Capítulo Sete – Planos de família

Floresta na região de Alcatraz

Rebeca pára em frente à porta daquela cabana. Olha de baixo até em cima aquela porta de madeira velha caindo aos pedaços, a fechadura antiga e enferrujada com o tempo e as lascas de madeira soltando e um sentimento estranho toma conta de todo o seu corpo. Levanta a mão direita para bater, mas hesita baixando a mão novamente. Será que está fazendo a coisa certa? A incerteza volta à lhe rondar. Ela se vira de costas para a cabana, observa a mata fechada ao redor, o caminho de terra e o céu escuro prometendo mais chuva. Três passos em direção a floresta e ela fica imóvel mais uma vez. A dúvida toma conta da sua cabeça de apenas dez anos de idade, mas algo lá no fundo lhe diz que o seu destino depende de bater naquela porta, de entrar naquela cabana, de encarar frente à frente, olho no olho aquele homem.

Rebeca levanta a cabeça e encara as nuvens carregadas no céu. O estrondo de um trovão lhe dá o empurrão que faltava. Afinal, ela também não queria passar mais algumas horas debaixo de chuva e com fome. Se vira novamente para a cabana decidida do que quer. Sempre foi uma menina de opinião própria, principalmente nesta fase da sua vida. Se já fugiu de casa à noite, sem nada no meio da chuva forte e do frio, não ia ser agora que ia dar pra trás.

Rebeca volta à se aproximar da porta da cabana. Levanta a mão direita e se prepara para bater quando a porta se abre na sua frente. Diante dos seus olhos que se arregalam, surge a figura daquele homem alto, barba mal feita, chapéu e casacão preto. Aquela cara fechada lhe assusta em um primeiro momento e ela fica petrificada encarando aqueles olhos assustadores.


João Acácio também fica imóvel encarando a menina na sua frente. Mas ele sente algo que há tempos não sentia por nenhum outro ser humano. Ele sente uma paz, uma bondade naquele olhar inocente, que faz uma lágrima escorrer no canto do seu olho.


João Acácio

– Criança…

João Acácio sorri como há muito tempo não sorria.

João Acácio
– …pode entrar!

Ele dá lado para a menina, que, sentindo a bondade nas palavras daquele homem, baixa a cabeça e adentra naquela cabana.

João Acácio observa a pequena Rebeca entrando em sua cabana. Dá uma olhada para a floresta à sua frente certificando-se que não há mais ninguém por perto, sorri sarcasticamente e volta para a cabana fechando a porta.

Residência da família Sanchez

A detetive Carmen Sanchez, de calça jeans, blusa de gola alta e sem maquiagem, está sentada na poltrona distraída mexendo em um cubo mágico. Seu marido Jairo aproxima-se por trás e lhe dá um beijo na cabeça.

Jairo
– Nunca consegui resolver isso aí.

Carmen olha para trás e sorri.

Carmen
– Exige paciência…e tá aí uma coisa que eu sei que você não tem.

Carmen acompanha com os olhos o marido que pega uma jaqueta sobre o sofá e começa à vestir.

Carmen
– Tens mesmo que sair?

Jairo
– Eu ia até o ateliê do Jucá…tínhamos combinado…você precisa de alguma coisa?

Carmen larga o cubo mágico no braço da poltrona.

Carmen
– Eu criei coragem Jairo…eu tô disposta à lhe contar, embora saiba que talvez não seja o certo…

Jairo sente a relevância das palavras da esposa. Senta-se no sofá de frente para ela.

Jairo
– Eu posso mandar uma mensagem pro Jucá cancelando…

Jairo pega o celular no bolso e começa digitar.

Jairo
– …inclusive é o que já vou fazer agora.

Jairo finaliza a mensagem.

Jairo
– Pronto amor. Sou todo ouvidos.

Carmen baixa o olhar enquanto Jairo a encara.

Carmen
– Eu nem sei por onde começar…

Jairo
– Seja o que for, comece pelo começo. Por onde você acha que seja o início de tudo.

Carmen levanta os olhos úmidos e encara o marido compenetrado na sua frente.

Carmen
– Lembra do que falei sobre o cubo mágico! Paciência…

Jairo
– Prometo ser um poço de paciência, só não me deixa mais aflito do que estou. Apenas deixe fluir.

Carmen suspira fundo.

Carmen
– Lembra quando começamos falar sobre ter um bebê? Lembra o quanto queríamos, o quanto estávamos felizes?

Jairo
– Lembro…e ainda queremos…

Carmen deixa uma lágrima escorrer pelo seu rosto.

Jairo
– …não queremos meu amor?

Carmen baixa o olhar novamente. Limpa o rosto com a manga da sua blusa. O silêncio permanece por longos segundos até que Carmen interrompe aquele silêncio com palavras que podem mudar o rumo de duas vidas entrelaçadas.

Carmen
– Eu nunca lhe disse. Sempre tive medo da tua reação. Medo porque sei o quanto você deseja…

Carmen olha para o marido que está atônito na sua frente à espera da revelação.

Carmen
– …eu não posso ter filhos. Eu não posso gerar uma vida dentro de mim.

Carmen cai em desespero.

Carmen
– Droga! Eu nunca vou poder ter um bebê dentro de mim, Jairo! Nunca! Nunca! Nunca!

Jairo está perplexo olhando a esposa. Não teve reação após a revelação. O seu desejo em ter um filho com Carmen é enorme. É o seu sonho. Ele sonha em ser pai. Sonha em segurar nos seus braços aquele ser inocente e indefeso e chamá-lo de seu. Sonha em ensinar aquela pequena criança à desenhar, à pintar. Sonha em fazer piqueniques no parque, em ensinar andar de bicicleta. Sonha em poder dizer, se for uma menina, o quanto ela se parece com a mamãe…um filme passa pela sua cabeça em questão de segundos enquanto observa o desespero de Carmen com a revelação.

Jairo levanta do sofá e vai até a janela de casa sem pronunciar uma palavra, deixando Carmen em desespero sentada na poltrona. Braços cruzados, ele encara o mundo lá fora através do vidro da janela. Carmen, incomodada com o silencio do marido, extravasa.

Carmen
– Droga, Jairo! Maldito silêncio! Diz alguma coisa, porra! Fala que sou uma merda de esposa, fala que vai me deixar, fala que vai achar alguém que possa realizar teu sonho, fala, fala, fala. Só não fica neste silêncio maldito!

Jairo, calmamente, se vira para a esposa. Tira sua jaqueta e a coloca sobre o sofá. Aproxima-se de Carmen e senta ao seu lado. Mãos cruzadas sobre as coxas. Corpo inclinado para frente.

Jairo
– Carmen…

Ele vira o rosto e olha para a esposa.

Jairo

– …olha pra mim.

Carmen hesita em atender o pedido.

Jairo
– Olha pra mim, porra!

Carmen suspira e olha de canto.

Jairo
– Carmen…eu…tô do teu lado.

Carmen se surpreende com as palavras de Jairo. Levanta a cabeça.

Jairo
– Eu tô aqui…caralho!

Jairo se aproxima e abraça a esposa, que deita a cabeça no seu ombro, sentindo o real sentimento de Jairo para com ela. Um carinho que ela jamais imaginara que ele seria capaz de demonstrar.

Jairo
– Sempre é bom uma segunda opinião..

Carmen
– Eu já tive uma segunda, uma terceira, uma quarta opinião. E todos os malditos médicos falam a mesma coisa.

Jairo
– Podemos procurar então uma quinta opinião, uma sexta, uma sétima…e eu estarei contigo em todas as consultas que for à partir de agora.

Carmen vira o rosto para o marido.

Carmen
– E se todas forem iguais?

Jairo
– Se todos os diagnósticos forem iguais, então a gente vai passar por isso juntos. Vamos segurar na mão um do outro e encarar de frente.

Carmen sorri. Parece estar aliviada com as palavras de Jairo. Se aconchega com a cabeça em seu peito enquanto ele acaricia seus cabelos. Aquele momento era algo que ela não esperava. Aquelas palavras, aquela atitude, ela jamais pensou que Jairo aceitaria isso numa boa. Se surpreendeu e ganhou forças para seguir adiante.

Floresta na região de Alcatraz

De maneira esguia e sorrateira a neblina desce novamente sobre a região de Alcatraz, perturbando os olhos e destruindo o senso de direção dos poucos carros que costumam vagar por aquela rodovia.

A viatura policial com Armando e Demétrius está retornando para a floresta com o objetivo de encontrar aquele homem misterioso. Demétrius está dirigindo e Armando ao seu lado encolhido dentro do seu casacão. Ele puxa a manga e olha a hora no seu relógio de pulso. São 15h00min, mas pode-se claramente dizer que já está nas primeiras horas da noite devido a escuridão e a neblina que se instala.

Armando
– Somos loucos mesmo! Achando que vamos encontrar alguém nesta floresta com este tempo.

Demétrius sorri.

Demétrius
– Ordens são ordens.

Demétrius freia bruscamente.

Armando
– O que foi?

Demétrius olha assustado para o companheiro ao seu lado.

Demétrius
– Você não viu?

Demétrius vira o rosto para trás na beira da floresta.

Demétrius
– Te juro que vi algo entrando ali atrás.

Armando
– Ahh, vai ver era algum bicho.

Demétrius puxa o freio de mão. Desliga o motor.

Demétrius
– Não sei. Mas se estamos aqui nesta merda de tempo, vamos averiguar e, talvez voltar pra cidade o quanto antes.

Os dois policiais descem do carro. A neblina se espalha trazendo um ar gélido naquela tarde que parece noite.
Demétrius olha para a luz do poste acima da sua cabeça, onde a luz já tornara-se opaco por causa da cerração sem fim.

Armando
– Entramos?

Demétrius encara o companheiro e saca sua arma. Armando faz o mesmo. Mais uma vez vão adentrar naquela floresta em busca de alguém que eles não fazem ideia de quem seja.

Dentro da floresta a visibilidade é quase nula. Os dois policiais caminham cuidadosamente e com dificuldade entre os galhos das árvores.

Residência da família Sanchez

A detetive Carmen Sanchez está de pé do lado de fora da sua casa. Cabelos presos em um coque alto, maquiagem leve, calças montaria e botas de cano alto, casacão preto comprido e luvas. Ela observa o Maverick de Gaitán estacionando em frente e desce as escadas na sua direção. Os dois irão fazer uma varredura pelos arredores de Alcatraz em busca da pequena Rebeca.

Dentro do carro, Gaitán destranca as portas na medida em que a detetive se aproxima. Ela abre a porta do caroneiro e entra.

Carmen
– Que frio desgraçado!

Gaitán puxa a gola do seu casaco para cima.

Gaitán
– Nem me fala detetive.

Carmen o encara.

Carmen
– Sabe, me deu um dó do seu Olavo e da dona Adilah. Você conhece a história desta menina né?

Gaitán assente que sim com a cabeça.

Carmen
– Pegar ela nas condições que pegaram. Criar ela nos costumes da tradição islã longe de suas origens, pra agora isso acontecer!

Gaitán

– Precisam ser muito fortes!

Carmen
– E são graças à Deus!

Carmen ri.

Carmen
– Ou melhor: graças à Alá!

Gaitán bate com as mãos no volante.

Gaitán
– Bom..por onde começaremos?

Carmen
– É justamente o que ia lhe perguntar…mas já que pediu, acho que temos que começar por perto, dar uma volta na cidade, perguntar para os moradores…afinal, é impossível que ninguém tenha visto uma menina de dez anos perambulando sozinha de madrugada, não acha?

Gaitán
– Menina esperta essa Rebeca. Você viu nas câmeras. Fazer o que ela fez, fugir daquela casa como ela fugiu, não é pra qualquer um.

Carmen
– Pois é.

Gaitán

  – Mas você tá certa! Impossível que ninguém tenha visto.

Gaitán liga o carro, liga os faróis e dá a partida.

Nas ruas de Alcatraz

O Maverick de Gaitán anda por aquelas ruas desertas, frias e nebulosas de Alcatraz. Com muita dificuldade, Gaitán  e a detetive Carmen olham atentos através das janelas procurando por Rebeca, ou por algo que possa indicar onde ela está. Dobra uma esquina, dobra outra, e mais outra e mais outra…e nada. Nenhuma pista. Nenhuma alma viva na rua e os poucos que estão não reconhecem a foto que Carmen mostra e nem fazem ideia de quem se trata.

Gaitán estaciona. Desce do carro em meio à neblina, se escora no capô e acende um cigarro. Carmen também desce. Faz cara feia com o vento que faz e se esconde no seu casacão. Se escora no capô ao lado do amigo e companheiro. Gaitán dá uma tragada e estende a carteira de cigarro oferecendo para  a detetive.

Carmen
– Não…

Gaitán
– Bem que você faz. Isso aqui é uma forma mais rápida de dar adeus.

Carmen
– Credo Gaitán.

Gaitán dá mais uma tragada.

Gaitán
– E tô errado?

Gaitán observa as casas fechadas, o clima tenso e as ruas desertas de Alcatraz.

Gaitán
– À tempos não fazia um inverno tão rigoroso por aqui…tempos sombrios minha cara, tempos sombrios.

Carmen
– Eu já estava preocupada com este caso. Agora me dou por satisfeita se encontrarmos esta menina bem.

Gaitán
– É tudo o que mais quero também.

Ouve-se o ronco do motor de um carro se aproximando. Gaitán e Carmen olham para trás e vêem os faróis acesos cada vez mais próximos e o carro diminuindo a velocidade.

O carro, um Sedan azul escuro, estaciona atrás do Maverick de Gaitán, sob olhares atentos dele e da detetive. Faróis desligados, motor desligado e a porta do motorista se abre de onde desce o diretor Miranda, de calça social, terno e manta enrolada no pescoço.

Gaitán
– Diretor!

O diretor Miranda se aproxima dos dois.

Diretor Miranda
– Boa tarde amigos!

Gaitán
– Boa tarde.

Carmen
– Boa tarde diretor.

Miranda se escora no Maverick também.

Diretor Miranda
– Maldita neblina!

Gaitán
– O inverno de Alcatraz será cada vez mais rigoroso. Já dizia o velho Remi, lembra diretor?

Miranda sorri.

Diretor Miranda
– E ele estava certo…velho Remi. Que Deus cuide de sua alma.

Miranda se vira para os amigos.

Diretor Miranda
– Novidades no caso?

Gaitán finaliza seu cigarro. Joga o toco na beira da rua.

Gaitán
– Acho que já sabe da última, não é diretor?

Diretor Miranda
– Fiquei sabendo pelo seu Manoel…e a garota dos Azir?

Carmen
– Não fizemos a mínima ideia. Ninguém sabe. Ninguém viu. Estamos com os pés e as mãos atadas diretor.

Diretor Miranda
– Inferno de lugar!

Gaitán

– Vamos continuar procurando diretor. Essa menina há de aparecer…

Gaitán encara a rua deserta e nebulosa na sua frente. Miranda se vira e volta para seu carro esfregando as mãos. Carmen o observa. Ela tira do bolso do casacão uma foto recente da pequena Rebeca entregue pelos Azir. Na foto, toda sorridente, Rebeca segura um ursinho de pelúcia ganho em um dia no parque.

Carmen
– Onde está você menina…

O diretor Miranda dá partida no seu carro. Buzina ao passar por Gaitán e Carmen ainda escorados no capô do Maverick.

Floresta na região de Alcatraz

Armando e Demétrius se separaram sem querer em meio àquela neblina sem fim. Demétrius, com a arma engatilhada em mãos, cara de assustado e olhos atentos, caminha sem saber para onde está indo.

Não está fácil caminhar na floresta sem saber para qual lado ir. “Talvez se eu concentrar minha força nessa direção, possa achar um jeito de sair daqui ou encontrar o Armando”. Pensou ele. Como uma barata tonta que acaba de levar uma borrifada de veneno, Demétrius com uma mão tateia o ar para saber onde está. Joga seu corpo para o lado direito e tenta caminhar para frente, mas logo se depara com um tronco grande e seco atravessado no meio do caminho que o impede de continuar, então joga o corpo para trás, a fim de tentar tomar outro caminho, mas é impedido por algo que nem ao menos sabe o que é. Era o vento que sopra e sussurra com uma força infinita.

Demétrius
– Droga!

Junto ao uivo do vento Demétrius escuta passos pisando nas folhas caídas pelo chão. Se vira para todos os lados tentando descobrir quem é e de onde vem. Mas em vão. Escuta uma risada, que também não identifica de onde vem.

Demétrius
– Merda!

“O que tá acontecendo?” Pensa ele enquanto tateando com uma mão os troncos, galhos e folhas das árvores molhadas daquela floresta, procura desesperadamente por um caminho que o tire dali.

Na cabana – manhã

A pequena Rebeca está sentada diante de uma mesa velha de madeira comendo um prato de comida. Sentado em um banco de madeira em um canto, está João Acácio lhe observando.

João Acácio
– Tava com fome menina?

Rebeca, com a boca cheia, levanta a cabeça e assente que sim.

João Acácio observa aquela menina diante da sua mesa. Aqueles olhos, aquele olhar, aquela serenidade…algo dentro dele dizia que ela era uma criança especial para ele. E lá no fundo, o que ele estava sentindo, era algo que ele jamais pensara que sentiria novamente, exceto quando olhava a sua pequena filha brincando ou inocentemente dormindo. João, em um relance de lembranças, abaixa a cabeça e pega de dentro da sua roupa o seu medalhão. O abre e observa o retrato nele contido e depois olha novamente para aquela menina comendo da sua comida na sua mesa.

Uma lágrima brota no olho daquele homem mau e durão. Aquela menina à sua frente é a sua filha de anos atrás. É a mesma menininha sorridente de dois anos de idade que está naquele medalhão.

João Acácio
– Minha filha!

A voz sai rouca e quase indecifrável. Ele engole à seco quando Rebeca pára de comer e o encara. Por mais que a voz tenha saído indecifrável, ela entendeu o que ele quis dizer.

Rebeca
– Você é meu papai?

João Acácio não contém as lágrimas e cai em choro profundo.

João Acácio
– Minha filha…

Rebeca baixa a cabecinha.

João Acácio
– Me desculpa…eu vou entender se você quiser sumir por aquela porta…eu vou entender se…

João Acácio nem termina de falar e é surpreendido pela garota na sua frente lhe abraçando. Sem reação, ele se deixa ser abraçado e, após alguns segundos, também a abraça.

Na cabana – fim de tarde

João Acácio está afiando um facão de pé diante da mesa. Rebeca está segurando uma outra faça sentada e observando os movimentos do pai.

João Acácio
– A vida aqui não é nada fácil. E eu já te disse que vou entender se você quiser ir embora e ter a vida que você levava na cidade.

Rebeca
– Eu já disse que não quero. E pra aquela casa eu não volto mais!

Rebeca encara o pai enquanto segura com raiva e firmeza aquela faca.

Rebeca
– Eu quero viver aqui com o senhor!

João Acácio pára de afiar o facão e sorri. Afinal, ali na sua frente estava sua filha dizendo querer seguir os passos dele, embora estes passos não devessem serem seguidos por ninguém.

Na cabana – manhã do dia seguinte

João Acácio, sentado em frente à um fogareiro velho, faz o almoço para ele e sua filha Rebeca, que está brincando com uma faca na mesa mantendo a mão aberta e com a outra fincando a faca entre os dedos. Nota-se a destreza da menina com o instrumento no momento em que ela vai acelerando aqueles movimentos sem acertar os dedos com a faca.

João Acácio
– Eu ouvi passos de pessoas aqui perto ontem à noite. Você estava dormindo.

Rebeca
– E porque não me chamou?

João Acácio
– E fui atrás ver. Era um policial. E ele estava perdido. Tenho certeza que não deve ter ido longe.

Rebeca
– E ele viu nossa casa?

João Acácio olha admirado e surpreso para Rebeca. Admirado com sua coragem e audácia e surpreso com o quanto ela já está habituada e cada vez mais distante da antiga família.

João Acácio
– Muita cerração. Ele deve ter parado há quase um quilômetro e meio adiante. Não se aproximou.

Rebeca
– E se hoje ele se aproximar?

João Acácio
– Não vai…

Ele pára o que estava fazendo. Faz sinal para que a menina pare também e preste atenção.

João Acácio
– A polícia pode estar atrás de ti. Tenho certeza que seus pais…

Rebeca
– Eles não são meus pais!

João Acácio
– …ok. Tenho certeza que eles deram queixa de você e agora a polícia está atrás.

Rebeca
– E o que vamos fazer?

João Acácio
– Você pode se entregar e voltar.

Rebeca
– Já disse que não.

João Acácio
– Ou então pode me ajudar à capturar este desgraçado.

Rebeca olha assustada para João Acácio.

João Acácio
– Ficou com medo?

Rebeca
– Não tenho medo…

A pequena Rebeca crava a faca na mesa e João Acácio novamente se surpreende com a audácia da menina.

Rebeca
– …o que tenho que fazer?

Neste momento João Acácio vê que pode ter ganho uma forte aliada, alguém em quem ele possa confiar. Ele se levanta e senta ao lado da menina na mesa.

João Acácio
– Eu vou te explicar…

Floresta na região de Alcatraz

Desorientado, Demétrius continua vagando pela floresta sem rumo. Não encontrara seu companheiro Armando e até agora não encontrara o homem que estão à procura e muito menos o caminho para sair daquela mata fechada.

A neblina acalmou um pouco e o vento tornou-se mais forte. Demétrius também está com fome, com sono, todo arranhado, molhado e sujo. Ele chega no caminho de terra que leva até a cabana. Vê os rastros de pés pequenos e resolve segui-los.

Cambaleando ele se agarra ao tronco de uma árvore de frente para a cabana, quando a pequena Rebeca sai de dentro da mesma toda sorridente. Ela caminha na direção de Demétrius.

Rebeca

– Oi policial.

Com dificuldade, Demétrius estende o braço e acaricia os cabelos de Rebeca.

Demétrius
– Olá pequena. Que faz aqui sozinha?

Rebeca pega na mão do policial.

Rebeca
– Vem comigo…

Com seu pequeno dedinho indicador, ela aponta na direção da cabana..

Rebeca
– …papai tá lá dentro. Ele vai te ajudar.

Demétrius parece não ter escolha à não ser aceitar a ajuda de Rebeca. Ela o puxa pela mão para a cabana. Para João Acácio. Para o plano maligno de pai e filha.

Na cabana

Tudo está escuro, exceto pela fraca luz amarelada de um lampião pendurado no teto. Rebeca, pelo lado de fora, empurra a porta que abre rangendo.

Rebeca
– Papai! Papai!

Demétrius fica assustado ao ver o lugar praticamente entregue à escuridão. Ele hesita em entrar. Rebeca entra na sua frente.

Rebeca

– Pode entrar. Papai deve tá lá atrás cortando lenha.

João Acácio está parado do lado da porta segurando seu facão afiado. Ele sorri para Rebeca quando a menina entra.

Rebeca pára no meio da cabana e se vira para Demétrius que está parado na porta.

Rebeca
– Entra policial…

Demétrius dá um passo, dois passos, três passos e…

Rebeca
– Tchau policial!

Escuta-se o tilintar do facão no ar e o grito de dor do policial Demétrius, que cai no chão imundo da cabana. João Acácio se aproxima daquele corpo estendido e desfere vários golpes de facão na parte posterior, sob olhares curiosos e sanguinários da pequena Rebeca…

Residência da família Azir

Uma mão de unhas compridas e vermelhas pousa e aperta a campainha ao lado da porta. Alguns segundos se passam e se vê, pela janelinha, a sombra de uma mulher de véu se aproximando. A porta se abre e Adilah, com aquela cara de esperança, surge.

Adilah
– Detetive.

Carmen
– Senhora Adilah.

Gaitán está mais atrás de Carmen. Ele apenas a cumprimenta de cabeça e Adilah muda sua expressão ao ver os dois.

Adilah
– Notícias da nossa pequena?

Carmen baixa a cabeça. Gaitán se aproxima mais da porta.

Gaitán
– Podemos entrar?

Adilah fica tonta, se agarra na porta e também é segura por Gaitán para não cair no chão. Passos pesados são escutados se aproximando e logo Olavo aparece.

Olavo
– Adilah!

Ele a apóia pelas costas. Adilah o encara.

Adilah
– Nossa pequena…

Olavo olha para Gaitán e Carmen.

Carmen

– Ainda não a encontramos…lamento. mas vamos continuar com as buscas.

Adilah se desespera. Senta-se no chão chorando. Olavo se ajoelha e a consola. Gaitán e Carmen ficam sem reações parados na porta.

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