Você está lendo:

O Circo de Pennywise – Capítulo 9 – As entranhas do Circo II

O Circo de Pennywise

Capítulo 9

As entranhas do Circo II

A boca do palhaço quase esmagou os pés de Beto. Ele puxou a outra galocha e jogou-a na escuridão da bruma. Isa colocou o indicador na boca, pedindo para que ficasse em silêncio. Escutava-se o barulho das moscas sobrevoando o teto e dos pernilongos mais ao fundo. Rafa entregou a lanterna para ela, que colocou-a no bolso da calça. Não era prudente manter a luz acesa perto de insetos, fossem desse planeta ou não. Os dois continuaram se arrastando pelo chão, evitando fazer qualquer barulho que despertasse as bestas daquele circo.

_ Precisamos nos afastar da bruma _ disse Isa, tocando o ombro de Beto.

_ Não consigo ver você.

_ Eu sei _ dessa vez ela se aproximou. _ Vamos seguir em frente. Preste atenção no movimento que faço com as pernas.

Rafa assentiu com a cabeça, mesmo sabendo que ela não podia enxergá-lo.

A despeito de estarem na boca do palhaço, havia aquela sensação de que estavam andando em círculos, sem se afastar da sua entrada.  Isa fez pequenos rasgos no chão, para marcar o caminho que fizeram. Tateando como um cego, percebeu que já passara por aquele lugar.

_ Merda! _ sussurrou bem baixinho.

_ O que foi?

_ Estamos andando em círculos.

_ O quê?

Rafa estava cansado, sentia frio nos pés e pescoço.

_ Tenho certeza que já passamos por aqui.

O garoto se atentou para a ausência do zumbido das moscas.

_ Escuta só, Isa?

_ O quê?

_ Escuta? _ Dessa vez ele que pediu silêncio. _ Cadê as moscas? Onde estão os zumbidos?

Isa mergulhou no silêncio da bruma; sem moscas e pernilongos.

_ Para onde eles foram?

_ Não sei.

Isa acendeu a luz.

_ Não faça isso! Ficou maluca?

Pseudópodes avançavam na direção deles.

_ Corre, Rafa!

O menino seguia a luz da lanterna pelos espaços vazios do túnel. A respiração sufocante de Isa o fez lembrar Darth Vader.  Um dos Pseudópodes esbarrou nele, jogando-o para longe. Outros dois agarraram a menina pelos pés, grudando-a na parede. Rafa segurou-a pela mochila, tentando libertá-la das pinças do pseudópode.

_ Vá embora Rafa, eu dou o meu jeito.

O luz da lanterna iluminava apenas o chão, sem que pudessem ver o aproximar do monstro.

_ Não vou soltá-la, não vou.

As alças da mochila arrebentaram com o espichar de mais pseudópodes na cintura de Isa.

_Ahhhhhh!!!

Ela foi arrastada para dentro da escuridão.

_ Não!

Rafa tentava alcançá-la pelo túnel.

_ Isa! Isa!

Ele corria desesperado como se um pit bull o perseguissem. Não havia sinal da menina e nem da coisa.

_ Não precisa correr, Rafa. Fique um pouco comigo. Vamos conversar? _ A voz vinha de dentro da parede.

Ele conhecia aquele sotaque paulistano, só não acreditava que estava ouvindo-o novamente. A mochila caiu das suas mãos quando recebeu uma lufada de vento na cara. Uma luz vermelha iluminava uma cama na gruta aberta pela bruma. Alguém estava deitado nela; uma mistura de zumbi com esqueletos de Auschwitz. O queixo da garoto veio ao chão quando reconheceu o rosto cadavérico do avô.

_ Não tenho medo, filho. Venha me dar um beijo, venha.

O garoto escutava apenas o ranger de seu dentes.

_ Aqui é um bom lugar para se viver. Você acaba se acostumando.

Rafa não se lembrava de ver dentes pontiagudos no Senador Severo de Almeida.

_ Você não vai me dar um beijo?

Quando Rafa viu os olhos do avô, percebeu que a mágoa ainda estava lá. Que ele não o havia perdoado.

_ Oi, vovô.

O buraco da parede se fechou. Rafa estava preso com seu passado.

***

Os olhos de Isa se abriram com lassidão. As pálpebras tentavam se fechar, mas a menina não se entregaria sem uma boa luta. A bruma que a puxou com seus pseudópodes continuava sobre ela: parada como uma nuvem e a espreita de qualquer movimento que despertasse sua fúria. A escuridão de outrora dera espaço para uma luz mortiça que vinha dos túneis adjacentes. Havia muitos deles, todos ligados ao principal (por onde se arrastara com Rafa). Meu Deus! Onde estaria Rafa? A cabeça da garota era um turbilhão de pensamentos. Sentia impotente diante do desconhecido, do sobrenatural. De onde viera o circo? Com certeza não era deste planeta – uma força maligna vinda de outro mundo. Isa estremeceu com uma vara de pescar quando da revelação do impossível. O melhor era não pensar, concluiu. Precisava de um plano se quisesse escapar com vida. Mas primeiro encontraria Beto e Rafa. Se ela estava viva, eles provavelmente estariam também.

Isa não gostava de filmes repetidos, no entanto, sua única alternativa era de se arrastar para um daqueles túneis adjacentes novamente, de onde vinha os feixes de luz. Não tivera muita sorte quando fizera o mesmo com Rafa. Tanta faz. Se arrastaria sob a bruma, mesmo que suas chances de sucesso fossem mínimas.

Quando mexeu os braços, sentiu uma fisgada na virilha. Nada que não pudesse ser remediado por um suspiro silencioso. O túnel se estendia por metros, sempre descendo, nunca se desviando do caminho. O cheiro que vinha da escuridão lembrava rojões sendo estourados no dia da Independência Americana, só que bem mais forte. Isa tapou o nariz, não aguentaria aquele odor por muito tempo. A bruma se arrastava sobre ela. Cada metro alcançado por Isa, era acompanhado pela massa escura e seu pseudópodos. Ela deu de ombros para o problema. Não se entregaria sem uma boa luta.

Isa continuava se arrastando até ver uma pequena abertura em um dos túneis. Uma risada nervosa escapou de sua boca, excitando a bruma. Aquilo não passaria pelo buraco, mas seu pés de ameba, sim. Isa se atentou para isso e começou a se arrastar com mais rapidez. Ela se lembrou do filme Aliens e do android que se lançava pelos túneis para chegar a torre de comunicação. Se sentia na mesma situação, arriscando sua vida para salvar sua cidade. Um latino salvando o Tio San (chupa que é de uva, Donald Trump!).

Quanto mais se afastava do túnel principal, mais segura se sentia. A bruma ficou para trás com seu movimento amebóide. Via-se feixes fracos no horizonte sombrio do lugar, como que pequenos relâmpagos de uma chuva fraca. Isa se permitiu sonhar com o irmão, que o encontraria do outro lado. A despeito disso, bem lá no fundinho de seu coração, sentia medo de ser tarde demais, de que havia perdido Beto para aquela coisa. Ela não tinha escolha e continuou com seu difícil trabalho de se arrastar para salvá-lo. Por outro lado, havia Rafa Também; aquele pobre coitado coulrofóbico. Que ele estivesse vivo, assim como ela.

Quando teve oportunidade, Isa se jogou para dentro de outro túnel. O buraco por onde rastejou se fechou. Ela se sentiu idiota em confiar naquele maldito circo, em acreditar que havia uma saída.

_ Merda! _ O choro veio com lágrimas grossas.

Quando olhou para cima, deu de cara com a bruma. Dessa vez, não se esforçou para segurar o choro; ele veio com a força de uma tempestade.

_ Por que não acaba logo com isso? Por quê?

A bruma se esticou como se respondesse sua pergunta. Ela começou a se balançar e a lançar seus pseudópodos nas paredes. O barulho fez com que a garota tapasse os ouvidos. Ela manteve sua passividade diante da morte. Não havia como fugir daquele lugar. Não com aquilo atrás dela.

Algo grande se mexia nas entranhas da coisa, como se estivesse regurgitado um filho. Isa rolou para o outro lado, sempre no rumo da luz. De dentro da nuvem densa que pairava sobre ele, algo escorria como um ovo (novamente o filme Aliens e sua gosma nojenta, pensou). Uma mão abriu o invólucro da  placenta. Uma cabeça surgiu com olhos vermelhos e dentes afiados. Isa gritou mais por instinto do que por medo.

_ Você demorou, maninha.

Beto olhava para a irmã com o semblante de um predador. Seus dedos tinham unhas finas como navalhas; seus braços se alongavam pelo corpo, assim como as pernas desproporcionais. Aquilo não se parecia com seu irmão. Algo se apossara de sua imagem.

_ Tive uns problemas, por isso demorei – disse a menina, num sussurro

_ Pode crê _ o riso da besta reverberou pelos túneis da nave como um trovão.

Isa enxugou as lágrimas com o dorso das mãos. Ela contou até três e saiu em disparada. Que a coisa viesse atrás dela. Não se entregaria sem uma boa luta.

A Widcyber está devidamente autorizada pelo autor(a) para publicar este conteúdo. Não copie ou distribua conteúdos originais sem obter os direitos, plágio é crime.

Pesquisa de satisfação: Nos ajude a entender como estamos nos saindo por aqui.

Leia mais Histórias

>
Rolar para o topo