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Removidos – Capítulo 3

O psiquiatra

 

Após uma noite agitada, povoada de sonhos desconexos, finalmente um novo dia. Logo cedo Frederico e eu fomos ao consultório do psiquiatra. Confesso que minha intuição não permitia que fosse otimista. Que profissional levaria tal história a sério? Fazia aquilo pelo meu amigo que tanto se preocupava com a minha saúde.

Próximos ao local, Frederico procurou uma vaga para estacionar. De súbito, minha visão periférica captou uma rápida imagem na tela de cristal líquido do DVD instalado no carro. Não teria dado muito importância se tal imagem não fosse de nós dois.

– Por acaso seu carro é equipado com câmera interna? – Perguntei
– Câmera? Não, por quê?
– Acabei de ver nossa imagem na tela de seu DVD. Foi rápido, mas eu vi.
– Pirou. Não pode ser. Primeiro: Não tenho câmera, aliás, não sei nem porque teria. Segundo: o DVD está quebrado. – Não retruquei, visto ainda sentir-me sacudido pela conversa com Sara na noite passada. Frederico pediu para que deixasse isso pra lá e nos apressássemos.

Chegamos ao consultório e na recepção preenchi uma ficha. A secretária pediu que aguardasse. Logo o doutor Jacó Mourão me atenderia. Cerca de dez minutos depois fui chamado.

– O senhor pode entrar. – Disse gentilmente a secretária com aquela típica delicadeza comercial.

Sentei diante do psiquiatra que permaneceu entretido com os papéis. Demorou a olhar para mim. Tinha um rosto compenetrado, testa toldada, um nariz proeminente que se equilibrava com traços rechonchudos das bochechas coradas cobertas por uma barba rala. Apesar de calvo, o restante de seu cabelo formava uma ferradura prateada que lhe conferia um aspecto intelectual.

– Pois não, senhor Fernando. Como posso ajudá-lo? – Perguntou com a caneta em punho.
– Duvido que possa. – Respondi em tom bastante seco.
– Caso sinta-se confortável em falar…
– Como posso se nem sei ao certo o que está acontecendo?
– Vamos, então, começar por aquilo que mais incomoda. O senhor parece ansioso. Dorme mal? Sente-se deprimido?
– Sim. Há motivos.
– Quais seriam eles? Um momento; que manchas são estas em seus punhos?
– Não sei. Simplesmente surgiram.
– Doem?
– Não, mas a textura difere do resto da pele.
– Estranho! Apesar de escuras, são mais delicadas. – Disse o psiquiatra a examinar as manchas. – Bem, sugiro consultar um dermatologista.
– Seguirei seu conselho.
– Pois bem, Fernando, o que houve?
– Meu caso poderá parecer estranho demais, porém, tentarei resumir.
– Tudo bem. Prossiga.
– Tive uma experiência de contato com um ser que não era deste mundo. Isto aconteceu enquanto estava parado no estacionamento de uma loja de conveniências. Desde então, tenho sido perseguido por agentes que querem saber se sou um removido… – Disparei a falar sem a menor reserva. Tinha certeza de que não acreditaria numa única palavra. Doutor Mourão fez algumas anotações, tirou os óculos, deslizou a mão pela barba ao mesmo tempo em que parecia tentar encaixar meu caso em algum diagnóstico conhecido. Um longo período de silêncio se seguiu. Por fim, senti-me arrependido de ter aberto a boca.

– Você disse que viu um ser, correto? – Perguntou enquanto escrevia.
– Sim, e parecia bem real. – Respondi.- Conversou com ele?
– Conversei, mas ele não articulava. Ele falava dentro da minha cabeça.
– Por acaso ele fez alguma revelação?
– Revelação… Sim, fez. – Não sei por que, mas desconfiei daquela pergunta.
– Fernando, por favor, diga-me o que o ser lhe disse. Conte em detalhes. – Isso soou como a gota d’água que faltava para aumentar minha suspeita. Doutor Mourão inclinou a cabeça para fazer outras anotações. Fiquei em alerta. O clima ficou denso e sem demora disse:
– Bem, doutor, acho que realmente tudo não passou de bobagem da minha cabeça.
Sem dizer uma palavra, doutor Mourão destacou uma folha do receituário e prescreveu um remédio, o qual nem me dei ao trabalho de saber qual era.
– Em caso de dúvidas, ligue. – Completou já a encerrar a consulta. Levantei e ao estender a mão para me despedir, ele girou a cadeira e segurou o telefone. Sai do consultório a estranhar tal comportamento. Passei pela recepção e chamei Frederico que lia despreocupadamente uma revista:
– Frederico, vamos embora.
– Opa, espere… como foi a consulta?
– O que poderia esperar? A solução para todos os meus problemas está aqui. – E sacudi a receita no ar. – É só tomar uma dose desta coleira química e tudo ficará bem.
– Mas você precisa de um acompanhamento médico…
– Vamos embora, esse psiquiatra é estranho.
– Está bem, acalme-se. Quer passar na farmácia?
– Frederico, antes que esqueça, vá para o inferno! Não vou tomar isso. – Resmunguei ao bater a porta do carro. Ao partirmos Frederico disse:
– Não entendo porque você está tão… – Subitamente ouvi um estrondo e tudo ficou quieto. Não lembro o que aconteceu.

Foi difícil abrir os olhos. A visão voltou aos poucos. Senti uma dor aguda no abdome. Foi quando percebi que estava preso entre as ferragens do carro. Olhei para o lado e vi meu amigo quieto, feito um boneco, sem se mexer. Esforcei-me para me erguer um pouco. Chamei-o. Não respondeu. Tentei puxá-lo pelo braço. Não acreditei quando vi sua cabeça esmagada contra a coluna do carro. Outra vez perdi a consciência.-” ”>-‘.’ ”>

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