Você está lendo:

Segredos Mortais – Capítulo 14

Arrumando a saia verde, ela andou pelo gramado e subiu as escadas. Quando chegou à porta de madeira grossa, o sistema de vigilância emitiu um ruído e ela olhou para cima. Uma câmera instalada na frente da porta girou em sua direção, registrando sua presença. Gabriele achava irônico que o único defeito daquele casarão clássico era não haver uma campainha ou argolas de ferro na porta.

Alguns passos e barulhos de trincos foram ouvidos. A porta se abriu.

– Olá, Homero. – Disse ela, para a figura à sua frente.

De estatura baixa e de cabelos ralos, o homem vestido num terninho preto cumprimentou-a e fez sinal para que ela entrasse.

– Ele está ansioso pela sua chegada senhorita. – Disse Homero. 

O tom de voz impaciente dele a alertou. 

O salão dourado era a primeira coisa a ser vista quando se atravessava aquela porta e, talvez, a parte mais inspiradora da casa. Toda a decoração estava aos moldes clássicos, rústicos e europeus. Gabriele andou pelo salão desviando das peças e vasos que encontrava pelo caminho. Junto ao amontoado de sofás, ela sentou-se perto da única e impotente lareira, apagada.

– Senhorita! – Chamou Homero. Ele andou até ela e passou pelas costas do sofá onde estava. – Vou chamá-lo aqui. Não demoro.

O pequeno homem seguiu pela lateral e andou até a ponta de um tapete vermelho onde se seguia a escadaria que levava aos andares de cima. Gabriele abaixou a cabeça e esperou. Pensativa, analisando uma forma eficiente de convencer seu pai a se juntar a nós. Se é que havia uma. Em alguns minutos ela ia descobrir.

Ela refletira bastante sobre isso nas últimas horas e definitivamente não era o que ela queira, mas o que ela devia fazer.

O som de passos pôde ser ouvido já nos últimos degraus. Gabriele se virou e olhou para o homem que ela jamais perdoaria.


Saulon Montês desceu as escadas e percorreu praticamente todo o salão até se sentar no sofá à frente da filha. Cruzando as pernas, ele a encarou. Seu rosto magro e seus cabelos brancos despenteados pareciam ir contra a vontade de seus olhos, azuis como os dela, que indicavam indiferença. Gabriele sabia o quanto ele devia estar se corroendo para saber o que ela tinha a dizer. Naquele jogo ela daria as cartas, segura de poder convencê-lo sobre alguma coisa.

– Olá, Gaby! – Disse ele, acenando com uma mão.

– Gabriele. – Ela corrigiu de forma ríspida.

Ele fez que sim com a cabeça, desculpando-se, e se ajeitou no sofá.

– Acho que não estamos exatamente na hora combinada, não acha?

– Não avisei que viria, mas já imagino que você estava à minha espera. Preciso marcar hora agora para falar com meu pai?  – Perguntou ela, sem mudar o tom.

– Antes, seus assuntos eram nossos assuntos.

– Antes.

      Saulon descruzou as pernas e sentou-se ereto.

– Então, vamos lá. – Disse ele. – Quais são as boas-novas de hoje?

      Gabriele notou que ele demonstrava interesse. Ela sabia que ele já estava interessado, mas Saulon Montês nunca, jamais, ia direto ao ponto. E ela aprendera com o próprio pai que o melhor método para entrar na cabeça do adversário era pensar como tal.

– Antes de mais nada… – Disse ela. – …tenho uma proposta para você, Saulon.

– Uma proposta para o seu pai? – Perguntou ele.

Eu não tenho mais pai, pensou ela, furiosa.

– Para você, Saulon. – Repetiu ela, dando ênfase ao nome.

Saulon riu e se levantou. Gabriele, por impulso, quase o fez também.         Apreensiva, ela o viu sentar-se ao seu lado, próximo demais, como nunca estiveram antes dos vínculos entre ela e a família serem cortados, antes dela partir para a aldeia.

– Minha filha… – Disse ele. – …eu ainda sou o seu pai. Pode me chamar assim, se quiser. Eu fico feliz que tenha voltado e…

– Eu voltei por um acordo. – Ela interrompeu, ríspida.

– Sim, um acordo. – Concordou ele. – Mas voltou.

Por um instante, ela pensou em considerar a momentânea compaixão do pai. Então, recriminando-se, lembrou-se do que deveria fazer. Era só mais um jogo sujo que ela conhecia como ninguém. Boa como ela era, decidiu jogar também.

– Então, papai… – Disse levemente sarcástica. – …tenho uma proposta para você.

Saulon se ergueu novamente e andou por trás do sofá, onde parou e pousou uma mão no ombro da filha.  Gabriele se contraiu apreensiva.

– Diga.

Gabriele considerou o que ia dizer, medindo as informações que seriam necessárias.

– Em menos de uma hora estaremos partindo rumo à mansão do clã dos Sams. E a pedido de Daniel, vim até aqui para lhe pedir que se junte a nós para pormos um fim a essa guerra. Retirando a mão de seu ombro, ele socou o sofá onde ela estava sentada sem controlar sua fúria.

– O que você está me pedindo?  Isso é uma afronta! Como Daniel ousa fazer você vir aqui me pedir isso? Ele poderia ter evitado a morte de sua irmã, mas ao invés disso forjou a própria morte e se escondeu como um rato. Aquele traidor… – Rugiu ele andando pelo enorme salão.

– Ele fez isso para proteger sua família, assim como você se sujeitou a aceitar o pacto com Zoraky, aquele monstro, para proteger a sua. Quem te traiu foi Zoraky, não Daniel. Não havia nada que ele pudesse fazer a respeito de… Isabele.  Disse ela pausadamente. Observando seu silêncio ela prosseguiu. Lara é apenas uma vítima desse caos, assim como eu e Adele, sua prima. Mesmo tendo o mesmo sangue, sei que eles são diferentes. E você também sabe. Precisamos ajudá-los. – Saulon sabia disso, mas precisava colocar o peso de sua culpa em alguém. Em silêncio, ele analisou as palavras da filha.

– Vocês não sabem no que estão se metendo! – Afirmou Saulon, contornando o sofá e sentando-se no sofá em frente da filha.

– Sua amiguinha é temperamental, fiquei sabendo sobre o ataque, e pelo que sei, ela quase te matou. Mesmo assim ainda confia nela? – Perguntou Saulon passando a mão sobre sua barba branca.

– Isso foi um acidente! Lara ainda está aprendendo a lidar com seu novo gene, e ela está indo muito bem. Daniel criou um soro que ajuda a controlar a transformação. – Explicou ela, impaciente. 

– Esse soro é a causa desse caos, Gabriele. – Disse ele alterando sua voz impaciente… – Essa invenção destemperada de Daniel criou nos recém-criados uma obsessão sem controle. Você sabe como funciona esse soro e quais os efeitos? Daniel explicou isso? – Perguntou ele de forma como se soubesse alguma coisa.  

– Sim, ele nos disse que o soro serve para bloquear a transformação e controlar a raiva, evitando que ela os domine. – Respondeu ela diretamente. 

– Não é só isso. Ele pode controlar, mas, seu efeito é instável, variável. Lara, assim como os outros vampiros tem células mutantes, ou seja, elas estão suscetíveis à uma mutação constante de personalidade. Isso os torna não confiáveis.  

– OK, Saulon. Por um momento achei que você fosse querer vingar a morte de sua filha. Sendo que a morte dela foi resultado de um acordo que você fez com Zoraky, na busca de uma trégua idiota. Se você foi capaz de confiar em um demônio traiçoeiro, por que não posso confiar em pessoas com quem convivo há mais de quatro anos? Você está tentando colocar a culpa toda sobre Lara e Daniel, de um erro que você cometeu ao aceitar um pacto movido pela ganância. Eu confio neles e lutarei com eles, ao contrário de você, sei para quem direcionar minha raiva, agora. Já vi que perdi meu tempo vindo aqui. Preciso voltar para a aldeia, eles me esperam. – Disse Gabriele ficando em pé diante de seu pai.

Saulon pareceu afetado por suas palavras, cruzando as pernas no sofá, elevou suas mãos sobre as laterais apoiando seus braços. Percebendo Gabriele caminhar decidida em direção a saída se levantou.

– Espere, tenho um acordo a lhe propor.

– Sim. – Respondeu ela, virando-se em sua direção.

– É preciso que você saiba que, se aceitar, não vai poder voltar atrás.

Gabriele precisava parecer segura e determinada. Só não sabia se estava fazendo isso da maneira certa. Saulon deixou escapar um riso, indicando com a mão que ela se aproximasse.

– Quero o colar que Daniel deu a Lara. Em troca, convocarei os bruxos e feiticeiros de nossa Irmandade para se juntarem a vocês. 

Saulon piscou. Observando atento a reação de Gabriele.

– Por que quer o colar de Lara? – Perguntou ela desconfiada.

– Ele foi consagrado por uma feiticeira muito poderosa, isso nos protegerá, além de fortalecer nosso poder.

– Por que acha que eu aceitaria sua proposta? – Disse Gabriele se aproximando ainda mais de seu pai.

– Porque você veio até aqui pedir minha ajuda, e como o sangue que corre em suas veias é o mesmo que o meu, saberia que eu não iria aceitar arriscar a minha vida e a vida de meus servos em troca de nada. – Respondeu ele, irônico. – Mas respeito sua coragem, e sei que tomará a decisão certa! – Exclamou ele, confiante.

Gabriele, por um mínimo instante, se assustou. Recompondo-se, recuperou a confiança na voz.

– Te darei o colar de Lara. – Disse ela sem ter certeza de estar fazendo a coisa certa. Mas a ajuda de Saulon e dos membros da irmandade eram fundamentais na batalha, seria uma espécie de proteção. Os mais antigos sabiam muito bem como dominar as criaturas com sua magia.

Saulon apertou os pulsos, parecendo satisfeito. Olhou para o enorme lustre de gotas de cristais que estava acima deles, e em seguida para ela, refazendo o mesmo sorriso de antes.

– Acordo fechado! – Disse ele. – Estaremos esperando vocês próximos ao castelo em ruínas, o castelo do diabo.

– Onde? – Perguntou Gabriele, sentindo-se confusa. Seria tão fácil assim? Ela esperava que o pai exigisse algo a mais que um simples colar, ou até mesmo se recusasse a se juntar a eles. 

– Vocês saberão. – Disse ele, por fim. 

Saulon desviou seu olhar. Sua cabeça estava voltada para o alto da escada, onde uma mulher acabara de descer. 

Gabriele olhou por cima dos ombros. Alta e extremamente magra, a mulher vestia um longo vestido negro, que se estendia até os pés. A mãe, quase tão jovem quanto ela, despertava certa carência na filha, mas era como se fossem duas desconhecidas.

Denise Montês se juntou ao marido, os dois, lado a lado, olhando para ela. Ela não demonstrara nenhuma surpresa pelo encontro, Gabriele supôs que a mãe já tivesse ouvido a conversa lá de cima.

– É bom tê-la em casa outra vez. – Disse Saulon.

Gabriele tirou os olhos da mãe. 

– Posso ir ao meu quarto? Ou já fizeram dele algum tipo de dispensa? – Perguntou ela de forma debochada.

– Fique à vontade. – Disse ele elevando o braço em direção a enorme escada ao seu lado. – Seu quarto continua do jeito que você deixou.          Gabriele subiu as escadarias correndo sem dizer mais nada, ignorando a presença de sua mãe. Ela mantinha uma mágoa pela mãe porque esta nunca se impunha às decisões de seu pai, e por se calar diante do assassinato de sua irmã. 

Após alguns minutos ela já tinha juntado algumas coisas que precisava. Desceu a escadaria e encontrou seus pais sentados no sofá, esperando por ela.

– Vou levar algumas roupas das quais estava sentindo falta, tudo bem? Perguntou examinando sua mãe que se mantinha com o olhar vazio e frio como sempre. 

– Leve o que quiser. Essa casa, mesmo que não queira, é sua minha filha. – Disse Saulon, se levantando e colocando novamente a mão em seu ombro.

– Valeu. – Disse ela indo em direção à saída.

– Espere! – Falou Saulon. – Desde quando é amiga dos guardiões?

– Desde que encontrei na aldeia, pessoas que respeitam suas regras e limites. Ao contrário de você, eles honram nossa raça, respeitando a escolha de cada um. Aprenderia muito com eles se não pensasse tanto apenas em você. – Disse ela. – Entramos em um acordo, então quando nos encontrarmos próximo ao castelo te entregarei o colar de Lara. – Saulon a observava em silêncio. 

Assim que Gabriele chegou à frente de sua casa. Viu alguns carros e motos parados com os faróis acesos.  Em um deles um homem a esperava com a porta aberta. Enquanto os outros a examinavam, em alerta.

Olhando para a porta de entrada encontrou seus pais parados, a observando.

– O que é isso?  – Pergunta ela levantando uma das mãos.

– Achei que seria útil para vocês. Tenho muitos contatos generosos. 

– Ok. – Disse ela, entrando na ranger preta, cabine dupla, dando uma analisada no motorista que a esperava. Vestido com uma regata preta deixando à mostra seus músculos saltados. Até que ele tem bom gosto em suas escolhas. Pensou ela sentindo o baque da porta se fechar ao seu lado.

A Widcyber está devidamente autorizada pelo autor(a) para publicar este conteúdo. Não copie ou distribua conteúdos originais sem obter os direitos, plágio é crime.

Pesquisa de satisfação: Nos ajude a entender como estamos nos saindo por aqui.

Leia mais Histórias

>
Rolar para o topo