A PENA
Dario saiu do quarto algemado e escoltado pelos policiais enquanto todas as prostitutas do bordel assistiam aquela cena. Após descer as escadas ele viu sua irmã no salão.
— Irmão! Dario! — o abraçou.
— Manuela, guarde a Maria Quitéria. — a olhou nos olhos fixamente.
A irmã com afeição aflita balançou a cabeça concordando e os policias o levaram para fora do estabelecimento.
— Prenderam o meu irmão, Wandeca, prenderam o Dario. — a abraçou aos prantos.
— Oh! patroa, sinto muito. Cedo ou tarde isso iria acontecer. — a confortando.
Em casa, Ester, Marlon, dona do Céu e Romão tomavam o café da manhã.
— Que bom que tudo se resolveu. Nada como uma boa conversa, fia. — disse servindo o café na xícara.
— A gente se ama muito. — acarinhou a mão do noivo que está em cima da mesa.
— E quando vai ser o casório?
— Amour, o que acha de casarmos aqui?
— Aqui?
— Sim.
— Mas Marlon, é pouco tempo pra preparamos a festa do casamento…
— Não se preocupe com isso, fia, a gente se ajeita. É muita emoção pra essa vêia de assistir o casório da fia Ester depois de anos longe. O que acha, Romão?
— Eu não gosto de me meter nessas coisas. Se quiser casar, então case, pra eu tá tudo do mesmo jeito.
— Tá bem, vamos casar em Vila de São Cristóvão. — beijou o noivo.
— Ah! minha Nossa Senhora é muita graça por demais pra essa vêia!
O casal riu da expressão eufórica da matriarca.
Alguns minutos depois na delegacia os policiais colocavam Dario dentro da cela.
— Oxente, por que tô preso?
— Dario, você ainda pergunta? — riu o policial.
— Que prova tem de me botar no xilindró?
— Caba, tu sempre foi metido a macho encrenqueiro, vivia por aí matando um em troca de dinheiro e vem me perguntar o motivo?
— Me tirem daqui! — balançava as grades da cela.
— Sossega o facho, homi. Daqui a pouco o delegado te chama pra ter uma conversinha. Aproveita a estádia.
Os policias deram uma gargalhada e saíram.
— Desgraça! — gritou o Dario e deu um soco nas grades.
Uma hora depois, Manuela entrou na varanda da casa e é recebida pela mãe.
—Fia, Manuela? O que faz aqui? O que houve?
Manuela chorava.
— Mainha. — a abraçou. — o Dario está preso.
— O quê? Não meu Deus! Não!
Ester e Marlon entraram na varanda assustados com os gritos.
— O que foi, mãe?
— Ester, teu irmão tá preso. — sentou na cadeira.
— Ester? É você? — perguntou Manuela surpresa.
— Sim, você quem é?
— Ela é a tua irmã Manuela. — respondeu a mãe.
— O que essa rapariga está fazendo na minha casa? — gritou Seu Romão entrando na varanda e levantando o braço para bater nela.
Marlon entrou no meio evitando que o patriarca atacasse a filha.
— Não faça isso, Seu Romão!
— Tu não se mete, sujeito! Essa daí é uma perdida, uma vagabunda que se deita com qualquer em troca de dinheiro.
— Quem pensa que é pra me julgar? Eu me deito, o senhor mata.
— Olha sua…
— O nosso fio tá preso, Romão! O Dario tá preso!
Seu Romão ficou paralisado com a notícia.
— É por isso que nossa fia Manuela está aqui, ela veio avisar.
— Não pode ser. — se segurou na pilastra.
— Enfim o que era esperado aconteceu. Os policias chegaram no bordel e prenderam o Dario.
— O prenderam por qual motivo, irmã?
— Não sei, Ester.
— Já deu o recardo. Vai-te simbora daqui. — ordenou o pai.
— O senhor é a desgraça da nossa família! — gritou Manuela apontando para o pai e saiu.
— O que vamos fazer, meus pais? Temos que saber o porquê que prenderam o Dario, e…
— Romão não pode aparecer por lá porque vão prender ele. Eu vou orar, pedi aos meus santos e a Deus pra clarear as minhas ideias. — entrou na casa.
Alfredo estava sentado à mesa, digitava no computador em sua casa e Onélia lia o jornal em pé a sua frente.
— Preso Dario, o maior pistoleiro de Alagoas.
— Gostou do título? Essa é a matéria mais importante da minha carreira. Aí eu conto os meus dias que fiquei em cativeiro sob a mira de Dario. Fiquei cara-a-cara com a boca da arma dele. Eu estou vivo por sorte e isso é para poucos.
— É, eu estou lendo. — sentou na cadeira. — Aqui você diz que ele matou mais de cem, que fez pacto com o tinhoso, que tem ideias fascistas e que o sonho dele é implantar o comunismo no Brasil. Alfredo, não acha muito forçado para um analfabeto saber diferenciar posicionamentos políticos o que é de direita e de esquerda?
— O povo gosta disso. Não é à toa que os programas policiais são um sucesso porque o bandido, o crime e o sangue vendem matéria.
— Puro sensacionalismo barato. — jogou o jornal na mesa e se levantou.
— É jornalismo, minha cara.
— Você quer que o povo tenha ódio dele pra vender jornal, mas há uma grande dose e de vingança.
— Exatamente, Onélia, só eu sei o terror que passei nas mãos daquele criminoso.
— Por mim?
— Quando vai conversar com o Sargento?
— Você quer que reate com ele, não é?
— Sim, eu quero e sei que você também quer. — a beijou.
Na sala do delegado, Dario prestava o interrogatório. O delegado era um homem alto, magro e de meia-idade.
— Me fala, doutor, por que tô preso?
— Isso aqui é uma carta. — jogou na mesa.
— Não seio ler.
— Essa carta foi encontrada pela dona Guilhermina, esposa do finado Seu Quirino, e quem a escreveu foi o próprio marido antes de cometer suicídio e aqui ele relata tudo inclusive que contratou o senhor para matar o Raimundo da borracharia. Dario, eu passei anos tentando te prender e você sempre fez o seu “serviço” muito bem feito e nunca pude achar provas concretas que pudesse te prender mesmo sabendo pela boca miúda do povo que quem matou fulano ou sicrano tinha sido você.
— Doutor, essa gente inventa por demais…
— Não, Dario, não tente me enganar. Eu te peguei, você vai mofar na cadeia e deixará de ser pra mim uma pedra no meu sapato. Bom, como é de direito o meliante tem direito a defesa, então, já se comunicou com seu advogado?
— Não tenho dinheiro.
— Aguarde o defensor público.
— Quando ele vem?
O delegado deu uma risada irônica.
— Não sei, pode ser que demore uma semana, um mês ou meses. Paciência, Dario, paciência. Levem esse sujeito de volta pra cela. — deu ordens aos policiais.
De tarde, dona do Céu acompanhada por Ester foram à delegacia ver Dario. Na cela a mãe se emocionou.
— Fio, Dario! — chorava segurando nas grades.
— Mainha, vá pra casa, vá. Esse lugar não é lugar pra senhora e nem pra Ester.
— Eu te disse, fio, que um dia tu iria ser preso…— acarinhava o rosto dele.
— Já estamos sabendo do porquê que te prenderam, é o que só comenta na cidade.
— Ester, cuide de mainha. Eu sei que vou ficar preso pro resto da minha vida. Não deixe ela sozinha não.
— Não se preocupe, Dario, vou cuidar da nossa mãe.
O policial surgiu no corredor.
— Acabou a visita.
— Que Padrinho Pai Cíço te proteja meu fio. — fez o sinal da cruz nele.
— Bença, mainha? — beijou a mão da mãe.
— Deus te abençoe, fio.
— Vamos, mãe, vamos. — disse Ester.
Dario observou a mãe e a irmã saindo do corredor e dentro de si a angustia o arrasava, sentou no chão e pensava em como em poucos instantes havia perdido a sua liberdade, o amor de Maria Rita, o domínio de Maria Quitéria, a fidelidade de Catamarã e sua família.
Na porta da delegacia, dona do Céu e Ester saíram conversando.
— Talvez se a gente contratar um advogado…
— Fia, eu prefiro o meu fio preso do que solto por aí podendo ser morto de tiro ou continuar matando por dinheiro.
— Mãe, na prisão também se mata.
— Se morrer preso pelo menos morreu com dignidade pagando pelo crime dele.
A cidade de Vila de São Cristóvão comentava sobre a prisão de Dario, uma onda de terror alimentada pela reportagem de Alfredo aumentou o frenesi do imaginário popular. É de se considerar que Dario era um matador de aluguel entretanto o sensacionalismo da matéria jornalística fez com que o povo começasse acreditar que todos os crimes praticados na cidade fosse de sua autoria, como se criasse na cidade uma síndrome do Éden, ou seja, que o bem reinava na comunidade, mas o mal que é excepcionalmente a existência de Dario perturbou ou violou a paz social. De repente ele se tornou além de assassino também estuprador, sedutor de virgens, ladrão, traficante, acusado até de fazer um pacto com o diabo e esses relatos foram dos populares que encheram a delegacia acreditando com certa “convicção” que ele havia cometido todos os crimes. O delegado soube separar o joio do trigo e concluiu que de todas aquelas acusações nenhuma pôde comprovar que tivesse realmente a sua autoria.
Dias se passaram e numa manhã no centro da cidade, o Sargento fazia a sua ronda quando de repente viu pessoas correndo atrás de Wandeca que se encontrava nua.
— O que boba é aquilo?
As pessoas corriam atrás dela e a xingava com palavrões.
— Viado! Vamos dar um cacete pra ver se vira, homi! Volte aqui, viado!
— Socorro! Parem! Me deixem em paz! — gritou Wandeca subindo as escadarias da igreja e acabou caindo.
— O que estão fazendo? — entrou o Sargento no meio da multidão.
— A mulé pegou o marido atracado com esse viado na cama. Pode isso seu poliça? — disse um popular.
Wandeca deitada na escadaria chorava assustada.
— Por que estão perseguindo ele?
— Porque ele é viado! E o Nosso Senhor abomina essas coisas, Sargento. — disse outro popular.
— Saíam daqui! Vão embora ou vou levar todos presos!
Os populares se afastam assustados com a ameaça de prisão do policial. O Sargento tirou o manto vermelho da imagem de Jesus Cristo na porta da igreja e entregou para Wandeca.
— Se enrole com isso. Eu vou te levar pra sua casa.
— É uma blasfêmia! — gritou um homem.
— Um absurdo! — gritou uma mulher.
Wandeca se enrolou com o mato e saiu com a escota do Sargento pela rua entre os xingamentos e maldições das pessoas até chegarem no bordel.
Dario conversava com o defensor público, um engravatado que aparentava ter uns quarenta anos, sentado na cadeira ao lado da cela.
— Como aqui não tem parlatório, a gente conversa assim mesmo.
— Doutor, eu tenho alguma chance de sair daqui?
— Sendo bem sincero: pode ser que sim, pode ser que não. Afinal é apenas uma carta de alguém que antes de cometer suicídio confessa que foi o mandante da morte de Raimundo, conhecido o dono da borracharia, e que pagou você para ser o executor.
— Quanto tempo vou ficar preso?
O defensor público abriu o Código Penal e começou a ler.
— Você está respondendo pelo crime de homicídio qualificado, artigo 121, parágrafo 2º, inciso I do Código Penal, que aduz: “mediante paga ou promessa de recompensa, por outro motivo torpe;” pena de reclusão de doze a trinta anos.
— Doze a trinta anos? — espantado.
— Não sabia que era tanto tempo assim?
— Macho, pra falar a verdade mesmo eu pensei que iria passar a vida toda preso, mas se eu pegar trinta anos de xilindró, eu tenho hoje trinta e três vou sair com quantos anos?
— Sessenta três.
— Pois é, vou sair vêio, porém pra sempre lá eu não fico.
— Ainda tem o fato de você ser réu primário, apesar de ser público e notório de que cometeu vários crimes, entretanto esse é o fato que unicamente tem uma prova que o incrimina, ou seja, sua pena pode ser diminuída e em poucos anos estará livre.
— Há uma saída pra tudo, não é doutor? — riu.
— Dario, você nunca ficou preso, não sabe a realidade de um presidio, acredite que um dia equivale há muitos anos lá. Não se iluda. Como você já defendi muitos e sei que no início confiam nas brechas das leis, quando voltam as ruas a maioria comentem crimes piores, retornam para os presídios e destroem suas vidas cada vez mais.
— Doutor, eu não cai nessa vida por meu querer…
— Todos dizem isso que a culpa foi dos outros e nunca deles.
— Eu sei que a culpa é minha.
— Então, me responda vale a pena essa vida de crimes?
Dario ficou em silêncio e olhou para o lado envergonhado.
— Caso queira continuar no crime aproveita e leia o Código Penal e escolha quais serão os próximos e as suas penas. — disse em tom irônico.
— Eu não seio ler. Não adianta nada, doutor. Começo a pensar que a prisão é meior pra mim. Perdi tudo, perdi o amor de Maria Rita e eu já não tenho mais o que lutar.
— Apenas faço o meu trabalho como defensor público e a você cabe fazer a sua escolha. Nós veremos em breve. — saiu.
Dario olhava para o Código Penal em cima da cadeira.