No capítulo anterior: 

Carla foi humilhada pelos filhos e pela meia-irmã. No entanto, quando essa decidiu denunciá-la por pedofilia, ela a matou esfaqueada a sangue frio. A megera acabou indo presa e os filhos ficaram nas mãos de Matilde, a babá de Iago, filho adotivo da vítima. Eles foram dopados e jogados em um orfanato, mas conseguiram fugir graças a ajuda de um caminhoneiro simpático, o qual revelou-se no fim pai da proprietária da antiga casa de aluguel dos Carvalho ( a reacionária responsável pelo despejo)

 

– Como ousa, pai, trazer esses pirralhos guerrilheiros para dentro da nossa casa?

Zeca não entendeu nada. Débora puxou a mão do irmão.

– Lucas! Vamos sair! Não temos nada a fazer aqui!

O caminhoneiro, no entanto, os impediu.

– Vocês não vão a lugar nenhum! Posso saber o que está acontecendo?

Ivette vomitou sem repensar.

– Eles são filho daquela chocadeira lá do Espírito Santo que tinha o marido surtado pelo petismo, pensava em dominar o mundo com sua ditadura. Eu fiz um favor à humanidade em mandá-los para o olho da rua.

Débora agradeceu Zeca.

– Com licença! Obrigada pela carona, mas já estamos de saída!

– Espere um minuto, Débora. Quero saber dessa história, direitinho!

Débora discordou.

– Não tem nada o que saber, Zeca! Não percebe que é apenas uma falácia sem sentido da sua filha?

Ivette riu.

– A sua filha tem nome, chama Ivette Bolonha, para seu conhecimento. Boas maneiras em primeiro lugar, está fora de casa. Que foi, garota? Ficou com medo dele saber do massacre das famílias?

Débora explodiu.

– Eu não tenho medo de você, sua infeliz. Tenho é pena que uma pessoa de tanta posse não tenha o mínimo de instrução, é mais um fantoche na mão daqueles sociopatas!

Ivette retrucou.

– Pena de quê? Quem está na sarjeta, não sou eu! Ponha-se no seu lugar, moribunda! Seu pai não conseguiu instalar seu governo corrupto, saiba que a lava-jato está pegando todos, então se sua mamãezinha souber de alguma coisa, é melhor que ela fuja para fora do país, do jeito que andam as coisas, nem a delação premiada a salvaria.

Zeca se assustava com cada palavra que saía da boca da filha, ela estava irreconhecível, bufava de ódio, um ódio totalmente sem sentido, de pura ideologia sensacionalista.

Débora respirou fundo.

– Você sabe o que é Karl Marx? Sabe dos livros que ele escreveu? Conhece o manifesto comunista?

– Eu não preciso disso para saber que o quê estão tentando fazer é uma doença!

– Não sabia que fazer a reforma agrária, distribuindo as terras para os camponeses que plantam nossa base alimentar é uma doença! Sabia que mais da metade das terras no Brasil são especuladas? Compram grandes latifúndios e deixam-nos improdutivos só para criar uma valorização artificial. Enquanto no sertão, crianças morrem de desnutrição, pela seca, por doenças banais, uma vez que, a porcaria do hospital público não tem verba para atender todo mundo. Mas como você pode saber disso? Fica enfurnada dentro da sua vida medíocre e depressiva, alienada a realidade dos outros, sendo esses outros, trabalhadores de sol a sol, sem nenhuma legislação que os proteja, passíveis de escravidão e de miséria para poder por o arroz e o feijão na sua mesa. Então antes de defender uma ideologia barata, midiática, saiba ter argumentos para defendê-la… Tem certeza que acha isso justo?  Por que se achar, então eu vou confirmar minha tese de que a raça humana já extinguiu há muito tempo.

A proprietária não conteve as lágrimas diante aquele discurso. Zeca ficou impressionado com a sensibilidade de Débora. A menina puxou o irmão e saiu. Ele voltou-se a filha ainda anestesiado.

– Como você se atreve a despejar a família deles? Onde estava a educação que te dei? Você não sabe nada sobre o mundo dos negócios! Que história foi essa?

Ivette derrubou um vaso em cima da mesa, um vazio assolou sua alma, sentia-se um nada.

– Me deixa, pai, me deixa!

Ela correu, subindo as escadas e bateu a porta de seu quarto. Zeca correu atrás deles, mas percebeu que começara um temporal, voltara para pegar o guarda-chuva e saiu disparado.

Débora corria com o irmão sobre os vales, pulando cercas de arame farpado, arbustos espinhosos, ante os pingos que cada vez mais enfureciam. Encontraram logo na chegada a cidade, uma ponte e para lá se esconderam. A cena apagou.

Uma sirene promoveu a abertura de diversas celas, mulheres de todos os tipos caminhavam em direção ao refeitório. Todas vestidas com um uniforme cinza carregavam uma bandeja, em que era largado aquela gosma esverdeada fedegosa. Carla quase passou mal quando se sentou a mesa. Pegou os talheres e tentou remexer, mas não tinha coragem.

– É muito ruim, não é? Que foi que você fez para estar aqui?

A matriarca levantou os olhos num tom de medo até atingir a segurança necessária para falar.

– Eu não fiz nada, sou inocente.

A detenta gargalhou, sentando-se a sua frente.

– Isso é o que todo mundo diz, mas cai entre nós, sabemos que não é verdade. (meteu uma colherada na boca)

– Como você consegue? – Perguntou Carla ao ato de comer.

Fabiana foi direta.

– É isso ou eu passo fome. Sou eu que escolho! Acho que deveria fazer o mesmo!

Carla se aproximou, mas não conseguia.

– Ai! É muito ruim! Só de olhar…

Fabiana respondeu.

– É melhor cair sua ficha logo, Madame. Aqui não é um SPA cinco estrelas! E é para o seu próprio bem que se comporte! Tá vendo aquela fortona ali? Valentina Bravo! (e apontou) Ela manda e desmanda nas presas! Se ela te ver desse jeito, vai sentar a mão na sua cara, isso se não fizer-te seu bicho de estimação, o que acho que nem um pouco você vai gostar.

Carla ficou traumatizada com o recado e acabou comendo para seu contragosto.

A chuva já estava se amenizando, quando o caminhão de Zeca passou pela ponte, Débora encostou o irmão na parede para ele não os verem.

– Por que você fez isso? – Lucas interrogou.

– Não podemos voltar para aquela fazenda, a filha dele não vai nos deixar em paz!

Ele sentou desapontado ao chão.

– Mas como vamos sobreviver? Não temos lugar para dormir! Não temos o que comer? Eu não quero morrer, Debby, somos muito jovens.

– Deixa de drama, Lucas! Ninguém vai morrer aqui! Só precisamos dar um jeito de chegar à rodoviária, o problema é que eu não conheço nada dessa cidade.

O estômago dos dois embrulhou de fome.

– Eu daria tudo para ter um prato de comida, agora!

Lucas concordou.

– Eu também.

Débora sentou-se ao lado do irmão, colocando o braço por cima de seus ombros num tom protetor.

– Eu prometo que vai ficar tudo bem! A gente vai superar isso! Às vezes chego a pensar nas crianças subsaarianas. Etiópia, Somália, Sudão do Sul. Sempre defendi seus direitos, mas agora percebo o quanto insuficiente fui! Só passando um segundo do que eles vivem para concluir o quanto é desesperador consentir que você não sabe quando vai comer.

Lucas pôs a mão na barriga, continuando.

– Enquanto temos tecnologia para suprir a humanidade toda com arroz e soja por mais dez anos!

Débora concluiu.

– É maninho, bem vindo a Indústria da Fome!

Lucas levantou para tentar controlar a vontade.

– E quanto a mamãe? O que vamos fazer?

Débora ergueu-se irritada.

– Como assim, o que vamos fazer? Ela está presa e lá que ela tem que ficar! Esqueceu do que ela nos fez? Ela praticamente matou nosso pai!

O sangue do menino calefazia em suas artérias; tremia só de pensar na injustiça que seu pai havia sofrido, morto a machadadas, que fim mais cruel a uma pessoa tão radiante! Não havia ainda engolido aquela história, nunca iria aceitar. O desgraçado havia de pagar!

– Hey Lucas, estou falando com você!

Ele despertou de seu pequeno delírio.

– Hã? Que foi?

Débora bateu o pé.

– Como assim, o que foi? Eu estou explicando os motivos que devemos esquecer aquela pedófila assassina e você não está nem aí. Onde estava, Lucas?

Nesse instante começou um tiroteio e eles se abaixaram depressa. Uma moto bombardeava um rapaz, quem ágil, desviava dos tiros com um pacote na mão, provavelmente um traficante de drogas. Ele subiu em uma das plataformas e se escondeu ofegante, quando girou, chocou-se ao verem os irmãos abaixados.

A noite se estendia pela madrugada quando Carla relembrou do aviso de Fabiana e segurou as grades, preocupada.

– Eu preciso sair daqui, o mais rápido possível. Meus filhos queridos, mamãe já vai!

– Beba logo o café, se não vai esfriar!

O jovem de vinte anos que escapara dos tiros, levou Débora e Lucas até sua morada improvisada, feita de caixas de papelão embaixo de outra ponte. Destacavam-se ali um pequeno aparelho de televisão com antenas, algumas panelas velhas, um rádio antigo, colchões esburacados e cobertas ralas.

– Obrigada! – Respondeu Débora quando recebeu a xícara. Lucas se perdia nas chamas provocadas naqueles gravetos.

O moço abriu uma caixa próxima e dela retirou um saco pardo, nele continha pães amanhecidos, contudo, davam para matar a fome.

– Fiquem a vontade!

Débora sorriu com o gesto. Perdeu-se em subterfúgios. Àquele homem, ali, tão julgado pela sociedade com a atividade ilegal que fazia, possuía um bom coração, era caridoso. Enquanto muitos que freqüentavam a igreja, diziam-se ser cristãos espantavam os mendigos a vassouradas, reduzindo-os a bêbados. Agora entendia profundamente a mensagem de seu pai.

– Como é seu nome? – Ele ousou perguntar.

– Chamo-me Débora. E esse é o meu irmão Lucas.

O caçula o cumprimentou e não se conteve em puxar o saco para perto de si e pegar um pedaço, estava faminto.

Débora envergonhou, mas o traficante não se incomodava.

– E o seu nome, qual é?

Ele a revelou.

– Chamo Bruno! Bruno Paçoca! Mas pode me chamar só de Paçoca! É como o pessoal me conhece!

Os dois riram. Que sobrenome mais engraçado! Débora se encantou ainda mais por ele pela descoberta do detalhe.

– É um sobrenome, engraçado, não é? Mas… Não pareço nenhuma paçoca, por favor, quer dizer… Paçocas são delicadas e esfarelam na mão, não pensem que eu sou um frangote, eu…eu…sou muito forte, é isso, muito forte !

Débora e Lucas riram ainda mais alto, era perceptível o constrangimento do rapagão com aquele apelido.

– Vocês podem, por favor, pararem de rir! Eu fico todo vermelho por causa disso!

Débora se compadeceu.

– Desculpe, não tivemos como evitar! Que maldade em darem a você esse sobrenome, suponho que não possa nos informar o oficial, mas tudo bem!

Ele a olhou meio sem jeito e desviou o olhar. Virou-se para arrumar as cobertas.

– Acho que não possuem lugar para dormir, estou certo?

A menina abaixou a cabeça.

– Não, não temos. Mas por favor, não se importe com isso, a gente dá um jeito de se virar.

Bruno a observou por alguns instantes.

– Eu faço questão de ficarem aqui. É muito perigoso saírem por aí pela madrugada. Possuem uma casa de algum parente para ficar, ao menos, amigos?

Débora explicou.

– Infelizmente não! É uma longa história, sabe…

Bruno percebeu a interferência e se desculpou.

– Tudo bem, se não quiser contar. Mas vocês vão pousar aqui, sim!

Ela decidiu.

– Eu vou te contar tudo! E obrigado nos hospedar!

Ele sorriu atento ao relato.

O dia amanheceu. Carla acordou de supetão com os berros das carcereiras na grade chamando-as todas para o café da manhã. Enfileiraram-se para o refeitório e ao pegarem o pão com manteiga e o leite quente dirigiram-se para o pátio descoberto, disponível durante o dia. Ela avistou ao longe Valentina e estremeceu. Fabiana se aproximou, a cumprimentando com seu jeito brincalhão.

– Acordou a Cinderela!

– Agora não! Fabiana!

E desatou a correr em direção a Valentina que deixou o grupo que conversava e se adentrou no sanitário. Carla foi atrás. Enquanto a mulher usava a latrina, a dona-de-casa fechou a porta, esperando-a no balcão das pias.

Valentina deu a descarga meio marrenta e se surpreendeu ao ver Carla sem camisa, ajeitando o sutiã, ela se virou quando a encrenqueira se aproximou.

– Chamo-me Carla Carvalho! Acho que temos muito que conversar!

Valentina ficou encantada com sua beleza. Percebeu no ato que teria muitas noites de prazer.

 

 

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