O dia seguinte nasceu com o costumeiro aroma do café e o tilintar de xícaras. Porém, não eram tão reconfortantes como antes. Os questionamentos quanto à estranha gravidez ainda me assombravam. Eram até piores que a notícia da doença que me consumia. Desci a escada e me dirigi à cozinha. Lá estava Lara, como sempre. Contraditoriamente, seu rosto avermelhado de tanto chorar, também esboçava um traço de esperança. Sua mão, vez ou outra, deslizava sobre o ventre. Não resisti ao ímpeto de abraçá-la. Aninhei-a delicadamente em meus braços e disse num suspiro:

 — Bom dia!

Ela se virou e retribuiu o carinho.

— Que houve? – Perguntei. — Não dormiu bem? 

— É; não dormi. Nem um pouquinho. Não quero te perder. Saiba que nunca pensei em te trair. Isso jamais passou pela minha cabeça. Este bebê representa nossa vida, nossa união. Sempre desejei ter um filho, o nosso filho. Mas fui me acostumando com a ideia de não podermos…

— Ei, não se preocupe — interrompi, colocando as pontas dos meus dedos delicadamente sobre seus lábios. — Me dá um tempo para entender o que está acontecendo, está bem? Além do mais, não vou morrer. Fique calma. Acredito que o tratamento funcionará.

— Claro que sim — disse ela, com voz embargada.

— Agora, tomemos nosso café. A vida continua e tudo ficará bem.

Ela forçou um sorriso e enxugou as lágrimas com o avental. Sacudiu rapidamente o cabelo, jogando-o para trás dos ombros e sentou-se. Depois de um café silencioso, disse:

— Trabalhar naquele aparelho lhe fará bem. Se precisar de mim é só chamar. – Meneei.

Peguei o aparelho que estava na sala de estar e fui até a garagem. Desmontei-o e verifiquei cada um dos componentes. Tudo parecia funcionar muito bem.

Só por curiosidade, inseri no computador as imagens captadas de Lara na noite passada e analisei os gráficos. Por algum motivo, lembrei que havíamos descoberto, semanas atrás, que cada cérebro funciona de maneira diferente, produzindo um sinal gráfico característico, tal qual uma impressão digital. Resolvi então submeter o registro eletrônico a uma análise espectral. Foi quando fiquei diante de algo surpreendente: um sinal nítido de um segundo cérebro. Minha intuição estava correta.

Liguei imediatamente para André:

— Sei que é feriado, mas acho que descobri algo intrigante. Não quer vir aqui? Estou em casa. Preciso te mostrar uma coisa.

André chegou depois de meia hora.

— Olha isso — disse eu, eufórico. — Ele observou o gráfico com atenção e não teve dúvidas:

— Uma onda portadora! O sinal cerebral de sua esposa está servindo de onda portadora. Mas pra quem? Veja: o sinal do primeiro cérebro, o de Lara, transporta o segundo sinal. O segundo cérebro.

— Isso! Lara está grávida. Isso explica o segundo sinal

— Correto, professor… então; isso indica que captamos padrões cerebrais do embrião. O quê? Sua esposa está grávida? Meus parab… Epa! Bem… ela está grávida de quanto tempo? — Perguntou ele, confuso.

— Dois meses.

— Padrões cerebrais? Como é possível? Não se trata de um cérebro plenamente desenvolvido. Entendo claramente que o sistema neurológico de um embrião, apesar de não totalmente formado, já controla as funções básicas autônomas. Mas emitir padrões cerebrais nesta intensidade? 

— Professor, um neurônio é capaz de fazer muita coisa. Uma única célula pode realizar mais de sete bilhões de funções simultaneamente. É algo equivalente ao funcionamento de um supercomputador trabalhando na capacidade plena.

— Tem razão. Mas um embrião ser capaz de se comunicar… isso é impossível! Tal capacidade está muito além do que a ciência pode conceber. Por outro lado, se for verdade, estamos… estamos…

— Estamos diante de um ser pensante, professor.

— Odiaria ter de admitir isso. Ao mesmo tempo nos referimos ao meu filho, e não a um mero objeto de estudo. — Nunca pensei que um dia o cientista daria lugar ao pai.

— O que não deixa de ser interessante, não é mesmo?

Concordei, sem tirar os olhos daqueles gráficos. Depois de algum tempo refletindo sobre o que faríamos, decidimos prosseguir com o experimento. Se havíamos conseguido gravar centenas de imagens e sons produzidos pelo complexo neural de animais, deveríamos tentar algo diferente. Pediria a Lara para usar o aparelho. Tentaríamos estabelecer uma comunicação com o embrião. A regulagem precisa do aparelho seria importante. O problema é que isso levaria de um a dois dias.

 

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