Nathan revela sua experiência
À noite, ele aguardou ansiosamente a chegada das irmãs. Às vinte horas, Kátia chegou e, logo em seguida, Inês. Nathan esperou pacientemente as duas jantarem. Quando ambas estavam na sala, em frente à TV, resolveu falar:
— Preciso contar uma coisa — disse. Inês murmurou algo esquisito que não deu para entender. Kátia nem se manifestou.
Nathan tentou outra vez.
— Quero contar uma coisa que aconteceu comigo. — Silêncio absoluto. Com exceção das vozes que saíam da TV. O menino, então, colocou-se diante das irmãs. Aí falou alto: — Preciso falar com vocês!
O tumulto se armou:
— Sai da frente, moleque, estou cansada. Quero assistir o filme. − Repreendeu Kátia.
— Que carinha mais sem educação! — disse Inês, bastante irritada.
— O que deu em você, Nathan? Pare de encher. Estamos cansadas — completou Kátia.
Nathan insistiu:
— É que eu quero falar com vocês. Aconteceu uma coisa muito legal ontem à noite. — O menino mostrava entusiasmo apesar da rajada de broncas contra ele.
— Tá bom, vai, conta logo — apressou Inês.
— Ontem à noite, eu estava deitado, quando ouvi um barulho muito forte. Era tão forte que pensei em tapar os ouvidos. Um portal apareceu na parede do quarto. Aí, então, brilhava. Foi demais! Surgiu o ser que flutuava, seu nome é Orientador. Depois um ser em formato de ovo…
Enquanto ele contava, Inês e Kátia se entreolhavam, a princípio desinteressadas, depois, com ar de preocupação. Mas Nathan, muito animado, continuava a narrar a aventura sem suspeitar que o relato despertava dúvidas sobre a sua sanidade mental. Na mínima pensavam que Nathan estava pirando.
—… Aquela luz, não sei de onde vinha. Entrei no portal e fui parar…
— Opa, espera aí — interrompeu Inês. Você está contando um sonho, certo?
— Não, não! Aconteceu de verdade.
— Esse menino vive no mundo da fantasia — disse Kátia, sem se preocupar com o relato e mais interessada no filme.
— Foi tudo muito real. Sonho não é assim. Eu juro. Fui até ver o lugar onde as baleias ficam quando mergulham a grandes profundidades.
— Você foi o quê? Em sonho, foi para o mar… que legal. Já sonhei com o mar e…
— É verdade… por que vocês não acreditam em mim?
— Nathan, olha, que é um sonho, tudo bem, mas dizer que é verdade, faça-me o favor! — Disse Kátia dividida entre o menino e a TV.
Nathan ficou furioso. — Vocês não me ouvem. Foi verdade, sim. — E correu para o quarto. Jogou-se na cama: “Foi verdade, foi verdade sim. Eu sei que foi” – Remoeu o desaforo das irmãs e, aos poucos, as lembranças do fundo do mar tornaram-se vívidas novamente. Isso o acalmou. “O que importa é que para mim foi verdade”, concluiu ele.
Na sala, as irmãs permaneceram quietas por algum tempo, até Inês romper o silêncio.
— Sabe Kátia; acho melhor a gente levar o Nathan a um psiquiatra. Ele não bate bem da cabeça. Vai acabar igual a mamãe.
— Concordo. Ele sempre foi meio estranho. Será que isso tem cura? — Perguntou Kátia, sem despregar os olhos da televisão.
— Se tem cura, não sei, mas um remédio para controlar a cabeça dele seria uma boa. Tenho um amigo que conhece um bom psiquiatra. Uma vez por semana ele atende as pessoas de graça. Tentarei marcar uma consulta. – Disse Inês.
Kátia concordou como quem concorda com qualquer coisa quando está interessado num bom filme. De repente, Inês escutou Lúcia chamar do quarto.
— Mamãe? Precisa de alguma coisa?
— O que houve entre vocês e Nathan?
Inês explicou que estava preocupada com o irmão. Então, Lúcia disse:
— Gostaria de ter condições de cuidar melhor de vocês. Tenho a sensação de que a minha vida se vai aos poucos. Mas depois de tudo o que aconteceu…
— Não precisa falar disso agora. O que passou, passou.
— Filha, não tenho forças. Tento lutar contra isso, mas essa fraqueza que sinto… vocês sustentam a casa. Isso já é motivo de glória para uma mãe. Contudo, isso também reforça a minha incapacidade.
— Deixa disso, mãe. Ficará boa…
Lúcia, depois de longos anos no silêncio, pôde naquele momento, libertar os sentimentos sufocados em seu coração.
— Sabe, filha, me falta gosto pela vida. Depois que perdi seu pai… sinto-me só, apesar dos três filhos maravilhosos que eu tenho. É como se eu estivesse oca por dentro, mergulhada na mesmice deste quarto. Se uma pequena chama de vida acende, ela logo apaga. Gostaria de pensar com clareza, redirecionar minha vida…, mas isso dói. — Lúcia deixou rolar tristes lágrimas. Inês abraçou-a com carinho.
— Filha, peço uma coisa.
— Sim, mamãe, o que é?
— Cuide de Nathan. Ele precisa de ajuda, de carinho.
— Pode deixar. Fica tranquila.
Lúcia cobriu a cabeça e ali permaneceu até adormecer.