“Não importa a teoria, serial killers não se enquadram em nenhuma linha de pensamento específica. Na verdade, são um capítulo à parte no estudo do crime”

FADE IN BLACK

CARACTERES EM SOBREPOSIÇÃO: 1996

INT. QUARTO DE JONY – NOITE

Um quarto infantil pequeno, com uma cama de solteiro no meio, um roupeiro envelopado com gravuras do Batman, uma poltrona junto à janela e vários brinquedos espalhados pelo chão e nas prateleiras.
O quarto está iluminado apenas com a luz de um abajur que encontra-se sobre o criado-mudo.
Jony Stela, com 6 anos de idade, está deitado na cama coberto com um edredon amarelo. Sua mãe, Lorena, está sentada perto dele.

JONY
Papai ainda está trabalhando?

LORENA
Sim. Você sabe que o papai sempre chega tarde.

JONY
Ele está prendendo os bandidos né mamãe?

LORENA
Sim. Mas logo ele tá em casa. Agora trate de dormir que amanhã você vai pra aula cedinho.

JONY
Você diz pro papai vim me dar boa noite quando ele chegar?

Lorena passa a mão na cabeça do filho.

LORENA
Mas você já vai tá dormindo querido!

JONY
Eu vou esperar o papai.

Lorena estende a mão para desligar o abajur. Sabe que o filho logo vai dormir e não vai aguentar até a hora do pai chegar.

JONY (cont.)
Deixa aceso mamãe!

Lorena desiste de apagar o abajur. Inclina-se e dá um beijo no filho.

LORENA
Boa noite querido. Pode deixar que digo pro teu pai vir aqui.

MAIS TARDE…

INT. QUARTO DE JONY – NOITE

O menino Jony Stela está dormindo profundamente.
Seu pai, Jose Stela, entra no quarto devagar e com cuidado para não fazer barulho. Ele veste sua farda da polícia. Tira o coldre com sua arma e coloca no chão e se aproxima da cama.
Por alguns segundos o pai só observa o sono do filho.
Jony Stela se mexe na cama e ABRE os olhos encarando o pai.

JONY
Papai!

Jose senta-se na beira da cama próximo ao filho. Acaricia seus cabelos suados colado na testa.

JOSE
Já é um menino crescido. Vamos apagar esta luz agora?

JONY
Sim. Sim papai. Eu só pedi pra mamãe deixar acesa porque você ia vir. Eu precisava falar com você.

JOSE
Diga meu filho. O que tem que falar que não podia esperar até o café da manhã?

Jony Stela se descobre e ajeita-se sentando na cama. Com suas pequenas mãos procura algo debaixo do seu travesseiro.
Ele pega uma folha de desenho dobrada ao meio. Desdobra a folha e mostra para o pai.
CLOSE na folha de desenho, onde há a figura desenhada de um homem grande usando farda policial e segurando uma arma na mão. Do lado deste homem há um menino também usando farda policial.

JONY
Olha papai! É você e eu.

Jose admira o desenho do filho segurando-o em mãos.

JOSE
Lindo desenho meu garoto! Mas me diga, porque você também está de farda?

JONY (se ajeitando e ficando de joelhos na cama)
Papai. É que quando eu crescer, eu quero ser policial que nem você.

Jose enche os olhos de lágrimas e abraça o filho enquanto uma MELODIA MARCANTE começa à TOCAR.

CORTA PARA:

EXT. RODOVIA – NOITE

A rodovia principal que dá acesso à Nova Vicenza do Sul está vazia. É uma noite fria de muita neblina.
SURGEM OS CARACTERES: DIAS ATUAIS
Na beira da estrada, uma placa de trânsito indica a velocidade permitida: 80KM.
Um carro Prisma cinza surge na estrada passando pela placa aparentando estar em velocidade acima do normal.

INT. CARRO – NOITE

Jony Stela está na direção com uma cara arrasada. Com uma mão ele segura o volante enquanto a outra mão segura uma garrafa de cerveja.
No rádio do carro TOCA um som alto.
Jony toma um gole de cerveja e pisa mais fundo no acelerador, fazendo com que o ponteiro no painel saia dos 100KM que estava passando para os 120KM. Jony aperta os olhos tentando enxergar melhor a rodovia reta, vazia e nublada à sua frente. Sorri e fecha os olhos se deixando levar pela velocidade.

INT. QUARTO DE PENSÃO – DIA

O homem nú está com a arma apontada contra a própria cabeça.
Ele puxa o gatilho e ESCUTA-SE um grande ESTRONDO.

INT. CARRO – NOITE

Jony abre os olhos arregalando-os e freia bruscamente quando sente perder o controle do carro.

EXT. RODOVIA – NOITE

O carro bate forte contra um poste na beira da rodovia.
Jony cai para a frente desacordado batendo a cabeça contra o volante e a BUZINA fica TOCANDO alto.

CORTA PARA:

INT. QUARTO DE JONY – NOITE

O quarto do apartamento de Jony é simples, com uma cama de casal no meio, tendo a janela em sua cabeceira, um guarda-roupa velho herdado de um tio, um criado-mudo ao lado da cama e uma cômoda antiga que comporta uma tv de 26 polegadas.
Jony entra no quarto de calção e camiseta com um curativo enorme e mal feito na testa. Ele fala ao telefone.

JONY
Eu sei mãe…mas eu falhei. E eu sinto muito por ter desapontado o papai. Jony escuta a mãe do outro lado da linha enquanto com uma mão começa a arrumar a cama para dormir.

JONY (cont.)
Como alguém pode sentir orgulho de uma pessoa que faz tudo errado? De uma pessoa que falha logo na primeira missão que lhe dão?

Jony está exausto. Senta-se na cama enquanto ouve a mãe.
Jony pega o controle da tv de cima do criado-mudo e a liga procurando algo para assistir.

JONY
Eu só queria acabar com tudo. Achei que era o melhor caminho. Eu não sei se devo ainda insistir neste sonho.

Jony faz uma cara de dor e passa a mão sobre o curativo na testa. Sente que está sangrando. Põe o celular no viva voz para liberar as mãos e verificar melhor seu curativo.

MÃE (voz ao telefone)
Meu filho, você não pode desistir de tudo já no primeiro problema. Este é o teu sonho desde pequeno. Você sempre quis ser igual o teu pai. E você é. De onde ele estiver, ele está orgulhoso do filho que deixou.

Jony pega o celular tirando-o do viva voz.

JONY
Obrigado mãe! Talvez seja o acidente, a pancada. Eu vou dormir um pouco. Amanhã cedo tenho que estar na delegacia porque vai ser um longo dia daqueles.

Após alguns segundos ouvindo, Jony dá um leve sorriso.

JONY (cont.)
Também te amo, mãe! Te espero no mês que vem. Beijos! Tchau!

Jony larga o celular e se joga de costas na cama, exausto. Fica olhando o teto e começa à fechar os olhos.

INT. QUARTO DE PENSÃO – DIA

O quarto está todo bagunçado e sujo de sangue.
Parado no meio do cômodo, o homem nú está de pé dando gargalhadas, que vão se tornando mais ALTAS.

INT. QUARTO DE JONY – NOITE

Jony desperta. Olhos arregalados. Olha para o rádio-relógio sobre o criado-mudo. Já são 02:00 horas da manhã.
Jony levanta-se e vai em direção à porta do banheiro.

INT. BANHEIRO – NOITE

O banheiro é pequeno. Jony acende a luz do lado da porta e pára com as mãos apoiadas na pia. À sua frente um armarinho com espelho na porta.
ATRAVÉS do espelho Jony se encara. O curativo está manchado de sangue, indicando que está na hora de trocar.
A mão de Jony vai em direção ao seu reflexo no espelho.
Ele ABRE o armarinho revelando uma grande variedade de vidros de comprimidos em suas prateleiras.

CORTA PARA:

INT. DEPARTAMENTO DE DELEGACIA – DIA

A delegacia de Nova Vicenza do Sul é um pavilhão pequeno, onde vários policiais estão em suas mesas frente aos seus computadores.
Jony chega pela porta de entrada com seu tradicional suspensório e camisa bem passada.
Algo desperta a atenção dos colegas:, Jony está de óculos escuros, o que raramente usa. Os colegas ZOAM dele.

COLEGA 1
Grande Jony “bravo”! Pelo jeito a noitada foi boa!

COLEGA 2
Óculos escuros pra esconder a cara de bebedeira!

Jony não dá “bola” para as zoações. Senta-se na sua mesa em frente ao seu computador. Um outro colega passa por trás de Jony e se apóia em seus ombros.

COLEGA 3
Conta aí Jony! Pelo menos levou uma gatinha para tua casa?

Todos riem, menos Jony.

O delegado Walter, com sua cara de “pouquíssimos” amigos, aparece na porta fazendo todos silenciarem e voltarem às suas atividades. Passa reto para sua sala.

WALTER
Detetive Jony Stela na minha sala, por favor!

Todos se entreolham.

CORTA PARA:

INT. SALA DO DELEGADO – DIA

O delegado Walter está de costas para a porta organizando alguns papéis na sua mesa quando Jony ENTRA tirando seus óculos escuros. Walter se vira.

WALTER
Meu Deus Jony! Que olheiras são essas?

Walter contorna a mesa sentando-se em sua cadeira.

WALTER (cont.)
Sente-se Jony. E o que houve com sua testa?

Jony puxa a cadeira e senta-se à frente do seu superior. Está um pouco embaraçado, não sabe por onde começar falar.

WALTER (cont.)
Uma noite em branco pode justificar as olheiras. Mas e este machucado?

JONY (olhando para baixo)
Foi um acidente delegado! Me descuidei e bati o carro!

WALTER
Eu sei, Jony. Cidade pequena. Pessoal do trânsito me falou. Disse que estava muito acima do permitido. E ainda encontraram garrafa de cerveja no carro. Ora, Jony. Tiveram a audácia de me dizer que pareceu suicídio…

Jony não fala nada. Nem levanta a cabeça.

WALTER (cont.)
…mas claro que eu disse que meu detetive jamais faria isso.

Walter inclina o corpo para a frente sobre a mesa.

WALTER (cont.)
Não faria, não é mesmo Jony?

Jony, lentamente, levanta o olhar. Está abalado. Walter levanta da sua cadeira. Abre a gaveta e pega um cigarro. Estende a carteira oferecendo um para Jony, que assente que não com a cabeça.

Walter pega um isqueiro e acende o cigarro. Dirige-se até a janela e abre uma fresta.

WALTER (cont.)
Eu continuo a fumar, mas detesto o cheiro que fica na sala. Vai entender, não é mesmo?

De frente para a janela, Walter dá uma tragada no cigarro expelindo a fumaça para fora.

WALTER (cont.) (virando-se para Jony)
Sei que o que aconteceu na pensão lhe abalou muito. Mas eu tenho a solução!

CORTA PARA:

INT. DEPARTAMENTO DE DELEGACIA – DIA

CLOSE em uma porta que está fechada. Na placa escrito: Psicóloga e Detetive Dra. Karen Telles. Uma mão feminina de unhas compridas e vermelhas POUSA na maçaneta ABRINDO a porta.

INT. SALA DA DETETIVE E PSICÓLOGA KAREN TELLES – DIA

A doutora KAREN TELLES (35 anos) é a detetive criminal e psicóloga do Departamento de Polícia de Nova Vicenza do Sul. Uma mulher loira de cabelos lisos e compridos. Madura, inteligente e atraente.

Ela ENTRA em sua sala usando saia justa pouco acima do joelho, camisa social e terninho. Aproxima-se da sua mesa tirando os óculos que estão sobre seus olhos azuis. O telefone em cima de sua mesa TOCA. Calmamente ela larga os óculos na mesa e atende.

KAREN
Pronto!

INT. SALA DO DELEGADO – DIA

Jony Stela está de braços cruzados de costas para seu superior que encontra-se sentado atrás de sua mesa. Está abalado. Parece intrigado.

JONY (virando-se)
Não há necessidade nenhuma de me consultar com uma psicóloga. Eu não estou louco!

O delegado Walter coloca o toco de cigarro no cinzeiro em cima da mesa.

WALTER
Não é uma questão de loucura meu caro Jony.

OUVE-SE BATIDAS na porta.

WALTER (cont.)
Pode entrar!

A porta é aberta e Karen Telles entra.

KAREN
Com licença!

CORTA PARA:

INT. SALA DA DETETIVE E PSICÓLOGA KAREN TELLES – DIA

Karen está sentada em uma cadeira estofada. Pernas cruzadas. Um caderno sobre o colo e uma caneta em mãos. Seus óculos um pouco abaixo dos olhos.

Ao seu lado, em uma poltrona bastante confortável, Jony Stela está recostado. Olhos fechados e mãos cruzadas sobre o o ventre.

KAREN
Você precisa superar os medos. Nem tudo são flores nesta profissão.

JONY
História…

Jony ABRE os olhos. Se mexe na poltrona.

JONY (cont.)
Quando você erra. Quando você falha, as críticas sempre aparecem…eu sei. Convivi anos com meu pai acertando e errando, e sei bem como é.

KAREN
Então você sabe bem como é. Como mesmo disse, viu os erros do teu pai. E, com certeza, ele superava.

JONY
Ele era forte! Eu não sou forte. Eu não consigo. Eu falhei.

Karen descruza as pernas. Inclina-se um pouco.

KAREN
O que aconteceu contigo poderia ter acontecido com qualquer um. Comigo. Com o delegado. Enfim, o que pode nos tornar mais fortes somos nós mesmos. Não desista de tudo agora. Mas…

JONY
Eu não sei não…

KAREN
…eu tenho uma maneira de te ajudar. Você precisa meditar, pensar o que realmente quer. Pôr seus pensamentos em dia. Você precisa ficar afastado da corporação por alguns dias. É o melhor à se fazer.

Jony, com cara de quem não gostou da ideia, inclina-se sentando na poltrona.

FADE OUT:

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  • Juro que fiquei apreensivo quando vi o Jony em alta velocidade no trânsito, achei que ele iria sofrer um acidente daqueles, ainda bem que não foi nada de mais. Bem, o coitado ainda está muito traumatizado e com razão, mas acho que ele dever encontrar forças de onde não tem pra superar tudo isso. Quem sabe fazendo sessões com a psicóloga ele não melhore? Está a cada dia mais interessante, Marcos, aguardando ansiosamente pelo terceiro capítulo.

    • Sim. Sim. Esta apreensão era o objetivo.
      As consultas com a psicóloga ainda reservam bons momentos para a história. É a partir destas consultas que somos levados até pontos importantes do trajeto de Jony.
      Obg Melqui!

    • Sim. Sim. Esta apreensão era o objetivo.
      As consultas com a psicóloga ainda reservam bons momentos para a história. É a partir destas consultas que somos levados até pontos importantes do trajeto de Jony.
      Obg Melqui!

  • Juro que fiquei apreensivo quando vi o Jony em alta velocidade no trânsito, achei que ele iria sofrer um acidente daqueles, ainda bem que não foi nada de mais. Bem, o coitado ainda está muito traumatizado e com razão, mas acho que ele dever encontrar forças de onde não tem pra superar tudo isso. Quem sabe fazendo sessões com a psicóloga ele não melhore? Está a cada dia mais interessante, Marcos, aguardando ansiosamente pelo terceiro capítulo.

    • Sim. Sim. Esta apreensão era o objetivo.
      As consultas com a psicóloga ainda reservam bons momentos para a história. É a partir destas consultas que somos levados até pontos importantes do trajeto de Jony.
      Obg Melqui!

    • Sim. Sim. Esta apreensão era o objetivo.
      As consultas com a psicóloga ainda reservam bons momentos para a história. É a partir destas consultas que somos levados até pontos importantes do trajeto de Jony.
      Obg Melqui!

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