Seis meses, foi esse o tempo exato em que Lucca ficou sem ter contato com Dario, pois o seu namorado, até aquele momento, não respondia as suas mensagens e fugia do mesmo quando haviam chances dos dois se cruzarem em algum lugar.
Seis meses com Lucca remoendo e pensando em hipóteses sobre o que deveria ter acontecido. Quanto tempo é necessário para um trauma acontecer na vida de uma pessoa e deixar plantado em sua mente uma semente, uma bomba que em uma situação parecida vai explodir e trazer toda aquela vivência passada a tona em forma de um surto? Um segundo, um minuto, uma hora… Talvez um mês, porém, com certeza, seis meses são o suficiente para isso acontecer.
Voltamos para o começo de mais um ano letivo e Lucca, agora, se preparando para enfrentar o segundo ano do ensino médio. Como já foi dito, suas mensagens para Dario ainda não obtiveram uma resposta, porém o universitário já havia retornado para a cidade porque as aulas na federal começariam uma semana depois das aulas na rede estadual de ensino. Esse fato deixou o nosso protagonista por muito tempo esperançoso de logo mais o namorado iria procurar por ele. Não foi isso que ocorreu no final das contas. Os dias foram se passando e o universitário continuava ausente, nem um sinal de vida mesmo já estando de volta em Santa Maria.
Foi por uma rede social, Twitter, que Lucca descobriu o quão ativo o seu namorado estava na vida social, encontrou uma conta pertencente a ele, algo que não sabia que existia. Tinha algumas conversas que Dario estava mantando com uma garota da sua cidade natal, conversas bem… Enfim, eram flertes na verdade. Isso ajudou um pouco nas probabilidades que Lucca pensava para entender o que acontecia. Tentou ligar para Dario, mas não atendia a chamadas telefônicas, via WhatsApp ou por Messenger.
Durante esses seis meses de não conseguir ouvir a voz do namorado ou de vê-lo pessoalmente perto de si, Arthur foi um grande ombro para Lucca, sempre passava horas escutando ele falando sobre como estava difícil não chorar mais pelo o gelo que estava levando do até então namorado, pensava e repensava em várias teorias, todavia não conseguia chegar a uma conclusão do que havia acontecido. Se Dario não gostava mais dele, ele teria dito e terminado com o namoro dos dois, não? Então, por qual motivo ele estava o ignorando, tinha medo de alguma coisa? Medo de machucar Lucca? Porém essa atitude já estava o destruindo aos poucos.
Em um final de semana Arthur decidiu, ficou sabendo que Dario estaria se apresentando com o seu grupo cover em um evento voltado para os fãs de Kpop no prédio de uma escola de idiomas. Arthur pediu para que Lucca se arrumasse porque eles iriam “dar uma volta juntos”, Lucca tentou pedir mais detalhes, mas o seu melhor amigo preferiu não dizer muitas coisas. Somente quando eles chegaram na escola de idiomas que Arthur explicou o que ele foram fazer ali.
— Eu não gosto tanto assim de Kpop, me faz lembrar o Dario, o que estamos fazendo aqui? — perguntou Lucca parado na porta de entrada.
— Ele tá aqui, vai se apresentar com o grupo cover dele. Vamos pegar ele no pulo, vem! — explicou Arthur.
Mesmo assim o nosso protagonista ficou parado, não tinha certeza se queria encarar o namorado sumido daquela forma.
— Lucca, quantos meses fazem que ele não responde as suas mensagens? Só visualiza, não retorna suas chamadas?
— Sei lá, três ou quatro meses? Mais ou menos isso.
— Então, você tem o direito de saber o que aconteceu e o que está acontecendo. Ele quer mais namorar você? Bom, ele tem que dizer isso na sua cara, fugir só vai deixar tudo pior quando finalmente ele criar coragem de terminar essa relação, temos que fazer algo.
— Obrigado Arthur.
Lucca deu um forte abraço no seu melhor amigo, ato que foi retribuído rapidamente.
Entrou no corredor para subir a escadaria, o auditório em que o grupo de dança cover do universitário se apresentaria ficava no terceiro e último andar. A cada passo que Lucca se encontrava de estar mais perto do seu namorado, depois de meses sem nenhum tipo de contato, seu coração batia cada vez mais forte. Sua mão beliscava as costas da sua outra. Quando chegou ao terceiro andar já podia ouvir a batida de alguma música sul coreana tocando, as apresentações já haviam começado e Lucca entrou no salão do auditório, procurou a cadeira mais próxima do palco e sentou.
Esperava que o grupo de Dario se apresentasse logo, mas o que o nosso protagonista não sabia é que o seu namorado havia o visto sentando na cadeira do auditório. Dario estava com seu grupo na coxia, esperando sua vez de entrar. Não tinha coragem ainda de encontrar o estudante do ensino médio, então, foi por este motivo que Dario virou para sua amiga e colega de grupo e pediu para ela liderar aquela coreografia porque ele se sentia muito mal. Dario não deu mais explicações para a garota, somente deixou o auditório escondido para que Lucca não o visse ir embora.
Quando chamaram o grupo cover do qual o fujão participava, Lucca se encheu de esperança que rapidamente desapareceu quando todos subiram ao palco menos o seu namorado. A música começou a tocar e Lucca levantou para deixar o auditório. Tudo havia sido um perda de tempo, afinal Dario não estava lá.
— Então? — perguntou Arthur quando viu Lucca se aproximando.
— Ele não estava com o grupo cover. A gente veio aqui para nada, Arthur.
— O quê? Não, eu vi no Facebook que ele confirmou presença no evento. Tem certeza que você não viu ele?
— Eu sei como é o meu namorado, Arthur.
— Fazem meses, pode ter esquecido como ele é…
— Vamos para casa, por favor? Eu quero tomar um banho quente, assistir qualquer merda e dormir.
— Tudo bem, vou ligar para o meu pai vir nos buscar. — dizia o melhor amigo enquanto retirava seu celular do bolso.
Depois de sair do banheiro, Lucca foi para o seu quarto onde sentou em sua cama ficando vários minutos em silêncio pensativo, encarando o seu celular que estava jogando em cima do travesseiro. A cada segundo que continuava encarando o aparelho que havia ganhando a pouco tempo uma voz crescia cada vez mais em sua mente lhe pedindo para voltar a enviar mensagens para Dario. Ele tentava lutar contra esses pensamentos, mas estavam sendo mais fortes do qualquer outra coisa.
— Uma mensagem só não vai fazer mal. — sussurrou Lucca para si mesmo.
Procurou o chat das suas conversas com Dario e rapidamente começou a escrever a mensagem. Apagou algumas vezes a mensagem, não tinha certeza se estava certo escrever aquelas coisas. Sentia-se implorando por atenção, fazia meses que Dario não dava respostas, seria demais Lucca pedir atenção para ele novamente, não era isso que gostaria de receber e sim um motivo para aquele afastamento brusco.
Enviou a mensagem, esperava receber a resposta em breve, porém não esperava muito.
Precisava se distrair para não se perder em seus pensamentos e ficar paranoico, talvez já fosse tarde demais e Lucca estivesse ficando cada dia mais paranoico em relação àquela história. Precisava urgentemente de respostas da parte de Dario, mas só ganhava vácuo e mais vácuo. No chat do WhatsApp haviam uma fileira de mensagens e mais mensagens suas somente visualizadas e não respondidas.
Os dias para Lucca ficaram no automático, ele fazia as coisas e muitas vezes não tinha noção do que estava fazendo. O animo para escrever suas fanfics havia sumido, nem ler queria mais ou assistir algum anime. Desenvolveu uma raiva suprema por Kpop e nem podia escutar qualquer melodia que rapidamente lembrava de Dario e respectivamente da situação em que se encontrava, sem respostas. Gostaria que houvesse uma maneira de voltar no tempo e não ter começado a sair com Dario, nem ter o conhecido.
Algumas semanas depois Lucca começou a se perguntar se o namorado não tivesse se afastado por alguma coisa que ele próprio havia feito de errado. Será que Lucca o ofendeu de alguma maneira e não percebeu do ocorrido? Mas o que ele teria dito para ser passível de causar um afastamento tão brusco, sem sentido e aparentemente sem um motivo nítido. O que teria acontecido, procurava e procurava, mas não encontrava as respostas das quais precisava sozinho.
Em uma noite sonhou que estava de bem com Dario como um ano atrás. As coisas estavam bem no ano passado, bastaram alguns meses para que tudo desmoronasse e esse ano anterior parecesse séculos atrás. Este sonho do qual Lucca acordou de péssimo humor lembrou muito os que ele costumava ter com Arthur. A diferença que quando sonhava com seu melhor amigo não passavam de fantasias misturadas com mais fantasias, os sonhos com Dario eram lembranças de um passado bem recente com fantasias. Doía mais, com toda a certeza a dor era maior.
Não acreditava que aquela poderia ser a realidade, tudo havia ficado em um filtro azul cinza novamente e não era porque estavam em pleno inverno, mas sim por causa da sua tristeza. Já não se considerava uma pessoa plenamente feliz antes, boa parte pela a paixão que nutria pelo o melhor amigo e por estar dentro do armário, agora não estava mais e a sua fase de amores com Lucca havia ativado um filtro colorido em sua vida que foi apagado com a mesma velocidade em que foi inserido.
A escola estava a mesma coisa que o ano passado, mas a matéria do segundo ano era mais difícil e o professor homofóbico de química continuava a todo o vapor com suas piadas machistas, racistas e contra LGBTs. Não tinha animo para encarar as aulas quando eram os dias dele de lecionar, muitas vezes ficou em casa quando seus pais saíram para trabalhar, sabia que aquilo iria atrapalhar o seu futuro, mas não se importava. Não tinha animo para continuar…
Como precisava distrair a sua mente de Dario para esquecê-lo completamente, o que ele sabia que só seria possível de acontecer quando finalmente conseguissem conversar sobre o elefante na sala, Lucca começou a assistir o seriado musical Glee para levar sua mente a outro lugar. E deu certo.
O clima do show o contagiou rapidamente, era o que precisava assistir naquele momento, a série recuperou o filtro colorido que havia perdido quando o namorado resolveu desaparecer. A música do episódio piloto bateu fundo na sua alma, nunca havia sentido aquilo antes com uma canção e foi assim que descobriu o poder que uma boa música pode ter sobre o ser humano. No refrão os pelos dos seus braços se arrepiaram com as vozes e a emoção, havia encontrando algo totalmente novo para ele, não sabia que precisava assistir Glee até assisti-la. Assistiu toda a primeira temporada em duas noites, deixava de estudar para ver. Se identificava mais com o único garoto homossexual da escola e sentiu um calorzinho em seu peito quando, na segunda temporada, ele conheceu o seu par romântico.
Estava completamente viciado no programa e não via mal naquilo porque lhe fazia muito bem, cantava as músicas que gostava em voz alta e aos poucos foi pegando gosto por musicais, gênero do qual Lucca não fazia muita questão de acompanhar antigamente. Glee lhe ensinou a apreciar músicas, mesmo as mais farofas.
Quando começou a terceira temporada Lucca já acompanhava fanfics da série dedicada aos seus casais favoritos, começou a trabalhar em uma e assim esqueceu a história que havia começado antes de conhecer Dario. Precisava continuar respirando Glee e alimentando esse seu novo vício descontrolado, o show também lhe ensinou a pegar gosto para assistir outras séries já que Lucca acompanhava mais animes e poucos produtos dos Estados Unidos.
Glee acendeu uma faísca de esperança em Lucca da qual ele nunca havia pensado que poderia ter, se sentia especial, pois o programa lhe dizia que ele era especial. Ainda não havia esquecido o que aconteceu entre ele e Dario, mas acompanhar aqueles personagens deixou a bagagem mais leve do que estava no começo de tudo. Essa onda de animação que o seriado trouxe para a vida de Lucca também o deixou mais adepto a socializar com pessoas novas, na internet fez alguns novos amigos graças as tag usadas para falar sobre o show.
Conheceu um rapaz que morava em uma cidade vizinha a Santa Maria. Começaram a conversar sem parar sobre o que tinham em comum, Glee, então, em um dado momento esse rapaz chamado Jonas convidou Lucca para participar de um RPG de chat no WhasApp com o tema da série. O jovem não entendeu como que funcionava, entretanto seu novo amigo explicou rapidamente como esse tipo de RPG funcionava. Ele escolheria um personagem que não estava ocupado por outro jogador, então, no grupo do WhatsApp eles jogavam por meio de ações escritas sendo que falas tinha que ser escritas com o nome do personagem antes e ações entre asteriscos. Era uma verdadeira bagunça, mas Lucca gostava muito e ficavam mais de uma hora nisso.
Lucca havia encontrado uma maneira nova de desenvolver e de trabalhar com sua criatividade, isso também o ajudou a voltar a escrever.
