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O Dia da Faxina – Capítulo 1

– Noite péssima. Olha só para mim! Sem cor, barba incômoda. Seria hora de procurar uma terapia? Acho que não estou bem não. Se pudesse voltar no tempo… Água fria! Bom para acordar. Atrasado, para variar…

Todas as manhãs eram as mesmas para Atílio Cruz, vazias, irritantes, difíceis de suportar. Delírios persecutórios, estômago retorcido pela ansiedade e pelo medo. Nem sempre sua vida foi assim. Antes, um homem dinâmico, inteligente, bem-sucedido, até o dia em que Míriam, sua esposa, foi assassinada. Ela, proprietária de uma boutique de roupas finas, frequentada pela alta sociedade. Ele, engenheiro de uma importante construtora. Eram ambos apaixonados. Tinham planos. Dentre tantos, o de ter dois filhos. Isso se tornaria realidade, assim que retornassem de viagem, a tão esperada e minuciosamente planejada.

Dizem que um fato é precedido por uma sequência infalível de eventos. Uma espécie de predestinação ou maldição, quem sabe, provocada por casualidades ou por nossas próprias falhas. Acidente de percurso que fatalmente nos pega desprevenidos.

Tudo começou numa manhã de segunda-feira. Atílio tinha o hábito de acordar cedo. Corria meia hora na esteira e, depois do banho, vestia-se para o trabalho. Antes de sair, um rápido café. Fazia questão que Míriam estivesse junto à mesa. Porém, aquela manhã seria diferente. A correria deixou o café de lado. Ela precisava pegar uma carona até o aeroporto. O avião partiria às oito e trinta com destino ao Rio de Janeiro. Seria o dia inaugural da semana da moda e alta costura. Uma oportunidade de fazer contatos, pois, Míriam tinha planos de abrir a própria confecção de roupas femininas.

Ambos entraram às pressas no carro. Partiram com a sensação de que a vida era submissa às suas vontades. No meio do caminho, Míriam notou que esquecera algo. Deu falta das especificações dos tecidos especiais, os quais fariam parte de seu próximo lançamento primavera-verão. As especificações deveriam ser entregues impreterivelmente a um grande fabricante, durante a exposição. Lembrou-se, então, de que a secretária havia deixado o material impresso sobre sua mesa na boutique.

Sabendo da importância daquela reunião para Míriam, Atílio imediatamente alterou o trajeto. Acelerou para chegarem à boutique o quanto antes. Nesse meio tempo, ele recebe uma ligação. Era a secretária do diretor da construtora. Houve uma emergência: A tubulação de água de um prédio recém-construído rompeu. O enorme volume de água subterrânea já escoava há horas, e colocaria em risco as fundações.

Preocupado, Atílio desligou o celular, olhou por cima dos óculos escuros para Míriam e balançou a cabeça com um ar de “não sei o que fazer agora”. Ela retribuiu o olhar com um sorriso, já a entender que algo não estava bem. Deslizou a mão sobre o cabelo do marido em sinal de compreensão.

– Já sei! Você me deixa na boutique e de lá chamo um táxi. Acho que dará tempo.
– Não quer mesmo que eu espere? De lá, são apenas dez minutos até o aeroporto.
– Não se preocupe. Está tudo bem.

Ao chegarem, Atílio parou o carro, sorriu e despediu-se com um beijo. Míriam saltou com a bolsa aberta a procura das chaves. Demorou, mas encontrou-as:

“Preciso dar um jeito de não deixar minha bolsa assim tão bagunçada.” – Pensou em voz baixa.

Entrou e os passos apressados, fazia o sonido do salto alto ecoar por todo saguão. Foi à sua sala. As especificações estavam lá sobre a mesa. Suspirou aliviada. Lembrou-se de levar consigo o catálogo de outro expositor, fabricante de autarquias e acessórios. Procurou o material, mas não encontrou. Decidiu verificar na mesa da secretária. Mexeu e remexeu a papelada, até que, finalmente, achou. Abriu a pasta e lançou-o para dentro. Ao fechá-la, fez uma breve pausa. Desconfiou de uma lufada de vento seguido de um estalido.

Olhou em torno e nada. Apenas os cliques de alguns aparelhos ligados, e os tique-taques de um velho relógio de mesa, que ficava sobre um balcão de madeira de lei, juntamente com outros vários objetos de decoração da loja. Tudo se somava ao som abafado dos carros lá fora, que ajudavam a criar um espectro de ruídos enganadores.

“Bem – pensou Míriam – tenho que ir senão perderei o voo.”

Pegou a bolsa, jogou a alça sobre o ombro, e ao dar o primeiro passo em direção à porta, deteve-se. Desconfiou de algo, um barulho estranho, seco, nítido, muito preciso para ser um som aleatório.

Uma espécie de frio premonitório passou-lhe pela espinha, tão intenso, que a fez tremer dos pés à cabeça. A sensação causou-lhe uma urgência interna, logo dominada pela razão: “Quem sabe seja a faxineira. Isso, isso mesmo. Só pode ser ela. Está quase na hora dos funcionários chegarem.”

Por um breve momento, tranquilizou-se. Prosseguiu em direção a saída. Passou diante do espelho da parede do corredor. Uma paradinha para arrumar o cabelo e pronto. E ao dar mais um passo, seus cabelos finos e negros caíram-lhe sobre a testa, forçando-a olhar para baixo e manter a atenção na visão periférica. Foi, então, que percebeu no reflexo do espelho uma sombra.

Aquilo a fez gelar. Voltou-se receosa para diante do espelho. Subitamente, o espelho revelou a presença de um sujeito. Assim que notou ser visto, já não havia mais motivo para se ocultar.  Avançou sobre ela como um cão raivoso. Míriam congelou. O grito entalou na garganta. Na mão do assaltante, a lâmina do punhal brilhou. Acabou enterrada nas costas de Míriam.

Ainda viva, debatendo-se no chão para se salvar, o canalha agarrou-a pelos cabelos e arrastou-a sem piedade até o meio do saguão. Com o mesmo punhal, rasgou-lhe a roupa. Num último e preciso golpe, cortou-lhe a garganta. No chão, enquanto Míriam se esvaía em sangue, violentou-a.

Seus olhos turvaram, os lábios afrouxaram. Até que não mais se debatia. Eram apenas débeis espasmos. Seu corpo estendeu-se no último suspiro. O canalha fugiu. E o que se passou depois, não é difícil de imaginar. Os funcionários, ao chegarem, depararam-se com aquela cena hedionda. A polícia foi chamada. Maria do Carmo, secretária de Míriam, ligou para Atílio. Ele não podia estar em situação mais complicada para receber a terrível notícia. Uma cratera engoliu um prédio recém construído, cujo projeto tinha a sua assinatura. Um tremendo desastre. Ele, em pleno local do desabamento, Maria procura dar a notícia, porém sente-se impotente em amenizar o impacto da tremenda tragédia:

– Doutor Atílio, aqui é Maria do Carmo…
– Não posso falar agora.
– É importante! É sobre Dona Míriam.
– Ela viajou. Algum problema?
– Sim, senhor. Acho que deveria vir para cá.
– Olha, Maria, já disse que não posso. As coisas estão bem complicadas aqui. Diga a ela que nos veremos mais tarde. Já imagino o que seja: perdeu o voo?
– Sinto muito, doutor Atílio.
– Sente muito? Como assim? O que aconteceu com Míriam?
– Ela foi assassinada.

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  • Quanta ação! E reflete a realidade exata que estamos vivendo. Muito bem escrito. Seu texto tem bastante velocidade, o que faz com que queiramos ver o próximo capítulo. Quando sai?

  • Geraldo, este primeiro capítulo deixa um gosto de quero mais… bem narrado, um gênero de literatura realista, sem exageros em termos de adjetivações e advérbios em dose excessiva. Ou seja, um texto enxuto, bem imaginado e com a dose certa de suspense, culminando no final. E veja, a parte em que a protagonista sai do escritório da boutique, entra no corredor e para na frente do espelho nos dá a nítida impressão de que algo ruim irá acontecer, porém, não se sabe ao certo o que irá ocorrer. Isso para mim é um verdadeiro suspense. Gostei, vou continuar acompanhando seus capítulos, amigo!

    • Para mim é uma honra ser comentado por um dos maiores escritores de ficção contemporâneo. Além de um respeitado comentarista literário. Muito obrigado.

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  • Que capítulo magnífico! Cena bem construída, com ação e suspense na medida!

    • Marry, muito obrigado! Vinda da melhor resenhista e crítica que já conheci é uma honra.

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  • Geraldo, perfeito !! Texto bem escrito e muito real para os dias de hoje. Parabéns !! Sou sua fã sempre!!!!

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  • Concordo com os demais comentários. A história reflete bastante o cenário em que vivemos. É de arrepiar!!!!

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  • Primeiro, li de trás pra frente.
    Depois, reli ao certo.
    Nas duas vezes, me encantei!
    Texto claro, com dose certa de suspense pra prender o leitor, linguagem boa, atualizada e harmônica com a tipologia escolhida!
    Sempre gostei de sua escrita, Geraldo!
    Sua postura ética, sua maneira de se posicionar com elegância e luvas de pelica!
    Certamente, mais um de seus sucessos, agora aqui nessa plataforma.
    Sigamos!

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  • Grande Geraldo, colega de histórias, excelente! Prende o leitor de uma maneira incrível! Nós, roteiristas, lemos já imaginando como seria cada cena, cada detalhe, cada close, muito bom!

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