JADE

Pelo chacoalhado dentro do porta-malas, Jade sabia que estava em uma estrada de terra. Sua garganta também estava seca de tanto engolir poeira. Ela havia gritado bastante na intenção de chamar a atenção de alguém, o que aparentemente não funcionara.

Depois de longos minutos, ou até mesmo algumas horas, ela já não sabia mais; sentiu o carro brecar e ouviu quando o homem esquisito abriu a porta do motorista e a fechou em seguida. Ela ouviu o tilintar das chaves e quando ele abriu o porta-malas.

Jade se surpreendeu por ainda ser dia. Na escuridão do porta-malas, ela acreditava que já era noite.

O homem tinha uma cara oleosa de pastel barato. Ele agarrou Jade pelos braços lhe tirando do compartimento.

– Você precisa ver isso – ele disse, arrastando-a para a frente do veículo onde havia um desfiladeiro.

Jade havia acertado. A estrada de terra acabava em um desfiladeiro cujo horizonte era permeado por serras verdejantes. Ao longe, um sol dourado alaranjado se deitava entre os montes brincando de fazer arte no céu.

– Eu sou o Pimentel. Desculpa não ter me apresentado antes – disse o homem de cara oleosa, estendendo a mão em direção à Jade. Ela apertou a mão dele, desconfiada com o jeito um pouco irreverente dele.

– E aquele é o Batman – disse Pimentel, apresentando um anão marrento que descia do banco do carona e ficara do lado dele.

Jade observou de relance aqueles dois e quase sentiu vontade de sorrir. O tal de Pimentel era um tipo totalmente desajustado. Tinha um braço maior que o outro, uma cabeça quadrada que não parecia segurar-se no pescoço e andava de um jeito esquisito como se segurasse para não fazer coco nas calças. Já o anão era como todos os anões, Jade achava que eles eram todos iguais; cabeça chata, lábios carnudos abaixo de um nariz esmagado, e olhos raivosos com sobrancelhas negras.

– Tá vendo essa pintura? – perguntou Pimentel para Jade, apontando para o horizonte. – Eu seria muito egoísta se não mostrasse essa paisagem maravilhosa pra ti. Não gosto de guardar as coisas lindas da natureza só pra mim. Espero que você goste também. Você tá gostando?

Sem muita opção, Jade balançou a cabeça concordando.

– Olha, eu até peço desculpa por tudo que te fiz passar, é que você sabe, quando a gente tem um trabalho a ser feito, a gente tem que fazer não é mesmo?! Eu sou assim, se me derem uma missão, eu cumpro sem medo nenhum. Eu só tenho um princípio que não posso quebrar de jeito nenhum. Esse princípio eu não posso quebrar de forma alguma, isso é coisa de pai e mãe, sabe? E com pai e mãe a gente não pode desobedecer, então, eu não posso matar nenhum ser humano. Esse mandamento ai, não dá pra desobedecer. Mas acontece que meu trabalho mexe com essas coisas, então eu encontrei o Batman. – Dando uma batidinha nas costas do anão. – Esse é o maior matador que tem no país. Ele é incrível. Eu recebo a missão, coordeno tudo, e o Batman executa o inimigo. E assim a gente trabalha você entendeu? Então Jade, espero que você coopere conosco. Você é muito importante pra missão, ok? Vai doer no começo, mas você vai entender no final, ta bom?

Ela só concordou com a cabeça, sem saber do que o homem falava.

– Você vai no banco de trás, e vamos por uma venda em você, tá bom? – Pimentel disse, amigavelmente para Jade. – Eu sou um cara legal, Jade, você vai ver! Fala pra ela Batman! Ops, o Batman não fala. Não sei se é por que ele tem problema, ou se ele não quer falar mesmo. Mas, ele entende, não é Batman?! Balança ai a cabeça herói. Eu admiro o Batman, mas o Batman de verdade, o Bruce. Que herói!

 

 

 

EPISÓDIO: SER OU NÃO SER

 

 

 

MARIETA

A noite de Recife estava quieta. Depois de alguns dias chovendo, o tempo ficara suspenso, sem vento. O único objeto que cortava o ar naquele momento era uma Ferrari vermelha que estacionou diante do edifício San Marino Hotel.

No interior daquela máquina, estava Marieta, inquieta e louca pra pular do carro, pegar o elevador e ir até à cobertura tirar satisfação com aquele criminoso do Babemco. Ela queria saber por que a foto de Jade estava sobre a mesa dele.

Mas Fábio, o investigador que ela havia contratado, estava lá do lado, segurando a mulher pelo braço.

– Você não tá raciocinando direito Marieta! – ele falava rangendo os dentes, enquanto segurava a mulher.

– Me solte! Eu vou falar com ele. Você tá pensando que eu tenho medo dele? Eu sou Marieta Sarraseno, me solte logo rapaz!

– Presta atenção Marie…

– Não presto não, me solte – ela o interrompeu se desvencilhando do investigador.

Marieta marchou até o elevador do edifício e apertou os botões com força. Ela estava com sangue nos olhos. Se Babemco estivesse envolvido com o sumiço do seu filho e de sua nora, ela não iria responder por ela. Não queria saber de sanidade, era a hora de soltar os cachorros.

Quando saltou do elevador, Marieta deu de cara com a elite da sociedade pernambucana. Mulheres elegantes com cabelos armados, colar de pérolas e vestidos dourados combinando com as colunas da cobertura do edifício.

Um garçom passou por ela oferecendo champanhe. Ela recusou. Seu desejo era desmascarar de vez o infeliz do Babemco. Mas, quando se aproximou do meio do salão, uma voz rouca com tom burlesco chamou seu nome. Marieta reconheceu que era Babemco. Ele estava em um pequeno palanque montado no fundo do salão, e falando em um microfone.

– E ela chegou. A dama da Prime Security, Marieta Sarraseno! Aplaudam esta mulher maravilhosa! – pediu Babemco, gritando no microfone.

Marieta ficou desconcertada. “O que ele estava pensando, gritando meu nome dessa forma?”, ela pensava. Com passos tímidos, se aproximou de Babemco.

– Antes de começar meu discurso, gostaria de fazer algo que já estava em meus planos – disse Babemco, chamando a atenção de todos. – Marieta! Você aceita ser a presidente do Grupo Prime Security? Eu juro que isso não é uma pegadinha.

Ela brecou no meio do salão, e sem conseguir respirar direito, deu um sorriso sem graça para Babemco.

– Isso é um sim? – ele insistiu.

Ela aceitou com um movimento de cabeça. Todos no salão aplaudiram a mulher.

– Parabéns Marieta! Você agora é a presidente do Grupo Prime Security – ele vibrou.

**

LUCAS

No dia seguinte, Eva entrou no quarto carregando uma bacia com água e panos limpos. Lucas olhou para ela com uma certa timidez. Passar por toda essa situação era um pouco constrangedor para ele. Com fortes dores na coluna, e sem poder sair da cama, Lucas passava as horas lendo revistas e jornais velhos. Eva era uma jovem interessante, e conversava bastante com ele.

Porém, o que mais o incomodava, era a falta de lembranças. Nada, absolutamente nada ficara gravado em sua mente. Nenhum nome, ou lugar, ele sentia que sua memória fora sugada e tudo que ele vivera até ali, era lixo.

– Se sente melhor agora? – Eva perguntou. Ela continuava a andar como se flutuasse.

– Estou bem sim. Muito obrigado mais uma vez – ele respondeu, com tom de voz baixo, quase num sussurro.

Ela sentou-se no pé da cama.

– O papai disse que assim que você começar a andar vai te levar em Monte Verde. Ele quer que você lembre de algo e encontre sua família – ela afirmou, com tristeza na voz.

– Seu pai é um homem muito paciente, e generoso também. Aceitar um homem sem memória, sem eira nem beira, dentro da sua própria casa. Não é pra qualquer um não. Eu serei eternamente grato por tudo que ele tem feito por mim.

Eva olhou bem no fundo dos olhos de Lucas. Ela parou de respirar, como se as palavras que estava prestes a dizer lhe roubassem o oxigênio.

– O que foi? Que cara é essa? – Lucas perguntou, percebendo o estranhamento dela.

Ela expirou, relaxando os ombros – “Queria ir com você”, ela murmurou baixinho.

– O quê? O que você tá dizendo?

– Nada! Vou pegar água pra você – ela levantou num rompante, parecendo fugir da situação.

Lucas apenas balançou a cabeça sem saber o que fazer.

**

LICURGO

Enquanto isso, na cidade de Monte Verde. A delegada Yeda, parou a viatura no estacionamento da delegacia. Licurgo também saiu do carro, parecendo meio tímido e sem saber bem seu papel em tudo aquilo.

– Vou dá uma olhada no nosso banco de dados e ver se os analistas conseguiram identificar o homem que sequestrou sua amiga. Você pode esperar uns minutos?

– Sim senhora. Eu tenho o dia inteiro disponível.

A manhã estava terminando. O sol do meio-dia iluminava a fachada da delegacia que tinha um jardim no seu pátio de entrada. Olhando assim de longe, quem não conhecesse bem o lugar, diria que aquilo era uma creche e não uma delegacia. Isso mostrava o quanto a criminalidade em Monte Verde era ameaçadora.

Licurgo ficou por ali mexendo nas flores. Ele lembrou da fazenda, de  suas crianças brincando com os bichos, de Dona Ofélia gritando na varanda que o almoço estava na mesa. Ao mesmo tempo ele pensou em Jade, pensou em como ela estaria. Como aquilo foi acontecer? Por que aquele homem tinha que levar sua amiga? E por que ele matou aquela senhora? Sentiu um leve anseio, um respirar mais acelerado que lhe tomou de assalto. Precisava manter a calma. Agora, mais do que nunca, a Jade precisava da sua ajuda, e ele iria ajudar. “Farei o possível pra encontrar minha amiga”, pensou.

Uma senhora descia os degraus que davam acesso à delegacia. Seus braços tremiam enquanto as mãos seguravam um corrimão enferrujado. Licurgo correu para ajuda-la. Ele segurou as mãos da senhora e bem devagar aguardou ela descer o último degrau.

– Muito obrigado meu filho – disse a senhora, com uma voz fraca e triste.

– A senhora está bem? – ele observou os cabelos brancos presos em um coque apertado. Ela era serena, apesar das rugas ao redor dos olhos e da expressão de cansaço.

– Estou bem sim. Na verdade, estou tentando ficar bem. Quem estaria feliz ao saber que o filho foi morto? – ela falou com a voz embargada, como se lanças transpassassem seu peito. Era visível a dor nos olhinhos miúdos da mulher.

– Você até parece com meu filho! Ele tinha esses mesmos olhos escuros que você tem. E até o formato do rosto é igual. Meu filho, tome muito cuidado. O mundo é cruel e existem pessoas violentas que matam sem nenhuma compaixão – ela disse, alisando o rosto de Licurgo.

Ele sentiu um arrepio pelo corpo. Um vento mórbido que parecia sussurrar murmúrios ao pé do ouvido. Não queria mais ficar ali. Queria voltar pra fazenda e encontrar seus filhos.

Ficou ali, observando a senhora se afastar lentamente. O que teria acontecido ao filho dela? Quem teria feito essa barbaridade?

Licurgo somente despertou quando a delegada Yeda apareceu na porta de vidro e gritou por ele. Ao entrar na recepção, Licurgo notou a precariedade do lugar. Havia um balcão de compensado, algumas cadeiras enfileiradas, daquelas que ficam grudadas na parede. E um bebedouro velho, que não gelava mais a água.

Ele caminhou até a sala do escrivão que estava repleta de processos que pareciam brigar por espaço. E observou o monitor de um computador que Yeda apontava com entusiasmo.

– Olha, você precisa ver isso! – ela quase gritava de excitação.

Na tela, a foto de um homem estava destacada, com várias informações sobre ele. Seu nome era Ernesto Paiva Capeto, 51 anos, ex-fuzileiro do Exército e que trabalhava como segurança particular do dono da Prime Security.

– Esse é o nosso homem! – berrou a delegada. – Pegamos o bandido!

Licurgo não sabia se ficava feliz ou com medo. Ficar tão perto do inimigo, saber tanto sobre ele. Será que era seguro? Será que eles não deveriam ir mais devagar? Mas, isso era impossível. Jade não tinha tanto tempo assim. Eles precisavam encontrar o Capeto, e saber onde Jade estava. Licurgo tinha que ser forte e auxiliar nas buscas.

– Lança o alerta para os distritos vizinhos. Aciona a polícia rodoviária sobre o suspeito. Temos que pegar esse cara, urgente! – sentenciou Yeda para o inspetor, para em seguida prender seus cabelos cacheados em um coque acima da cabeça. Ela estava pronta. Ele não iria escapar.

**

MARIETA

O relógio marcava 12:30h quando Marieta entrou no escritório de Babemco. Ela parou diante do homem e esperou que ele terminasse de rabiscar algumas folhas.

Babenco estava bem sentado em sua cadeira acolchoada, quando Marieta disse que precisava conversar.

– O que significa tudo isso? Por que você tá fazendo isso comigo? Me colocando como presidente do grupo? Qual é a jogada de fato? – ela perguntou, tentando controlar a raiva.

Ele deu um sorriso debochado, levantou-se com passos lentos e firmes, para em seguida se aproximar dela.

– Não tem nenhum significado. Eu confio em você e a quero como presidente do grupo – tocando o indicador na face de Marieta. – Por que vocês sempre acham que tem alguma motivação oculta por detrás das nossas ações? Ou melhor, por que vocês acham que todo bom ato vindo de um homem, pressupõe que ele quer algo em troca?

Marieta se afastou dele, e sentindo-se constrangida amarrou seus cabelos. – Não pense que eu sou idiota – ela inspirou fundo, antes de dizer o que queria. – Minha nora sumiu. Você conhecia ela?

– Conhecia sim! O quê? Você acha que vai me pegar contando mentiras? Acha que eu não vi pelas câmeras você furtando um documento com os dados da Jade? Você é bem ousada em entrar no meu escritório e tirar algo! Mas, não chega a me surpreender.

– Então me diz! O que a Jade tem que você quer investigando ela? É muita coincidência ela ter desaparecido com o meu filho, depois de se meter com você!

– Mas, o que você está insinuando, Marieta? – ele perguntou, enquanto se aproximava por detrás dela.

– Não estou insinuando nada Babemco. Só quero saber da minha nora e do meu filho. Eles são minha família.

– Você conhece mesmo a sua nora?

– Para de jogos Babemco. Eu preciso saber e sei que você tem algumas respostas. Só fala.

– Jade é uma criminosa cruel. Ela tinha envolvimento com tráfico de drogas. Sabe aquele história dela de mexer com arqueologia, com artefatos? Era todo um esquema montado por ela e pelo amante, um cara chamado Marcos – Babemco mostra a foto de um homem loiro ao lado de Jade. – Ela foi descoberta na cadeia pela presidiária Olívia, mas antes de encomendar a morte da detenta, a Jade foi atacada por ela. Quase que morre. Sua querida nora não é quem diz ser. Ela é cruel, sanguinária e diabólica. Não me surpreenderia se descobríssemos que ela que armou esse sumiço. Você precisa me ajudar a encontrá-la. Nós temos que trabalhar juntos para acabar com essa ameaça. A Jade não é a heroína dessa história. Ela é a vilã.

Marieta apenas observa Babemco, incrédula.

INCOGNOSCÍVEL

A Widcyber está devidamente autorizada pelo autor(a) para publicar este conteúdo. Não copie ou distribua conteúdos originais sem obter os direitos, plágio é crime.

  • Bon episódio Hugo. Marieta tem uma função à desempenhar que acho que vai dar o que falar. Bom, vou para o próximo episódio!!!

  • Bon episódio Hugo. Marieta tem uma função à desempenhar que acho que vai dar o que falar. Bom, vou para o próximo episódio!!!

  • Finalmente voltei a ler essa série depois de décadas kkkkkkk. E eu achava que eu tinha parado ali pelo segundo capítulo, mas eu tinha lido bastante coisa já. Aos poucos vou maratonando.

  • Finalmente voltei a ler essa série depois de décadas kkkkkkk. E eu achava que eu tinha parado ali pelo segundo capítulo, mas eu tinha lido bastante coisa já. Aos poucos vou maratonando.

  • Pesquisa de satisfação: Nos ajude a entender como estamos nos saindo por aqui.

    Leia mais Histórias

    >
    Rolar para o topo