Essa estória começa em meados dos anos noventa do século passado em um povoado chamado Riacho Paraíso[1], localizado na cidade de Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Naquela manhã o sol nascia no horizonte e seus raios despertavam todo Pantanal. Escuta-se o cantar do Tuiuiú que passava pela poça d’água, abriu suas assas e voou até um galho de uma árvore. As capivaras seguiram em direção à beira do rio e de repente aparece discretamente o jacaré ao observa-las esperando o momento propício para dar o bote no profundo e escuro rio pantaneiro.
Uma chalana, um barco popular da região, atravessava o rio e algumas léguas dali havia na vegetação uma onça passeando ao lado de seu filhote. Logo depois a chalana passou em frente as terras da fazenda Dois Rios, que é propriedade dos irmãos Barretos: Rafael e Anderson que a adquiriu de herança após a morte de seus pais os fazendeiros Noel e Eulália, que eram bastantes respeitados em toda Corumbá.
A fazenda Dois Rios é uma das fazendas mais produtivas do Estado do Mato Grosso do Sul, e tendo como sua principal produção o gado de corte. Se chama Dois Rios porque faz divisa entre os rios Paraguai e o rio Taquari.
O casarão da fazenda Dois Rios, ainda possui em sua arquitetura detalhes deixados pelos colonizadores espanhóis devido essa forte influência na cidade, as paredes com tons de amarelos, portas feitas de madeiras de lei e piso de cerâmica vermelha. Há três degraus baixos para entrar na varanda onde se pode sentir o ar fresco do campo. A varanda é composta por um conjunto de cadeiras de madeira, uma cadeira do estilo “namoradeira” com almofadas coloridas, uma rede azul no canto e dois vasos grandes de barro com plantas em cada lado da porta de entrada.
Ao entrar na sala principal os móveis têm uma mescla de toques modernos e coloniais. A sala é ampla e dá acesso interno à escada de madeira que leva ao primeiro andar, à sala de estar, ao escritório e à cozinha. As grandes janelas, que se mantém abertas na maior parte do tempo e que trazem uma boa luminosidade como também a deixa arejada. Internamente todas as paredes do casarão são brancas diferentemente das paredes externas que são amarelas.
No centro da sala estava Luana, uma jovem de cabelos ondulados e castanhos, olhos de cor de âmbar, pele branca, estatura mediana, esbelta, usava uma blusa vermelha xadrez, calças jeans e botas de cano longo até o joelho. Ela está sentada no sofá de couro branco e abraçada a uma manta de bebê com bordados de cor azul-marinho, demonstrava está entristecida. Entra Jacinta, a governanta, uma senhora de cinquenta e poucos anos, estatura baixa, cabelos castanhos lisos e amarrado estilo “rabo de cavalo”, olhos castanhos escuros, usava óculos e vestia calças jeans e uma blusa branca bordada e uma corrente de ouro com o pingente do Divino Espírito Santo pendurada no pescoço.
— Dona Luana, me corta o coração ver a patroa sofrendo desse jeito.
— Não se preocupe, Jacinta, isso é coisa minha. — passou as mãos no rosto e enxugava as lágrimas. — Eu não consigo entender como os médicos não conseguem explicar o que aconteceu com ele. Eu só sei que meu filho nasceu morto.
— O Rafael está muito preocupado com a patroa.
— Eu sei, o Rafael teme que essa tristeza dure mais do que é necessário, mas eu preciso chorar o que eu preciso chorar e depois…
— Depois voltará a ser aquela mulher que enchia de alegria essa fazenda?
— Jamais voltarei ser o que eu era antes.
— É o que dizem que o sofrimento deixa a gente mais forte. Tenho certeza que irá superar essa dor. Os patrões são jovens e logo, logo terão outros filhos.
— Mesmo tendo outros filhos jamais eu esquecerei o meu Bento. Eu sei que não posso deixar essa dor me consumir ao ponto de esquecer de viver a vida. Só preciso de tempo para poder voltar a sorrir novamente. Será que algum dia eu voltarei a sorrir de novo depois de perde o meu filho? Será possível, Jacinta?
— Eu tenho fé que sim, dona Luana, assim como tempo cura tudo. — fez uma breve pausa. — Como também um pedaço de bolo de milho com café pode dá ânimo.
— Então, traz esse bolo para cá porque eu amo bolo de milho com café. — abriu um leve sorriso.
— É por isso que eu o fiz. Eu vou lá na cozinha trazer o pedaço de bolo com café, é rapidinho e não demoro. — saiu empolgada.
A governanta seguiu em direção a cozinha para preparar uma bandeja de café com bolo de milho para a patroa, talvez pode até parecer algo comum e corriqueiro para quem não conhece a realidade dos últimos meses de quem vive naquele casarão. Jacinta estava feliz por conseguir pelo menos desvia um pouco atenção da patroa sobre o luto pela perda do filho, ela sentia amor de mãe pelos patrões e oferece o seu melhor para dá um pouco de alegria para Luana, com quem se tornou a sua confidente após o casamento.
Luana está casada com Rafael há quase três anos, uma união cheia de cumplicidade e quase perfeita principalmente com a chegada do primogênito que veio para complementar mais ainda a felicidade que existia naquela fazenda, porém, sem razões esclarecidas o bebê nasceu morto e como era de se esperar aquela notícia foi uma tragédia na vida daquele casal. Luana se sentia culpada por não ter percebido que havia algo de errado com o bebê e fazia meses que se aprofundou em uma tristeza e essa situação preocupava Rafael.
Na parte externa da fazenda havia uma boiada seguindo a estrada e um grupo de cinco peões a conduzia atrás enquanto a frente estava Rafael a cavalo, era um homem de trinta e poucos anos, estatura média, pele bronzeada devido ao tempo exposto ao sol nos trabalhos da fazenda. Ele usava um chapéu de couro preto sob a cabeça, cabelos negros e ondulados, olhos castanhos escuros, corpo robusto, usava uma blusa branca, calças jeans, um cinturão de couro e botas. Dele se aproxima Zeca, o capataz, que tinha uns sessenta anos, estatura alta, pele castigada pelo sol, olhos castanhos, um chapéu de palha sob a cabeça, cabelos lisos e grisalhos, vestido em trajes típicos de um pantaneiro se encontrava também a cavalo.
— Patrão!
— Opa! — ele segura as rédeas do cavalo e diminuindo a velocidade.
— Patrão, vim saber se vai participar da comitiva?
— Não vai dar, deixa para próxima. Luana ainda está muito sentida com a perda do guri e agora mais do que nunca precisa do meu apoio.
— É mais que certo, patrão. Com o tempo tudo se resolve, a dona Luana é forte e vai superar essa dor e depois os patrões vão ter um monte de gurizinhos correndo por essa fazenda.
— Deus te ouça, Zeca.
— Esse ano eu vou participar da comitiva e acredito que será a última porque já estou ficando velho demais para ficar andando por aí nesse pantanal adentro.
— E qual é o destino da comitiva?
— Vamos cruzar o pantanal até chegar em Goiás.
— Viagem longa.
— Então, para uma viagem dessa tem que estar preparado porque até para um peão experiente como eu o pantanal pode ainda surpreender e por mais que o conheça ele nunca deixa de ser perigoso.
— Pantanal misterioso só o enfrenta quem é corajoso.
— Mudando o rumo da prosa, tem um assunto que eu não poderia ouvir e não falar para o patrão. Sabe que eu não sou homem de ficar fazendo fofoca porque não gosto dessas coisas, é que está o maior falatório em Riacho Paraíso sobre o seu Anderson.
— O que essa gente anda falando do meu irmão?
— Que ele engravidou uma ribeirinha e que ela está próximo de parir.
— O quê? Tanto que falei para o Anderson deixar de ficar indo atrás dessas ribeirinhas, eu disse a ele que iria acabar engravidando uma e veja que aconteceu. Eu quero ver como ele vai se explicar para a noiva.
— É, era o que eu estava me lembrando, patrão, que o seu Anderson está noivo de uma grã-fina lá da capital. Quando ela souber que ele tem um filho com outra vai ser a maior confusão, oh! Se vai.
— Acho é bem feito. Quem manda ele bancar o sabido? Eu não sei como vai se explicar ou como vai conseguir convencer a noiva de continuar o noivado depois desse filho com a outra. Se vai deixar a noiva para ficar com a ribeirinha, ou se vai continuar com a vida de aventuras isso tudo é problema dele. Só espero que o Anderson assuma a responsabilidade, registre essa criança e não faça o contrário.
— O Patrão pensa que o seu Anderson não vai querer assumir o guri?
— Eu conheço o meu irmão e sei o quanto ele gosta de fugir das responsabilidades. Ele tem que assumir essa criança querendo ou não querendo porque meus pais não aceitariam em ter um neto por aí atoa como se fosse um bicho.
— Tem razão, seu Rafael, pelos anos que conheci os patrões o seu Noel e a dona Eulália, que Deus os tenham na santa glória. — fez um sinal da cruz. — não aceitariam essa situação de ter um neto sem ser registrado. Os patrões eram pessoas de uma época em que as palavras valiam ouro coisa que hoje pouco se ver e pouco se dá valor.
— O Anderson está voltando de Campo Grande e a noitinha aparece por aqui, aproveito e vou ter uma prosa com ele sobre esse filho com a ribeirinha.
— Peço o seu Rafael que não diga que foi eu que te disse porque o seu Anderson pode vir bravo atrás de mim para tirar satisfação.
— Não se preocupe, Zeca, você fez bem em me falar. Não vou dizer ao Anderson que soube desse assunto por você. Aliás, com mais dias ou menos dias eu iria saber dessa estória.
Rafael herdou de seus pais o amor pela vida no pantanal e suas raízes. Para o fazendeiro a Luana é a mulher na qual ele guardou o amor e tenta superar junto a esposa a dor de ter perdido o filho. Um homem de temperamento firme e diplomático. O seu objetivo é a prosperidade da fazenda e não flertava por grandes ambições como seu irmão caçula Anderson porque para ele a tranquilidade e a simplicidade da vida do campo são suas verdadeiras riquezas e já o satisfaz.
O capataz Zeca é a pessoa de confiança de Rafael, confiança essa adquirida por gerações, pois antes foi o “braço direito” de seu Noel, o pai do fazendeiro. Ele é bastante respeitado pelos peões da fazenda e adquiriu esse respeito não somente por questão de hierarquia e sim com o trato um tanto peculiar com os demais peões porque Zeca é uma das poucas pessoas que nasce no mundo com o dom de ensinar, ele bem sabia ter a paciência e a generosidade de ensinar aos peões inexperientes.
Entardeceu no pantanal e as ariranhas estavam em cima de um tronco de árvore na beira do rio. Algumas léguas dali havia uma comunidade ribeirinha e umas daquelas casas de palafitas era a de Fernanda que estava em frente ao fogão cozinhando, ela é uma caipira de dezoito anos, cabelos ondulados, longos e de tons de castanho escuro, olhos castanhos, vestia um vestido branco e florido, cariciava com uma das mãos o seu ventre de avançada gravidez e descalça.
— Já, já você nasce meu amor. — sorrir. — Espero que seu pai chegue antes de você nascer. Estou com tanta saudade dele.
Fernanda segue em direção a janela e olha para vista do rio até que uma lancha se aproxima do cais em frente à casa. Ela se surpreende ao ver o homem que se encontrava dentro da lancha, aparentava ter uns vinte e poucos anos, estatura média, esbelto, cabelos castanhos e lisos, olhos azuis, pele branca, vestia uma blusa social azul, calças jeans e botas.
— É ele, meu amor. É o seu pai. — abriu um largo sorriso e saiu rapidamente da casa. — Anderson!
A ribeirinha saiu correndo pelo cais enquanto Anderson descia da lancha.
— Anderson! Meu amor! Anderson!
Ao se aproximar de Anderson, ela toma um impulso e o beija.
— Meu amor, estava com tanta saudade. — segurava o rosto dele. — A saudade é tanta que chega doer. — o beija. — Toca. — pega a mão dele e a coloca em cima da barriga dela. — Está grande, não tá? A dona Joana, a parteira, disse que pela fôrma da barriga é um menino e está perto de nascer.
O sorriso de Fernanda se desfaz ao ver o semblante sério de Anderson.
— O que foi? Aconteceu alguma coisa, Anderson?
— Fernanda, a gente precisa conversar.
— Está bem, então, vamos entrar. — pegou a mão dele e o conduziu para dentro da casa.
Dentro da casa, na parte da sala estava Anderson olhando ao redor com certo desdém porque o local quase não tinha móveis, a sala e cozinha eram juntas e de apenas um cômodo. Fernanda estava em frente ao fogão e mexia a panela com uma colher de pau.
— Eu fiz um sarrabulho[2] e sei o tanto que você gosta, quer um cadinho?
— Eu não quero, Fernanda. Peço que você preste atenção no que vou te falar. —em tom ríspido.
Fernanda desliga o fogão e fica à frente de Anderson.
— Fernanda, eu vim até aqui deixar um dinheiro para o que você precisar com o menino, por que não me diga que vai ter esse guri no meio desse mato? — pegou a carteira que estava no bolso da calça, tirou um maço de dinheiro e o colocou sob a mesa.
— Você não vai ficar para ver o nosso filho nascer? Vai ter que voltar para capital de novo? Anderson, eu não estou entendendo…
— Eu não vou mais voltar, Fernanda.
— O quê? Que brincadeira é essa?
— Não é nenhuma brincadeira. Eu só vim dar uma satisfação em dizer a você que vou me casar com Verônica.
— Anderson, antes de voltar pra capital você me jurou que ia se desfazer do seu noivado porque me amava…
— A Verônica está grávida.
— O quê?
— Sim, está grávida e vou me casar com ela.
— Você disse que me amava, Anderson!
— O que você pensou, Fernanda? Que eu ia ficar com você vivendo no meio desse pantanal e nesta casa de palafita que fede a esgoto? É ruim, hein.
— Não era bem isso que você reparava quando vinha me procurar, não é? Esse guri aqui é a prova. —apontou para a própria barriga. — Eu fui mesmo uma idiota em ter acreditado em você.
— Por favor, Fernanda, não se faça de vítima. Você sabia desde o início do meu noivado com Verônica. Eu nunca enganei você, eu sempre disse a verdade…
— Mentiroso! Você me enganou dizendo que me amava, Anderson!
— Eu não amo ninguém, Fernanda. Eu queria me desfazer daquele bendito noivado para ser livre. Não quero me amarrar a ninguém, nem a você e muito menos a Verônica.
— Então, por que vai casar com ela? Por que escolheu ficar com ela do quer comigo e o seu filho?
— Fernanda, olhe para você: não passa de uma pobre ribeirinha ignorante e sem educação. Acha mesmo que eu me sujeitaria a me casar com uma mulher como você?
De repente a raiva tomou conta de Fernanda que por impulso pegou o dinheiro que estava na mesa e tentava colocar dentro da boca dele.
— Sabe o que você faz com esse seu dinheiro? Engula! Porque eu e o meu filho não precisa de você para nada!
Anderson se afasta e as notas de dinheiro caem no chão.
— Tá maluca, Fernanda? Para com isso!
— A vontade que eu tenho é te arrebentar a cara!
— Por favor, Fernanda se controle…
— Por mim, você pode casar ou fazer o que quiser com a grã-fina da tua noiva. Eu não quero o seu maldito dinheiro, Anderson, o que eu quero é que você assuma o que fez e registre o nosso filho.
— Eu não vou registrar esse guri por coisa nenhuma. O único filho que reconheço como meu é o que vou ter com Verônica.
— O quê? Esse filho é seu, Anderson!
— Não sei se é meu mesmo. Quem me garante? Esse guri pode ser de qualquer outro.
— Você sabe que eu me entreguei pura a você.
— Se entregou porque quis agora não adianta fingir de que foi enganada por mim. Esse é o preço que se paga uma mulher que se submete a ser apenas uma amante. Aceite de uma vez por todas que esse guri é um bastardo e jamais será um Barreto.
— Chega… para mim já chega…não quero mais ouvir. Saia da minha frente. Saia da minha casa antes que eu faça alguma besteira. — segurava o choro.
— Ah! Minha ribeirinha. — se aproximou dela e afastou uma mecha de cabelo que estava no rosto dela. — A gente pode deixar tudo como está e quando eu me cansar da Verônica lá em Campo Grande, eu volto para cá para os seus braços, meu amor. — segurou o queixo dela a fazendo olhar para ele.
— Se afaste de mim e do meu filho. — o olhando com desprezo e se afasta.
— Essa mágoa vai passar e quando eu voltar você vai me receber toda carinhosa, sabe por quê? Porque você me ama, Fernanda.
— Fora da minha casa! Eu nunca mais quero te ver na minha vida. Fora! — andou até a porta e abriu.
— Está bem, eu vou. — ele seguiu em direção a porta e parou em frente a ela. — Eu vou embora, mas eu volto para os seus braços. — ele tenta beijá-la, mas Fernanda o empurra.
— Fora, Anderson! — ela fecha a porta rapidamente.
Anderson saiu andando tranquilamente como se nada tivesse acontecido, entrou na lancha e seguiu pelo rio. Na casa, Fernanda chorava compulsivamente.
— Eu não acredito… que você fez isso comigo, Anderson…
Logo, na janela aparece Tânia, uma jovem caipira de cabelos castanhos e ondulados na altura dos ombros, olhos castanhos escuros, estatura baixa e vestia um vestido estampado colorido.
— Nanda, deu para ouvir tudo lá de dentro de casa.
— Eu fui enganada… como ele foi capaz de dizer aquelas coisas horríveis? É o filho dele. Esse guri é o filho dele. — chorando.
— Calma, amiga, eu vou entrar aí e vou te ajudar. — ela entra na casa. — Você precisa se acalmar, Nanda, senão esse guri nasce antes do tempo. Vem, senta. — conduz a amiga até uma cadeira. — eu vou te dá uma água com açúcar.
O advogado namorou Verônica no período de seis meses e logo depois noivaram e esse tal noivado se arrastava por um ano. Anderson via aquele relacionamento uma possibilidade de alavancar sua carreira porque sua noiva é filha do desembargador Tomás Gouveia e tornando o seu genro teria uma ampla facilidade de adentrar na celetista e quase inalcançável elite judiciária.
O seu noivado com Verônica não o impediu de viver suas aventuras amorosas com outras mulheres. Ele é fascinado pela “liberdade” e acreditava que o significado dela fosse viver de acordo com seus extintos mesmo que corresse o risco de ser descoberto por sua noiva e pudesse definitivamente perder por meio desse casamento a oportunidade de concretizar os seus planos ambiciosos. Anderson não precisava do dinheiro e das posses dos Gouveia, ou seja, não eram essas coisas que enchiam seus olhos porque ele já possuía posses como a fazenda Dois Rios apesar de pouco se importar com administração da propriedade e deixando esse trabalho ao encargo de Rafael, o seu irmão mais velho, tinha por direito de receber sua parte dos lucros da fazenda. O que interessava Anderson em seu futuro casamento com Verônica era acessibilidade que terá à alta corte jurídica, ao meio político e ao empresarial e conseguido o que tanto almeja com certeza será excelente para a carreira de um advogado que vai além dos estudos acadêmicos e doutrinários, que é o conhecimento das articulações e das “regras” do “jogo do poder”.
Anderson acreditava que poderia levar esse noivado com Verônica à “banho-maria”, ou melhor dizendo, sem muita presa de se casar e o restando tempo para ter seus casos amorosos e gozar de sua tal “liberdade”. O que ele não esperava é que o amor um dia o surpreenderia ao ponto de se apaixonar por Fernanda, a ribeirinha, e de não resistir aos encantos daquela caipira e sua beleza que trazia nuances campestres com os ares de inocência e certos traços rudes sensuais. Ele não queria aceitar essa ideia de que estava amando Fernanda e para ele parecia um absurdo como também ter um filho com ela e esse feito se tornou uma ameaça a sua “liberdade” como também aos seus planos de casar com Verônica. A gravidez de Verônica também o surpreendeu e de certa forma apressou concretização dos seus interesses, afinal, ele teria que casar com ela e fazer o tipo do homem responsável que assumi o que faz aos olhos da família Gouveia e da sociedade. Esse casamento poderá ser no futuro o fim de sua “liberdade” em se envolver com quem quisesse, mas talvez não, se ele não foi fiel à noiva antes nada o impede de não ser depois quando ela se tornar sua esposa. Ele sabia que havia decepcionado sua ribeirinha Fernanda e mesmo não querendo assumir que isto o angustiava e mesmo demonstrando uma postura fria e distante como se pouco se importasse em ferir os sentimentos dela e talvez seja sua fuga.
Fernanda, se tornou órfã ainda menina, o seu pai era um peão de boiada e a sua mãe uma dona de casa. Teve que aprender sozinha a se sustentar com o pouco que ganha com a pesca no rio assim como os demais ribeirinhos. Ela é uma garota ingênua e que acreditava que Anderson fosse o grande amor da sua vida e se entregou de corpo e alma aquele sentimento gerando o fruto desse amor. Aquela discussão e as palavras de Anderson machucaram profundamente a ribeirinha e a fez perceber o quanto estava enganada ao acreditar no amor que ele dizia sentir por ela e o que realmente mais a doía não era apenas sua decepção como seu amado e sim a rejeição dele para com o filho.
Escureceu no pantanal e os bichos se escondem na mata. Na varanda do casarão da fazenda Dois Rios estava Rafael tocando a sua viola e sentado numa cadeira enquanto uma camionete estaciona em frente, Anderson desceu e seguiu em direção a varanda.
— Boa noite, Anderson.
— Boa, irmão. — segue em direção a porta de entrada.
— Espera, nós precisamos ter uma prosa.
— Depois, Rafael, eu estou muito cansado da viagem, só quero tomar um banho e cair na cama.
— Nada de depois. Nós vamos conversar é agora e mais tarde você descansa.
— O que foi dessa vez?
— Que estória é essa que você engravidou uma ribeirinha?
— Quem te disse?
— Quem me disse não importa. É o que está se comentando no povoado.
— Bando de gente fofoqueira é esse é uma dos motivos que não suporto nesse lugar. O assunto é meu e já o resolvi.
— Resolveu como? Vai assumir a criança e registrar?
— Fumou cigarro de palha estragado, Rafael? Enlouqueceu? Eu não vou registrar aquele guri por coisa nenhuma.
— Anderson, não seja irresponsável pelo menos não dessa vez. Assuma o seu filho, a criança tem o seu sangue…
— Ele é um bastardo e jamais será um Barreto. Esse problema é meu, já resolvi com a ribeirinha: dei um dinheiro para ela. Eu vou me casar com Verônica e não coloco mais os meus pés nesse bendito lugar.
— E você pensa que vai conseguir esconder esse guri por muito tempo? A Verônica vai acabar descobrindo seu filho com a ribeirinha.
— A Verônica está grávida.
Rafael fica em silêncio e expõe uma expressão de surpresa.
— É o que você ouviu. Ela também está grávida e me disse nessa última vez que estive em Campo Grande. Que fique de boca fechada, Rafael, não quero que Verônica saiba desse assunto e nem a família dela porque se isto chegar na capital, eu juro, Rafael, eu juro que vendo a minha parte da fazenda.
— Você não teria coragem. Os nossos pais deram a vida deles por essa fazenda. Nós dois crescemos nestas terras.
— Por mim pouco me importa essa fazenda. Não se atreva a abrir a sua boca e dizer desse filho que vou ter com a ribeirinha para alguém porque senão essa fazenda deixará de se chamar Dois Rios e sim Um Rio. — deu uma risada sádica.
— Você desdenha essa fazenda, mas é dos lucros dela que você se sustenta e banca essa sua vidinha de doutor engomadinho, não se esqueça disso, Anderson.
— Por favor, Rafael, é só não estragar os meus planos e tudo continua normalmente como sempre foi.
— É, eu tenho mesmo me esquecido de quanto é tão importante esses seus planos. — disse em tom de ironia. — Tanto que renega um filho e mais incrível é como essa atitude tão desprezível vem de uma pessoa como você, um doutor, um advogado, um conhecedor das leis. Sabe que está fazendo é errado.
— Deixe que das leis entendo enquanto a você, Rafael, se atente a cuidar das terras e a viver nelas igual um tatu.
— Os nossos pais jamais aceitariam de ter um neto renegado e distratado.
— Eu fui bom demais em ter dado dinheiro a ela e ter falado que não vou mais voltar porque vou me casar com Verônica e que também está grávida. É injusto que me vejam como um monstro ou o errado da estória. Eu nunca mentir que sou noivo de outra.
— Não se faça de desentendido porque para mim não cola, tá? Você a envolveu e sabe que essas moças daqui não tem tanta experiência como as da capital, são ingênuas e se tornam presas fáceis de homens como você.
— E você não me venha dar lição de moral. Esse assunto é meu e não se meta porque já não sou nenhum guri para você ficar se metendo nos meus problemas.
— Eu só quero te orientar como irmão mais velho. Sabe que os nossos pais me deram a responsabilidade de cuidar dessas terras e te aconselhar na vida.
— Não quero os seus conselhos. Eu vou me casar com Verônica e o único filho que reconheço é o que terei com ela. Se a família dela descobrir que tenho um filho com outra mulher serão capazes de me destruir, eles vão acabar com a minha carreira.
— Deveria ter pensado antes em não se comprometer com a Verônica ou não ter se envolvido com a ribeirinha. O seu medo é que a família dela descubra que essa sua imagem de bom moço se quebre e mostre quem é de verdade, não pode ver um rabo de saia que já quer dar em cima.
— Olha só quem está falando? O sujo falando do mal lavado. O seu passado te condena, Rafael, se essa sua viola falasse. — deu uma risada.
— Não sou santo e essas coisas que você está querendo se referir ficou no passado e foram bem antes de conhecer a Luana. Quer saber? Faça o que você quiser já é um homem e lamento que não queira seguir o que os nossos pais ensinaram que foi assumir as nossas responsabilidades. Um dia vai se arrepender de ter escolhido entre um filho e o outro, Anderson, que a sua consciência seja o seu juiz!
— O meu irmão, gosta de dar conselhos e sou eu que agora te dou um: larga essa viola e cuida de fazer um filho na sua mulher quem sabe assim ela para de ficar a chorar pelos cantos devido ao filho que morreu.
Rafael encara Anderson que entra na sala.
Na casa da ribeirinha a mesma se encontrava no seu quarto, deitada na cama em trabalho de parto e sendo ajudada por Tânia e dona Joana, a parteira da região, era uma anciã de pele cabocla, cabelos negros e cumpridos, estatura baixa, vestia um vestido longo e estampado, óculos com cordas e uma corrente com um crucifixo pendurado no pescoço. As velas iluminavam aquele lugar.
— Eu tô com medo.
— Calma, Nanda, vai dar tudo certo. A dona Joana ajudou a colocar um monte de gurizinhos no mundo.
— Eu perdi até as contas. — ela mexia em algumas ervas e as colocavam dentro de uma bacia que estava em cima da cama. — É a primeira vez que você vai parir e esse medo é normal, mas não deixe que esses maus pensamentos impeçam de viver o momento mais importante de uma mulher que é dar a vida.
— O que eu mais quero é ter o meu filho comigo e ver o rostinho dele. — sorriu.
— Então, vamos deixar que a luz entre nesta casa?
Fernanda abre um largo sorriso e afirma a balançar a cabeça. Dona Joana faz o sinal da cruz e começa a fazer uma oração em voz baixa.
— Eu estou com você, amiga. — ela dar a mão para a Fernanda e se senta ao lado da cama.
Dona Joana se posiciona entre as pernas de Fernanda e após alguns minutos entre gritos de dor da ribeirinha, ecoou-se pela casa o choro de um bebê. A parteira ergueu o bebê e da janela se ver o luar do pantanal.
[1] Riacho Paraíso é um povoado fictício.
[2] Sarrabulho ou Sarravulho – prato regional da culinária corumbaense.
Que história linda! Muito bem descrita, personagens bem trabalhados. Amei!!! Ansiosa pelos próximos capitulos!
Que história linda! Muito bem descrita, personagens bem trabalhados. Amei!!! Ansiosa pelos próximos capitulos!
Parabéns pela estreia! História bonita, que lembra a obra de Benedito Ruy Barbosa. Gostei da personagem Luana e achei o Anderson bem “vilão”. Fernanda mocinha bastante destemida. Cena final do nascimento do bebê muito linda!
Parabéns pela estreia! História bonita, que lembra a obra de Benedito Ruy Barbosa. Gostei da personagem Luana e achei o Anderson bem “vilão”. Fernanda mocinha bastante destemida. Cena final do nascimento do bebê muito linda!