O jipe de Capeto cortava a estrada a 110 Km/h. O sol causticante brilhava soberano sobre a vegetação rasteira. Uma cigarra gaiteira cantava despreocupada na beira da estrada. A manhã estava sublime.

O homem dirigia concentrado. Sua mão de dedos roliços e calejados apertava o volante com força. Revezava entre segurar o volante e tirar o cigarro da boca para jogar o excesso das cinzas. Baforando e pensando em vingança, ele apertava cada vez mais o pedal do acelerador. O tablete estava acoplado em um equipamento grudado no para-brisa. Ele estava de olho no carro de Jade.

Passou por uma cidadezinha pacata, daquelas que tem uma estátua de uma santa bem na entrada. Um arco de metal dava boas-vindas à cidadezinha de nome esquisito. Capeto não prestou atenção. Ele só queria comprar algumas coisas e esperava que naquele fim de mundo tivesse o que ele queria.

Parou ao lado do meio fio de uma pracinha que ficava no centro da cidade. Perguntou para um homem que vendia redes, se ali havia alguma loja de construção que vendesse ferramentas. O homem apontou para a esquerda, depois para direita, disse que ele fosse reto e ao lado do Banco do Brasil iria encontrar a Casa da Construção Dois Irmãos. Esse era o nome mais comum pra oficinas, casa de ferramentas e mecânicos. Capeto agradeceu e dirigiu até o local.

Parou diante da loja que estava vazia. Caminhou até o balcão e chamou por alguém. Levou mais de um minuto para um senhorzinho baixo de cabeça lisa e barriga grande aparecer por detrás do balcão. Ele parecia sonolento e os olhinhos quase fechados tentava identificar quem era o cliente.

– Posso ajudar? – perguntou o senhorzinho com uma vozinha arrastada quase na beira da morte.

– Quero comprar algumas coisas – Capeto falou grave, com uma firme convicção. – Quero tudo isso – finalizou, jogando uma lista em cima do balcão, diante do homenzinho.

Os dois caminhavam pela loja indo de uma prateleira a outra. Segurando uma ferramenta e outros materiais. No fim, Capeto pagou em dinheiro vivo, e o senhorzinho lhe ajudou a levar as ferramentas ao porta-malas.

Capeto começou a organizar as coisas no porta-malas. Primeiro jogou uma marreta com ponta agulhada. Depois foi a vez da serra de mão, extremamente afiada. Uma máquina de lima, com discos de serra. Um facão grande. Uma máquina de moer carne e um alicate de corte.

O homenzinho olhou para tudo aquilo, depois se virou para Capeto e comentou: – O senhor vai fazer algo grande com tudo isso!

Capeto somente balançou a cabeça com um olhar de desdém.

– Vou causar dor. É só isso que eu sei – finalizou.

O senhorzinho ficou paralisado observando Capeto dar a volta e entrar no carro. Deu partida e dirigiu, deixando a cidadela para trás.

– Povo doido! – reclamou o homem.

EPISÓDIO: A MELHOR NOITE DAS NOSSAS VIDAS

A clínica de Victória ficava localizada em uma área nobre de Recife. Um bairro cercado por altos edifícios, condomínios de luxo e boutiques para as madames.

O lugar era uma casa ampla, com várias salas e uma recepção luxuosa. Cercada por palmeiras e uma fonte no meio do pátio, o ambiente era de segurança e leveza.

Uma mão gorda segurou e girou a maçaneta de uma porta de madeira. Os pés calçando sapatos de couro com bico fino, entraram em uma sala com piso de porcelanato marrom, que trazia uma sensação de aconchego. As paredes eram de um azul claro também reconfortante, e elas estavam repletas de mandala dos sonhos. Um incenso soltava um fio de fumaça, deixando o lugar com um cheiro agradável de laranja. Uma luz clara emanava de um abajur no canto da sala, porém, a maior iluminação vinha de uma grande porta de vidro que havia no outro lado da sala. O mar era a paisagem que emoldurava aquele ambiente.

– Sente-se – convidou Victoria, apontando um sofá branco coberto com uma toalha de renda azul.

O homem era Babemco, que logo se acomodou no sofá e mostrou satisfação com o ambiente.

Victoria sentou do outro lado da sala em uma cadeira confortável.

– Como você está? – ela perguntou com um sorriso.

Naquela manhã, ela havia acordado com bom humor, e decidiu vestir um macacão rosa. Ela adorava essas cores vibrantes. Lhe deixava ainda mais alegre.

– Estou em luto – ele disse, tentando disfarçar um sorriso que brotava involuntário.

Apesar de sua estatura e condição física, Babemco mantinha uma certa classe usando um smoking de cor cinza prateado. Naquela situação, ele estava extremamente estático, como se estivesse tenso o tempo todo.

– Não costumo pegar novos clientes nessas circunstâncias, mas quando me disseram que o seu caso era de extrema urgência e relevância, eu imaginava que o senhor estivesse mais abalado psicologicamente.

– Meu mundo interno é extremamente volátil. Minha feição não declara exatamente o que se passa aqui dentro – apontando para a cabeça. – Sou um pouco difícil no sentido de demonstrar sentimentos. Mas, não é por que estou sem derramar lágrimas que não estou triste. Minhas lágrimas são mudas e invisíveis – filosofou Babemco.

Victória fez algumas anotações. Espremeu os lábios olhando para a gravata preta do homem. Não sabia o que ele estava apresentando. Mas podia concluir que não era nada autêntico.

– Costumo fazer uma pesquisa com meus pacientes, pra ter um leve diagnóstico e saber de que forma e como abordar cada questão psicológica. Como esse banco de dados foi bem precário, eu vou me ater, à questão do luto. Que foi o principal tema que lhe angustiou e lhe motivou a buscar terapia. Podemos seguir dessa maneira, ou você prefere falar sobre outra coisa?

– Não! Podemos falar sobre o luto.

– Tudo bem. Você sente a perda como uma dor física? Sente falta de ar, palpitações, crises de pânico ou ansiedade? Está conseguindo dormir sem medicamentos?

– Eu sinto a perda como uma dor psicológica. Sinto que me perdi no meio do caminho. Como se meu único filho estivesse perdido o pai, enquanto estava vivo.

– Se mudarmos de perspectiva, o seu filho não perdeu nada. Você que teve perdas. Ele já não está mais entre nós e isso é um fato. Você consegue perceber que está voltando para um passado em que seu filho sofria alguma coisa. Percebe que seu pensamento está te levando para um momento em que seu filho está sofrendo sua ausência, por exemplo. É disso que você está falando? É sobre você não ter sido o pai ideal?

– Eu quero que ele sinta que estou arrependido e disposto a aceita-lo como filho. Quero que ele saiba que não o achava um completo idiota, como sempre declarei. Ele precisa saber disso.

– Ele, ou você que precisa disso?

– Ele. Eu não preciso de nada. Ele se foi sem saber muitas coisas – declarou, olhando para o piso.

– Você acha que a memória do seu filho deve ser honrada com o seu pedido de arrependimento?

– Acho que ele precisa saber que não pouparei esforços pra vingar quem fez isso com ele.

– Isso não vai mudar o fato de que ele está morto e não saberá que você o vingou. Talvez essa atitude fosse lhe ajudar. Mas, no fundo ela vai abrir ainda mais a ferida de frustrações e situações não resolvidas. O ódio não pode apagar a dor. Somente o olhar para si, o compreender a si, pode lhe trazer o alívio. Somente a consciência da perda e do que foi vivido, poderá curar o que não foi dito, o que não foi vivido. No fundo, viver a realidade, sabendo que é impossível mudar o que passou, vai trazer a cura. Somente a realidade.

Quando Victória fechou a boca, uma bomba explodiu a porta de acesso à sala. Ela caiu com o susto. Babemco permaneceu estático olhando para ela.

Três homens usando bataclava e portando fuzis, entraram no ambiente e soltando gritos de fúrias se dirigiam para a mulher, ordenando que ela levantasse.

Mesmo trêmula Victória levantou-se e ergueu as mãos em rendição. Outro homem apontou o fuzil para Babemco, mais por encenação.

Um dos encapuzados mostrou uma foto de Jade para a psicóloga. Ele gritava perguntando se ela conhecia aquela mulher. Victória respondeu aos prantos que sim. Que ela era sua paciente.

– Agora diz o que essa vagabunda vem conversar contigo?! Fala logo! – gritou o homem, encostando a ponta do fuzil no queixo da mulher.

– Eu não posso falar sobre meus pacientes – avisou.

– Não tem escolha. Fala logo sua vadia!

Babemco continuava sentado olhando a cena sem emitir nenhuma palavra.

– Essa mulher vai morrer. E se você não falar nada, você vai morrer antes dela – declarou o encapuzado.

– Eu juro que guardarei segredo, caso você decida falar sobre ela. Pode confiar que de mim ninguém nunca saberá nada – disse Babemco, com uma calma irritante.

– Tudo bem – disse Victoria, sentando-se e pegando uma pasta em um armário ao lado. Ela abriu a pasta e entregou para o homem.

– Quero saber de você. Qual o problema dessa mulher? – perguntou o bandido.

– Ela sofre com uma imagem distorcida de si. Como se duas mulheres habitassem o mesmo corpo. Uma mulher mais frágil, que prefere o apoio familiar, o amor de um marido e de um filho. E uma outra mulher que é guerreira. Que quer se auto afirmar, ser independente, mas que parece ser extremamente egoísta e até violenta. Ela flerta com esses dois aspectos. Sempre. – finaliza Victória.

– E o marido? Qual o problema envolvendo ele?

– Ele quer a mulher vulnerável. Se sente mais homem quando pode protege-la, mimá-la e tomar todas as decisões. Há um conflito entre o que ela quer como mulher guerreira e como o marido lida com essa personalidade dela.

Interessante, pensou Babemco.

Um dos homens deu uma coronhada em Victória, deixando-a desacordada. Em seguida, saíram deixando Babemco olhando o estrago. Levaram a pasta de Jade com eles.

**

Enquanto isso em seu apartamento, Bruno conversava com alguém pelo celular. Ele fazia várias anotações e rabiscos.

– Você conhece o delegado Valter Justa? – Bruno questionava para alguém do outro lado da linha. Desligou e discou um novo número. Aguardou que atendessem. Cumprimentou o advogado do outro lado e perguntou se ele conhecia o delegado Valter. A pergunta era a mesma, as pessoas eram várias. Ele ligou para todos os seus contatos, tentando descobrir algo sobre o delegado. Até que um assessor de juiz deu uma pista.

– Eu sei que ele esconde algumas coisas. É um sujeito desagradável – afirmou uma voz masculina para Bruno.

– Disseram que você me ajudaria a encontrar algo contra ele. Algum podre, algo que mexesse com a reputação desse cara.

– Não vai mexer com a reputação, mas pode colocar o cargo dele em risco.

– O que seria? – perguntou Bruno, mordendo a ponta da caneta.

– A primeira coisa que você vai me garantir é de que não sabe qual a fonte. Eu não quero me meter em encrenca.

– Pode ficar tranquilo. No fundo eu nem te conheço mesmo.

– O delegado andou mexendo com o sistema de rastreamento da polícia. Isso sem prévia autorização e sem nenhum inquérito ou permissão judicial. Ele usou o sistema pra fins particulares, extrapolando dessa forma as atribuições que possui.

– Como isso pode afetar o cargo dele? – perguntou Bruno.

– Delegado Geral da Policia Civil deve saber desse ocorrido, e se ele não abrir nenhuma medida administrativa pra investigar o delegado, significa que os dois estão de treta. Se eu fosse você, começaria investigando isso ai. Pressionando o Delegado Geral pra saber o que o Valter anda mexendo com sistema de rastreamento sem permissão. Você compreendeu?

– Mais ou menos. Quem pode me ajudar a pressionar o Delegado Geral? – perguntou Bruno, andando de um lado para o outro no interior da sua sala.

– Tem um repórter policial que pode te ajudar.

– Passa o contato.

– Isso vai custar!

– Quanto?

**

Bruno fechou a porta de entrada da casa de Jade e Lucas. Ele precisava pegar alguns documentos e verificar a lista de detentas que assinaram a petição, no intuito de abrir auditoria no presidio.

Ele se assustou, quando uma mulher negra se aproximou por detrás. Ela tinha um olhar de horror como se clamasse por ajuda e orientação.

– Posso lhe ajudar? – Bruno perguntou.

– A Jade. Preciso falar com ela – falou a mulher.

– Eles estão viajando. A senhora é amiga?

– Eu sou Victória. Psicóloga da Jade. Eu preciso falar com ela. Preciso avisá-la de algo muito sério. Ela está bem?

– Prazer, eu sou Bruno. E eles estão bem sim.

– Você é o advogado.

– A senhora me conhece?

– A Jade já falou de você algumas vezes. Ai me desculpa, eu não tô bem.

– Vem, vamos tomar uma água – Bruno disse, enquanto abria a porta da casa novamente.

Ele pediu que Victória se sentasse enquanto enchia um copo com água. Após entregar o copo à mulher, sentou-se ao seu lado e notou como ela parecia elegante, ainda que estivesse desgrenhada. Parecia que uma bomba havia caído sobre ela.

– O que aconteceu com a senhora?

– Eu nem sei como explicar. Foi tudo tão surreal. Eu estava no meu escritório atendendo um paciente, quando de repente uma bomba explodiu a porta da sala e três homens mascarados entraram apontando armas para mim e para o cliente.

– Você se machucou?

– Eu tô bem, graças a Deus.

– O que eles queriam? Era um assalto, algo do tipo?

– Eles queriam saber sobre a Jade. Mostraram uma foto dela e pediram que eu contasse o que ela conversava comigo.

– Você contou.

– Infelizmente contei. Eles apontaram a arma enorme e me ameaçaram de morte. Disseram que a Jade iria morrer também. Por isso que vim correndo procura-la – despejou Victória, tomando um gole da água.

– Você conseguiu identificar quem eram esses homens?

– Infelizmente não. Nem sei se o Babemco conseguiu ver algo.

– O paciente que estava no momento desse ataque, era o Babemco? – Bruno perguntou, inclinando o corpo em direção à Victória.

– Ele mesmo. Algo errado? – ela perguntou, percebendo o interesse no paciente.

– Suspeito que Babemco seja o autor de tudo isso.

– Mas, por quê?

– Antes da Jade ser atacada na cadeia, ela estava tentando abrir uma auditoria no presidio em que Babemco é diretor. Noite passada, um homem invadiu essa casa, e ele estava atrás de algo ou de alguém, nós achamos que ele queria a Jade. E agora, o Babemco estava lá, no seu escritório, quando homens encapuzados entraram perguntando pela Jade. É só ligar os pontos e tudo converge para ele.

– Eu não acredito nisso – afirmou, pondo o copo em cima da mesa de centro.

– Você consegue nos colocar na mansão do Babemco?

– Mas com qual finalidade. Se ele está por trás de tudo isso, nós temos que denunciá-lo à polícia.

– O Babemco? Ele comprou mais da metade da polícia dessa cidade. Sem falar de promotores, juízes e delegados. Esse não é o caminho pra derrubar o Babemco. Temos que descobrir mais sobre ele. Assim como ele quer saber sobre a Jade, nós precisamos descobrir mais sobre ele. Eu só queria entrar na mansão em que ele mora. Talvez se você falar que deseja conversar sobre o que aconteceu. Algo bem informal. Que tal?

– Bruno, eu não tenho motivos pra fazer isso. Eu tenho que ir.

– Esse é o meu contato. Se precisar de algo, é só me ligar – ele disse, entregando seu cartão para ela.

**

Lucas, Jade e o bebê Cícero passaram o dia na estrada. No meio da tarde, o pneu do carro furou, e Lucas teve que esperar um mecânico de beira-de-estrada, pois ele não havia levado estepe.

Quando trocaram o pneu do carro, o dia havia findado. Resolveram passar a noite em uma cidadezinha vizinha chamada Areia Branca. Um lugar de quatro vielas e uma avenida central.

Buscaram uma pousada barata, a única da cidade, e se acomodaram por lá.

Jade demorou a pegar no sono por conta do barulho dos carros passando na estrada. Ela tinha uma audição muito sensível, e pra dormir de fato, precisava de silêncio absoluto. Mas, a correria e adrenalina do dia foram tão grandes, que ela não suportou e capotou ao lado do marido.

Pela manhã, Lucas acordou, beijou a face rosada de Cícero e logo caminhou até o banheiro, tomando uma ducha gelada. Ele precisava esfriar a cabeça, manter a mante calma e planejar o dia que estava por vir. Sentia-se péssimo por colocar sua família naquela situação, mas não teve escolha, precisava mantê-los seguros e ainda que fosse difícil, ele se esforçaria ao máximo pra cuidar deles.

Eles tomaram café no quarto mesmo. Jade estava faminta e comeu dois mamões maduros, dois cachos de uvas, além disso, comeu mais três bananas. O bebê Cícero também parecia faminto, e mamou durante quase meia-hora.

Lucas olhou para sua esposa ali, sentada na beira da cama, amamentando seu filho. E um sentimento nobre surgiu diante dele. Não queria perder mais tempo sem a sua família. Queria aproveitar cada segundo ao lado da mulher e filho. Não perderia mais tempo com discussões bobas.

– Olha Jade, eu quero te pedir perdão. – disse com um tom de voz solene, como se fizesse um grande discurso – Eu fui, como posso dizer…intolerante com as suas decisões. Realmente estava com medo, sabe. Medo de te perder. Medo de perder o que nós construímos. Mas, quero te dizer que eu vou te apoiar na política. Estarei ao seu lado para o que der e vier. Se for preciso enfrentar gente poderosa que quer te derrubar, eu vou enfrentar. Só me promete uma coisa: nunca mais fala em desistir da gente. Não fala mais em deixar o nosso casamento. Nós temos que lutar por isso, sabe. Temos que investir os nossos recursos nessa instituição. Eu casei pra ficar com você até o fim, e não vai ser essa dificuldade que ira nos separar.

Jade, com lágrimas nos olhos, pôs Cícero na cadeirinha e correu para os braços do marido, lhe dando um beijo apaixonado.

– Se eu soubesse que ganharia esse beijo, já teria dito isso há muito tempo – brincou Lucas.

Os dois se despiram rapidamente, e com paixão, se amaram ali mesmo, no chão da quarto. Ela montou em cima dele, enquanto dava pequenos gemidos de prazer. Lucas, por sua vez, sugava os seios de Jade e abraçava-a por completo, como se não pudesse deixa-la escapar. O amor prevalecera.

**

Enquanto os dois pombinhos se amavam e viviam uma plenitude de sentimentos; Capeto dirigia pela BR 232, focado no tablet que estava preso no painel, e xingando o delegado Valter.

– Droga de GPS!

O motivo da ira: o tablet não mostrava a localização do veículo que ele perseguia. Sem isso, ele havia perdido o destino do carro.

– Você precisa consertar essa merda – Capeto esbravejava, falando com o homem pelo celular. – Eu preciso da localização deles, resolve isso logo! – gritava eufórico.

Mas o tempo passou, e aparentemente ele havia perdido o rastro de Jade e Lucas. Frustração e ira lhe consumiam. Isso era uma merda!

**

O casal aproveitou para passear. Desviaram a rota e foram parar numa cidadezinha histórica. Um lugar charmoso de vielas com chão de pedras, e casas históricas. 

À tarde, depois do almoço, voltaram à estrada. Estavam tão felizes curtindo as férias improvisadas. O céu estava nublado. As nuvens dançavam celebrando aquele dia. Tudo estava tão sereno e equilibrado, que Jade desejou que aquele momento ficasse para sempre.

Eles decidiram seguir viagem até à fazenda de Licurgo. Queriam saber como ele estava e como eles poderiam ajuda-lo. 

Jade dirigia com os olhos fixos na estrada. Ao seu lado, Lucas pintava as unhas com base, e esticando a mão olhava os recantos dos dedos para não deixar nenhuma parte sem proteção. O bebe do casal dormia tranquilamente no banco de trás, preso em sua cadeirinha. 

– Preciso que você seja sincero comigo – disse Jade, contorcendo os lábios em um nó estranho.

Lucas observou a careta da esposa e percebeu que se tratava de assunto importante.

– Não gosto quando você faz esse nó com os lábios. Esse bico é um aviso de que algo tá te incomodando e você tá prendendo o assunto. Conta, o que você quer falar? Desabafa! Bota pra fora! – diz Lucas.

Jade contorceu ainda mais os lábios e semicerrou seus olhos azuis.

– Eu vou falar, mas você tem que ser sincero. Tá me ouvindo?

– Tá, tá! Eu juro que serei sincero. Mas, fala logo que eu tô ficando nervoso – pede Lucas.

– Tem que fazer o suspense né!

– Você exagera no suspense. Se enrolar muito vai perder a graça. Conta logo – pede Lucas, se inclinando ainda mais em direção à esposa.

– Ok! Você não precisa mentir nem ficar com vergonha. O que você disser eu vou entender. Ou não… – avisou Jade.

– Tá ficando estranho.

Ela apertou o volante e soltou de uma vez.

– Você usa minhas calcinhas?

– O quê? – Lucas pergunta, dando um pulo no banco.

– Silêncio! Cê vai acordar o Cícero – Jade pede, encostando o dedo aos lábios.

– De onde você tirou isso?

Jade bufa revirando os olhos – Não devia ter falado. Já me arrependi.

– Sério?! De onde cê tirou essa história? Pelo amor das santas cuecas – brinca Lucas.

– Eu vi uma renda por cima da sua calça, no dia que estávamos arrumando as malas naquela viagem que fizemos pra Bahia.

– Eu não usei suas calcinhas. São muito apertadas pra mim!

– Como você sabe que são muito apertadas? – pergunta Jade.

– Você viu demais! É melhor mudar de assunto. Tá parecendo coisa de novela. Olha, eu não sou disso não viu. Muito cuidado!

Jade abre um sorriso que coincide com o brilho do sol. Eles param no acostamento, sobem no capô do carro, e assistem o glorioso sol deitando-se entre as serras. 

De volta à estrada, Lucas parece preocupado.

– Acho que vou ficar estranho. Não conheço o Licurgo – disse Lucas.

– Você não já conversou com ele?

– Umas três vezes no máximo. Mas, não sei quem ele realmente é! 

– O Licurgo é gente fina, pode ficar tranquilo – ela responde. 

– Você vai fazer o vídeo contando as histórias de vocês né?

– Seria legal contar o que a gente viveu né?!

– Sabe qual minha maior preocupação? É de que ao voltar no passado, feridas sejam abertas, e isso seja um incômodo tanto pra ele como pra você.

– Como já te disse meu amor, essa história conviveu comigo intimamente durante os nove anos que estive presa. Todo esse trauma que vivemos, para mim hoje é cicatriz. E eu imagino que pra ele também. Não esquenta com isso. Não tem mais fantasmas pra nos perturbar, agora queremos fazer dessa história um lembrete. Algo que inspire outros a vencer seus monstros internos – disse Jade, confiante como um soldado em guarda.

– Tá bom! Já que é assim não está mais aqui quem falou! Povo forte e decidido!

– Só tem uma coisa que pode incomodar o Licurgo, e deixar as coisas estranhas!

– Eu sabia que tinha treta – Lucas disse apertando as bochechas – O quê? Conta!

– Você tem que esconder suas calcinhas! Se ele vir isso não vai pegar nada bem – brinca Jade.

– Que sem graça! Minhas calcinhas! Hahaha! É melhor parar com essas brincadeiras sem graça! Tô avisando. É melhor parar! – pede Lucas, fazendo bico de irritação.

E assim, a família seguiu viagem até à fazenda de Licurgo. Um lugar que antes foi cenário de cenas brutais, hoje é um símbolo de esperança e prosperidade. Assim é o Recanto da Esperança, o novo nome da fazenda.

Porém, antes de pegarem a estrada de terra que dava na fazenda, eles pararam na cidadezinha mais próxima, a pacata Monte Verde.

Encontraram uma pousada delicada, com ar de casa de mãe, e planejaram passar a noite ali. Sairiam pela manhã cedo.

– Preciso comprar umas roupas para mim. E você e o Cícero também. A gente passa uns três dias no Licurgo e voltamos pra Recife na segunda – ela planejou.

Após tomarem um banho decente, e arrumarem o pequeno Cícero, o casal desceu as ladeiras íngremes da cidadela.

Monte Verde era uma cidadezinha colonial com chão de pedras brilhosas e casas também coloniais. Conhecida pelo festival de vinho recebia centenas de turistas nessa época do ano. 

Naquela noite vibrante, estrelas amarelas perfuravam o céu azul profundo. Um clima de romance e boêmia invadia os poros de todos por ali. Artistas pintavam seus quadros e exibiam pelas calçadas. Músicos cantavam serenatas nas praças. As lojas e os bares estavam todos abertos. A noite seria longa.

Jade entrou numa lojinha de roupas femininas e se encantou com um vestido florido que estava na vitrine. Lucas sentou junto com Cícero, e bateram um papo cabeça sobre as mulheres. Lucas reclamava que Jade adorava provar roupas, e Cícero apenas dava pequenos gritinhos agudos, certamente concordando com o pai, e querendo mamar.

Ela realmente havia ficado linda naquele vestido. Sua pele branca e os cabelos loiros combinavam com o rosa florido do vestido. 

Depois foi a vez de Lucas. Ele provou umas duas camisetas, uma calça jeans e mais dois calções. Em menos de dez minutos havia escolhido a roupa. Jade ficara frustrada com a praticidade do marido.

– Mas já? – ela se questionava. – Qual seu problema?

– Eu que pergunto, qual seu problema? Não tem muito o que fazer! Provou! Provei! Ficou bom? Ficou! Pronto! Não tem que ficar provando a loja inteira! – brincou Lucas.

– Afff

Eles sentaram numa cantina italiana e comeram muita massa e vinho. Cícero deu mais alguns gritinhos e soltou um pum bem alto, na frente do garçom. Jade morreu de vergonha, enquanto Lucas vibrou de orgulho do filho.

– Que bebê peidão – brincava Jade.

– Peide meu filho! Isso é saúde! – falou Lucas com o bebê.

Depois de comerem petit gâteau de sobremesa, Jade cruzou seus dedos com os dedos do esposo, e olhou apaixonada para ele.

– Desculpa por tudo que eu falei ontem – ela pediu, com sinceridade. – Eu não devia ter comprometido a nossa família por conta dos meus projetos. Vocês dois são os amores da minha vida, e eu não quero perder esse tesouro que estamos construindo.

– Eu vou te apoiar. Só quero que tenhamos mais cuidado a partir de agora. Vocês dois são tudo pra mim – Lucas disse, beijando a mão da esposa.

Os dois pagaram a conta e foram até a pracinha do coreto, onde um músico tocava músicas apaixonadas.

Depois de fazerem amizade com um casal de idosos que estavam sentados por ali. Jade e Lucas se deram ao luxo de deixarem o pequeno Cícero com o casal, para dançarem uma balada romântica.

Lucas segurou sua esposa pela cintura, e num movimento apaixonado encostou seu corpo ao dela. Ele podia sentir o perfume que ela exalava. Podia sentir a pele macia e contemplar o belo sorriso de Jade. Era como se ele houvesse se apaixonado novamente. Como se estivesse conhecendo-a pela primeira vez. Foi tudo muito mágico.

Depois da dança, eles pegaram Cícero de volta e caminharam para a pousada. A noite bela parecia contemplar admirada aquela família linda. O céu azul aplaudia os dois por aquele dia. Até o vento parecia soprar a favor deles. O mundo era mágico.

Subiram a escada e entraram no quarto. Jade foi até a varanda e abriu a porta de vidro que dava para a sacada. Lá de cima, ela contemplou a cidade iluminada. Lucas deixou Cícero em cima da cama e foi ao banheiro, ele estava muito apertado.

– Essa noite vai ficar guardada para sempre – disse Jade, lá da sacada.

– Sem dúvida! – Lucas respondeu lá do banheiro.

Jade respirou profundamente, e voltou para o quarto. Lentamente fechou a porta da varanda e quando girou para a direção da cama, assustou-se quando não viu Cícero lá.

Próximo da porta de saída, emergindo das sombras, um homem saiu da escuridão. Ele embalava o pequeno Cícero, ninando a criança.

O coração de Jade congelou no mesmo instante. Suas mãos tremeram e as pernas perderam as forças. Ela não conseguia emitir sequer uma palavra.

Do interior do banheiro, Lucas percebeu o silêncio e disse:

– Tá tudo certo aí, amor? – disse com um tom de voz mais elevado.

O homem somente encostou o indicador nos lábios, pedindo silêncio.

Quando Lucas saiu do banheiro e viu sua esposa congelada olhando para a porta, ele imediatamente percebeu o perigo. Ao perceber o homem segurando seu filho, ele também foi tomado por uma onda congelante que apertou seu peito.

– Quietinhos ai – disse o homem, com uma voz grave. – Enfim, encontrei vocês – ele afirmou, saindo das sombras.

Quem segurava a criança era Capeto que apontava uma arma para Jade e Lucas.

– Precisamos ter uma séria conversa – disse Capeto, com a morte na voz.

INCOGNOSCÍVEL

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  • Pqp, que final top este. Me deixou apreensivo. E esta história das “calcinhas”? Hahaha. Episódio muito interessante, adorei a Victória. O pouco diálogo dela com Babemco foi sensacional! Parabéns meu amigo. Só pelo próximo!

  • Pqp, que final top este. Me deixou apreensivo. E esta história das “calcinhas”? Hahaha. Episódio muito interessante, adorei a Victória. O pouco diálogo dela com Babemco foi sensacional! Parabéns meu amigo. Só pelo próximo!

  • SOCORRO! Esse episódio foi um mix de emoções. Chocado mais uma vez com a impertinência do Babemco, cara, coitada da Victoria, ela não tinha nada a ver com isso. Ainda bem que o Bruno ajudou ela.

    Eu tava achando muito estranho já toda essa felicidade do Lucas e da Jade, agora eu fiquei bem intrigado com esse lance das “calcinhas”, não confunda minha mente, Hugo.

    E o demônio do Capeto tinha que aparecer bem no final pra estragar tudo, infâmia. Vai me pagar!

  • SOCORRO! Esse episódio foi um mix de emoções. Chocado mais uma vez com a impertinência do Babemco, cara, coitada da Victoria, ela não tinha nada a ver com isso. Ainda bem que o Bruno ajudou ela.

    Eu tava achando muito estranho já toda essa felicidade do Lucas e da Jade, agora eu fiquei bem intrigado com esse lance das “calcinhas”, não confunda minha mente, Hugo.

    E o demônio do Capeto tinha que aparecer bem no final pra estragar tudo, infâmia. Vai me pagar!

  • Pesquisa de satisfação: Nos ajude a entender como estamos nos saindo por aqui.

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