Prólogo

Um homem de cento e cinquenta anos, aparentando vinte e cinco, deixa sua casa para fazer os exercícios matinais. Aquece-se, alonga-se. Está pronto para correr oitenta quilômetros. Dia claro, céu perfeitamente azul. A brisa fresca sopra. Sente-se muito bem nesta linda manhã de primavera. Todos da vizinhança o cumprimentam. Inicia a corrida. Contudo, inesperadamente, assim que atinge a marca de vinte quilômetros em apenas meia hora, sente uma forte dor no peito. Sobrevém a fraqueza, a falta de ar, náusea. Leva a mão no peito e cai. Os olhos turvam, a língua escurece, a respiração cessa. De acordo com o seu monitor de pulso, as funções vitais terminaram. Os vizinhos parecem não se importar. Ninguém o socorre. Não acham necessário. Alguns até riem. De fato, logo após um minuto, um espasmo muscular. E a respiração volta. O homem abre os olhos, sorri, põe-se de pé, ergue os braços e grita: – Estou bem! – Simplesmente volta a correr. Estes são os novos tempos. A era Nano vencera a morte. Graças à tecnologia, o ser humano não padeceria mais de nenhum mal. Será?

 

Era Nano

Século vinte e dois. Era Nano, o apogeu do conhecimento científico. Pesquisadores finalmente conquistam a tão sonhada e quase intransponível fronteira: a fusão entre robôs nanoscópicos e organismos vivos. Impossível imaginar a vida sem os benefícios desta tecnologia.

O agronegócio também se beneficiou da magnífica façanha do intelecto humano. Pragas foram facilmente contidas, graças à ação de robôs minúsculos. As poderosas pinças moleculares são capazes de desintegrar o mais resistente parasita. Em termos de proporção, um nanobot, quando comparado a uma única célula vermelha do sangue, equivaleria a um homem ao lado de uma baleia azul. O tamanho é compensado pelo número. Bilhões de robôs nanoscópicos, sincronizados como um único organismo, executam aquilo que foram programados para fazerem.

Quanto à saúde, doenças milagrosamente foram erradicadas. Nanobots são capazes de rastrear e destruir a mais recôndita célula cancerosa. Problemas cardiovasculares? Nunca mais. Há décadas não se ouve falar sobre qualquer um que tenha sido vítima de um coágulo pois, no caso de formação de um, este é instantaneamente digerido pelos milagrosos mecanismos moleculares criados pelo homem.

Os benefícios são muitos e abrangem  todos os setores, como os da construção civil e meteorologia: ruas, casas e até o clima, tudo minuciosamente controlado. Um fantástico feito, produzido por mentes geniais que se orgulham de salvar a população da poluição, toxinas e intempéries. O sonho de um mundo estéril, livre de germens, limpo, finalmente realizado.

Século vinte e dois. Sim, o apogeu do conhecimento científico. A conquista do inimaginável. A Nanotecnologia, santo graal do arranjo molecular. Época marcada pela criação do manipulador universal que possibilitou sintetizar máquinas átomo a átomo, capazes de executar qualquer coisa que a imaginação concebesse. Sensação de poder que fez o homem considerar-se melhor do que a natureza.

E, neste mundo dinâmico, cheio de mudanças, a avidez por coisas novas tornava-se crescente. A novidade do momento remetia à maior das aspirações humanas: ser amortal. Isso mesmo, atingir a longevidade com aparência jovial, a fonte da juventude. Mas o privilégio não seria para todos. A ciência, mercantilista e socialmente seletiva, cobrava alto por mais esta realização. Dava-se início, então, à corrida para alcançar a amortalidade. Faltaria pouco para o homem ser eterno. Uma nova demanda emergia, em época cuja preocupação voltava-se somente para o conforto do físico, nada para o bem-estar da alma.

Assim que a solução para se ter uma vida longa foi alcançada, a notícia causou furor nos investidores. Novos nanobots prometiam ser a sensação do mercado. Apenas uma empresa detinha a sete chaves o segredo dos mecanismos que proporcionariam vida longa: a Nanobios Corp. Milhares de milhares de nanobots antienvelhecimento começaram a ser fabricados e despachados para todo o planeta, bem como para as demais colônias de humanos na Lua, Marte e Titã.

A Nanobios, uma empresa de expressão multiplanetária, capaz de garantir vida longa. No entanto, por tratar-se de um investimento que nem todos tinham condições de pagar, os bioengenheiros, sob pressão dos investidores, criaram três versões: A, B e C. Os compradores que optassem pelos nanobots da classe A, poderiam implantá-los para se tornarem longevos por cinco séculos e meio. Os da classe B, três séculos e os da classe C, por um século e meio. Seria possível atualizar ou mudar de versão,  desde que pagasse a diferença. Uma simples injeção seria o suficiente para a atualização dos nanobots circulantes em meio sanguíneo. Realmente, a vaidade e o medo de morrer eram as molas propulsoras para o promissor e tão esperado ramo de negócios nanotecnológicos.

A aparência jovial, outrora conseguida somente através da primitiva cirurgia plástica, agora era assegurada pelos nanobots. Eles impediam células de decaírem. Um indivíduo de duzentos anos teria uma aparência de vinte e cinco. Além disso, havia outra característica, bastante peculiar: os nanobots também eram programados para aproveitar a água do próprio corpo. Isso se dava através da reciclagem do suor, para hidratação. Nanobots eliminam as toxinas, transformando o inconveniente suor em água limpa potável. Basta um único gole de água ao ano para repor o que se perdeu pela evaporação.

Porém, nem todo mundo seria agraciado pela benção da ciência e nem sequer desfrutariam da capacidade de se viver mais. Habitando locais remotos, bem afastados dos limites da Cidade Limpa, existia um povo tratado como escória, conhecido como “Selvagens”. Uma denominação para aqueles que não possuíam nenhum tipo de implante nanorrobótico. Morriam cedo e doentes, repudiados e segregados pelos “Potentes” (assim chamados os privilegiados portadores de nanobots). Apesar da tensão existente entre as duas classes, a possibilidade de um choque entre elas era mínima, já que os Selvagens sequer possuíam força e condições para desafiar a classe dominante.

Fora assim desde os primórdios da era Nano, quando o preconceito social era silencioso, uma barreira invisível erguida, impedindo os Selvagens de se misturarem. Por terem vida curta e por adoecerem facilmente, eram proibidos de trabalhar ou frequentar os mesmos lugares que os Potentes, a menos que fossem extraordinariamente capacitados. Estes humanos, esquecidos pela tecnologia, desenvolveram meios próprios de sobrevivência. Roedores, pombos (uma verdadeira praga) e insetos, faziam parte do cardápio.

 

 

 

 

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  • É uma situação semelhante à descrita por Robert Silverberg, em “Mundos Fechados”: a elite vivia no luxo e na riqueza, em torres habitacionais de mais de mil metros de altura, enquanto a população pobre se dividia entre viver nos primeiros andares dos prédios e os Selvagens, que viviam no campo, cultivando-o para o sustento da classe dominante, que detinha o armamento e a Ciência.

    Porém, quem deixava uma torre habitacional, tornava-se Selvagem, apesar de ter cultura e conhecimento. Não podia voltar para qualquer torre, pois era visto como indesejável. Era morto pela guarda da torre.

    • Meu amigo escritor Roberto Fiori. Obrigado pela sua reflexão a respeito. Gostei da dica do autor Robert Silverberg. Lerei. No texto Nano, quando me refiro a “Selvagens”, apesar de soar pejorativo, na verdade este é um termo utilizado na Biologia que se refere a indivíduos sem hibridação gênica ou algo correlato. Os selvagens da história eram assim, não porque queriam, mas por impossibilidade de adquirirem uma tecnologia tão cara. Gostei muito da sua observação. Obrigado por ler Nano capítulo 1.

  • É uma situação semelhante à descrita por Robert Silverberg, em “Mundos Fechados”: a elite vivia no luxo e na riqueza, em torres habitacionais de mais de mil metros de altura, enquanto a população pobre se dividia entre viver nos primeiros andares dos prédios e os Selvagens, que viviam no campo, cultivando-o para o sustento da classe dominante, que detinha o armamento e a Ciência.

    Porém, quem deixava uma torre habitacional, tornava-se Selvagem, apesar de ter cultura e conhecimento. Não podia voltar para qualquer torre, pois era visto como indesejável. Era morto pela guarda da torre.

    • Meu amigo escritor Roberto Fiori. Obrigado pela sua reflexão a respeito. Gostei da dica do autor Robert Silverberg. Lerei. No texto Nano, quando me refiro a “Selvagens”, apesar de soar pejorativo, na verdade este é um termo utilizado na Biologia que se refere a indivíduos sem hibridação gênica ou algo correlato. Os selvagens da história eram assim, não porque queriam, mas por impossibilidade de adquirirem uma tecnologia tão cara. Gostei muito da sua observação. Obrigado por ler Nano capítulo 1.

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