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Segredos Mortais – Capítulo 7

Um vento frio fez com que os meus cabelos se movessem em direção ao meu rosto, encobrindo-o. Eu estava sentada diante de uma escada enorme quando avistei uma mulher, de vestido vermelho colado ao corpo, subir a escadaria do salão. Olhando em volta, eu me vi em meio a uma mansão monstruosamente grande. Nesse momento gritei seu nome. Mas apenas eu fui capaz de ouvir minha voz.

Segurando no corrimão largo e dourado da escadaria, ela terminou os últimos degraus e respirou, acalmando-se, olhando para os dois lados do longo corredor perpendicular à escada. Estava vazio, como era de se esperar. Ela sabia que ninguém entraria ali se não fosse chamado.

Adele seguiu para o lado direito do corredor a passos lentos, se sentindo profundamente incomodada com a quantidade de olhares frios que os quadros presos à parede do corredor dirigiam a ela. Cerca de vinte imensas molduras, ao que ela pôde contar, retratavam uma arte medieval sobre todos os grandes líderes que herdaram o trono dos Sams. Entre os quadros uma imagem me chamou atenção. Daniel. O que a imagem dele fazia entre os quadros da família Sams?  Percebi que Adele ficou alguns segundos a mais olhando para ele. Por quê?  

Eu a segui a cada passo que dava, tentando tocá-la, chamando seu nome. Mas demorou um instante até eu me tocar que aquilo não era real. Pelo menos não naquela hora. Odiei Daniel nesse momento por não ter me avisado.

Depois de virar novamente à esquerda no fim do primeiro corredor, ela chegou a uma imensa porta dupla. O piso ralo desapareceu sob seus pés quando seu salto se arrastou por um carpete grosso que sumia por debaixo da imensa porta.

Ela ainda ficou um instante ali, observando os desenhos e traços em alto relevo que estavam gravados na porta de mogno vermelho, até que, segurando as duas maçanetas que se encontravam no centro da porta, ela as puxou. A porta se abriu em duas enquanto adentravam em um outro corredor pequeno que terminava com uma outra porta, dessa vez, blindada e reluzente.

Fiquei impressionada ao ver como a mansão conseguia manter seu estilo do século XII, sem contar com todo o sistema de segurança europeu mais inteligente implantado severamente por trás de cada parede da mansão. Adele encarou a porta blindada e estendeu a mão para uma pequena ranhura do lado esquerdo de uma faixa negra que contornava todo o perímetro do portal. Lá, ela colocou seu polegar, a unha vermelha sumindo dentro da ranhura.

Um segundo depois o dispositivo oculto na parede emitiu um bipe, e uma voz rouca e metálica preencheu todo pequeno corredor.

– Adele Sams. Confirmada.

Um chiado profundo saiu enquanto a porta de metal sumia para a esquerda, revelando mais um corredor que sumia dentro da escuridão. Adele seguiu a passos lentos, enquanto o carpete sob seus pés sumia junto ao breu que se estendia a sua frente. O chiado da porta blindada se fechando surgiu novamente às suas costas.

Conforme Adele seguia, sua visão foi se adaptando ao local, e ela pôde ver com mais clareza o ambiente em que se encontrava. Estava em uma gigantesca sala circular que terminava numa escadaria ao centro do salão. Adele olhou para o teto, onde um único lustre vermelho irradiava uma luz fraca, quase inerte, no centro exato do aposento. A sala era uma cúpula e, no centro, uma escadaria circular marcava o encontro que haveria em instantes.

– Adele! Sou eu, Lara. Você não deve entrar ali. – Gritei. Mas ela seguiu em frente. Ela não podia me ouvir. Mas eu, ao contrário, podia não só ouvir as batidas de seu coração como ouvir todos seus pensamentos e angústias.

Aquela era a quinta vez que Adele pisava no chão daquele lugar. Isso havia lhe trazido uma certa fama entre todos os outros moradores da sede, que invejando-a, sonhavam em pisar uma única vez ali, mesmo para serem massacrados pelo regime, o que acontecia com frequência. Estava estarrecida com tanta informação. Era como se eu estivesse vendo com seus olhos e sentindo com seu coração. Por um instante me senti como se fosse ela.

Adele puxou os cabelos escuros para trás e ajeitou as dobras do vestido apertado. Ela caminhou em direção à escada e parou antes de pisar no primeiro degrau. Esforcei-me ao máximo tentando entrar em sua mente, mas infelizmente não havia nada que pudesse fazer naquele momento. Rapidamente ela ensaiou a mentira que havia inventado há alguns minutos, ainda insegura se a usaria com o tio.

Deu o primeiro passo, mais um e mais outro, muito lentamente. Já nos últimos degraus, seu salto vermelho soltou um baque pesado, aparentemente alto demais para não ser notado.

– Você demorou.

A voz rouca e intensa rasgou o ar, vindo de algum ponto mais acima. Eu gelei ao ouvir aquela voz. Senti um ódio crescer dentro do meu peito. “Não pode ser”, sussurrei.

Adele subiu o último degrau e contemplou a superfície circular que marcava o centro da cúpula. A superfície tinha dez metros de diâmetro, e no centro exato, uma cadeira de madeira adornada era tão visível como quem estava sentado nela.

– Me desculpe, tio – pediu Adele, se aproximando alguns passos.

“Tio?”, repeti incrédula.

– Não deveria me deixar esperando tanto.

Zoraky Sams estava sentado no seu majestoso trono, e Adele o olhou nos olhos, temerosa, como se eles pudessem matá-la.

Mesmo sentado, ele parecia atingir a altura dela, que estática parou a três metros do tio.

O silêncio do ambiente parecia estranhamente fazer com que ela contemplasse a majestosa postura daquele homem. Adele sentiu-se retraída. Zoraky tinha uma barba branca e curta, a íris clara, como de vidro, e os longos cabelos escuros sobre os ombros que se escondiam sob um terno negro, acompanhado por uma gravata vermelha vívida que se mantinha sobre seu peito.

Adele abaixou o olhar depois de ultrapassar o limite de tempo de qualquer um que já tivesse olhado nos olhos do líder supremo dos Sams.

– Peço desculpas mais uma vez, meu tio.

– Não deveria me fazer esperar – respondeu ele, sem mover um músculo da face enrugada. – Você sabe porque a chamei aqui, não sabe?

Adele prendeu a respiração, pronta para pôr em prática sua mentira pouco convincente.

– Sim, eu sei tio. – respondeu ela. Senti minha respiração ficar cada vez mais pesada. 

– Então me diga.

Zoraky ergueu a cabeça, jogando seus cabelos para trás.

– Ele me enviou uma carta, como o senhor já deve saber.

– Por que? – Indagou o tio.

– Não sei. Ela chegou há dois dias atrás.

– E onde está a carta?

Adele piscou, procurando qualquer outro ponto perto de Zoraky para mirar, sem parecer estar ignorando-o.

– Foi roubada.

O impacto da mentira se neutralizou contra os olhos cerrados do tio. Ele, pela primeira vez, moveu uma mão em direção à barba branca e reluzente.

– Roubada? – Perguntou Zoraky. – Diga-me, Adele, quem roubaria uma carta?

– Não faço ideia, meu tio.

– É. – disse ele, a voz esbanjando ironia. – Não consigo pensar em alguém que tivesse meios de roubar uma carta endereçada a você. Pelo menos não com todo o sistema de vigilância escondido por cada milímetro de minha casa.

Adele ficou muda, a respiração controlada, procurando manter a calma. Eu podia sentir que estava mentindo, mas não consegui entender o porquê.

– O que ele dizia na carta, Adele? – Perguntou ele. – E por que ele não a contatou por meios mais avançados?

– Não sei, meu tio. – Respondeu. – Talvez ele não tenha um sistema igual ao que mantemos. Todo o sistema computacional da mansão é novo, não?

– De fato – confirmou ele. – Então o que dizia a carta?

Adele se preparou para mentir novamente. Por mais que buscasse calma em seu interior, não podia deixar de sentir um medo profundo ao pensar que Zoraky desconfiava do que ela dizia.

– Queria saber notícias a meu respeito. Saber porquê não havia voltado e dizer que está bem na aldeia…

Eu estava ao seu lado, mas nem ela, nem Zoraky conseguiam me ver. De certa forma ela não estava mentindo. Mas estava omitindo alguma coisa. 

Podia sentir sua angústia.

Zoraky soltou um riso pelo canto da boca. Adele hesitou.

Ela sabia exatamente o que ele queria ouvir. Informações sobre o ataque na aldeia. E certamente ele pedindo que ela fugisse da mansão. Adele podia sentir que toda mansão esbanjava uma frustração. A frustração de Zoraky.

– Você já deve saber que nossa invasão foi bem-sucedida. Então, mentir pra mim só te causará mais sofrimento. – Aproximando-se dela, ele continuou…

– Adele, minha querida… – Fingindo conter um riso, ele ficou a sua frente. – Não me interessa nada sobre você. Quero saber se ele revelou o segredo de Lara ou se continua se acovardando.

Adele estarreceu. E eu busquei algo para me apoiar, mas não encontrei. “Eu? Segredo de Lara?” – Eu senti medo do que aquela criatura poderia querer comigo… Senti meu coração apertado, queria saber como sair dali. Gritei para Daniel me tirar dali, mas foi em vão. Era como se estivesse presa em outro mundo.

– Não sei meu tio.

– Não minta para mim! – Exclamou ele, a sua voz gélida cortando o ambiente.

– Eu não faria isso. – Respondeu ela, rapidamente. 

– Sei que o traidor faz contato com você. E se permiti isso foi para saber dos planos dele. Agora me diga o que ele planeja.

– Ele não me falou nada, faz dois dias que não tenho contato com ele. – Assegurou Adele, temendo que a carta fosse encontrada.

Zoraky se ergueu novamente.

– Mas você a entregaria para mim, não? – Perguntou ele, cruzando as mãos. – Disse que recebeu a carta dois dias atrás. Por que não a tive em minhas mãos?

– Foi roubada.

– Antes disso.

Adele suspirou. A desconfiança do tio estava deixando-a sem saída para pensar. A iluminação cerrada da cúpula e o ar rarefeito do ambiente pareciam insuportáveis como nunca. Estava sendo testada. Pensar na situação causava-lhe pânico.

– Pensei que não houvesse necessidade – mentiu novamente. – A carta não dizia absolutamente nada que pudesse interessá-lo.

– Ah, Adele… vocês ignoram demais o meu poder e astúcia. Seu pai por anos a deixou aqui sozinha, fingindo estar morto. Agiu como um covarde com medo de me enfrentar. E eu por outro lado, me mantive em silêncio, só para ver até onde chegaria essa traição de vocês. Agora chega! – Disparou ele. – Devia ser entregue a mim imediatamente. Você acabou de provar que não é uma Sams, real. Não passa de uma bastarda inútil. – Senti as batidas de seu coração acelerarem sem poder fazer nada. 

– Mas…

– Não interessa o que vai falar, sei que é mentira! – interrompeu Zoraky. – A partir de hoje, farei pessoalmente a vistoria de toda e qualquer correspondência que cruzar as portas de minha casa. E vou descobrir quem é o traidor que está te acobertando. 

– Como queira, meu tio. – Pude vê-la tentando conter uma lágrima em seus olhos.

Zoraky se mexeu no trono novamente, então se levantou, alto, exuberante em seu terno negro. Adele teria recuado alguns passos, mas ficou feliz por não responder a esse instinto. O homem, se comparado aos moldes humanos, parecia ter cinquenta anos. Mas sua idade, na verdade, era uma lenda que todos eram obrigados a passar adiante, e Adele duvidava que alguém naquela mansão não soubesse qual era. Duzentos e vinte e dois anos. 

Zoraky virou as costas para ela, parando ao lado do trono de forro vermelho, apertando as mãos em seu encosto…

– Me diga Adele – começou ele – você confia plenamente em mim, o irmão consanguíneo de seu pai? – Desafiou.

– Sim, meu tio.

– E se eu, Zoraky, líder supremo dos Sams – Disse ele, dando ênfase ao próprio título. – não confiasse plenamente em você, minha única sobrinha?

Adele prendeu a respiração.

– Não… Não haveria motivos pra não confiar em mim meu tio. – Afirmou, insegura das próprias palavras.

– Pois eu não acredito em você.

Zoraky se virou para ela e andou em sua direção. O cheiro de sangue fresco invadiu as narinas dela quando ele parou a um metro de distância. Adele abaixou o olhar e bloqueou a própria mente, tremendo.

– Se confia plenamente em mim – disse ele, erguendo uma das mãos para tocá-la no ombro. – Por que fechou as portas de sua mente?

– Eu apenas…

A pesada mão do tio em seu ombro esquerdo a fez calar. Subitamente, o domínio de sua mente se perdeu quase que completamente, e ela sentiu a presença de perigo. Era um instinto tão perspicaz dos vampiros que ela o rejeitou. Adele sentiu a dor rasgar o seu peito e subir até sua cabeça. A vontade de gritar foi neutralizada por uma força tão poderosa que controlou todos os seus movimentos naquele instante. 

Paralisada e imóvel, Adele só conseguiu arregalar os olhos negros para mirar a figura à sua frente que mantinha um ligeiro sorriso no canto dos lábios.

– Você não pode mentir para mim – falou Zoraky Sams. – Ninguém pode. Você pagará por sua traição e por tentar acobertar o traidor do seu pai. Aquele verme! – Exclamou jogando-a no chão com apenas um movimento. Senti meu coração bater em um ritmo lento, acompanhando o dela. Naquele momento pensei que fosse o fim. Até que senti uma pressão em meus braços me sacudindo. Assim que abri meus olhos, avistei uma pessoa que não esperava ver naquele momento. Mas devo admitir que fiquei aliviada em vê-lo.

– Leiael! – Sussurrei. 

– Estou aqui. – Disse envolvendo-me com seus braços, mantendo-os assim, em mim. 

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