O psiquiatra

Inês conseguiu o telefone do psiquiatra e marcou a consulta para o dia do atendimento gratuito. Pura sorte, pois só havia uma vaga disponível na agenda. Saiu mais cedo do trabalho depois de convencer seu chefe, a duras penas, de que se tratava de um problema de família importante. Ao chegar em casa, pediu a Nathan que trocasse de roupa para ir ao médico. Enquanto se vestia, perguntou desconfiado o que iria fazer lá. Inês disse que era para fazer alguns exames.

Vão me dar injeção? — Perguntou ele.

Não, claro que não. Vamos lá apenas para conversar.

Então, tudo bem. — Nathan ficou mais animado.

Antes de saírem, Nathan correu para o quarto da mãe, como de costume. Pulou sobre a cama e deu-lhe um beijo na testa.

Mamãe, vou sair com Inês. Voltamos já — disse ele, como se fosse ao parque de diversões.

— Está bem, filho. Tome cuidado. Eu te amo. Não se distancie de sua irmã.

Nathan saltou da cama e correu em direção à porta.

Vamos logo, Inês!

Minutos mais tarde, chegaram ao consultório do doutor Lino Mourão, importante psiquiatra. Enquanto Inês preenchia a ficha, Nathan observava atentamente os meninos da sua idade que aguardavam na sala de espera. Ele olhou para Inês e, cada vez mais desconfiado, tentou descobrir por que tinham ido parar lá:

Você acha que eu tenho problema na cabeça, não é? Mas eu não tenho nada. Sinto-me bem.

Sim, claro que se sente, mas veremos se você fica melhor.

Melhor? Não estou doente.

Eu sei que não, mas pode ficar.

Doente da cabeça?

É; quem sabe?

Nathan calou-se, mas ficou pensativo. “Será que a sua consulta com o médico teria a ver com a aventura que contou?”

Depois de quase uma hora e meia de espera, a recepcionista chamou. Nathan resistiu. Inês puxou-o pela mão. Ambos entraram no consultório aos tropeços. O psiquiatra, de bochechas rosadas e muito suadas, nem bem ergueu os olhos empapuçados do papel e mandou Nathan sentar-se. Sem levantar os olhos do papel, o doutor Mourão perguntou:

Pois não? O que há com Nathan? — Seus olhos continuavam pregados no papel.

Bem, doutor, meu irmão vê coisas. Ele me preocupa porque desde criança ele parece prever acontecimentos, fala com bichos e recentemente disse que viajou para outros lugares, teve contato com um ser parecido com um frade gordo e viu onde as baleias se escondem quando mergulham…

Apresenta algum sintoma físico antes, durante ou depois das crises?

Sim, doutor. Ele disse que ouviu um barulho forte e luzes na parede do quarto.

Hum… — murmurou o médico, que continuava a escrever — Sempre foi assim?

Às vezes. Quando pequeno, ficava parado por muito tempo e os animais se aproximavam dele. Era um tanto bizarro.

Bem, isso não é estranho. Algumas crianças têm forte afinidade por animais e vice-versa.

Nathan ainda calado ouvia os dois conversarem sobre ele.

O que poderia ser, doutor? — Perguntou Inês, cheia de expectativas.

Bem, posso dizer que ele é portador de uma disfunção esquizotípica associada a distúrbios do sono. Vê coisas, fala sozinho. Um remedinho ajudará.

Ah, que bom! Mas não é grave, é?

Não. Como disse, isso é um distúrbio controlável através de medicação. Hoje em dia á comum em crianças na pré-adolescência e em adolescentes. Eventualmente ocorre na fase adulta. Isso passa.

Inês olhou para Nathan, que continuou sem entender nada. Ela então sorriu como se todos os problemas estivessem finalmente resolvidos.

Mais uma pergunta: o menino passou por algum trauma? A perda de um ente querido, por exemplo? − Perguntou o psiquiatra ainda com o nariz metido nos papéis.

Sim. Nosso pai desapareceu. Mamãe adoeceu por causa disso. Fica na cama dia e noite. Acho que Nathan se sente sozinho.

Talvez esse quadro tenha se manifestado em função disso. Tome aqui a receita. Este remédio vai ajudá-lo a não ver mais nada que não seja aquilo que os olhos possam realmente ver.

Inês e Nathan se levantaram e agradeceram. O médico despediu-se e voltou a escrever. De longe, o menino esticou os olhos curiosos em direção aos papéis nos quais o médico tanto anotava. Ao sair da clínica, Inês disse com sorriso de satisfação.

Viu como as coisas são simples? Um comprimidinho por dia e ficará novo.

Mas, Inês… Ele nem olhou para mim!

Claro! Pensa que médico tem tempo para ficar escutando ladainha? Eles atendem muitas pessoas por dia. Além disso, seu caso não é nenhum bicho de sete cabeças. Viu como ele escrevia? Aquilo é que é dedicação. Anotou cada coisinha que falamos.

Mas… eram palavras cruzadas.

O quê? — Depois do espanto Inês calou-se e ambos voltaram para casa.

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