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O Dia da Faxina – Capítulo 9

Depois do massacre, o governo pensou numa forma de atender o que a população efetivamente queria, ou seja, a diminuição da criminalidade. Mas antes de qualquer coisa, queria conhecer quem estava por trás do movimento e como tudo fora deflagrado. A única coisa que se sabia é que uma falsa estudante universitária, uma tal de Lúcia, foi quem instigou a população. Mas quem seria Célia?

O serviço de inteligência chegou até mesmo a descobrir onde o computador foi adquirido e por quem. Agora já se sabia o nome da compradora: Célia de Almeida. De acordo com o CPF fornecido no ato da compra, Célia teria falecido semanas antes, o que tornaria impossível a compra do aparelho. O serviço de inteligência pediu ao dono do estabelecimento as imagens do sistema de segurança correspondente ao dia da venda. Mas segundo o proprietário, a filmagem não foi gravada, pois, naquele mesmo dia, o equipamento apresentou um defeito.

Sistemas mais sofisticados de telemetria foram utilizados para rastrear o IP (identificação do computador). Mas agentes descobriram que o respectivo computador não mais acessara as redes sociais. O problema agora não era mais saber quem, mas como conter a população enfurecida. Manifestações como aquela davam indícios de que se espalhariam por todo o país.

O governo ventilou a hipótese de estabelecer um diálogo com a nação. O objetivo seria pedir calma, pois, um programa inteligente de combate ao crime estava prestes a ser lançado. Levaria algum tempo, mas seria a forma mais segura e humana de se resolver uma questão tão delicada.

O congresso sugeriu realizar uma pesquisa sobre aspectos do sistema de segurança do país. E que propostas de mudanças deveriam ser apresentadas o quanto antes. Enquanto os políticos se organizavam e procuravam formas de contornar a situação, o povo nas ruas já não mais se importava com as possíveis manobras elegantes e sem efeito. A paciência havia se esgotado. Resolveriam o problema com as próprias mãos. Assumiriam as rédeas de algo que o próprio governo já não conseguia dar mais conta.

Manifestantes de todo o país se aglomeraram ao redor dos presídios. Os presidiários suplicavam por perdão. Chegavam a oferecer dinheiro para os policiais em troca de proteção. Soldados, calma e educadamente, pediam para que os manifestantes se mantivessem à pelo menos duzentos metros do perímetro das instalações carcerárias. Mas não havia mais um presídio no país que não estivesse cercado.

Há muito que o povo desacreditava nos políticos. Quem dirá na segurança pública. Foi a história do país que ensinou como se comportarem. Não queriam mais ser conduzidos. Desejavam exercer a verdadeira democracia, soltar o grito sufocado, mesmo que isso implicasse numa atitude tirânica contra aqueles que ceifaram e ainda ceifam vidas inocentes.

Batalhões do exército armados com fuzis, vigiavam os presídios. Cada um deles formado por setenta homens. Cinco caminhões para montar bloqueios com a intenção de proteger as instalações. A cena lembrava um campo de guerra. Mas apesar da situação intimidatória, a população não mais recuaria. Manifestantes reclamavam:

“Como pode a lei proteger um bandido? Eles têm segurança particular, comida de graça, assistência médica e odontológica. Isso sem falar no auxílio familiar. E nós, trabalhadores, não temos nada.”

Na avaliação do general Rubens, analista de assuntos estratégicos, a população do país, de maneira unânime, se mostrava disposta a adotar uma medida drástica para conter o crime. Uma multidão, constituída por milhões de pessoas, não temia mais o risco de ser morta. Seria por uma boa causa. Motivada, a massa se tornaria incontrolável.

Soldados e oficiais com experiência em missões internacionais de guerra foram convocados. Contudo, nunca se envolveram numa situação de tal natureza. O país estava em alerta e o desafio do governo era garantir a segurança dos presidiários. Estes, por sua vez, estavam em pânico. Imploravam para serem salvos.

Durante um comunicado oficial emitido, o Ministério da Defesa informou que gastaria cerca de cem milhões de reais com a segurança dos presídios. A notícia foi veiculada em todas as emissoras de TV e estações de rádio. Isso tudo para evitar que um novo massacre acontecesse. Aquilo foi a gota d’água. Ao saber da quantia envolvida para proteger os bandidos e melhorar a qualidade de vida deles, a população se revoltou de um jeito jamais visto. Ataques aos presídios foram sincronizados via internet. A massa humana não recuou diante dos disparos de fuzis do exército. O barulho era ensurdecedor principalmente quando as bombas de efeito moral estremeciam o chão. No entanto, os soldados não foram agredidos, e tal comportamento causou uma reação que, inesperadamente forçou o comando militar a se afastar, para dar lugar ao manifesto. Questionados pelos jornalistas sobre tal reação, um tenente disse:

“Não temos como atirar no nosso próprio povo. Eles nem estão armados! Não sei de nada, não vi nada”

Mais uma vez pôde-se ver a matança. O povo instituíra uma espécie de tribunal de execução e a pena sempre seria a morte. O ato em si serviria de recado direto e muito bem claro ao crime organizado: “Não mexam mais conosco.”

As pessoas deixaram os seus mundos virtuais e migraram para o mundo real, contrapondo-se, pela primeira vez na história, às forças marginais. Era realmente o que se via nos presídios, aquilo que todos ansiavam fazer:

“O dia da faxina.”

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