desnorteado.

— Pai?

— Eu sinto muito, filho! Eu não queria que as coisas fossem assim.

Ele abraça Alex, a casa já está quase sendo dominada pelo fogo, as brasas estão se aproximando do fogão.

— Escuta bem o que eu vou te dizer! Não importa o que aconteça, eu te amo, filho! Eu tenho orgulho de você ser meu primogênito!

— Eu te amo, pai!

Eles se abraçam chorando. Do lado de fora, Sandra tenta gritar por eles.

— LUÍS, ALEX!

Abraçado a Alex, Luís começa a se lembrar de toda a infância do filho até aqui. Ele o segurando pela primeira vez na maternidade quando nasceu; depois eles comemorando o aniversário de 1 ano; depois Luís ensinando ele a andar de bicicleta; Alex jogando bola com o pai marcando um gol e em seguida correndo para abraçá-lo. Cada lembrança, cada fragmento… Tudo o que eles viveram até ali, foi como se os últimos 10 minutos tivessem sido apagados, talvez daria tempo de alguém lá fora impedir o inevitável, mas já era tarde. As brasas chegam na cozinha e em questão de segundos a casa explode.

Um verdadeiro turbilhão de chamas subiu aos ceús, Sandra se ajoelha desesperada. Gustavo e Júlia choram sem parar, o pastor Alfredo tenta consolá-los em meio à tremenda tragédia, porém mais nada é possível de se fazer.

Sandra chora, se esperneia, se desespera por não conseguir salvar o marido e o filho, uma dor que vai carregar por toda a vida, uma dor que vai marcar essa família. O mal aqui nesta casa foi vencido, mas como será daqui pra frente? Quantas outras famílias não devem estar passando pelo mesmo problema? Enquanto estivermos aqui, estaremos sujeitos aos mais terríveis ataques malignos.

Diga-me, como está a tua casa? Como está a tua família? Vocês realmente estão bem? Tem certeza que não tem nada de errado? A família de Sandra foi apenas um exemplo, mas poderia muito bem ser a sua, então tomem cuidado! Fiquem atentos aos sinais e acima de tudo… Não percam a fé… Não percam a fé.

 


 

Junho de 2021

Dois jovens se aproximam da fazenda, eles descem do carro e vê a casa sem o teto, dava pra perceber que houve um incêndio ali.

A moça fica por alguns minutos olhando para a casa, é loira de olhos verdes, o rapaz se aproxima dela, um jovem bonito de cabelo cacheado.

— E aí, acha que a gente consegue, Júlia?

Sim! A moça é a pequena Júlia, agora com 25 anos de idade e ficou tão bela quanto a mãe. E o rapaz é Gustavo, hoje com 27 anos de idade.

Sandra faleceu em 2020, a causa da morte ainda é desconhecida. Os filhos não queriam fazer nada pra não contrariar a mãe. Mas após o seu falecimento, eles decidiram retornar à Águas Lindas de Goiás para o “acerto de contas”.

— Bom, de acordo com os relatos dos vizinhos, algumas pessoas ainda veem aqui pra fazer coisas erradas. Mal sabem o que aconteceu aqui quando éramos crianças.

— Sim, Gustavo! Mas isso vai acabar a partir de hoje, só existe uma maneira de destruir qualquer possibilidade desses demônios voltarem a se alimentar de qualquer alma que possa vir nesta fazenda.

— Ah, é? E qual é?

Júlia olha bastante confiante para a casa e diz:

— NÓS VAMOS DEMOLIR ESSA PORRA!


“Os nomes dos personagens neste conto são fictícios, os relatos reais são de moradores que presenciaram os eventos nos anos 90, seus nomes foram alterados para preservar sua identidade.”

“No decorrer dos anos, casos como assassinatos, estupros e outros crimes perversos percorreram por aquela fazenda.”

“A casa da fazenda foi incendiada nos anos 2000 após os últimos moradores alegarem estarem sendo assombrados por uma força maligna”.

 “O crime brutal da casa até hoje divide opiniões entre os moradores, a polícia abafou o caso e nunca descobrimos o que de fato aconteceu com Bianca após matar e esquartejar o seu marido”.

“Nos dias atuais, a casa da fazenda está totalmente destruída e nunca mais tivemos notícias de eventos sobrenaturais, pelo menos… Não por enquanto”.

 

                                         Casa da Fazenda atualmente. Foto tirada no dia 06/06/2021.

 

 

Fim

 


REALIZAÇÃO:

 

Co-Produção:

 

Distribuição Internacional:

 

  SUPERVISÃO DE TEXTO:

Marcos Vinícius

  DIREÇÃO DE ARTE:

Cristina Ravela

Well Vianna

PRODUTOR EXECUTIVO:

Melqui Rodrigues

DIREÇÃO GERAL:

Well Vianna

 

© Copyright 2021

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  • Já quero lhe parabenizar pela sua encantadora escrita nesse conto de horror, drama e outros, meu caro amigo. Foi uma experiência quero quero guardar para a vida, e o ótimo disso tudo, e você ter contado essa história macabra da fazenda. Eu amei tudo o que você contou, e fiquei com um ranco do primeiro marido, do ato 1 ainda. Quero desejar todo o sucesso pra você, e que mais contos, e novas histórias sejam contadas por você! Obrigado.

    • Fico muito feliz de verdade com esse comentário, meu amigo! Gratidão mesmo por isso. Um forte abraço!

  • Já quero lhe parabenizar pela sua encantadora escrita nesse conto de horror, drama e outros, meu caro amigo. Foi uma experiência quero quero guardar para a vida, e o ótimo disso tudo, e você ter contado essa história macabra da fazenda. Eu amei tudo o que você contou, e fiquei com um ranco do primeiro marido, do ato 1 ainda. Quero desejar todo o sucesso pra você, e que mais contos, e novas histórias sejam contadas por você! Obrigado.

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