ESTAÇÃO MEDICINA
Capítulo 41
Contragolpe

CENA 01/SÃO PAULO/VILA MADALENA/PRAÇA PÔR-DO-SOL

SUZY – Que vergonha, gente! Como vocês podem fazer isso com a Heloísa, vocês sabem a barra que ela tá passando por conta da faculdade.

RITA – Queria que você soubesse, Suzy, que eu e Goram nos amamos, nos amamos desde o primeiro que nos vimos.

SUZY – Velho, mas que surreal. Como você sendo uma professora se envolve com um aluno desse jeito ?

RITA – Qual problema, garota, nós nos amamos.

SUZY – Então a outra era a Helô, Goram?

GORAM – Suzy está nervosa! É melhor assusuba de Heloísa, é compreensível! Mas Goram não tem uma que ama e outra que não, Goram ama as duas da mesma maneira.

SUZY – Que papo machista é esse ? Quem você pensa que é ? Um sultão! Para ter muitas mulheres ? Se bem né, sabemos muito bem que Rita não é uma.

GORAM – Não é um papo machista. Goram apenas ama mais de uma pessoa ao mesmo tempo.

RITA – Isso se chama poliamor.

SUZY – Ai, não me vem com esse papinho. Isso é desculpa para quem quer usufruir da farra, da parte boa, e acha que pode trair a vontade, sem se preocupar com os sentimentos dos outros.

RITA – Você está sendo preconceituosa, queridinha. Não pega bem para uma pessoa da sua idade.

SUZY – Você não me provoca. Odeio quando usam diminutivo comigo!

GORAM – Chega, gente! Por favor, Suzy não conte nada de Goram a Heloísa!

SUZY – E você acha que eu vou Goram ? A menina passando por essa barra e você fazendo isso com ela, acha que vou dar mais esse desgosto para pobre coitada ? Goram! Ela quase pega vocês, ela está na Leopoldina, imagina se ela sai e flagra vocês aqui! Imagina.

Goram ficou pasmo.

GORAM – Ela…ela está aqui ?

Suzy se irrita e desata a bater o pé. Goram pensa em ir atrás, mas Rita o chama.

RITA – O melhor a se fazer é sairmos daqui, vem, eu te levo para casa.

Goram se sentiu culpado. Mas aceitou o convite da professora drag.

CENA 02/SÃO PAULO/CENTRO/APARTAMENTO DE ARAPONGA/TARDE

Araponga serve alguns bolinhos caseiros.

ALEXANDRE – Deixa eu ver se eu entendi, vocês querem que nós sejamos seus espiões? E conseguimos capturar todos os vídeos que ele gravou contra você.

BERNARDO – Exatamente, principalmente o Zé. Por que o Giovane não deve saber quem ele é, você deve saber quem é.

ALEXANDRE – Que história, maluco. Então o herdeiro é aquele garoto que vive frequentando a mansão, o tal de Goram, fingindo ser apenas um aluno que está aprendendo inglês com Dr. Mateus. E Dr Mateus sabe disso?

BERNARDO – Não sabe, Goram quer enfeitiça-lo com seu charme para depois dar o bote.

ALEXANDRE – O que ele pretende fazer ?

BERNARDO – Ah, meu amigo, isso ninguém sabe…

CORTAR PARA :

CENA 03/SÃO PAULO/VILA MADALENA/APARTAMENTO DE ADELAIDE/INTERIOR/SALA DE ESTAR/TARDE

Instrumental de suspense.

RITA – Pronto, o princeso tá entregue!

Ele sorriu, tentou dar um selinho, mas Goram antecipou com um abraço.

RITA – Você vai ficar bem ? Quer que eu fique um pouco?

GORAM – Não precisa, o pessoal deve estar em casa.

RITA – Por favor, Goram, quero muito que não se sinta culpado pelo que fizemos, você não traiu ninguém, você está amando duas pessoas ao mesmo tempo e embora isso seja difícil para muita gente entender, essa é a sua verdade. Quero que você saiba que da minha parte você nunca vai ter problema quanto a isso.

GORAM – Eu sei, mas agora Goram, precisa ir.

RITA – Tchau.

Ela roubou-lhe um beijo molhado na bochecha. Ele fechou a porta e deixou se escorregar até cair no chão.

Themise voltava da lavanderia com um cesto de roupa vazio.

THEMISE – Meu Deus, Goram, o que foi que aconteceu? Por que está largado no chão ?

Laurinha que acompanhava, logo soltou mais um de seus comentários.

LAURINHA – Pela cara, aprontou e muito.

THEMISE – Mas você não cansa de ficar dizendo essas papagaiadas!

LAURINHA – Se a verdade dói, o que posso fazer ?

Goram estava chorando. Themise ficou com dó.

THEMISE – Hey, o que foi ?

Ela se abaixou para ficar no mesmo nível do primo.

GORAM – Que merda! Suzy descobriu meu caso com Dra. Rita ?

Themise levou um baque.

THEMISE – Mas vocês tinham um caso consumado ?

GORAM – Sim, a gente se encontrava às escondidas, no consultório dela, no apartamento, no carro. Sempre sentiu um desejo muito forte pelo corpo dela, algo carnal, mas que aos poucos foi se mostrando romântico também. Com Heloísa, foi diferente, sempre foi romântico, único e exclusivamente. Goram ama as duas.

Themise sentiu-se mal com aquelas confissões. Levantou e deu as costas. Queria chorar também. Laurinha percebeu e continuou pela irmã.

LAURINHA – E o que aconteceu para você estar com essa cara ?

Goram soluçou de emoção.

GORAM – Suzy descobriu meu caso com Dra. Rita e acusou Goram de estar traindo Heloísa.

LAURINHA – O que não deixa de ser verdade.

THEMISE – Ai, Laurinha, vai embora daqui.

E tacou a almofada na irmã que saiu para o quarto. Themise tentou contar o choro para ajudar Goram.

GORAM – Goram não sabe o que faz, Themise. Se Helô descobrir, ela pode surtar ainda mais nos estudos e se fazer mal. Goram não jemotara que isso aconteça, eu não posso causar isso.

A jovem não sabia o que dizer, aquilo mexia com ela muito também, porque nutria uma paixão muito forte pelo primo, embora nunca fosse correspondida, abaixou e o abraçou forte.

CORTAR PARA :

CENA 04/SÃO PAULO/TATUAPÉ/UNIVERSIDADE OLYMPUS/QUADRA DE BASQUETE/INTERIOR/TARDE

Fabiana fica em silêncio encarando Guto.

GUTO – E então você vai me contar como essas manchas foram formadas ?

Ele se aproxima dela, estacada e despe lentamente sua roupa, evidenciando.

GUTO – O que está acontecendo, minha pretinha ?

Ela puxa a camisola por cima.

FABIANA – Me deixa, Guto.

GUTO – Como eu posso deixar a mulher que eu amo, apanhar desse jeito ?

FABIANA – Eu estou acostumada, sempre ralei de sol a sol para ajudar a minha mãe, não é agora que…

GUTO – Para, para que tá feio. Você sempre combateu as injustiças e vai deixar que essa seja cometida contra você ?

Ela chorava. Abraçou ele.

FABIANA – Eu tenho tanto medo, Guto. Eles me pediram para afastar você. Eles me pediram para não contar nada, eu tenho tanto medo.

GUTO – Quem fez isso, CARALHO?
FABIANA – Samuel e sua turma.

Os olhos do mochileiro se fecharam em raiva, como seus punhos. Close.

CENA 05/SÃO PAULO/IMAGENS AÉREAS DAS RODOVIAS DE SÃO PAULO/ NOITE

Começa a tocar Esquecimento de Skank.

É mostrada imagens das principais rodovias da capital, indicando o tráfego de automóveis, na Paulista, Ayrton Senna, Marginal Pinheiros, Rodoanel Mário Covas, anoitece…

CENA 06/ SÃO PAULO/ CENTRO/ BORDEL BOVARY/ INTERIOR/COZINHA

BOVARY – Tá terminando essa geringonça da feijoada ?

Cacau termina de mexer o caldeirão de pedra.

CACAU – Tá sim, madame.

BOVARY – Nossa, que fragrância agradável. Geralmente a gente compra essa feijoadas de buteco, paga mais caro e ainda fica cheirando intestino de porco. Deixa eu provar! Se afasta!

Cacau sai meio pertubada. Bovary puxa a colher de pau.

BOVARY – Uhhhh, nossa e não é que tá bom mesmo.

CACAU – Lógico.

BOVARY – Que foi que você disse? Circulando, circulando. Pode deixar que eu sirvo o jantar.

Cacau ficou parada sem entender.

BOVARY – Tá esperando, o quê ? Desaparece! Escafeda-se, vai!

Assim que a faxineira sai, ela retira da calcinha um vidro, sorri maléfica mostrando seu dente de ouro.

BOVARY – Ah, hoje aquelas vigaristinhas, me pagam! Hoje vão ter uma experiência inesquecível….na santa privada.

E joga todo conteúdo do vidro na feijoada, balançando bem. Lemos no frasco que ela guarda logo em seguida : LAXANTE.

CORTAR PARA:

SALA DE JANTAR

Tiffany, Larissa e Giovana chegam para jantar e levam um susto ao ver Bovary a mesa.

LARISSA – Escapou rápido né, velha ?

BOVARY – Não achei graça. Saiba que o troco não vai demorar para chegar.

TIFFANY – Morrendo de medo.

BOVARY – Vamos ver quais programas que eu vou jogar vocês ? E você criança, não adianta ficar com essa cara de mamão murcho. Trate logo de comer, que não quero conselho tutelar me enchendo o saco aqui na frente.

Todas elas olharam feio para a velhaca, mas desataram a comer. Bovary escondeu o riso.

CENA 07/SÃO PAULO/TATUAPÉ/HOSPITAL ORLANDO MOÇA/ENFERMARIA DE NEUROLOGIA/NOITE

Meire vai ao encontro de Rita.

RITA – E então qual foi o parecer da manutenção ? Quanto ficará o reparo ?

MEIRE – Nada, conseguiram arrumar com material que o hospital possuía. Não tivemos maiores problemas.

RITA – Que notícia maravilhosa. Eu já estava super preocupada, disso chegar a direção do hospital.

MEIRE – Fique tranquila, passou longe de lá.

RITA – Ainda bem e a Dona Noz-Moscada, como ela está depois de ter quase a arcada arrancada ?

MEIRE – Tá bem, já chamei um parecer da odontologia e da cirurgia de cabeça e pescoço. Odonto já passou, disse que teve apenas algumas queimaduras internas, mas já prescreveu alguns medicamentos e antibiótico. Cirurgia passa amanhã.

RITA – Ótimo. E quanto ao quadro clínico?

CORTE DESCONTÍNUO

Meire puxa a cortina.

MEIRE – Ela tem demonstrado bastante episódios de taquicardia, a euforia tem voltado também…

De repente Noz-Moscada começa a ter uma crise de riso.

NOZ-MOSCADA – Mas vocês mesmos, não perdem uma oportunidade para abusar de mim…

Meire tenta acalmá-la, quando para seu desespero, Rita ao ver a cena começa a rir descontroladamente, caindo no chão.

Instrumental faiscante. Close alternada em dona Noz-Moscada subindo na cama eufórica, volta para Rita no chão gargalhando, volta para Meire petrificada com aquela cena.

CENA 08/SÃO PAULO/VILA MADALENA/APARTAMENTO DE ADELAIDE/INTERIOR/COZINHA/NOITE

Goram remexia para lá e para cá nos fios do macarrão, enquanto Laurinha do outro lado devorava e pegava mais. Themise comia em silêncio.
THEMISE – Goram é importante você comer um pouco, não pode ficar sem comer, você sabe disso.

GORAM – Goram não sente ambyasy nenhuma. Essas horas fico imaginando na Suzy resolvendo comentar para Heloísa do que aconteceu…

LAURINHA – Mas você queria o quê ? Apronta e depois não quer que descubram a verdade.

Themise bateu o garfo na mesa, assustando a irmã. Fuzilou a caçula com um tom de reprovação. Goram sai da mesa.

THEMISE – Tá vendo o que você fez ?

Ela vai atrás.

SALA DE ESTAR

THEMISE – Goram você não pode levar em consideração tudo que a Laurinha fala, ela ainda é criança.

GORAM – Pior que ela está certa, o que eu fiz foi muito errado!

O celular de Goram toca. Ele vê : MATEUS.

GORAM – Que ódio! Agora esse jejuka me ligando!

Aceita a ligação.

GORAM – Alô, Dr. Mateus. Como vai o senhor ? Um jantar ? Puxa, Dr. Mateus, eu já estou comendo. Não podemos tomar um café pela manhã ? Hoje? Mas o senhor não acha que está um pouco karuka…Sair para beber ? No bar do Esteto? Goram está evitando um pouco álcool, estou meio enjoado, sabe ? Dormir aí ? Acho que hoje quero ficar mais aqui, tenho provas essa semana. O senhor é muito engraçado. Tá me dizendo que pode adiar minhas provas, porque ele é o reitor da universidade! Pode ser amanhã de manhã? Padaria Nora com Debuta ! Sei onde fica ali próxima da Faculdade! Amanhã estarei lá! Umas 08h? Pode ser ! Combinado então ? Perfeito! Até amanhã! Um beijo…

Ele desliga. Seus punhos cerraram de vingança.

GORAM – É um misto de náusea e de esperança que sinto, sabe Themise. Estou abalado com essa questão da Heloísa, mas tê-lo comendo na minha mão é muito importante. Eu sinto, Themise, esse monstro, aquele amante carniceiro dele e os dois executores do assassinato do meu pai estão perto de pagar por tudo.

CENA 09/SÃO PAULO/BIXIGA/APARTAMENTO DE JOSÉ/INTERIOR/SALA DE ESTAR/

José abre a porta do apartamento. SILÊNCIO. Ele respira fundo na escuridão que se revela e fecha a porta, quando um abajur a poucos metros de distância se acende.

MARCELA – Onde você estava, amor ? Passou a tarde inteira fora!

Instrumental explosivo. Close em seu rosto assustado.

JOSÉ – Fui tratar questões com os caminhoneiros, você sabe, estamos estudando uma paralisação.

MARCELA – Nossa, mas que estranho, um colega seu de trabalho bateu aqui agora no início da noite, dizendo que sentiu falta de você no posto hoje, que ia ver com você se você não quebrava uma entrega para ele para Campinas!

José engoliu seco.

JOSÉ – Foi o Júlio ?

MARCELA – O próprio!
JOSÉ – Ah, ele não tava lá, foram alguns nossos outros colegas, saímos para beber.

MARCELA – Sei…Olha amor, você não tá me escondendo nada, né ? Se algo tiver te aflingindo, você pode contar comigo.

Ele tenta disfarçar.

JOSÉ – Que isso, minha boneca. Imagina…eu escondendo alguma coisa de você. Por que eu faria isso ?

MARCELA – Eu não sei, mas você tem uma mania de ficar guardando problemas para você, nós somos um casal, você pode contar comigo.

JOSÉ – E você acha que eu não sei disso, ah ? Desse mulherão que eu tenho.

E a pega no colo de repente, provocando riso. Ele a coloca no sofá e a rouba um beijo apaixonado. Por debaixo dos braços dela, esboça um olhar de preocupação. Big-close-up.

Alguém torce a chave na porta, abrindo.

José e Marcela param de se pegar.

Era Fabiana acompanhada de Guto, ela estava cabisbaixa, passou direto sem cumprimentá-los.

MARCELA – Fabi, aconteceu…Guto aconteceu algo?

Meio sem graça, ele revela.

GUTO – Minha princesa vai tomar um banho e vamos na delegacia da mulher.

MARCELA – NA DELEGACIA DA MULHER !

CENA 10/SÃO PAULO/TATUAPÉ/CASA DOS ESTUDANTES/APARTAMENTO 12/INTERIOR/SALA/NOITE

A porta se abre. Heloísa e Suzy entram conversando.

HELOÍSA – Nossa, nem sei como consegui fazer aquela prova de Saúde da Comunidade hoje no posto de saúde. Foi um milagre!

SUZY – Adilson deixa tudo mais leve mesmo! Mas o mais importante é das vezes que você não conseguir, você se expressar com Leopoldina, ela é ótima.

HELOÍSA – Ela é mesma! Nossa miga, amei conhecê-la. A sorte que as provas estão terminando. Depois só no final do semestre. Ai, ai. Amanhã só temos aula de tarde, dá para usar a manhã para chamar o Goram para andar de bicicleta.

Heloísa vai para o quarto. Suzy fingiu felicidade.

SUZY (V.O.) – Se ela soubesse quem Goram era de verdade, jamais faria aquele convite !

A campainha toca. Ela abre e percebe que se trata de Bernardo.

BERNARDO – Boa noite, Suzy. Tudo bem contigo ?

SUZY – Fala Bernardo! Helô acabou de…

Heloísa aparece na sala.

HELOÍSA – Maninho, você veio me ver!

Ele sorridente devolveu o acolhimento, abrindo os braços. Ela correu para abraçá-lo.

CENA 11/SÃO PAULO/TATUAPÉ/BAR DO ESTETO/INTERIOR

Boina está tomando uma gelada quando Caio toca em seu ombro.

CAIO – Que bom que você aceitou falar comigo, cara. Eu tô desesperado.

BOINA – Nem me fala, não tem uma hora que eu não penso no que fizemos. Eu segui meu coração, o que acredito, mas se descobrirem, nós podemos sermos processados…

CAIO – Cara eu batalhei muito pelo CRM! Você me garantiu que nada aconteceria, eu confiei em vc.

BOINA – Calma, ficar assim não vai adiantar nada. A gente ajudou uma jovem a se livrar de uma violência que aconteceu com ela.

CAIO – Eu concordo com você, mas fico pensando no filhote que vou ter com a Meire e sei lá, me dói um pouco, já tinha 4 meses.

BOINA – Que perspectivas essa criança ia ter numa família como a dela? Filha do próprio padrasto abusador, com a mãe conivente. Embora muitos possam dizer que eu já estou vivo e que escolheram que eu nascesse, nada se compara, eu fui planejado, desejado, fui consentido, amado e não fruto de um acaso de sofrimento. Aquela garota é uma adolescente, que está começando a vida agora. Fizemos o certo, não podíamos compactuar com essa violência.

Caio concorda a fala do amigo e bate em seu ombro num tom de parceria.

CENA 12/ SÃO PAULO/ SÃO MATEUS/ CASA DE QUITERIA/ INTERIOR/ BANHEIRO

Quiteria espiona o padastro gritar com a mãe de dentro do banheiro. Respira fundo e encena.

QUITERIA – NÃO, NÃO! QUE DOR!

Grita desesperada. Sua mãe vai até a porta.

AFRANIA – QUE GRITARIA É ESSA? O QUE ESTÁ ACONTECENDO?

Quiteria imita um choro alto, não diz nada.

PAULO – VAI RESPONDER A SUA MÃE, CACETA!

Paulo arromba a porta depois de bater forte.

PAULO – QUE PORRA ESTÁ ACONTECENDO CONTIGO?

QUITERIA – Perdi meu filho! Saiu muito sangue.

Afrania sente um mal estar. Paulo não se comove, apenas a encara com raiva.

CENA 13/SÃO PAULO/CENTRO/BORDEL BOVARY/INTERIOR/SALA DE JANTAR/NOITE

Bovary termina de limpar os lábios com toques de guardanapo.

BOVARY – E então gostaram da feijoada ? A nova empregada é ou não um espetáculo!

TIFANNY – Só não entendi porque você não pegou…Realmente estava muito boa!

BOVARY – Não tô muito bem do estômago…

LARISSA – Foi mandar a Marcela embora, ela com certeza saberia um medicamento para te passar.

BOVARY – Aquela jumenta ingrata, dispenso. Mas tenho certeza que o prato principal ainda estará por vir!

GIOVANA – Sobremesa ?

BOVARY – Caganeira!

As meninas se olharam e de repente perceberam que o intestino delas estavam borbulhando de tantas fezes líquidas.

LARISSA – Filha da puta, o que você colocou na nossa feijoada ?

Bovary solta uma risada estridente. Larissa sai correndo para o banheiro. Tiffany tenta entrar antes no banheiro, mas não consegue. Corre de volta para sala de jantar, indo em direção a escada.

TIFANNY – SUA LOUCA!

Ela sobe correndo a escada, Giovana corre atrás.

Sozinha, Bovary gargalha alto.

BOVARY – Ai, ai. Que vocês morram de tanto cagar !

CENA 14/SÃO PAULO/PRAÇA ROOSEVELT/DELEGACIA DA MULHER/INTERIOR/NOITE

VISTA DE CIMA. VEMOS FABIANA NUM PRIMEIRO MOMENTO SOZINHA SENTADA. ESCUTAR SUA RESPIRAÇÃO ACELERADA. DEPOIS OUTROS ELEMENTOS DO ROTEIRO VÃO SE REVELANDO COMO A DELEGADA TAMBÉM NEGRA COM UM POTENTE TURBANTE, GUTO EM SILÊNCIO A POUCOS METROS ATRÁS. O ESCRIVÃO DE UM LADO. ASSISTENTE DE OUTRO. ESTAVAM NO ESCRITÓRIO.

DELEGADA ROSANA- Quando você quiser, nós começamos…No seu tempo.
Fabiana estava encolhida. Tímida. Cabisbaixa. Aos poucos, ergueu o olhar até a altura dos lábios da delegada, não conseguiu olhar nos olhos. Suas extremidades estavam frias e sudoreicas.

FABIANA – Eu…eu.. É muito díficil fazer isso, estranho porque eu sempre encorajei as pessoas a denunciarem seus agressores, mas quando é com a gente, é tão mais díficil.

DELEGADA ROSANA – Eu sem bem o que é isso. A mulher negra quando não olhada com desdém, hipersexualizada, é cobrada para ser forte e eu te digo, somos plurais, choramos, lutamos, resistimos.

Guto se aproxima de Fabiana e a abraça por trás. Ela se emociona.

FABIANA – Eu fui agredida… Eu fui pisoteada, chutada, cuspida…Xingada pela minha cor. (Chorava). Eu fui ameaçada, açoitada com chicote! Eu me senti num pau de arara, foi horrível.

Ela chorou alto. Guto e Marcela a abraçaram.

CORTE DESCONTÍNUO…

RECEPÇÃO

Fabiana bebia água ainda em lágrimas, apoiada no ombro de Guto. Marcela acariciava seu braço do outro lado. A delegada pegou as mãos da jovem, agachando na frente dela.

DELEGADA ROSANA – Você foi perfeita, querida. Conseguiu transpor o limite do medo, da zona de conforto de deixar tudo como está. Você foi violentada e precisava ser escutada. Agora é com a gente.

Para surpresa de Fabiana. Seus olhos se destacam.

CACAU – Oh, minha filha, se eu soubesse…

Fabiana começou a chorar, correu para o colo da mãe e a abraçou forte. Guto e Marcela assistiam à cena felizes pelo selar das pazes de mãe e filha.

CENA 15/SÃO PAULO/TATUAPÉ/CASA DOS ESTUDANTES/APARTAMENTO 12/INTERIOR/SALA/NOITE

Bernardo retorna do quarto das meninas.

BERNARDO – Dormiu como uma pombinha… Ninguém escapa das minhas cantiga de ninar

Suzy sorriu para ele, já estava de camisola para dormir. Esquentava um leite.

SUZY – Quer um pouco de leite ?

BERNARDO – Aceito sim.

Ela despejou em duas canecas e trazendo um pote de açúcar, pôs a mesa. Ele puxou a cadeira para se sentar.

BERNARDO – Não entendo por que essas coisas estão acontecendo com ela ? Pelo que sempre soube, minha irmã sempre foi um crânio, não entendo esse medo todo em fazer as provas.

SUZY – Eu acho que Heloísa se sente extremamente responsável por cada informação que ela aprende e ela se cobra muito para saber de tudo, porque logo mais ela terá que lidar com os pacientes e ela acha que poderá responder algum processo ou colocar a vida de algum deles em risco.

BERNARDO – Mas gente! Vocês estão ainda no primeiro semestre, não são seis anos de graduação ? Há chão para aperfeiçoamento. E pelo que escuto você não sai da faculdade sabendo tudo, a maior parte das coisas, vem depois com a vivência prática.

SUZY – Eu falo essas coisas para ela. Mas ela não consegue levar a sério. Estou realmente preocupada com ela, ainda mais agora…

BERNARDO – Por que ainda mais agora ?

Instrumental explosivo. Ela ficou sem graça.
SUZY – Eu disse ainda mais agora ? Foi o modo de dizer.

BERNARDO – Suzy eu não te conheço muito bem, mas sei quando as pessoas estão escondendo algo de mim, eu sou macaco velho. Pode confiar em mim, o que mais está acontecendo com minha maninha que eu não estou sabendo?

Ela suspirou fundo.

SUZY – Eu vou te falar porque você é irmão dela, só por isso, mas fica entre a gente, se isso chegar no ouvido dela, ela pode ficar muito mal e eu arrisco a dizer até entrar em depressão.

BERNARDO – Claro, claro.

SUZY – Sabe o Goram ? Então…

Os olhos de Bernardo se enxergam de raiva.

SUZY – Ele está traindo a Heloísa, adivinha com quem ? Com a professora do colégio, Dra. Rita! Eu flagrei eles no maior amasso dentro do carro dela.

Instrumental catastrófico. Bernardo ficou surpreso com a informação, mas ouviu tudo atentamente, esboçou um sorriso sarcástico.

CENA 16/SÃO PAULO/IMAGENS AÉREAS DE SÃO PAULO/ MANHÃ

Imagens aéreas da cidade de São Paulo : Ponte Estaiada. Ceagesp. 25 de Março com seu comércio popular. Zoológico mostrando Girafas comendo folhas das mais altas árvores. Macacos brincando nos galhos e onças-pintadas rugindo para as famílias que ali passavam, indicando que o dia amanheceu ao som de Payphone de Maroon 5.

CENA 17/ SÃO PAULO/ TATUAPÉ/ PADARIA NORA COM DEBUTA/EXTERNO/VARANDA

Mateus bebe um gole de seu Mocaccino.

MATEUS – Está divino!

Goram se aproxima.

GORAM – Desculpe Goram pelo atraso! Acabei me perdendo no despertador.

Mateus riu.

MATEUS – Acho tão fofo esse seu jeito desajeitado, sabe ?

Goram esboçou um sorriso tentando esconder a náusea.

MATEUS – Mas vou evitar elogios, nós precisamos conversar sobre algo muito sério mocinho.

Goram se preocupou.

GORAM – Algo sério ?

MATEUS – Sobre essa vaca !

E mostrou a foco de Heloísa. Instrumental explosivo. Focar na face de Goram sem entender.

MATEUS – Goram, você sabe que o lance entre a gente está deixando de ser apenas uma amizade, eu pelo menos vejo assim, ontem eu te vi, com essa franguinha no estacionamento. Vocês estão tendo algo ?

Goram engoliu seco. Refletiu.

GORAM – Não… somos apenas bons amigos.

Mateus soltou um bafo de alívio. Goram se constrangeu ao ver que outras pessoas tinham percebido.

MATEUS – Você não sabe como isso me deixa feliz. Eu realmente sofri ontem com essa possibilidade. Quase cometi um assassinato…(cochicha) com uma arma que estava no meu porta-luva, quase atirei nela ontem pelo vidro do carro.

Goram estalou os olhos horrorizado.

GORAM -Égua. Tu ficou louco ?
MATEUS – Foi no momento, Goram, essa piranha já foi amante do Bernardo, quando a vi com você, eu fiquei louco.

E pega nas mãos de Goram.

GORAM (V.O.) – Que vontade que eu tenho de esmurrar esse maíra!

Desfocar. Mostrar outro lado da rua, alguém tirando um óculos escuro com um reflexo no retrovisor. Era Bernardo transtornado com a cena.

CENA 18/ SÃO PAULO/TATUAPÉ/HOSPITAL ORLANDO MOÇA/INTERIOR/ISOLAMENTO/MANHÃ

Seus olhos se abrem lentamente por aquele cômodo branco. Rita acorda meio confusa. Olha e percebe dois leitos, um vazio e o outro com Dona Noz-Moscada, de frente para ela um vidro.

Do lado de fora, Meire sai de uma cabine.

Rita vai ao seu encontro no vidro. Instrumental dramático.

RITA – MEIRE! É VOCÊ ? MAS O QUE TÁ ACONTECENDO?

MEIRE – Você ontem teve um ataque de riso na enfermaria de neuro, uma dissociação ideo-afetiva assim como a paciente. Resolvemos colocá-las no isolamento, pois estamos com receio de ser algo contagioso.

Rita começa a se desesperar.

RITA – Oh, não. Eu não acredito que isso está acontecendo!

MEIRE – Nós pedimos muitas sorologias.

RITA – Nem percam tempo, façam uma biópsia!

MEIRE – Uma biópsia do seu cérebro ?

RITA – Por estereotaxia! Seja o que for que esteja acontecendo, a resposta só pode estar lá!

Close em seu rosto determinado.

CENA 19/SÃO PAULO/TATUAPÉ/CASA DOS ESTUDANTES/APARTAMENTO 12/INTERIOR/SALA/MANHÃ

Toca a campainha incessantemente.

HELOÍSA (O.S) – Já vai!

Toca novamente. Vemos Heloísa saindo apressada do quarto ainda de pijama e croque.

HELOÍSA – Eita! Mas que desespero é esse?

Ela gira a chave e puxa a porta de entrada.

HELOÍSA – Irmão? O que foi que aconteceu ?

Bernardo entra desbaratinado de ódio.

BERNARDO – Eu preciso te contar uma coisa que descobri, uma coisa que sua amiga descobriu ontem e quis te poupar pelo que você tá passando, mas não dá, não dá para te enganarem desse jeito. Esse sujeitinho é muito baixo!

Heloísa estranha.

HELOÍSA – De quem você está falando ?

Ele a puxa para mesa, ambos se sentam.

BERNARDO – Do seu namoradinho, o indígena! Você acredita que ele foi flagrado aos beijos, dentro do carro da Dra. Rita. Eles estavam nus, transando a céu aberto para quem mais quisesse ver!

Instrumental explosivo. Heloísa desfalece.

HELOÍSA – O QUÊ ?!

Fez uma expressão de choro.

Nesse instante, Goram que chegava para visitá-la, percebe a porta entreaberta e se adentra.

GORAM – Moraussuba, eu vim te fazer…

Ele percebe a presença de Bernardo. ÓDIO. Ela se vira com os olhos vermelhos, encharcados de lágrimas, na cadeira.

HELOÍSA – Então é verdade, Goram ?

Ele nada entende.

GORAM – Não entendi, amor. Mbae e ete o quê ?

HELOÍSA – É verdade que você estava aos beijos com a Dra. Rita no CARRO DELA! TRANSANDO PARA QUEM QUISSESE VER?!

Instrumental Atômico. CAM TRÊMULA. Close alternado Bernardo com um sorriso satisfeito. Heloísa em choque com raiva. Fecha em Goram pálido.

CONTINUA

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