Meses se passaram, mas a ansiedade não diminuía. Atílio acordava todos os dias com a expectativa de que o complexo carcerário já estivesse no fundo de uma cratera. Apesar de mal se aguentar, sabia esconder muito bem o desejo de destruição.
Sempre que só, especialmente em casa, assumia uma segunda personalidade, tão forte, a ponto de confrontar e suplantar a pequena porção lúcida. Vez ou outra delirava, sonhos e pesadelos que o faziam perder o parâmetro da realidade.
“Por quê? É crime matar quem não tem mais jeito? Muito pelo contrário, é um favor que se faz à sociedade. Aliás, todo mundo mata. Mata-se para viver ou simplesmente para se divertir. Matar é humano. Mas que se mate por um propósito. Até por religião se mata! O inconcebível é tirar a vida de quem se ama. Isso é imperdoável. Nem Deus deveria fazer uma coisa dessas. O problema é que Ele não está nem aí. Mata mesmo. Ou será que usa alguém para fazê-lo? Se sim, eu poderia ser um instrumento Dele. Quem sabe, às vezes, Ele usa alguém como assistente… Alguém precisa fazer o serviço sujo.”
Tais pensamentos fluíam incessantemente. Cenas da morte de Míriam não lhe saíam da cabeça. O coração não se aquietava. Todo e qualquer caso de assassinato fazia brotar nele uma revolta quase incontrolável. Corrosiva como ácido. Procurava, então, isolar-se. E na reclusão, conjecturava em voz alta:
“Os que matam para proteger os outros são cobertos de honrarias. Acredito, sem dúvidas, de que serei muito respeitado. Poderei até receber títulos importantes. Eliminar a vida de quem não presta é um serviço à humanidade. Deveria ganhar o prêmio Nobel por isso”
Um dia, enquanto pensava e as emoções se exaltavam, Atílio entrou numa espécie de crise de ansiedade, e delirou. Bem diante de seus olhos, um cenário surgiu. Parecia um teatro. Abandonado e escuro, somente uma fraca lamparina iluminava o palco. Atílio olhou para um lado, e não viu ninguém sentado ao longo da fileira de cadeiras onde se encontrava. O mesmo ao olhar para o outro lado. Ninguém à frente também. Contudo, sentiu uma presença atrás dele. Receou olhar. Um arrepio percorreu-lhe o corpo. Mas o instinto de autopreservação venceu o medo. Ao virar-se de súbito, deu de cara com Míriam. Estava machucada. Ele se levantou, segurou-a pelos ombros e disse em voz alta e ríspida:
– Onde ele está? Que desgraçado fez isso com você? Quem a trouxe aqui? – Nenhuma resposta. Ela ergueu a mão direita e ainda com o olhar fixado em outra realidade disse:
– Minha cabeça dói. Quero ser livre.
Nesse instante, Atílio notou que as mãos da esposa eram feitas de uma bruma muito sutil. E dissolveu-se no ar. Atílio voltou a si, com a ideia fixa de que Míriam sofria, pois nada havia acontecido até então. Ela, assim como ele, clamava por vingança. Contudo, não havia outra coisa a fazer senão esperar.
E desta forma, a vida de Atílio seguia: De casa para o trabalho, e vice-versa. E cada vez menos relacionava-se com as pessoas. Contudo, os delírios tornaram-se recorrentes.
Certo dia, ao ir para casa a pé, Atílio encontrou Vinícius:
– Olha quem eu tenho o prazer de encontrar! – Disse Vinícius, cheio de boas vindas inapropriadas e de braços abertos para piorar. Atílio não esboçou sequer meio sorriso e permaneceu com as mãos nos bolsos:
– Ah, é você. – Foi o máximo que sua boca conseguiu articular.
– Mesmo que não tenha perguntado digo que estou bem. Bastante atarefado. Esta cidade…
– Imagino que esteja bastante ocupado mesmo. A bandidagem prolifera que nem ratos, não é mesmo?
– É verdade. Quer um café?
– Com um meneio positivo, quase imperceptível, concordou. Dirigiram-se a um café próximo.
– Ô, amigo, um café pra nós dois aqui.
– O atendente, já familiarizado com os pedidos do coronel, incluiu a costumeira torta de limão.Traz uma para o meu amigo também. – Completou Vinícius.
– Não, não. Obrigado. Só o café.
– Só o café, então!
Houve uma pequena latência na conversa entre os dois, só quebrada pelo atendente ao trazer o pedido.
– Rapaz, essa torta de limão é a melhor da cidade. Tem certeza que não quer?
– Não. Aproveite. Bem, preciso ir…
– Não, fique. E aí? O que tem feito?
– Só trabalho. Vários projetos…
– Esta cidade não para de crescer. Prédios aparecem de repente que nem capim. Aonde isso vai dar, hein? Vocês tinham que inventar um jeito de humanizar o centro. Quem sabe mais verde, mais parques.
– Mais parques! Pra quê? Pra virar um antro de viciados? Um ponto de encontro pra bandidos?
– Não exatamente. Seria um jeito de atrair a população boa para cá. Além disso, um bom policiamento…
– Era só o que faltava. Você falar em bom policiamento. Somos a minoria, coronel. Não se deu conta disso ainda?
– Acho que deveria provar essa torta. Pelo menos adoçaria suas palavras.
– Prefiro ser mais azedo do que o próprio limão do qual ela é feita. Pelo menos falo a verdade. Só quem sentiu o problema na pele sabe o que é.
– Vai ficar assim até quando?
– Até o dia que alguém fizer alguma coisa pra parar esses caras. Vocês não enxergam que estamos cada vez mais acuados?
– Claro que enxergamos, Atílio. E uma coisa eu lhe digo: Todos os esforços são feitos para conter a violência, mas…
– Mas vocês não dão conta. Gente de todas as classes sociais está sob a ameaça de uma força muito bem organizada. Alguém tinha que aterrorizá-los da mesma forma como fazem conosco.
– Não é assim que funciona. Tudo deve ser estrategicamente planejado. Por isso é que existe o centro de inteligência da polícia.
– Inteligência? Huh!
– Vamos mudar de assunto, Atílio.
– É assim que as coisas funcionam nesse país. Quando não se sabe o que fazer, simplesmente muda-se o assunto, e tudo dá na mesma. Quer saber? A sujeira da política é como uma infiltração de água. Quando descoberta, já é tarde demais. – Atílio se levantou, tirou o dinheiro do bolso e lançou sobre o balcão. Deu as costas deixando Vinícius bastante constrangido.
Ao chegar à casa, isso por volta das oito da noite, a primeira coisa que fez foi tirar os sapatos. Em seguida, jogou-se na cama. Desligou a luz e pensou: “A escuridão infelizmente não é a morte, é só um tipo de desligamento dessa realidade sacal na qual eu vivo.” – E adormeceu. Por volta das cinco horas da manhã, nem havia amanhecido ainda, o celular tocou. Atílio vasculhou o bolso esquerdo da calça, tirou o aparelho e deu uma olhada para ver quem poderia ser àquela hora. Era Lívio. Imediatamente atendeu:
– Lívio?
– Venha para a construtora urgente.
– Algum problema?
– Eu te falo assim que chegar.
Sem se despedir Lívio desligou. Atílio saltou da cama, nem trocou de roupa. Apenas lavou o rosto e saiu apressado. Ao chegar, Lívio e Cássio já o esperavam na recepção.
– Para a sala de reunião. – Disse Lívio com uma expressão preocupada.
Mas o que está acontecendo?
– Daqui a pouco saberá – Disse Cássio.
Já na sala, os três se sentaram ao redor da mesa. Lívio tamborilava os dedos impacientemente e disse:
– Recebi uma ligação há algumas horas da engenharia da prefeitura. Eles foram alertados pelos bombeiros sobre um acidente gigantesco que aconteceu. Vocês não vão acreditar. Ligue a TV.
O noticiário apresentava imagens que mais pareciam ser cenas de um bombardeio. O jornalista, bastante afetado, narrava o que via em tempo real:
“Primeiro, ouviu-se um barulho ensurdecedor que foi ouvido a quilômetros de distância. Depois levantou uma quantidade gigantesca de poeira. Houve um desabamento por volta das três e trinta desta manhã. Uma cratera se abriu e engoliu parte do presídio do Carandiru, zona norte de São Paulo. Tudo aconteceu em segundos. Bombeiros isolaram a área. A prefeitura foi contatada e o responsável alega que a demolição estava prevista para essa noite. Contudo, ninguém foi avisado sobre esta suposta demolição. A prefeitura alega que os prisioneiros foram levados para outros presídios do estado e, por medida de segurança, não poderiam ter divulgado a ação. O estranho é que a cratera é enorme, diferente dos procedimentos utilizados nas implosões de prédios. A prefeitura justifica o método com a alegação de que se trata de uma manobra segura e de baixo custo, cujo resultado apresentado mostrou-se eficiente. A cratera engoliu parte da avenida principal e o trânsito precisou ser desviado. Parentes dos detentos começam a se aglomerar para saber o destino dado a eles. O secretário de segurança afirma que logo divulgará uma lista e o local da transferência de cada um. Moradores da região estão assustados. Coronel Vinícius está no local e disse que a operação de transferência foi um sucesso. Contou com o apoio da tropa de choque.”
– Por favor, pode desligar, sim? Pediu Lívio a coçar impacientemente a testa.
– Demolição. – Disse Atílio.
– Demolição? Isso é o caos! Eles mentem. – Interveio Cássio.
– Esse tipo de fatalidade pode acontecer. Já se sabe a causa? Perguntou Atílio com o cenho iluminado.
– Não. Ainda não. Mas a prefeitura resolveu mentir para se defender. São centenas de mortos. Como farão para ocultarem os corpos? – Indagou Lívio que andava de um lado para o outro.
– O problema não é nosso. Estive lá para vistoriar. Até pedi para a prefeitura trocar parte da tubulação. – Disse Atílio.
– Eles crucificarão alguém. – Ressaltou Cássio.
– Não há ninguém para ser crucificado. A Casa de Detenção foi construída de forma irregular pelo estado. Portanto, a culpa é do governo e não nossa. Tanto é que a adutora não foi especificada na planta. Cumprimos com a nossa parte de verificar possíveis infiltrações.
– Mas o que provocou a erosão? Você esteve lá, Atílio. Não verificou nada de extraordinário?
– Nada. Apenas tubulações velhas e a bendita adutora. Provavelmente ela rompeu. Considerando o tamanho da cratera… o certo seria irmos até lá para verificar.
Cássio ergueu a cabeça e deslizou o dedo indicador pela testa.
– Resta esperar o que os peritos dirão. Por enquanto, esperaremos até obtermos o sinal verde para prosseguir com o projeto da nova prefeitura. – Disse Atílio com discreto sorriso.
– Não se preocupa com todas aquelas vidas perdidas? – Indagou Lívio.
– Algum dia eles se preocuparam com as nossas? – Retrucou Atílio.
Depois de deixarem a sala, Atílio ligou novamente a TV. Uma nova notícia de última hora, mostrou que a parte restante do complexo penitenciário também tinha sido engolido pela cratera. Enquanto o repórter noticiava a suposta demolição do complexo penitenciário, ao fundo pode se ouvir um ruidoso impacto final da estrutura de um dos pavilhões. O interessante foi que ninguém falava em mortes. Teria a imprensa sido comprada? Vinícius mais uma vez foi entrevistado. Garantiu que estava tudo bem e que a demolição fora um sucesso.
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Atílio poderia abrir uma cratera dessas lá no Congresso Nacional. Parabéns, ótimo episódio.
Atílio poderia abrir uma cratera dessas lá no Congresso Nacional. Parabéns, ótimo episódio.
Atílio poderia abrir uma cratera dessas lá no Congresso Nacional. Parabéns, ótimo episódio.
Atílio poderia abrir uma cratera dessas lá no Congresso Nacional. Parabéns, ótimo episódio.
Bem contado esse capítulo. Atílio é o Justiceiro, um homem sem escrúpulos, que usa de todos os meios imagináveis para executar sua vingança.
Bem contado esse capítulo. Atílio é o Justiceiro, um homem sem escrúpulos, que usa de todos os meios imagináveis para executar sua vingança.
Bem contado esse capítulo. Atílio é o Justiceiro, um homem sem escrúpulos, que usa de todos os meios imagináveis para executar sua vingança.
Bem contado esse capítulo. Atílio é o Justiceiro, um homem sem escrúpulos, que usa de todos os meios imagináveis para executar sua vingança.
Caramba!
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