A vida é mesmo um mistério. Concluo o relato daquilo que considero a maior descoberta de todos os tempos. Aquilo que vivenciei permanece fresco na memória. De onde estou, observo atônito o resultado que contraria todas as possibilidades plausíveis. Não há outra explicação. Só mesmo por um milagre tornei-me pai. Neste exato momento rendo-me à maravilhosa cena que se passa bem diante da janela do escritório: Lara e aquele garotinho. Meu filho. Sim, ele mesmo, o causador da profunda mudança em nossas vidas. Brinca cheio de energia no jardim, como se nada tivesse acontecido.

Antes de seu nascimento, eu era como todo cientista. Ávido pela fama de uma grande descoberta que pudesse transformar conceitos, ideias, paradigmas. Contudo, nunca pensei que me depararia acidentalmente com… Aquilo. Sei que sua curiosidade começa a ultrapassar os limites da paciência, mas a revelação que estou prestes a fazer deverá ser dosada para sua própria segurança. Alerto que o acesso ao desconhecido pode causar traumas irreparáveis em mentes despreparadas.

Depois de noites em claro, de ter oscilado entre o espanto e o êxtase, e de ter sido submetido à mais profunda transformação de conceitos, somente muito tempo depois reuni coragem para escrever a respeito. E por que revelar tal segredo? Óbvio! Quero que o mundo conheça a descoberta que fiz. Pois é ela que mudará tudo o que sabemos sobre a existência. Por favor, entenda, não quero obter reconhecimentos ou mesmo causar polêmicas; ao contrário, tomei as devidas precauções para que este texto fosse publicado somente após minha morte. Portanto, não estarei mais aqui para receber seus comentários.

Todos os registros, relatórios e equipamentos estão muito bem guardados. Chegará o momento certo de revelá-los ao mundo. Uma coisa, porém, eu garanto: o que lerá agora é tão emocionante e curioso quanto a maior obra de ficção. Revelarei o segredo sobre tudo o que aconteceu comigo, e como descobri que a vida também permeia outras paragens, muitas delas invisíveis aos nossos olhos.

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Meu nome é Fernando Naggy, geneticista e doutor em neurociências. Impaciente, porém, caseiro e um eterno apaixonado pela esposa. Sempre gostei de exercitar o cérebro com bons livros e xadrez. Fui famoso, numa época em que a controvérsia sobre as pesquisas com células embrionárias estacava o progresso científico em direção à cura de doenças degenerativas. Liderei uma equipe e, como não podia deixar de ser, vivia cercado de jornalistas. Faziam perguntas variadas, algumas difíceis de responder. Difícil traduzir um tema científico ainda obscuro, por vezes não totalmente fundamentado, para o público leigo. Contudo, minhas observações não raramente eram objeto de delírio especulativo: “Cientistas malucos brincam com a vida humana”. Às vezes, as pessoas gostam de se sentir à beira da desgraça para justificar todo tipo de desatino. Alivia o tédio do cotidiano.

Mas o que me desagradava mesmo eram os questionamentos que envolviam a minha opinião sobre o eterno litígio entre ciência e religião. A Igreja mantinha-se terminantemente contra o uso de células embrionárias para a regeneração de órgãos. Por quê? Era a pergunta que frequentemente me fazia. Afinal, o que sabe ela sobre a mecânica da vida, um mistério há muito revelado pela embriologia? Mesmo assim, procurava manter-me imparcial. Indisposição com a mídia e a igreja poderia significar menos recursos financeiros para as pesquisas.

Até que, um belo dia, fiz uma descoberta: vislumbrei o oculto lado da natureza. Tive de me render à ideia de que a religião poderia ter sua parcela de razão.

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