Pedro, já se passando por Danilo, junto com os três outros homens que o acompanhava, fora até à entrado do orfanato, tocou à campainha e logo uma mulher de, mais ou menos, cinquenta anos de idade, cabelos começando a ficarem grisalhos, rosto com poucas rugas, trajava um quimono floral, com luvas de plástico em suas mãos.

Ela viu o homem que se sentou ao lado de Pedro e seu meigo sorriso desfez-se no mesmo momento. O fulminava com os olhos, parecendo conhece-lo a muito tempo.

― Você. Nagani Socki, o homem que me abandonou, aqui no local de meu trabalho? ― foi a única coisa que ela perguntara, já se segurando para não chorar na frente da pessoa que a fez mais sofrer durante toda a sua vida.

― Hiro…

― Não me dirija à palavra mais. Não temos mais o que conversar, senhor Nagani. Entre, por favor. ― Abriu à porta por completo e os quatro homens entraram indo em direção à sala de recepção dos pais adotivos.

Eles entraram na sala e se aconchegaram nos sofás de couro preto, brilhoso, com uma vista para à entrada do orfanato, através de uma parte da parede ser vidro, e outra ser de madeira.

Pedro se sentou no sofá de dois lugares, enquanto os três homens sentaram-se no de três lugares. Parecia que o tempo não passava e sua ansiedade em que eles aqueles meses acabassem, só ia aumentando, junto de seu medo de ser pego e deportado de volta ao Brasil, sofrendo punições por se passar por outra pessoa.

Olhava para aqueles homens fardados, tão apáticos, pareciam que o tempo ia mostrando-os, que o mundo em que eles vivem, não é o conto de fadas que o Japão “aparenta” ser aos olhos do mundo.

Os encarou, seus olhos logo se encontraram-se e ele desviou os seus, em direção à uma mulher que vestia uma camisa branca, um blazer preto por cima, uma saia justa um dedo acima do joelho, sapatos altos, mais ou menos, o salto de dez centímetros.

Seus olhos brilharam ao vê-la vir se dirigir até ele e os homens.

Era à mulher de seus sonhos. À mulher que estava nua sob à camisola transparente e aquela que estava acompanhando aquele garoto com deficiência a um parque de cerejeiras e se sentarem à beira de uma lagoa, coberta das flores de cerejeiras.

Seu coração começa a palpitar, seu coração a acelerar ao encarar aqueles olhos negros, aqueles lábios finos e rosados, aquele corpo magro, que se marcava sob às vestimentas.

― Ohayō, shinshi! (1) ― sua voz tão doce, soava por seus ouvidos, quase hipnotizando-o. Os homens se levantaram, junto de Pedro, e ela se curvou a eles, depois eles repetiram o mesmo movimento feito por ela. ― Os senhores podem ir à minha sala, por favor?

― Sim. ― respondeu o mais velho deles.

Ela deu às costas e eles foram acompanhando-a até à sala da diretoria.

Entraram, ela fechou à porta e se sentou em sua poltrona, encarando-os, agora, com uma expressão séria, enquanto eles se sentavam nas cadeiras.

― O que os senhores desejam? ― perguntou-lhes, olhando-os, analisando o que eles queriam e quais eram seus objetivos ali em seu escritório.

― Olha senhora, nós estamos aqui… ― o homem se levantou, deu à volta em sua cadeira, repousou suas mãos sobre à cabeceira dela e a encarou. ―, para fiscalizar sua gestão, por ordem do governo de Tóquio. Este senhor, é um fiscal brasileiro e vai ficar, durante três meses, fiscalizando sua gestão e, em como, conseguirá recursos para poder sustentar o orfanato sem à ajuda do governador.

― Como assim, ficar sem recursos do governo? Isto aqui virou uma instituição pública e propriedade do governo. Não pode parar de receber recursos! ― uma corrente gelada percorreu por entre seus espinhos.

― O projeto de transformar isto daqui, ― apontou ao redor da sala, representando todo o prédio. ― Em instituição pública, não foi para à frente. Então, ele deu no mínimo, três meses, para à senhorita poder provar que pode arranjar custos para poder custear todos os gastos aqui, se não provar, o governo irá expulsar todos daqui demolir este prédio e poder construir um shopping, restaurante, ou algo do tipo. Já que este prédio não tem história, nem serventia nenhuma….

― Cala-te! Este prédio, mudou minha vida, à vida de várias pessoas. Fala para o senhor governador, que não preciso provar nada a ele. ― disse, em tom de voz alto.

― Olha como fala comigo, garota. ― O homem mais velho avisou-a.

― Por que olhar? Por que devo-me sujeitar à um desafio deste, “para poder provar que posso sustentar o orfanato sem precisar dos recursos do governo”? ― levantou-se, em posição reta, com seus braços cruzados, enquanto encarava ele com um olhar fulminante. ― Não aceito. Não vou me sujeitar a ele nunca. Sou uma mulher digna, num país que foi lavado de sangue há mais de setenta anos, não vou servir de puta para ele. Se quiser demolir, que venha. Mas venha só e com à máquina.

― Senhorita Jin, ele ficará responsável por fiscalizá-la durante todo o tempo de desafio que passará, sem receber um iene de nosso governo. ― Mostrou o homem brasileiro a ela. Ele não queria olhá-la diretamente nos olhos, sentia-se inseguro perto daquela japonesa tão bela e atraente.

― Podem ir embora. Não quero ninguém do governo aqui. Por mim, derrubem este orfanato, mas, não dou meu braço a torcer para o governador Masuzoe. Sou uma mulher digna, administradora, gestora, não sou um homem, que fica gastando dinheiro público com vadias coreanas e seus luxos, em vez de trabalhar para o povo.

― Senhora, mais uma palavra difamando meu governador, Masuzoe e eu mando-a ser decepada! Arrume um futon para o senhor Danilo ficar e trate de começar a planejar o seu jeito de conseguir, pelo menos. ― Aproximou-se da mesa, deixando seu rosto próximo. ― A lindeza, era só abrir às pernas e ele meter o pau lá e gozar, depois, tudo ficar bem. Porém, foi essa escolha que fez, agora terá que arcar com às consequências. ― Deu um sorriso e piscou um olho para ela.

Deu às costas e chamou os dois homens que o acompanhava.

― Boa sorte, bebê. Que vença o melhor. Com certeza, será nosso governador. ― Enfim, os três foram embora, deixando-os a sós no escritório.

Pedro baixou sua face, com medo dos palavrões que viriam poucos segundos depois. Mas nada.

Sua cabeça levantou-se devagar, seus olhos logo encara uma mulher com seu rosto em lágrimas. Às gotas de água escorriam pelo o seu rosto, mas ela segurava seu choro, tentando parecer ser forte.

Ao vê-la encarando à porta, como se estivesse alguém esperando para entrar, ele pôde observar mais daquele corpo sedutor, daquelas curvas e da pequena protuberância abaixo de sua cintura, resumindo, sua bunda.

Logo viu seus cabelos longos, lisos e negros.

Ela volveu-se para ele e seus olhos logo se encontraram. O mundo pareceu parar diante do encontro daquelas duas almas angustiadas pelo o tempo e por tudo que está por vir.

Os homens passaram por Hiro e Nagani olhou sua ex-mulher, já velha, seus olhos transpareciam arrependimento, mas ela virou seu rosto e foi caçar o que fazer, em vez de relembrar seu passado.

― Hiro! ― ela chamou à velha que já veio atende-la. Apressou seus passos, até chegar em frente à uma enorme porta de madeira, a abriu e foi ouvir às ordens de sua chefe.

― Sim, Senhora Jin. O que deseja? ― perguntou-lhe, já percebendo a indignação nos olhos da jovem gestora do orfanato.

― Arrume um futon, um quarto disponível para o senhor…

― Danilo. ― disse em japonês, dando a entender, em somente ouvir ele, que era um japonês do próprio país falando, e não um estrangeiro.

― Você fala japonês fluentemente? ― respondeu em sua língua.

― Sim. Estudei japonês, quando tinha quinze anos de idade. Mas, não tive à oportunidade de falar com um japonês, ou…. Japonesa. ― Ele percebeu o olhar de curiosidade dela e surpresa, por um homem brasileiro saber falar sua língua-mãe.

― Que bom. Espero que esses meses passam logo e você vá embora! ― ralhou e saiu bufando de raiva.

Ele ficou olhando aquela mulher sair de lá e ir para algum lugar daquele enorme prédio.

Ficou sozinho, por alguns minutos, até que uma mulher idosa, já com seus cinquentas ou sessenta anos de idade, vir em sua direção e chama-lo para ir em seu quarto, descansar.

A acompanhou em silêncio.

Quando chegou, agradeceu-a e curvou-se diante dela, entrou no quarto e trancou à porta. Largou suas malas, não acreditando que tudo aquilo estava acontecendo com ele. 

 

*****

 

Residência oficial do governador DE Tóquio, Masuzoe.

 

― Então você estava lá, Shika (2)?

Satoshi baixou a cabeça e ficou em silêncio.

― Me responda, desgraçado! ― deu um tapa em seu filho.

― S… sim.

― Eu tenho nojo de você! Para mim você uma desgraça que sua falecida mãe deveria ter abortado! Ainda bem que você está morando bem longe de mim! Isso é uma afronta contra os costumes de nosso povo! O certo é HOMEM E MULHER, SHIKA! (2ª)

Masuzoe se afastou dele olhando com raiva para um quadro.

― Um bosta igual a você, deveria ser extinto do planeta. Vocês são anormais. E anormais devem ser extintos. Só devem existir os de raça pura.

― E eu tenho vergonha de ser filho de um pai nazista, igual a você.

Respondeu de cabeça baixa.

― O que disse? Que eu sou nazista? Prefiro ser nazista, do que ser um monstro, que nem você, Satoshi. Eu tenho nojo de você. Tenho nojo das pessoas que fazem parte deste mesmo mundo que você faz parte. Hitler matou foi pouco dos homossexuais.

― Eu tenho nojo de você. ― reuniu todas as suas forças e lhe respondeu levando um soco na cara logo em seguida.

― Pegue o restante de seus trapos e vá para o seu apartamento. Agradeça a mim, que ainda pago aquela merda pra você!

O garoto segurou as lágrimas, não deixou nenhuma cair em frente ao seu progenitor e aos seus irmãos mais novos. Foi ao seu quarto sem mais dirigir a palavra para o governador Masuzoe. Entrou, juntou todas as suas roupas, pertences, documentos, objetos, computadores, cobertores, lençóis, esvaziou seu closet e levou tudo ao pequeno caminhão-baú. Deixou tudo dentro das caixas.

Antes de sair, foi ao seu cofre, digitou a senha, abriu-o e pegou a maleta de cor preta.

Ali estava todas as provas para derrubar o governador de Tóquio.

Guardou-a dentro da última caixa, lacrou-a e saiu do quarto. Saiu da residência oficial pelos os fundos, voltando ao seu apartamento.

Não chorou enquanto era humilhado pelo o seu próprio pai e com seus irmãos dando-lhes às costas. Claro, eles ainda eram dependentes de seu pai, então, a forma de ficar tendo uma boa vida, regrada a viagens, produtos de última geração e o mais alto luxo, era deixando seu irmão mais velho de lado. Esquecê-lo é a palavra certa.

Eles não queriam arriscar suas cabeças e a boa vida deles, em prol de um irmão homossexual. Contudo, eles foram cúmplices de uma das humilhações terríveis que um ser humano pode sofrer: a da família dando-lhe às costas por conta de sua orientação sexual.

Entrou no caminhão, sentou-se no banco do motorista, respirou fundo ao pôr as mãos no volante. Olhou o chão de pedras a sua frente, o portão foi aberto, ligou o veículo e saiu dali segurando todas as lágrimas que transbordavam a beirada de seus olhos.

Não quis dar o braço a torcer e pedir por seu pai para voltar a sua casa. Não se sujeitaria aquilo. Já era um rapaz formado, trabalhava no governo na procuradoria-geral como assistente dos procuradores e juízes do ministério público. Nem seu pai tinha o poder de manda-lo.

Se manteve calmo durante toda a trajetória até a chegada em seu apartamento num prédio próximo ao seu trabalho. Ficou umas duas horas tirando todas as caixas do baú, levando-as ao seu apartamento e organizando tudo em seu devido lugar.

Quando terminou de organizar seus pertences, devolveu o caminhão a transportadora, tomou um banho relaxante e, debaixo do chuveiro, veio a imagem de Rômulo.

A cada dia que se passava seu amor por aquele homem o sufocava.

Era um terror que vivia consigo mesmo. Não ia viver um amor igual aos romances gays. Era sua realidade ser repreendido por seu pai, ser vítima da homofobia. Não ia cair de cabeça num relacionamento com uma pessoa sem ter a mínima certeza se ela realmente o amava.

Não era um homossexual iludido. Sabia o que queria e tem medo de mergulhar num relacionamento sem futuro. Não quer se arriscar, machucando mais ainda seu coração. Inseguro era a palavra que reinava naquele momento.

Seu medo era de se arriscar de ir embora, morar com Rômulo, mas, depois, se arrepender das consequências da decisão que tomara.

Saiu do banho, secou-se, vestiu uma cueca boxer, uma calça moletom de cor cinza e uma camisa de estampa de flores. Deitou-se no edredom e ficou segurando as lágrimas que ainda insistiam em rolar.

Então, ele chorou.

Derramou-se nas lágrimas em posição fetal.

Era um inferno interior que vivia.

Precisava de alguém. Um ombro amigo naquele momento.

A todo o momento só vinha Rômulo a sua cabeça.

E chorou ainda mais quando percebeu que sua vida começou a ser dependente dele. Seu corpo era dependente dele. Sua mente havia sido acorrentada a ele.

Ele era dependente dele.

 

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GLOSSÁRIO  

  • Criança sem pais.
  • Shika – Veado, veado campeiro.

 

 

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