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Segredos Mortais – Capítulo 5

A Revelação

 

Após algumas horas, a lua apareceu sobre a floresta iluminando e dando vida às criaturas que ali viviam. Estava tão envolvida em meus pensamentos no embalo da rede, que nem me dei conta de que uma tempestade se aproximava.

– Hoje pelo jeito nossa fogueira já era! – Murmurou Gabriele, encostada na porta enquanto observava a chuva.

– Ah, não é uma chuvinha que vai estragar nossa noite. Você pode fazer uma magia pra parar de chover, o que acha? – Sorri. Ela me olhou fazendo careta.

– Gostei de ver você hoje, também! Está lutando como uma verdadeira guerreira. Não é mais aquela desajeitada que dava um soco e levava cinco.  – Falou Gabriele sentando-se ao meu lado na rede, sorrindo estabanada. Gostava de vê-la feliz.

– Três. – Retruquei batendo com meu ombro nela. – Acho que você também está conseguindo se superar muito bem! Foi incrível o que fez hoje. – Elogiei.

– Não acha que peguei pesado com Heitor?

– Claro que não, estamos aqui para isso, não é? A regra não é “matar ou morrer”? – Não chegava a ser bem assim, não entre nós. Mas quando éramos atacados, a regra era seguida à risca. – Até quando pretende esconder o que sente por ele, Gabriele? – Ela me olhou desconcertada. Pude ver suas bochechas corarem.

– Esconder o que? Por quem? Está maluca, Lara!

– Ah, tá bom, vai querer mentir pra mim? Você não sabe mentir, Gabriele. Você tem alguns dons, mas quanto a mentir… Você é péssima. Ela abaixou a cabeça tentando disfarçar.

– Você sabe muito bem que não é permitida a união de uma bruxa com um híbrido. Mesmo que quisesse… Seria impossível… E meu pai nunca aceitaria. Estou aqui para treinar, só isso. Heitor é apenas meu amigo.

– Amigo, sei. Seu pai não precisa saber… Precisa? – Ela ficou em silêncio observando a chuva. Havia alguma coisa que ela estava escondendo, e eu precisava descobrir.

Um barulho ensurdecedor nos fez saltar da rede.

– O que foi isso, Lara?

– Não sei. – Respondi, observando uma fumaça negra. – Alguma coisa está pegando fogo! – Exclamei, enquanto corria para o quarto e pegava duas das minhas adagas.

Os gritos misturados a uma sequência de estouros eram ouvidos a distância. Enquanto corríamos entre as árvores podíamos ver um clarão como se estivéssemos sendo atacados por raios violentos.

– Reúnam os outros! – Gritou Heitor, passando correndo por nós. – Estamos sendo atacados!

– Gabriele! Gabriele! – Gritei. Mas ela havia sumido em meio a fumaça.

Corri em direção a cabana de Daniel para avisá-lo do ataque, não dava pra enxergar quase nada, tudo estava coberto por uma grande cortina de fumaça. Assim que avistei a porta da cabana de Daniel, fui entrando sem bater.

– Daniel, Daniel, você está aí? – Gritos e mais gritos eram ouvidos. Enquanto tateava a pouca mobília, através de uma fresta vi a sombra de um homem alto se aproximando rapidamente da cabana de Daniel. Em suas mãos uma enorme espada prateada coberta de sangue reluzia, seu brilho ofuscou minha visão. Joguei-me ao chão procurando alguma coisa que pudesse servir de arma. Fui surpreendida por um sussurro que surgiu atrás de mim.

– Não se mexa. Fique abaixada. – Rolei rapidamente para debaixo da pequena mesa, esbarrando em Daniel que estava agachado no chão. Em suas mãos havia um pequeno pote de argila onde ele amassava alguma coisa. Bem fedorenta por sinal.

– O que está acontecendo? O que você está fazendo aqui, escondido? Por que estamos sendo atacados? – Sussurrei enquanto puxava uma barra de ferro que estava próximo a ele. A porta rangeu ao ser aberta e a sombra do homem surgiu do nosso lado, não dando tempo para Daniel responder minhas perguntas.

– Sei que você está aí, escondido como um rato! Você tem uma coisa que eu quero, ou melhor, duas…  Me entregue e poupo sua vida miserável assim como já fiz tantas vezes. Sabe o quanto sou piedoso. – Provocou, soltando logo em seguida uma cínica e estridente gargalhada. Entre um clarão e outro era possível ver a silhueta do homem se aproximando de nós, enquanto a lâmina de sua espada esbarrava e partia ao meio alguns vasos de cerâmica que Daniel tinha em cima da mesa. O homem parecia se divertir com a situação, e quem sabe até eu me divertiria se entendesse o que estava acontecendo.

O que ele queria?  A forma como desafiava Daniel demonstrava que o conhecia muito bem.

Levei a mão ao nariz tentando bloquear o cheiro. Estava ficando tonta. Quando achei que não podia ficar pior… Escuto a voz de Gabriele se aproximando.

– Lara, você está aí? Daniel?  – Gabriele sem perceber e sem ver o homem, entrou correndo sendo surpreendida por ele ao atravessar a porta.

– Olha o que temos aqui! Que coincidência! Estamos procurando as mesmas pessoas…

– Me larga! Me solta! – O homem agarrou Gabriele pelos cabelos colocando a lâmina da sua espada em seu pescoço. Ela gritava e se debatia tentando se soltar, em vão. Sua magia parecia não atingir o homem que ria de suas tentativas fracassadas. Apertei com força a barra de ferro em minhas mãos.  Não podia ficar parada olhando, tinha que fazer alguma coisa. Arrastei-me passando por trás de Daniel que segurou meu braço, levando o dedo sobre os lábios, pedindo que fizesse silêncio. Balancei a cabeça em negação e continuei me arrastando, ficando nas costas do homem. E com um impulso me lancei sobre ele tentando acertá-lo com a barra de ferro. Ele, como se soubesse o que ia fazer, surpreendentemente jogou Gabriele no chão, segurando a barra de ferro com uma das mãos e a com a outra agarrando o meu pescoço. Ele era extremamente rápido, forte e seus olhos eram duas chamas. Não consegui conter meus pensamentos.

“Nunca vi o Demônio de perto, mas esse se encaixava em todas as características”, pensei.

O homem cortou o silêncio com uma gargalhada prolongada… E prosseguiu.

– Tudo tem a primeira vez, Lara. Eu já vi o demônio de perto e posso te garantir que ele não passa de um anjinho fraco e previsível. Você tem medo do Demônio, Lara?

– Como você fez isso? Como ouviu meus pensamentos, o que você é? – Falei entredentes, tentando encher meus pulmões de ar, mas ele apertou ainda mais meu pescoço. O homem parecia se divertir com minhas palavras, ele aproximou seu rosto do meu como se fosse me devorar. Senti meu corpo esquentar, e acompanhando essa sensação, uma ardência insuportável. Comecei me retorcer na tentativa de me livrar de sua mão. Não sei explicar o que estava acontecendo, mas nunca tinha sentido nada parecido. Nesse momento, Daniel apareceu e lançou sobre o homem, o pó que havia esmagado. Um cheiro podre invadiu minhas entranhas dificultando a minha respiração. Não sei o que era, mas funcionou, o homem desabou de joelhos no chão, enfraquecido.

 

– Vocês estão bem? – Pergunta Daniel, envolvendo uma corrente no corpo do homem.

– Sim. – Respondo, olhando Gabriele que estava caída no chão.

– Lara, saia logo daqui e leve Gabriele. – Gritou Daniel, enraivecido… – Isso não vai segurá-lo por muito tempo. – Concluiu.

Ao olhar para a porta, vi Heitor chegar correndo, suas roupas cheias de sangue misturado ao seu suor. Ao ver Gabriele caída no chão, ele se abaixa, examinando sua respiração.

Enquanto procurava um apoio para me segurar, senti um puxão no meu braço e outro mais forte.  Rapidamente puxei de volta, torcendo para que a minha força fosse suficiente para liberá-lo. Mas o homem continuou puxando.

– Lara, que bom ver você, já faz tanto tempo. Você se tornou uma bela mulher. – Resmungou o homem no chão, de forma provocativa.  Mas, o tempo está se esgotando. Você já fez sua escolha? – Continuou.

– Cale a boca, seu verme imundo! Ou eu…

O homem disparou outra gargalhada. E muito friamente, prosseguiu.

– Dá para ver que o sangue que corre em suas veias é mesmo dos Sams… Não pode fugir do que é. Todos de quem você gosta morrerão. Assim como Antoni e Angeline.

Senti meu corpo sendo perfurados milhões de vezes, e um ódio, como nunca havia sentido antes, tomou conta de mim. Percebendo o que iria fazer, Heitor tenta evitar segurando meu braço. Sua expressão havia se transformado, suas mãos estavam quentes e suadas. Movida por uma fúria descontrolada, empurrei Heitor com tanta força que ele esbarrou na porta caindo do lado de fora, quando me dei conta, estava em cima do homem. Só que desta vez, eram minhas mãos que estavam em seu pescoço.

– O que você fez com meus pais, seu monstro? O que você fez com eles? – Gritei.

– Seus pais? – Ele sorriu novamente enquanto engolia seu próprio sangue. – Daniel ainda não lhe contou a verdade? Que triste Lara! – Ironizou o homem, buscando Daniel com os olhos. E sem perder tempo provocou novamente… – Você vai contar ou quer que eu conte? Você não passa de um covarde traidor! – Exclamou o homem encontrando novamente meus olhos.

– Pelo visto vocês ainda não tiveram um tempo para colocar o assunto em dia. Isso é lamentável. – Disse o homem malignamente. E enquanto ele tentava se recuperar Daniel o jogou contra o chão segurando-o pelo pescoço. Olhei surpresa. Não era comum ver Daniel perder o controle.

Naquele momento queria que ele arrancasse sua cabeça.  E eu não pude conter o prazer que estava sentindo.

– Lara, vamos sair daqui. – Gritou Heitor. Sua expressão estava vazia, parecia que via um fantasma. Não fazia ideia do que o havia deixado assim e no momento não estava interessada em saber, só havia uma coisa que eu queria naquele momento. Matar.

– Chega Lara! – exclamou Heitor novamente e segurando meu braço com força, deu um puxão, fazendo meu corpo parar em frente ao dele. Senti seus olhos invadindo os meus como se controlasse minha raiva. E algum segundo depois prosseguiu. – Daniel cuidará dele, precisamos tirar Gabriele daqui! – Gritou Heitor, me puxando para longe do homem, que mesmo com a garganta rasgada, sorria.

Estava cega de raiva, ameaçando sair, peguei a espada que estava ao chão, e movida por uma força descomunal, ataquei novamente o homem que parecia já estar se recuperando do que quer que seja que Daniel havia jogado nele. A única coisa que queria naquele momento era arrancar a cabeça dele. Mas desta vez fui impedida por Daniel que arrancou a espada de mim, tão rápido quanto meus pensamentos. Olhei para Daniel sem tentar disfarçar a raiva. Ele tinha que me contar o que estava acontecendo.  O que esse monstro quis dizer com contar a verdade? Que verdade era essa?  Encarando seus olhos, pude sentir que uma guerra estava apenas começando.  Isso não ia ficar assim.

– Saia daqui agora, Lara! – Gritou Daniel. Vendo Heitor sair com Gabriele em seus braços, o segui mesmo contra a minha vontade.

Enquanto andávamos em direção à floresta, observei os corpos que estavam no chão, alguns precisavam de horas para se curar, outros de dias. Mas alguns haviam sido mortos brutalmente. Os que atacaram estavam em pé com os capuzes cobrindo seus rostos, eram mais o menos uns 20. Eram grandes e fortes. Estavam ali, um ao lado do outro, parados, nos observando, como se fossem robôs esperando a ordem para atacar novamente. Era incrível, estavam intactos! Heitor se embrenhou entre as árvores desaparecendo na escuridão da noite. Ao olhar para trás, vejo um deles levantar os olhos em minha direção. Não pude conter a dor que rasgou meu peito. Por que eu não acordava desse pesadelo? Eu não era um monstro, eu não era como eles.

Depois de correr por alguns minutos, encontrei Gabriele deitada sobre algumas folhas secas no chão, com a cabeça recostada na raiz de uma árvore. Heitor estava a alguns metros à frente conversando com alguém que não consegui identificar. Ele parecia estar histérico. Olhando-o por cima do ombro o vi pegar um enorme tronco e quebrá-lo com as mãos como se fosse uma simples cana-de-açúcar. De todas as vezes que vi Heitor lutando, nunca o vi com tanta fúria.

Passando a mão sobre os cabelos de Gabriele desejei que ficasse bem. Seus longos cabelos loiros estavam manchados de sangue. Havia um corte profundo em sua cabeça devido à queda. O cheiro de seu sangue despertou em mim uma sensação que nunca havia sentido. Era bom, o cheiro era irresistível. Heitor, observando minha transformação, correu em nossa direção.

– Droga, Lara! Afaste-se dela. – Berrou se jogando em cima de mim. – Você ia atacar sua amiga? – Perguntou desapontado enquanto rolávamos no chão.

– Eu… Ela está…

As palavras faltaram, nesse momento não conseguia raciocinar, apenas sentir o cheiro de seu sangue. Mas mesmo com meus pensamentos atordoados pude sentir o tom questionador em sua voz.

– Está o que Lara? – Perguntou Heitor deitado sobre mim.

– Está sangrando muito. – Consegui falar. Seu sangue tinha um cheiro adocicado, um cheiro convidativo difícil de resistir.

– Lara, olhe pra mim. Você não é como eles… Droga olha pra mim! – Berrou apertando meus braços contra o chão.

Era a primeira vez que sentia aquilo com tanta intensidade, o cheiro de seu sangue em minhas mãos era um êxtase, não pude me controlar. Com um movimento eficaz, consegui colocar meus pés sobre a barriga de Heitor o jogando para longe.

Enquanto o via esbarrar em uma árvore e cair sobre sua raiz, saboreei devagar seu sangue ainda quente em minhas mãos, passando os dedos lentamente em minha boca. Naquele momento eu vi meu rosto em uma poça de água que estava a minha frente, e a imagem de uma criatura surgiu diante de meus olhos. Aquilo não era eu. Uma mistura de fúria e sede me deixou descontrolada. Heitor, vendo o que eu estava prestes a fazer, voou novamente pra cima de mim, desta vez me golpeando. Eu parei alguns passos a sua frente encarando-o como uma criatura fria e mortal. Seus olhos estavam vermelhos e seus braços mais fortes do que o comum. Ele havia ativado sua fera. Ele puxou a espada que estava presa a suas costas e com um mortal caiu atrás de mim. Cega de raiva, o ataquei.

Após alguns segundos de luta, senti quando a lâmina de sua espada atravessou minha barriga e naquele instante tudo que eu sentia desapareceu. Um leve sussurro invadiu meus pensamentos. E uma paz pairou no ar.

– Sinto muito!

Apoiei meus cotovelos na terra tentando reconhecer a voz que havia me trazido paz naquele momento. Não era a voz de Heitor. Olhei ao meu redor esperando outro ataque, mas em vez disso, vi a sombra do que parecia ser um homem alto se aproximando de mim. Esfreguei meus olhos tentando identificar quem era. E novamente ouvi um sussurro em minha cabeça.

– Não se mexa, Lara. Você logo ficará bem.

– Eu estou bem. – Menti. Acho que o tom da minha voz não convenceu muito.

– Você não parece muito bem. – Sua voz era serena. Parecia música para meus ouvidos. Não queria demonstrar minha curiosidade em saber seu nome, poderia ser mais alguém tentando me matar. Apesar de não conseguir sentir perigo vindo dele.

– Lara, não sou seu inimigo. – Ele respondeu como se tivesse ouvido meus pensamentos.

– Quem é você? – Perguntei mordendo os lábios enquanto procurava alguma coisa para me apoiar.

– Sou Leiael, um dos guardiões da floresta. Estou aqui para ajudar você.

– Não preciso de sua ajuda! – Falei rispidamente, torcendo para que ele não acreditasse. Levando a mão na minha barriga pressionei o ferimento, a dor era insuportável. Olhei para o lado procurando por Gabriele e Heitor, por um momento havia me esquecido deles. Mas não havia mais ninguém ali além de nós dois.

– Onde estão Gabriele e Heitor? – O som da minha voz saiu mais como um gemido do que uma pergunta.

– Eles estão bem. Estão com os outros guardiões, eles vão cuidar dela, e eu, vou cuidar de você.

Um barulho seguido de um leve vento surgiu em minha frente. Senti as folhas secas sobrevoando e caindo sobre mim.  Levantei os olhos em sua direção procurando identificar o que ele estava fazendo. E sem conseguir disfarçar minha surpresa, senti o toque de sua mão na minha, sobre o local onde eu tentava, sem sucesso, conter o sangramento. Nesse momento sua imagem surgiu claramente em minha frente.

– O que você é? – Critiquei a mim mesma pela pergunta sem noção. Suas asas eram grandes e lindas, negras como a noite e seus olhos eram azuis da cor do mar. Ele era um anjo. Nunca havia visto nada tão lindo em minha vida. Mas precisava conter minha admiração. Para minha surpresa ele sorriu aproximando suas asas do meu corpo, me envolvendo suavemente com elas, sussurrando em meu ouvido.

– Sou seu anjo! E minha missão é cuidar de você. – Enquanto me esforçava, sem muito sucesso para processar suas palavras, observei um curto sorriso surgir em seus lábios. Senti meu corpo sendo suspenso do chão, não sei se era a dor, mas não tive vontade nenhuma de impedir isso. Encostando a cabeça sobre seu peito fechei meus olhos desejando que se fosse um sonho, eu não acordasse.  O último barulho que ouvi foi às batidas de seu coração.

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