—Quem te falou que você tem um irmão? —perguntou o pai irritado.
—A mamãe. —respondeu o menino assustado com a reação do pai.
—Por que você disse isso a ele? —segurou bruscamente o braço da ribeirinha. —Por que?
—Eu disse a verdade. —se desvencilha dele. — O Inácio me perguntou e eu o respondi porque não sou como você que vive de mentiras. Não vou mentir para o meu filho!
—Que merda! —gritou o advogado. —Era isso que você queria: me ferrar!
—Por favor, Anderson se controle está na frente do guri. —disse o fazendeiro.
—Papai, não grita com a mamãe. —falou o menino quase chorando.
—E você não se mete em conversa de adulto, guri do mato! —gritou o pai.
—Não grite com ele, é uma criança.
—Cunhado, se acalme.
—Você é mau, papai. Você é mau! —saiu correndo e chorando.
—Inácio! —gritou a mãe. —Tá vendo o que você fez?
— Você vai ter que me explicar, Fernanda. —a olha furioso.
—Deixa que eu vou atrás dele. —disse Luana saindo.
—Acabou de pisar na bola, irmão, agiu como um moleque. Eu vou lá tentar consertar a merda que você fez, não por você e sim pelo menino. —saiu o fazendeiro seguindo a esposa com a filha.
Anderson e Fernanda se encaram.
Dentro do escritório do casarão acabavam de entrar Anderson e Fernanda.
—Me solta! —se desvencilha dele que estava segurando o braço dela.
—Por que? —fecha a porta. — Me fala por que você falou sobre o Darlan para o Inácio? Fala!
—Não grite comigo. Se controla, Anderson. O Inácio me fez muitas perguntas e isso é normal para a idade dele. Nosso filho está crescendo e cedo ou tarde saberá de toda verdade que você insiste esconder.
Anderson em silêncio tentava se acalmar e andou em direção a mesa.
—Como ele te perguntou?
—Tem um amiguinho dele lá da escola que os pais não moram juntos e que o pai tem uma namorada em outra cidade. Então, o Inácio me perguntou o porquê de não morarmos juntos, então, eu respondi que nós dois somos apenas amigos e que você é casado com outra mulher e tem um filho na capital.
—Você não devia… —se encostou na mesa, cruzou os braços e ficou de frente para ela.
—Sim, devo falar a verdade para ele. Não quero criar o meu filho com mentiras porque não quero que no futuro quando o Inácio for adulto perca a confiança em mim se descobrir que eu mentir a vida toda para ele.
—Fernanda…é muito difícil toda essa situação. —passa a mão no rosto e nos cabelos demonstrando impaciência.
—Você tornou tudo isso difícil. Dizer a verdade é sempre o melhor a se fazer.
—O que eu faço agora?
—Fala a verdade.
—Ele é só um guri.
—Anderson, acabe logo com esse sofrimento e assume o Inácio na sua vida.
—Eu o assumo. Eu dei uma casa para vocês e dou uma pensão todo mês.
—Não é só isto. Você devia registrar ele…
—De novo essa conversa…não! Não vou registrar!
—O que veio fazer aqui?
—Te ver. Eu preciso de te ver. —tenta beija-la e ela se afasta. —Eu te amo, Fernanda. Não sabe o quanto eu te amo e penso em vocês todos os dias. Eu conto os dias para te ver de novo, minha ribeirinha.
Fernanda o olha com reprovação e segue em direção a porta.
—Que bom seria se você dissesse que ama o seu filho e que conta os dias para voltar a vê-lo. Essa conversa se encerra por aqui. —abriu a porta e saiu.
—Fernanda! Espera, Fernanda! —saiu em direção a ela.
No jardim estava Inácio sentado de baixo de uma árvore e chorando enquanto Luana com a Florzinha nos braços e Rafael se aproximam.
—Pode deixar comigo eu vou falar com ele. —disse o fazendeiro.
—Está bem, eu vou entrar. —saiu.
Rafael caminha em direção ao sobrinho até se encostar na árvore.
—Tomando uma fresca, guri.
O menino enxuga as lágrimas com a borda da camiseta.
—Eu gostava desse lugar quando eu tinha mais ou menos a sua idade. —se sentou ao lado. —a vista daqui é maravilhosa. —olha o horizonte a mata.
—Tio Rafael por que o papai gritou com a mamãe? Ela não fez nada de errado. Eu só perguntei pelo meu irmão.
—Inácio, as vezes os adultos fazem ou falam coisas sem pensar. Ele gritou com a sua mãe por bobagem e você fez bem em ter perguntando pelo seu irmão.
—Eu queria conhecer o meu irmão, jogar bola com ele e queria que estivesse aqui no meu aniversário.
—Eu sei, guri, eu sei.
—Não entendo por que o papai ficou tão bravo.
—Vá por mim não tente entender o seu pai. —deu uma risada breve.
—Eu queria que você fosse o meu pai. —o abraçou.
Aquele abraço pegou Rafael de surpresa.
—Tio não tem como você ser o meu pai?
—Não tem como eu ser seu pai, Inácio. —acarinhava os cabelos do menino.
—Se eu pudesse escolher você seria o meu pai.
—Inácio, preste bem atenção no que vou te dizer.
O menino desfaz o abraço e olha para o tio.
—Seu pai é um cara que apesar daquele jeito dele raivoso igual uma jaguatirica…
Inácio dá uma risada do comentário do tio em relação ao pai.
—Ele é uma boa pessoa. O Anderson é o seu pai e eu sei que te ama do jeito dele.
—E você é o melhor tio do mundo.
—É mesmo? —deu uma risada.
—Sim. Quando eu crescer quero ser como você. Quero cuidar da fazenda, do gado, sair em comitivas…
—Isso é bom. Já sei quem vai cuidar das minhas terras quando eu for um velhinho resmungão. —os dois dão uma risada. —Inácio, saiba que o que você precisar pode contar comigo. Te amo, meu sobrinho. —beijou a testa do menino e ver de longe Anahí e outras crianças pulando na cama elástica. —Olha só que você tá perdendo. —apontou para a cama elástica com as crianças. —A brincadeira lá tá boa.
—É. —se levanta.
—Vá lá brincar, guri.
Inácio abraça o tio e sai correndo em direção a cama elástica e as outras crianças. Rafael se levanta e segue em direção ao casarão e entra na sala e ver Anderson sentado no sofá.
—O que foi? Vai ficar me encarando que nem um lobinho do mato? —perguntou o irmão caçula.
—Vai lá atrás do teu filho e pede desculpa a ele.
—Não exagera, Rafael, eu só dei uma bronca nele e nosso pai era pior porque a gente levava eram surras de cipó de goiabeira quando fazíamos alguma malcriação ou quando nós se metia em conversa de adulto. Com o papai não tinha negociação ou conversa ou cantinho do castigo.
—O menino não fez nada demais apenas perguntou pelo irmão e não achou certo você ter gritado com a mãe dele. Eu dou a ele toda razão.
—Novidade. —falou com ironia. — você e todos aqui encobertam tudo que o guri do mato faz.
—Anderson admita que errou com o seu filho.
—Eu tenho mais que me preocupar. A Fernanda saiu sem me deixar terminar tudo que eu tenho pra falar. Ela tem muito o que me ouvir por ter falado sobre o Darlan para o Inácio sem antes ter me dito.
—Eu encontrei teu filho lá de baixo do pé de angico e chorando. Sabe o que ele me disse? Que queria que eu fosse o pai dele.
—Como é? —se levantou do sofá. —Eu sou o pai dele.
—Então haja como um pai e peça perdão por ter sido estúpido com seu filho.
—O que você respondeu a ele?
Rafael se aproxima e olha nos olhos do irmão.
—Que ele tem um pai que o ama do jeito dele e que tem o tio que pode contar no que precisar.
Rafael encara Anderson e sai em direção a cozinha.
Fernanda e Luana estão na varanda do casarão e sentadas em um banco.
—O Anderson não tem jeito mesmo. Não deveria ter vindo pra cá e fazer o meu filho sofrer que ódio tenho disso.
—Como será daqui pra frente já que Inácio sabe que tem um irmão?
—Não sei.
Inácio e Anahí se aproximam das mães.
—Mãe, olha que a gente achou. —o menino mostra uma tartaruga nas mãos.
—Isso é uma tartaruga. Onde acharam?
—A gente achou lá no mato. —respondeu Anahí.
—Que lindinha. —a fazendeira tocou no bicho.
—Podemos ficar com ela? —perguntou Inácio.
—Por mim tudo bem e você, Luana?
—Tá, podem ficar, mas prometem que vão cuidar dela?
—Sim! Sim! A gente promete! —gritou as duas crianças e pulando empolgadas.
—E qual casa a tartaruga vai ficar? É aqui na fazenda ou na minha casa? —perguntou a ribeirinha.
—Ela vai ficar comigo. —Anahí tirou a tartaruga das mãos de Inácio.
—Não, eu a achei, ela vai ficar comigo. —toma a tartaruga das mãos da menina.
—Não! Ela é minha!
—É minha! —tenta tomar a tartaruga das mãos do primo.
—Crianças não briguem. —disse Fernanda em tom de advertência.
—Vocês precisam entrar em acordo.
—Como? —perguntou o menino.
—Ela pode passar alguns dias na fazenda e outros dias lá na casa do Inácio.
—Boa ideia, o que vocês acham?
Anahí e Inácio se olham.
—É pode ser. —respondeu Inácio.
—Tudo bem, eu aceito. Inácio, eu deixo ela ir dormir na sua casa hoje.
—Ótimo. E vocês já pensaram no nome?
Anderson sai da sala e para ao lado da porta e ver o filho.
—Inácio.
O menino olha surpreso para o pai e Fernanda fica tensa.
—O que quer com ele? —puxou o filho e o abraçou como uma mãe onça protegendo sua cria.
—Quero conversar com meu filho, não posso? —se aproxima e se ajoelha em frente ao garoto. —Quer ver o presente que comprei pra você?
Inácio o olha desconfiado.
—Quero.
—Vamos.
Inácio se afasta e Fernanda encara Anderson. Pai e filho saem da varanda e caminham pela grama em direção a caminhonete.
Anderson tira um pacote de presente dentro da caminhonete e entrega ao filho.
—Aqui está o seu presente. Acho que vai gostar.
Inácio abre o pacote rapidamente.
—Um videogame!
—Este é lançamento. Chegou no Brasil faz pouco tempo.
—Incrível! —olhava empolgado para a caixa. —E tem dois controles e vou poder jogar com o meu irmão, desculpa papai. —o abraça.
—Desculpa, por que?
—Eu perguntei pelo o meu irmão e você brigou comigo e com a mamãe.
—Esqueça isso, filho.
—Quando vou conhecer o meu irmão?
—Em breve. —respondeu incomodado.
—Por que ele não veio com você?
—Porque ele está viajando com a mãe e os avós. —mentiu.
—Ele tem avós. —disse surpreso e desfaz o abraço. — Qual o nome dele?
—Darlan.
—Como ele é?
—Se parece com você. Bom, ainda não me disse o que achou do presente?
—Gostei muito. Adoro jogar videogame.
—Então, eu acertei em cheio, hein, guri do mato. —passou a mão nos cabelos do menino.
Fernanda desconfiada se aproxima.
—Chegou a guarda. —em tom de brincadeira.
Inácio dá uma risada.
—Está na hora dos parabéns, vamos Inácio.
—Ganhei do papai um videogame, mamãe.
—Hum, que legal. Vá lá na mesa do bolo que todo mundo está te esperando.
Inácio sai.
—O que foi? Tá me fuzilando com esse olhar por que?
—Fique sabendo que estou de olho em você, Anderson.
—É mesmo? —se aproxima dela todo empolgado. —Fico feliz em saber disso porque também estou de olho em você e queria era matar a saudade que tenho de dá um beijo na sua boca, minha ribeirinha. —tenta beija-la.
—Nem tente! —se afasta. —Era só que me faltava. —sai.
—Espera!
—Está na hora dos parabéns, vai vim ou vai ficar aí?
Anderson segue em direção a ribeirinha.
Anos depois os raios de sol atravessavam as águas da ribeira que se agitavam com o caminhar da boiada conduzida pela comitiva que estava sendo observada de longe por um lobo-guará que tocava com seu focinho o gramado na tentativa de encontra o rastro de uma presa. A Seriema parada em cima da cerca voa até o outro lado da estrada e começa a caminhar com suas longas patas com seu jeito desengonçado.
Rafael estava à frente da comitiva, a cavalo e tocou o berrante que ecoou pelos arredores e Inácio a cavalo se aproxima do tio. O guri do mato está com vinte e cinco anos, estatura alta, robusto, pele bronzeada pela exposição ao sol com os trabalhos da fazenda e seus cabelos ondulados e castanhos com o corte médio na altura abaixo das orelhas. Vestia trajes tradicionais de pantaneiro.
Rafael termina de tocar o berrante.
—Depois de quase três meses voltamos para casa, tio.
—É, estou com saudades de casa. Inácio, acho que essa será a minha última viagem em comitiva.
—Por que?
—Seu tio está velho para essas coisas.
—Velha é a estrada, tio. —deu uma risada.
—O que eu quero é voltar pra casa e ficar nos braços da minha mulher e perto das minhas filhas. Toque o berrante pra mim. —entrega o berrante para o sobrinho.
Inácio pega o berrante e toca.
—Já está pronto para ficar no meu lugar.
—Nada disso. Ainda tenho muito chão pra andar para me tornar um bom pantaneiro como você.
—Você é bem melhor que eu e seu avô juntos.
—Olha cuidado que posso ficar metido. —em tom de brincadeira.
—Aí posso dizer que se ficar metido a besta é porque puxou o seu pai.
Inácio e Rafael dão risada.
Em Campo Grande em uma rua estava Darlan, um rapaz de vinte e cinco anos, estatura média, cabelos ondulados e loiros, olhos azuis, pele branca, vestido com uma camisa azul marinho de manga comprida, calça jeans e sapato social e um relógio luxuoso. Ele estava caminhando em direção ao carro conversível que estava parado ao lado de uma calçada. Um guarda de transito se aproxima dele.
—O senhor é o proprietário deste veículo?
—Sou, o que foi? —olha com desdém para o guarda.
—Aqui não pode estacionar. Não viu a placa ali? —apontou para a placa.
—Não vi. Eu estou com pressa. Só fui lá e rapidinho voltei.
—Não importa se foi rápido ou demorou. Você estacionou em lugar proibido. Aqui está a multa. —entrega o papel da multa.
—Sabe o que vou fazer com está multa? —rasga o papel e seguiu em direção ao carro.
—O senhor não pode dirigir o carro. O seu veículo terá que ser guinchado.
—O quê? Vai me proibir de entrar no meu carro? Quem você pensa que é?
—Estou fazendo o meu trabalho.
—Ninguém vai tocar no meu carro! Você não passa de um guardinha qualquer. Sabe quem é o meu pai?
—Quem é o seu papai? —disse em tom irônico.
—O meu pai é o juiz de direito Anderson Barreto.
—Ah, é mesmo?
—Ele tem muita influência e conhece muita gente superior a você que vão te colocar no seu lugar e mostrar que não se deve mexer com um Barreto.
—O senhor terá que pagar a multa e seu carro será guinchado.
Darlan dá um soco na cara do guarda que sangra.