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Segredos Mortais – Capítulo 6

As palavras do anjo davam voltas em meus pensamentos como um redemoinho. Com os olhos fechados pude sentir o cheiro da terra molhada, o vento que surgiu de suas asas, o calor do seu corpo, o som do seu coração. Não sei como nem por que, mas não conseguia tirar dos meus pensamentos um nome, Leiael.

Abri meus olhos devagar, observando uma janela entreaberta logo a minha frente. Não era estranha, mas não era da minha cabana. O assovio do vento fazia os galhos estalarem como chicotes sobre o telhado da cabana. Na parede podia ver as sombras dos galhos secos se movimentarem como mãos esguias de monstros, vindo em minha direção. Uma sensação dolorosa e intensa quase dilacerou minha cabeça e um peso desordenado pairou sobre meu corpo.

– Gabriele. – Sussurrei, passando a mão sobre minha barriga. E para minha surpresa não havia nada ali. Eu sabia que meus ferimentos se regeneravam rápido, mas os profundos levavam dias. Esse, porém, parecia ter levado apenas algumas horas. Balancei a cabeça afastando meus pensamentos.

– Como você está? – Ouço uma voz surgir à direita de onde estava deitada, e me viro rapidamente tentando identificar quem estava ali. Por um segundo queria que fosse Leiael, mas não era sua voz. Então pensei em uma segunda pessoa. Tentei levantar quando fui impedida por uma dor infernal que quase fez minha cabeça explodir.

– Daniel? – Pergunto ainda indecisa. – O que você fez comigo? – Pergunto, levando as mãos para a cabeça tentando conter a dor.

– Eu? O que você fez. – Sem muito rodeio, prosseguiu. – Te dei uma dose a mais de soro, Lara. Foi preciso. – Concluiu, parando aos pés da cama. Assim que dirigi meus olhos para a figura de Daniel, senti como se estivesse tendo uma alucinação. A voz era de Daniel, mas o rosto e estatura não. Daniel tinha a aparência de um velho de quase 70 anos, porém bem conservado. Mas esse que estava a minha frente parecia ter pouco mais de quarenta. Respirei fundo fechando os olhos novamente, esperando que assim que os abrisse novamente visse o Daniel que conhecia.

– Sou eu mesmo, Lara! O velho de quase 70 anos era apenas um disfarce. Não vou mais me esconder. – Senti certa ironia em sua voz, acho que ele não gostou muito dos 70 anos.

– Mas você está…

– Diferente? – Perguntou ele, respondendo minha pergunta antes mesmo de fazê-la.

– Sim. – Respondi, conseguindo me sentar na cama. – Mas como… Não sabia que você podia ouvir pensamentos.

– Tem muita coisa que você não sabe, Lara. – Falou se aproximando de mim, passando a mão em sua barba, dessa vez cerrada e benfeita.

– Lara, logo você entenderá. Agora precisamos resolver outras coisas.

– Hum.  Você e seus segredos. – Reclamei deixando uma dose de ironia no ar. Era estranho vê-lo tão diferente. Era como se eu tivesse dormido e acordado em outra época, onde Daniel era bem mais novo. – Esse é você realmente ou é outro disfarce? – Precisava saber.

– Sou eu em carne e osso. – Isso eu já sabia, nunca foi um fantasma. Pensei me arrependendo logo em seguida. Era difícil me acostumar com esse negócio de ler pensamentos. Olhei pra ele, percebendo um sorriso escondido em sua boca. – Você também pode ler pensamentos e muitas outras coisas, basta liberar os bloqueios que você mesma criou em sua mente. – Mordi os lábios em silêncio, tentando acreditar nessa besteira.

– Como cheguei aqui? – Perguntei dando uma examinada em Daniel. Ele estava com um jeans preto, uma camisa de gola branca e um sobretudo preto que ia até a altura de seus joelhos. Tive que concordar que seu novo visual era bem mais agradável. Mas era estranho vê-lo assim, tão diferente.

– Leiael trouxe você. Logo ele virá ver como você está. – Afirmou, amassando alguma coisa fedorenta em um pote.

– Estou bem, não preciso de babá! – Falei escorregando da cama, ficando em pé próximo a janela. – Onde você encontra essas ervas tão fedorentas? Foi isso que ajudou a cicatrizar tão rápido a ferida?

– Também, Lara. Mas você sabe que seus ferimentos se regeneram rápido. Apesar deste ter levado dois dias para se curar.

– O que?  Dois dias? Como assim? – Fiquei perplexa. – Como pude passar dois dias dormindo? – Falei irritada. – Hoje é o dia do torneio? Precisamos nos preparar… – Percebi, arregalando os olhos, puxando minha camisa preta, tentando desamassá-la.

– Não terá mais torneio. Teremos uma guerra! – Exclamou ele, parecendo irritado.

– O que aconteceu nesses dois dias? Tem como me atualizar, por favor? – Perguntei surpresa, mas a pergunta pareceu mais um deboche. Ele me lançou um olhar que me lembrou o antigo Daniel, uma coisa não havia mudado nele. Seus olhos.

– Logo você saberá. – Murmurou ele. – Foi profundo o golpe. Mas você perdeu o controle e pelo jeito conseguiu fazer Heitor perder o controle também. – Desta vez, foi Daniel que me olhou com uma cara que quis dizer “Bem feito! Você que procurou por isso”. Como se eu tivesse culpa de ser essa criatura ridícula. – Não perca tempo se culpando. O que você precisa fazer é treinar seus dons. – Exclamou ele, centrado.

– Treinar meus dons? Que forma meiga de falar! Isso não é dom, está mais para maldição. – Ele balançou a cabeça parecendo insatisfeito com minhas palavras.

– Você é teimosa demais. E essa sua teimosia pode custar sua vida e de todos de quem você gosta, assim como quase custou a vida de Gabriele. Pense nisso, Lara. – Desta vez, ouvi atentamente suas palavras, sem ter como reprová-las. Ele estava certo.

– Onde estão Gabriele e Hei… – Não consegui terminar de pronunciar seu nome impedida por uma raiva enorme, ao lembrar da espada perfurando minha barriga.

– E Heitor? Sua raiva é em vão, ele salvou Gabriele e você de você mesma. Eles estão bem, já vieram saber como estava. Logo estarão aqui. – Fiquei aliviada por saber que Gabriele estava bem, mas não conseguia eliminar a raiva ao pensar em Heitor. Suspirei profundamente. – Você é quem vai escolher o que fazer com seus dons. Poderá usá-los para o bem ou para o mal. A escolha é sua. Preciso te contar uma coisa, e você precisa me ouvir. Por favor, não me interrompa.

– OK. – Respondi, passando as mãos em meus cabelos, tentando abaixar um pouco. Estava me sentindo uma bruxa descabelada.

– É sério, Lara. – Ele falou, me repreendendo.

– Ok. – Falei arqueando as sobrancelhas, sentindo uma leve careta se formar no meu rosto, mas juro que não era de deboche.

– Você está pensando demais, e em coisas inúteis. Preciso que liberte seus pensamentos e se concentre no que vou te mostrar. Disse ele, passando a coisa fedorenta em minha testa.

– Eca! Isso é mesmo necessário? – Perguntei, contendo uma ânsia.

– Feche os olhos e concentre-se. Quero que veja uma coisa. – Ordenou rispidamente. Sem dar importância a minha reclamação, baixou os olhos observando-me.

Mesmo contra a vontade. Fechei meus olhos tentando me concentrar.

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