Você está lendo:

Episódio 8

Aquela manha transcorreu agradável, as águas límpidas e claras facilitavam nossa pescaria, em princípio, Yon me fez usar as mãos nuas como ferramenta. Ele simplesmente se pôs diante de mim e com as mãos nuas pegou nosso primeiro peixe.

— É assim que se faz, — Ele segurava o animal que se debatia com ambas as mãos. — Você tem que ser rápido ou o peixe escapa.

Depois de vê-lo segurar o peixe, algo dentro de mim se acendeu, se ele consegue, eu também posso conseguir. Assim, eu me pus em posição como ele havia feito. Coloquei minhas mãos dentro da água e esperei o momento certo.

Eu esperei…, esperei, mas nada aconteceu, nenhum peixe apareceu próximo a mim para que eu o pegasse, eles pareciam saber das minhas intenções.

Depois de inúmeras tentativas falhas ele resolveu me dar uma dica.

— Apenas relaxe e sinta o fluxo das águas. — Ele disse notando meu estado de espírito. – Pense antes de agir, ou nada acontece do jeito que deve acontecer.

Relaxar e sentir o fluxo, ele faz parecer tudo tão fácil, eu não perderia nada se tentasse.

Depois de um bom tempo apenas observando o lago eu me dei conta de que todos os peixes seguiam um caminho circular ali dentro, mesmo que eles tomassem rumos diferentes, nadavam sempre da mesma direção. Então resolvo arriscar um movimento, e para minha surpresa eu consigo puxar o peixe para fora da água.

Meu sorriso se estendeu de orelha a orelha, então fui tomado por uma sensação de felicidade extrema que me fez erguer meu troféu para o alto e gritar com todas as forças contidas em meus pulmões.

— É assim que se faz! – Retruquei para ele, estendendo-lhe o animal ainda vivo, se debatendo em minhas mãos.

— Meus parabéns, você está pronto para o próximo passo! Pegue a vara que eu lhe dei e traga-a até aqui.

Assim fui até a margem e peguei a vara que fora largada em um canto, quando eu me preparava para retornar ao lago um grito ao longe chamou minha atenção.

Yon também o escutara e saindo da água ordenou-me silencio, assim pudemos ouvir mais uma vez um grito de dor ecoando por toda a floresta.

— Não me parece muito longe daqui. — Disse

— Não é, vamos ver o que está acontecendo.

Nós seguimos o leito do rio por alguns minutos, o caminho nos leva a uma a uma enorme e caudalosa cachoeira escondendo o que me pareceu ser um templo há muito abandonado.

Yon olha para a grande estatua a nossa frente uma bela mulher de longos cabelos, trajando quimono e uma coroa de flores reais. A bela dama está de braços abertos para nós de modo convidativo, abaixo de seus pés uma pequena entrada, coberta pelo musgo e ramos de arvores crescentes, deixa evidente um altar usado para orações.

Em uma reverencia ele anuncia:

— Darkhus, a senhora das sombras.

Posso ver um brilho diferente em seu olhar ao contempla-la, o homem antes cansado agora parece revigorado, apenas pelo vislumbrar daquela dama. Um grito novamente quebra o silencio, tirando-o de seu momento contemplativo.

— Tenha cuidado, este lugar esconde muitos perigos, aqui as criaturas da noite, assim como eu, ganham vida, pois estão em seu território.

— Pan me disse que as criaturas das sombras enfraquecem durante o dia. Por que aqui é diferente.

— Esta é a casa de Darkhus, aqui os filhos da noite são regenerados, nenhum dos filhos da luz terá êxito em suas batalhas, pois este é um lugar em honra as sombras.

Yon adentrou o recinto com toda cautela, procurando em todos os cantos por sinais de perigo. Ao entrar atrás dele, o cheiro acentuado de decomposição invadiu minhas narinas, a escuridão se fazia presente e assim como antes do amanhece, eu não enxerguei um palmo diante do nariz.

— Eu não consigo ver nada!

— Eu posso, apenas mantenha a calma e faça silencio.

Pude ouvir alguma coisa se mexer próxima de mim, em poucos segundos o estalo de algo batendo contra o metal, uma pequena chama se formou. Yon estava a minha frente abaixado fazendo fogo. Poucos segundos depois ele está ao meu lado com uma tocha em suas mãos.

— Aqui, — ele tira da cintura e me entrega uma adaga prateada com cujo cabo fora revestido com couro curtido. – minha fraqueza pode ser sua força.

— O que eu vou faze com isso? — Pergunto sem me dar conta do que estava prestes a acontecer.

— Isso é para sua proteção. Às vezes, ou você luta ou morre.

Meus olhos vão da adaga prateada para ele, e só então eu realmente entendo o que vai acontecer ali. Em minha mente, as cenas da luta contra Delfian e contra Yon há alguns dias atrás e do campo de treino vem a minha mente como uma enxurrada.

— Eu não serei um peso dessa vez. — Digo mais para mim do que para ele.

— Apenas acalme-se e sinta o fluxo, na hora certa você saberá o que fazer.

Pego a faca analiso seu fio de corte com a ponta dos dedos, — esta afiada — volto minha atenção ao altar a minhas costas e decido fazer algo que nunca pensei que faria. Colocando a arma aos pés de Darkus, fico de joelhos e fecho os olhos por um momento, assim como Yon fizera anteriormente peço por minha vida e pela vida das pessoas a minha volta, pessoas as quais eu desejo proteger.

Então me levanto e me coloco ao seu lado pronto para o que quer que venha a seguir.

— Vamos.

Ele me olha com ternura antes de tocar meu ombro.

— Nenhum dos filhos da luz fez o que você acabou de fazer. Obrigado!

— Luz e sombra são faces da mesma moeda, não são. Posso não entender o que te move, mas posso respeita-lo e aprender com você.

— Tens um grande caminho pela frente meu amigo. Você será grande e fará grandes coisas. – ele diz seguindo seu caminho.

Seguimos em silencio por um corredor escuro iluminado apenas pela fraca luz da tocha feita por Yon, a medida que avançamos, o ar se torna rarefeito e o ambiente abafado, fica difícil respirar, vejo coisas rastejando e se escondendo enquanto passamos.

— Muitos de nós tem medo da luz. — Yon disse a minha frente. Muitos não entendem que luz e sombra são faces da mesma moeda.

Depois de percorrer todo o caminho em linha reta chegamos a uma bifurcação, Yon levantou uma das mãos indicando que seguiríamos para a direita. Ele estava diferente, seus sentidos estavam mais aguçados, ele parecia estar em sua própria casa.

O caminho escolhido era iluminado por tochas de chamas negras, o ar rarefeito fazia todo meu corpo pesar e meus músculos não me obedeciam. Um zumbido estranho tomou conta do ambiente…

… Cada vez mais alto.

— O que é isso. — Perguntei tentando tapar os ouvidos, e ao mesmo tempo tentando me apoiar nas paredes do túnel.

— Estamos perto. — Anunciou ele fazendo uma careta.

Coloquei minha adaga a frente do corpo e caminhei com dificuldade junto dele.

Uma rajada de vento muito forte passou por nos.

Se Yon não estivesse a minha frente eu tenho certeza que seria levado pela corrente, agora nós estávamos totalmente no escuro e o zumbido vinha a cima de nossa cabeças.

— Abaixe-se Jonas! — Yon gritou para mim.

— O que é isso! — Perguntei pondo-me ao chão.

— Vespas, estamos no ninho de vespas venenosas.

Estávamos os dois no mais complete breu, eu não enxergava um palmo diante do nariz e estava acuado como uma criança indefesa

Meus ouvidos foram tomados por um uivo bem próximo de mim, o que fez meu coração acelerar e minhas pernas tremerem. Em seguida o som de roupas sendo rasgadas e algo sendo dilacerado.

— Yon, o que está acontecendo? — Pergunto inda abaixado e de olhos fechados.

— Proteja-se Jonas, o veneno delas é mortal. — Ele gritou.

Sua voz havia mudado, estava mais grave e forte como a de uma fera. Yon lutava sozinho contra as vespas venenosas, ele usava o próprio corpo como escudo para me proteger, eu precisava fazer alguma coisa, ou nos dois morreríamos ali.

— Como nos matamos essas coisas? — perguntei pondo-me de pé.

— Fogo! — Ouço dizer com dificuldade — queime o vespeiro e ficaremos bem.

Levantar-me subitamente, foi um grande erro, assim que me pus de pé senti várias ferroadas em meus braços, tronco e rosto, todas de uma só vez. A dor era insuportável, senti todo o meu corpo inchar.

Eu tinha que pensar em alguma coisa. Recuar não era mais uma opção, eu teria de fazer fogo de algum jeito. Se eu tivesse comigo algum material inflamável e fósforos seria bem mais fácil, mas quem sai de casa pensando em fazer fogo?

Eu não tinha muito que fazer a não ser bater com minha adaga contra as paredes de pedra e torcer para que o fogo acontecesse.

Bati com a lamina e uma pequena faísca se acendeu. Precisava apenas do combustível para manter o fogo aceso.

— Onde estão as tochas? — pergunto já tateando as paredes. – eu não consigo encontra-las.

Ouvi o som de garras arrastando na pedra e em seguida senti garras agarrando meu braço a um pedaço de madeira já gasto. Percorri toda a sua extensão com a mão até encontrar o combustível para o fogo, um pano embebido em alguma substancia inflamável.

Sem pensar duas vezes raspei minha adaga contra a parede e uma pequena faísca se acendeu novamente.

Uma…, duas…, três…, tentativas até que uma pequena fagulha acertou o pano encharcado fazendo com que uma pequena chama se acendesse, o que vi foi algo inacreditável, um lobo gigante estava sobre as patas traseiras balançando as garras de um lado para outro tentando em vão acertar um bando de vespas sem sucesso.

A cima de nós a fonte de nossos problemas. O vespeiro fora construído sob o teto do templo, sem pensar duas vezes joguei a tocha para o monstro a minha frente e torci para ele ser quem eu pensava que fosse.

O ser humano faz o impossível quando está em uma situação de estresse, ainda mais quando se está entre a vida e a morte, como é o meu caso.

A fraca luz da tocha me possibilitou enxergar um pouco além, e perceber o que estava acontecendo ao meu redor. A cima de nossas cabeças o enorme vespeiro nos impedia de avançar em nossa jornada. Uma ideia maluca permeou meus pensamentos quando vi a fera ao meu lado se apoiando nas patas traseiras tentando conter o foco de insetos para me proteger do pior.

Joguei a tocha para ele temendo que se apagasse, mas era nossa única alternativa. A criatura humanoide percebendo minhas intenções, pego a tocha no ar num movimento rápido e preciso passou-a por toda a extensão do vespeiro a cima de nós antes de enfia-la na abertura por onde os insetos continuavam a sair.

Um zumbido estridente tomou conta do lugar, fazendo toda a estrutura do templo tremer, o fogo havia tomado conta de tudo.

Uma gosma esverdeada e fedorenta começou a ser expelida pelo orifício, nós havíamos matado alguma coisa além das vespas, pedaços do teto em chamas caiam em cima de nos.

Yon voltou a sua forma original num piscar de olhos, era espantoso ver a facilidade com que ele usava seus poderes, sua força e agilidade eram impressionantes.

Virei de costas ao perceber sua nudez, apesar de não haver tanta diferença assim em ambas as formas, seu corpo além dos músculos era coberto de pelos apenas era um pouco menor em sua forma humana.

Um grito de dor e agonia rompeu o silencio constrangedor e com ele a certeza de que alguma coisa muito errada estava acontecendo. Sem muito tempo para pensar, avançamos pelo corredor cheio de fumaça.

— Nós temos que continuar. — Ele ordenou sem dar muita atenção a falta de trajes.

Sem querer parecer indelicado e ainda de costas pigarreei.

— É… — As palavras travavam a garganta.

— O que houve, está machucado?

— Não! — Respondi olhando para ele de cara amarrada.

— Ah, é isso, — Disse ele se dando conta de sua falta de pudor. — É…., isso acontece durante a transformação, por isso eu costumo tira-las antes da mudança.

Ele deu de ombros.

Eu não me sentia confortável com aquilo, minha mãe sempre me ensinou a esconder certas coisas das pessoas, a nudez era uma delas. Era estranho alguém tratar aquilo de forma tão natural.

— Desculpe… — Ele disse percebendo meu desconforto, — Para mim isso é natural.

— Eu é que não estou acostumado com isso. — meu rosto estava quente e com certeza corado.

— Tira a camisa. — Ele pediu

— O que?

— Me dá a sua camisa, ou você quer que eu continue assim?

Tirei uma das camisas que usava e entreguei para ele que amarrou em volta da cintura usando-a como uma frauda. Tentei conter o riso.

— O que tem de tão engraçado nisso.

― Nada.

― Ora seu moleque. Pare com gracinhas e vamos ao que realmente interessa.

Demos voltas e mais voltas naquele lugar sem sequer avistar a saída, estávamos os dois cansados e o barulho do meu estomago indicara que já se passara da hora de pôr algo para dentro dele.

Quando a luz no fim do túnel finalmente apareceu, o caminho se estreitou tanto, a ponto de formar uma estreita passagem que era difícil para uma única pessoa atravessar.

O túnel se alargava um pouco mais à frente em uma sala cuja entrada era contornada de inscrições estranhas de difícil compreensão para mim.

― Como ousam invadir os domínios de minha senhora desse jeito. ― Disse uma voz feminina. ― Aliados seus eu suponho. Eles ainda têm a petulância de matar um de meus preciosos bebes.

Yon pediu-me num sussurro para que eu permanecesse em silencio e agisse com a maior cautela possível. Eu vinha caminhando ao seu lado quando notei a presença dela.

A Widcyber está devidamente autorizada pelo autor(a) para publicar este conteúdo. Não copie ou distribua conteúdos originais sem obter os direitos, plágio é crime.

Pesquisa de satisfação: Nos ajude a entender como estamos nos saindo por aqui.

Leia mais Histórias

>
Rolar para o topo