“Depois que a minha cabeça for cortada, ainda vou ser capaz de ouvir, pelo menos por um momento, o som do meu próprio sangue jorrando do meu pescoço? Isso seria o melhor prazer para acabar com todo o prazer. ”

FADE IN:

Tela Escura: CARACTERES: 2007

INT. CASA DOS STELA – DIA

A casa da família Stela vai do simples ao luxo com um leve toque de refinada, toda decorada por Lorena que tem cursos de designer de interiores antes de tornar-se professora, tendo trabalhado muito com isso. São quadros e decorações oriundas diretas da Europa antiga, com móveis de madeira de lei também vindos do exterior.
Lorena está sentada em sua cadeira de balanço tomando um chá e observando o quintal através da porta de vidro. Ela usa um chambre de veludo azul.
O celular que está sobre seu colo TOCA. Ela estende o braço e larga a xícara de chá na mesa de canto e atende.

LORENA
Pronto!

Ela escuta por alguns segundos. A ligação parece estar ruim. Ela levanta e caminha ficando de pé diante da porta de vidro.

LORENA
Sim? Sim! Agora estou ouvindo. Ainda tem um chiado, mas consigo ouvir.

Lorena escuta com atenção por alguns longos segundos e nota-se que seu corpo vai se tornando pesado demais para se manter em pé. Ela procura algo para se apoiar. Sua expressão é de desespero. Seu rosto está pálido.
Lorena senta-se de volta em sua cadeira de balanço e o celular desliza de sua mão até o chão. Ela está desamparada. Fica sem reação.
CLOSE no celular no chão, que ainda está ligado e se escuta uma voz masculina do outro lado.

VOZ MASCULINA
Alô? Lorena? Alô! Está me ouvindo?

INT. QUARTO DE JONY – DIIA

Jony, aqui com 17 anos de idade, cabelos compridos, camiseta preta de banda, calção velho, está vidrado na televisão jogando videogame e OUVINDO ROCK em ALTO VOLUME.
Sua mãe BATE na porta. Batidas que são ABAFADAS por causa da MÚSICA ALTA. Ela então, resolve GRITAR chamando.

LORENA
Jonyyyyyyy!!!

Jony escuta mas não dá muita atenção.

LORENA
Jonyyyy!!! Abre a porta!

JONY (gritando)
Tá aberta!

A fechadura se mexe e a porta se ABRE.

LORENA
Pode abaixar este volume, por favor!

Jony dá pause no seu jogo. Levanta, vai até o aparelho de som e desliga com um toque RUDE no botão.

JONY
Pronto!

LORENA (se aproximando da cama)
Filho! Eu nem sei por onde começar…

Jony vê que a expressão da mãe está diferente. Senta em cima das pernas na beira da cama. Lorena senta ao seu lado. Cabeça baixa. Olhar triste.

LORENA (cont.)
…me ligaram agora da corporação. Teu pai…ele teve um acidente de trabalho.

JONY (lágrimas brotando nos olhos)
O que houve com meu pai? Cadê meu pai?

Lorena não consegue segurar o CHORO.
Jony, REVOLTADO, se levanta da cama. Joga longe o controle do videogame.

JONY
Cadê meu pai? Eu quero ver ele!

Lorena levanta. Tenta acalmar o filho, que empurra seu braço.

LORENA
Disseram que vão levar o corpo pra perícia.

JONY
Como assim? Meu pai morreu? O que aconteceu? Onde foi?

Lorena, com muito trabalho, consegue puxar o filho para junto de si e lhe acomodar em um abraço caloroso, onde ambos CHORAM.

LORENA
Calma, filho. Foi em serviço. Ele levou um tiro e a bala atingiu seu fígado. Disseram que ele perdeu muito sangue.

Jony se desfaz do abraço da mãe e sai porta á fora CHORANDO.
Lorena senta-se no chão com as costas apoiadas na cama. CHORA DESESPERADA abraçando as pernas.
OUVE-SE um SOM MELANCÓLICO  ao fundo enquanto as lágrimas escorrem sem parar pelo rosto de Lorena.
Lágrimas que vão se transformando em…

EXT. CEMITÉRIO – DIA

…um dia CHUVOSO, onde a chuva cai constantemente sem aumentar nem diminuir.
No meio de um campo verde, um grupo de pessoas vestidas com trajes pretos, estão reunidas ao redor de um túmulo aberto. As pessoas estão segurando seus guardas-chuva abertos.
Mais ao lado do túmulo está um grupo de policiais fardados com suas armas postas e em formação.
Outros quatro policiais estão, um em cada ponta do caixão próximo ao túmulo.
Na cabeceira do túmulo um padre velho segura uma Bíblia em mãos.

PADRE
Palavras de adeus são verdadeiramente tristes neste momento e, ao mesmo tempo, tão luminoso, pois hoje, aqui, diante desta benção de chuva que nosso Senhor nos manda, nós nos despedimos deste companheiro de batalha…

Podemos ver os rostos tristes das pessoas. Lorena enxuga as lágrimas com um lenço. Seu filho, Jony, ao seu lado, tenta segurar o choro.
O grupo de policiais à postos ao lado do túmulo segue firme com a chuva caindo sobre seus rostos e suas fardas.

PADRE (cont.)
…momento triste este, porque a tua ausência, meu caro Jose Stela, deixará um vácuo em seus familiares e amigos. Momento luminoso porque este vácuo é preenchido por um facho de luz, que aqui na Terra se levanta até o céu. Até o trono celeste para qual foi chamado…

Jony Stela não segura mais as lágrimas e SUSPIRA FUNDO sendo amparado por sua mãe e por seu tio.

PADRE
…nos despedimos com todo o afeto possível. E que nosso Pai Celestial o receba de braços abertos. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.

O comandante do batalhão dá um passo à frente. Um homem robusto, de cara fechada, mas que neste momento deixa lágrimas caírem pelo seu rosto em sentimento ao colega. Carrega uma faixa preta no braço, assim como todos os policiais.

COMANDANTE
Atenção pelotão! Em forma!

Todos os policiais agrupados preparam suas armas.

COMANDANTE
Preparar! Apontar!

Os policiais apontam suas armas em diagonal para o alto.

COMANDANTE
Atirar!

OUVE-SE o ESTRONDO de 21 tiros em sequência. Em seguida um ROCK MELANCÓLICO começa à TOCAR enquanto o caixão é baixado até o túmulo.
As pessoas vão se retirando debaixo de seus guardas-chuva ficando somente Lorena e Jony abraçados diante do túmulo que começa à receber pás de terra.

CORTA PARA:

EXT. RUA – DIA

O céu está repleto de nuvens pesadas. A chuva começa à ficar mais forte e o seu SOM mistura-se ao BARULHO do MOTOR de um carro preto que está se aproximando pela rua deserta.
SURGEM OS CARACTERES – DIAS ATUAIS
O carro passa e vai DIMINUINDO sua velocidade à medida que chega perto de um matagal na lateral. Suas placas estão COBERTAS.
O motor do carro é desligado e só se fica OUVINDO o BARULHO da incessante chuva caindo na lataria do automóvel por alguns longos segundos.

INT. QUARTO DE JONY – NOITE

Jony está deitado em sua cama coberto até a cabeça por um edredom de lã. Está com a respiração pesada. Ele se mexe jogando o edredom para o lado.

EXT. RUA – DIA

Um HOMEM (+ou-40 anos) desce do carro usando uma capa de chuva preta.
BATE a porta. Vai até o porta malas e o abre tirando de dentro dois grandes sacos pretos bem fechados que aparentam ser bem pesados.
FECHA o porta malas e começa à arrastar aqueles dois sacos pretos, com certa dificuldade,em direção ao matagal.
Do outro lado da rua…
Escondido atrás do tronco de uma árvore está Jony, com seus trajes de detetive e um sobretudo preto e com golas altas. Ele observa o homem arrastando os sacos pretos para o matagal.
Por trás de Jony aparece o mesmo homem que está carregando os pesados sacos pretos do outro lado.

HOMEM
Está vendo? Aquele sou eu. E você sabe o que tem naqueles sacos Jony.

Jony sente um arrepio e passa a mão atrás do pescoço.

HOMEM (cont.)
É Jony. É exatamente o que você está pensando. Vocês policiais têm um bom faro para estas coisas…

Jony parece incomodado com algo. Ele olha para trás. Olha para os lados, mas ele não vê o homem próximo dele.

HOMEM (cont.)
Você deve lembrar muito bem. Lembra do caso dos irmãos gêmeos? Aqueles mesmos, que os jornais publicaram dia após dia, durante duas semanas, o desaparecimento e aquelas duas jovens mãos direitas que a família recebeu embrulhadas em uma caixa como se fosse um presente…

Um carro passa pela rua deserta. Mas nem Jony, nem o homem e muito menos o homem com os sacos pretos do outro lado da rua parecem serem vistos.

JONY
Eu devo tá ficando louco!

HOMEM
Você não está Jony. Estou aqui para te mostrar passo a passo tudo o que aconteceu. Eu já te disse na praça, estou arrependido, embora não acredite muito em perdão.

O homem APONTA com o dedo para o matagal, onde ATRAVÉS DA SUA VISÃO, ele mesmo já está adentrando arrastando os dois sacos pretos.

HOMEM
Entra lá Jony. O matagal é fechado. Eu enterrei os dois corpos em uma noite chuvosa, sob os pés de uma figueira velha. Eu pus uma cruz de madeira em cima, porque eu até que não sou tão mal coração assim Jony. Mas a cruz deve estar coberta de arbustos, se é que ela ainda está lá…

O homem dá um tapinha nas costas de Jony, que OLHA para trás mas não vê ninguém.

HOMEM (cont.)
…vai lá Jony! Começa suas investigações. Começa teu trabalho de detetive nesta cidade de merda!

INT. QUARTO DE JONY – NOITE

Jony está dormindo. O suor ESCORRE pela sua testa. Ele ABRE os olhos ASSUSTADO. Senta-se na cama. Respiração OFEGANTE.
Por alguns segundos fica IMÓVEL parecendo não saber nem onde se encontra.
Quando volta à si, Jony ABRE a gaveta do criado-mudo, pega um bloco de anotações, pega uma caneta e escreve algumas palavras soltas em uma folha em branco.
CLOSE no bloco de anotações onde se lê as palavras: rua sem saída – matagal – figueira velha – cruz de madeira.
Jony ARRANCA a página em que ele escreveu.

CORTA PARA:

INT. SALA DO DELEGADO – DIA

O delegado Walter está atrás de sua mesa. Ele está terminando de fumar um cigarro. Coloca o toco no cinzeiro no canto da mesa.
OUVE-SE BATIDAS na porta.

WALTER
Entra!

A porta se ABRE e a doutora Karen Telles entra na sala. Usa um terno cinza e está com seu distintivo pendurado no pescoço. Cabelos presos em um coque e os seus óculos.

KAREN (sentando)
Com licença!

WALTER
Algum problema doutora?

Karen dá uma tossida colocando a mão sobre a boca.

WALTER (levantando)
Desculpa. Estava fumando. E esqueci o quanto vocês são fracos pra uma fumacinha. Eu já ia abrir a janela. Sabe que não suporto o cheiro que fica mesmo.

KAREN
Fumacinha? Isso ainda vai acabar te matando.

Walter vai até a janela e a ABRE.

WALTER
Mas me diga. O que te traz aqui? Qual o problema desta vez?

KAREN
Jony Stela!

Walter volta para a sua cadeira. Senta-se, arreda alguns papeis e põe as mãos cruzadas sobre a mesa.

WALTER
Achei que já estava resolvido. Você deu a notícia do afastamento para ele. Tenho certeza que entendeu que é o melhor neste momento.

KAREN
Não tenho tanta certeza que ele entendeu…

Walter se escora no encosto da sua cadeira.

WALTER
O que houve?

KAREN
Eu o vi ontem à noite…em uma situação um tanto…delicada.

Walter demonstra interesse em saber o que Karen viu.

KAREN (cont.)
Você sabe que Jony sempre foi contra o uso de álcool, drogas,não é?

WALTER
Sim, sei bem. E isso faz dele um policial exemplar.

KAREN
Pois é. Mas não é este exemplo que ele me demonstrou ontem à noite.

A doutora se ajeita na cadeira.

KAREN (cont.)
Estava indo pra casa quando vi Jony sentado como um mendigo na calçada, em um beco sem saída e perigoso…com uma garrafa de whisky quase vazia em mãos.

Walter está perplexo. Parece não acreditar no que está ouvindo. Sua expressão demonstra preocupação. Ele procura por outro cigarro na sua gaveta.

KAREN (cont.)
Eu parei meu carro. Ajudei ele. Levei-o até a sua casa e o deixei na cama. Mas confesso que foi difícil pregar os olhos esta noite.

Walter acende mais um cigarro. Levanta-se e se pára em frente à janela.

WALTER
Estes problemas estão me fazendo fumar mais que o normal.

Walter dá uma tragada e expira a fumaça pela janela.

WALTER (cont.)
Temos que ficar de olho nele. Pode cancelar seus compromissos. Quero que você cole em Jony. Siga seus passos. Não o deixe fazer nenhuma besteira.

Walter se vira para Karen.

WALTER (cont.)
Mas que diabos Jony está fazendo com a sua carreira?

Karen, cabeça baixa. Olhar preocupado.

KAREN
Eu vou ficar de olho, senhor. Pode deixar.

CORTA PARA:

EXT. RUA DESERTA – DIA

O carro preto dirigido por Jony Stela diminui sua velocidade e estaciona em frente à um matagal, o mesmo visto no sonho do detetive.

INT. CARRO DE JONY – DIA

Jony observa através do pára-brisa as nuvens escuras que se formam no céu indicando mais chuva.
Jony se inclina até o porta-luvas e pega um pedaço de papel. Ele olha para as anotações que fez, olha para o matagal e olha para a rua deserta, onde as casas ao redor estão fechadas e nenhuma alma dá sinal de vida.

INT. CARRO DE KAREN TELLES – DIA

A doutora Karen Telles dirige seu carro pela mesma rua que Jony está, porém uma quadra para trás de onde Jony estacionou.
Karen estaciona e fica à observar o colega uma quadra adiante. No vidro do seu carro já se pode ver alguns pingos de chuva que começam à cair.

EXT. RUA DESERTA – DIA

O silêncio do lugar é quebrado por um TROVÃO que rasga o céu e pelas ALGAZARRAS de quatro crianças que saem correndo de dentro do matagal.
As crianças nem dão bola para o carro de Jony e passam correndo em sentido à rua em frente.
Quando as crianças já estão longe, Jony desce do carro. Fecha a porta, observa tudo ao redor. Vê um carro estacionado na outra quadra, mas não se dá conta que é o carro da doutora Karen.
Jony caminha em direção ao matagal.

INT. MATAGAL – DIA

Jony adentra em meio aos arbustos segurando seu papel com suas anotações.
CLOSE nas anotações de Jony, onde aparecem sublinhadas as palavras: figueira velha e cruz de madeira.

INT. CARRO DE KAREN TELLES – DIA

Karen Telles dá a partida no seu carro e, lentamente, ATRAVÉS DA SUA VISÃO, aproxima-se e estaciona atrás do carro de Jony.

INT. SALA DO DELEGADO – DIA

O delegado Walter OLHA alguns documentos espalhados sobre sua mesa. Ele vê a foto dos gêmeos assassinados. Em cima da foto escrito em VERMELHO e em LETRAS GARRAFAIS: CASO EM ABERTO.

EXT. RUA DESERTA – DIA

Karen Telles empurra a porta do seu carro fechando-a com cuidado para NÃO FAZER BARULHO. Ela ENGATILHA sua arma soltando-a do coldre e dirige-se para o matagal.

INT. MATAGAL – DIA

A vegetação alta dificulta a visão dentro do matagal. Jony avista uma figueira velha mais pro meio do mato e a ponta de uma cruz de madeira em meio à folhas e galhos.
A doutora Karen Telles pega sua arma do coldre AO OUVIR BARULHO DE PASSOS. Ela vê Jony agachado mexendo nos galhos e revelando a cruz de madeira.
Um bando de pássaros LEVANTA VÔO do topo das árvores.
Jony ASSUSTA-SE com o barulho dos pássaros. Levanta a cabeça e vê Karen Telles lhe observando com a arma já empunhada em mãos.

CORTA PARA:

FADE OUT

 

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  • Uau! Que top esteve esse capítulo. O começo bem triste, caiu um olho da minha lágrima com esse enterro do pai do Jony.

    Parece que realmente os sonhos dele estão dando-lhe “poder”, não sei porque, mas eu considero o Jony como se fosse o Will Graham de Hannibal e Dragão Vermelho, fico imaginando ele nesse naipe rsrs.

    Muito bom meu amigo, aguardando o próximo capítulo.

    • Sim. O enterro de Jose Stela é uma das minhas partes favoritas…e Jony é sim deste naipe!
      Valeu Melqui, que bom que estás curtindo a história. Vem mais momentos marcantes por aí!

  • Uau! Que top esteve esse capítulo. O começo bem triste, caiu um olho da minha lágrima com esse enterro do pai do Jony.

    Parece que realmente os sonhos dele estão dando-lhe “poder”, não sei porque, mas eu considero o Jony como se fosse o Will Graham de Hannibal e Dragão Vermelho, fico imaginando ele nesse naipe rsrs.

    Muito bom meu amigo, aguardando o próximo capítulo.

    • Sim. O enterro de Jose Stela é uma das minhas partes favoritas…e Jony é sim deste naipe!
      Valeu Melqui, que bom que estás curtindo a história. Vem mais momentos marcantes por aí!

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