DARIO, O JUSTICEIRO

 

Amanheceu e Dario havia adormecido debaixo da aroeira quando de repente alguém jogava areia nele e era Chico Neno, um homem de estatura baixa, cafuzo, olhos esverdeados, cabelos encaracolados, usava um boné, uma blusa branca, calça jeans, chinelos e portava uma carabina.

— Acorda, caba.

— O que foi? Quem é tu, macho? Tá doido é? Tava dormindo, diacho.

— Sou Chico Neno, líder dos retirantes.

— O que tu quer? Perdeu coisa alguma aqui. Vai simbora. — levantou.

— Eu sei que você matou o Agenor e quem te pagou foi o Seu Félix.

— Tu veio se vingar, é?

— Não, eu vim te convidar a se juntar a nossa causa.

— Oxente, tu sabe que matei o caba que era teu amigo e quer que me junte a você? Acha que sou besta, é? Isso é coisa armada pra cima de eu.

— É não, Dario, vamos dizer que de certo modo essa morte do Agenor chegou em uma boa hora. Ele morreu e eu assumi o lugar dele. Já fazia tempo que eu e mais alguns não concordava mais com as decisões do Agenor.

— Tu quer eu do teu lado pra quer?

— Vamos dizer que você é uma figura perfeita para se unir a nossa causa. O que acha de ser o novo líder?

— Não sou de querer me meter no que é dos outros.

— Você precisa conhecer o nosso trabalho…

No acampamento dos retirantes, Dario chegou com o Chico Neno que o apresentava as famílias que estavam trabalhando no arado, passaram por uma cabana onde algumas mulheres cozinhavam farinha de mandioca e adentraram numa plantação de fruta-pão.

— Vocês são mais ricos que muita gente por aí.

— Não somos ricos, tudo que tem aqui é fruto do nosso trabalho. Unidos somos mais fortes.

Dario viu o poço artesiano.

— Água? Como conseguiram?

— Vamos dizer que há ajudas. Vem, entre na minha casa que vou te apresenta minha esposa a Fátima.

Os dois entram na cabana e encontram Fátima, sentada em cima de um tapete, cabelos negros e longos transados, pele branca, olhos castanhos, usava uma calça jeans, uma blusa azul aberta, pois amamentava seu filho um bebê recém-nascido de pele branca e de cabelos loiros e o um outro bebê recém-nascido de pele negra.

— Fátima, esse é o Dario.

— Dario, só se fala de você nessa cidade.

— O Chico Neno me trouxe aqui pra conhecer.

— Nós conhecer? — abriu um sorriso e olhava para o marido. — Saiba que é uma honra ter alguém como você em nossa terra. — voltou a olhar para Dario.

— Dario, queira se sentar. — disse Chico Neno arrastando um banco de madeira. — Eu vou lá fora ver como anda as coisas. — saiu.

— A mãe dele morreu e hoje sou eu que o amamento. — falava olhando para o bebê negro. — Se não fosse por mim ele estaria morto de fome. A natureza é tão perfeita em permitir que duas mulheres engravidem juntas e que morem no mesmo lugar porque caso um das duas morra, a outra ampara o seu filho também. Assim deveria ser a vida, não acha? Todos deveriam ter o mesmo direito de desfrutar da terra como esses bebês mamam em meus seios.

— Dona, eu não sei, eu acho que vou pegar o beco… — se levantando.

— Dario, espere. — segurou a mão dele. — Somos o seu povo e precisamos de você. Lute por nós. Você sabe o que é morrer de fome. Você é igual a esse órfão que amamento.

— A dona fala bem, é estudada?

— Sim, quando Chico Neno entrou na minha vida, larguei tudo pra ficar com dele. Esse é o meu destino. Dario, não tente fugir do seu que é ser o nosso líder para lutar por nós e quem sabe se tornar o chefe desta nação.

Dario saiu atordoado da cabana e encontrou Chico Neno conversando com outros retirantes.

— Chico.

— Dario, o que acha de dá uma palavrinha com o pessoal?

— Eu vou simbora, tô com saudade danada de mainha e painho. Depois a gente conversa.

— Tem certeza?

— Tenho.

Ao sair do acampamento, Dario antes de ir à casa dos seus pais resolveu visitar a sua irmã Manuela no bordel para pegar a sua arma e o cavalo. A cafetina conversava em seu quarto com o irmão.

— Aqui vamos conversar mais à vontade. — sentava em frente a penteadeira.

— Desde que sair da prisão ninguém dessa cidade me deixa em paz. — sentou na cama.

— São os louros da fama, irmão. — retocava a maquiagem. — onde estava?

— Dormir no açude e fui acordado pelo tal de Chico Neno.

— O líder dos retirantes, caía fora, Dario, não queira nada com aquela gente.

— Ele me chamou pra ir com ele no acampamento. Eu fui e vi que o pessoal é mais rico do que muito pobre por aí.

— O Chico Neno te chamou para entrar na política, não foi? — se virou pra ele. — Com certeza ele quer que você se torne seu líder.

— Isso, mas eu não quero me meter nessas coisas.

— Não queira, irmão. Já sabe o que vai fazer da sua vida?

— Manu, eu não seio. É que é muita coisa acontecendo tudo misturado e confuso na minha cabeça.

— Dario. — sentou ao lado dele. — Aproveita que você está livre e refaça a sua vida.

— Mas sem a Maria Rita não tem graça.

— Quem sabe a vida te surpreende e você acaba encontrando uma outra mulher que te faça feliz?

— Nenhuma mulé será meior do que a Rita, minha ceguinha.

— Vamos dá tempo ao tempo.

— Me dê a Maria Quitéria.

Manuela tirou um quadro da parte, abriu um cofre, retirou a arma e entregou ao irmão.

— Espero que não precise mais dela.

Dario guardou a arma dentro do cos das calças.

— Vou simbora, ver mainha e painho mermo que ele tenha me botado pra fora de casa.

— Você também?

— Foi antes de saber que Maria Rita tinha casado e ido simbora pra Sertão de Maria.

— Dario, é tão bom te ver livre, irmão. — o abraçou.

— Eu também tava com saudade de tu e do bordel. Outro dia venho aqui fazer a alegria das meninas. — deu um riso.

— Dario, você não tem conserto. — riu.

— Prefiro ser um troncho feliz. — gargalhou.

Na porta do bordel, Dario reencontrou Catamarã.

— Catamarã! — o cavalo se aproxima dele e relinchava alegre. — Oh! Fio, tava com saudade de tu. — o acarinhava a crina. — e aquele égua, hein? Só não me fale que tu deixou ela prenha. — o cavalo relinchou. — Porque se tu deixou ela buchuda vá cuidar do teu menino, pois quem pariu o Mateus que o balance. — montou no cavalo. — Vamo pra casa, Catamarã! — saiu.

Ao chegar em casa, Dario desceu do cavalo e viu sua mãe correndo em sua direção.

Fio! Fio, Dario!

Dona do Céu o abraçou.

— Meu fio, tá solto, tá solto. Mainha te ama tanto fio. — o beijava o rosto.

— Mainha, que saudade da senhora. — acarinhou o rosto da mãe.

— Eu tava ontem lá na justiça, mas era tanta gente, um empurra-empurra da gota que não conseguia chegar perto de tu. Tá com fome, fio?

— Tô, mãe eu tô com fome.

Vamo entrar.

Os dois entravam na varanda.

— Painho?

— Teu pai deu uma saída.

No centro da cidade acontecia um comício, em cima de um trio elétrico estavam JP Andrade, Seu Félix e outros políticos, e uma multidão envolta.

— Povo de Vila de São Cristóvão, estamos cansados de viver a impunidade e o roubo descarado que acontece ano após ano desde a fundação desta cidade que a família Barbosa está no poder. Vivemos em uma república. — o microfone faz microfonia. — e não um império ou uma monarquia. É a nossa vez de tirar do poder os Barbosa e para que isso aconteça nós precisamos unir nossas forças contra as forças do mal. Eu, JP Andrade conto com o voto de vocês nesta eleição para prefeito e vamos limpar a cidade, vamos tirar Zé Barbosa da prefeitura, Zé Barbosa é um va-ga-bun-do!

— JP! JP! JP! — gritava o povo.

Seu Félix tomou o microfone de JP Andrade.

— Vila de São Cristóvão! Vote em JP Andrade, o homem faz!

Em cima do trio elétrico começou um show de uma banda de forró bastante popular.

Anoiteceu e na varanda estava Dario sentado nos degraus enquanto seu pai se encontrava deitado na rede.

— Não sei o porquê que você voltou pra casa.

— Voltei pela mainha, mas já vou me mandar daqui.

— Fique, Dario, fique, fio. Se tu não foi simbora desde que cheguei é porque também não quer ir.

— Painho, não dá mais pra eu ficar de baixo do mesmo teto com o senhor. Somos diferentes por demais, eu penso de um jeito e o senhor pensa de outro.

— Cadê a fia do Seu Félix?

— Ela casou e tá morando em Sertão de Maria.

— Vai atrás dela?

— Rouba ela do marido?

— Sim, mulé é tua não é?

— Ela que quis casar com outro.

— Então, tu não gostava tanto dela assim.

— Amo a Rita e acho que ela ter casado com outro fez o certo. Eu sou iria fazer a bichinha sofrer.

— Falta de aviso não foi. Agora levanta essa cabeça e vá caçar serviço.

— Vou caçar porque ficar sem trabaiar eu não posso, a fome vem e ela não cansa de bater na nossa porta.

De repente Iago entrou pela porteira.

— Dario! Tava atrás de tu, caba. — se aproxima. — Meu primo virou celebridade, hein? É o mais comenta na cidade.

— Eu só quero que esse povo me esqueça.

— Tá achando ruim? Se fosse comigo iria achar é bom. Vamo comemorar tua liberdade, macho? O que acha de ir na vaquejada hoje? Toma uma e pegar umas mulé?

Oxente, eu vou é agora!

No outro lado da cidade acontecia uma vaquejada. Na arena os vaqueiros cavalgavam atrás de um boi, nas arquibancadas haviam políticos, fazendeiros e pessoas da alta sociedade, enquanto os populares se encontravam ao redor da pista.

Iago e Dario caminhavam ao lado da pista até que um homem se aproximou deles.

— O prefeito quer falar com vocês.

— O prefeito? — perguntou o Iago intrigado.

— Sim, vem comigo.

Os primos seguiram o homem que o levaram para longe da pista e parou em frente à um galpão e disse:

— Esperem aqui. — saiu.

De repente os faróis de uma caminhonete se acederam, o vidro de uma das janelas desceu e apareceu um homem por volta dos sessenta e tantos anos, óculos escuros, chapéu de couro branco, cavanhaque, pele branca, blusa social azul e no braço um relógio, pulseira e anéis de ouro.

— Venham!

Os dois se dirigiram a janela da caminhonete.

— Sabem que eu sou?

— O senhor é o prefeito Zé Barbosa.

— E tu é Dario, o justiceiro do sertão.

— É o que dizem.

Zé Barbosa deu um risada breve.

— E esse quem é? — perguntou olhando para Iago.

— Meu primo Iago.

— Trabalha com você, não é?

Trabaio, sim, patrão. Tudo que sei foi o tio Romão e Dario que me ensinou.

— Eu quero que me façam um serviço: matem o JP Andrade, e quero que seja nove tiros porque ele me chamou no comisso de vagabundo e essa palavra tem nove letras. Não vou aguentar esse desaforo daquele sem vergonha. A recompensa será boa e terá um agradozinho pra você, moleque. — apontou para Iago. — enquanto a você, Dario, penso em te dar um futuro na política, o que acha de ser meu protegido? Eu não tive filho homem, então, posso fazer você o futuro prefeito de Vila de São Cristóvão se você aceitar casar com minha única filha a Giovanna.

— Aceita, Dario, essa é uma chance de ouro, caba. — disse Iago deslumbrado.

— Casar com a tua filha?

— Sim. — ele olhou para o banco de trás. — Giovanna, venha conhecer teu futuro marido.

De repente Giovanna desceu da caminhonete, era uma jovem de cabelos negros e cumpridos, olhos azuis, pele branca, usava calça jeans, um decote vermelho e com uma jaqueta jeans por cima e botas pretas com cano longo.

Ela ficou à frente de Dario.

— Bonita, né? — o perguntou Zé Barbosa.

Os primos ficaram fascinados pela beleza da jovem.

— Sim, muito bonita.

— Será uma honra ser a esposa de Dario, o justiceiro do sertão. — colocou os braços envolta do pescoço dele. — o que acha? — mexeu no cabelo.

— Aceita, Dario! Aceita, caba! — dizia Iago.

— Quando a esmola é demais o santo desconfia, é como diz mainha.

— Olhe pra mim, vai perder a oportunidade de ter a cidade e a mulher mais bonita deste sertão em suas mãos? — o roubou um beijo.

— Não, eu não quero. — disse Dario saindo.

— Como se atreve dispensar a minha prefeitura e a minha filha, caba de peia?

— Prefeito, se Dario não quer, eu quero.

— Tem certeza?

— Tenho, prefeito.

— Quero o JP Andrade morto amanhã pela manhã, e tu será o próximo prefeito da cidade e vai se casar com Giovanna.

— Pode ir, pai, eu vou ficar com Iago.

— Não se esqueça, caba, são nove tiros.

A caminhonete saiu.

— Vem comigo. — falou Giovanna puxando Iago para dentro do galpão.

Dario saiu da arena da vaquejada, subiu no cavalo e cavalgou pela estrada escura e pensava sobre o não que havia dado a proposta de Zé Barbosa, seria aquela a única oportunidade de mudar de vida ao tornar o próximo prefeito e casar com a filha de Zé Barbosa, uma mulher atraente e estudada? Se Maria Rita havia sido uma possibilidade descartada em sua vida, então o que fez Dario e negar a continuar a vida do crime? O que fez mudar foram as possibilidades de uma futura prisão, a morte ou algo maior?

Uma hora depois na arena da vaquejada acontecia um show de um cantor de forró enquanto em uma barraca havia uma grande mesa de madeira com um vasto banquete e sentados estavam o jornalista Alfredo, Seu Félix, Padre Jarbas, Pastor Milton, JP Andrade, Chico Neno e sua esposa Fátima, o prefeito Zé Barbosa, e seus puxa-sacos e os seguranças.

— Somos rivais e não inimigo, Zé Barbosa, pode contar comigo com o que precisar.

— Eu sei, vereador Andrade, formos criados juntos, dividimos a mesma ama de leite…

— E as raparigas também.

Os dois deram gargalhadas.

— O que acham do Dario? Tentei seduzir para o meu lado porque ele tem todo perfil de ser da extrema esquerda.

— Nada disso, Chico Neno, eu aposto que ele vai para o lado do centro, afinal, ele foi batizado na madre igreja e ouvir dizer que ele é devoto do beato padre Cícero. — disse o padre Jarbas.

— Eu vou converter e trazer o Dario para o Senhor e ele será o novo prefeito da cidade ao lado de Zé Barbosa, de todos aqui eu tenho a mais chance de o convencer, afinal, somos cunhados. — falou o pastor Milton.

— Meu livro sobre a vida de Dario está quase pronto e não vejo a hora dele se torna um best-seller, eu criei a lenda de Dario e já me imagino sendo entrevistado até fora do Brasil. Eu, Alfredo Dias, o jornalista que ficou cara-a-cara com Dario, o justiceiro do sertão.

— E pensar que esse caba quase casou com a minha fia, daquele sujeito eu quero é distância. — comentou Seu Félix.

Dario chegou em casa e encontra Wandeca com sua mãe na varanda.

— Maninho, ainda bem que você chegou antes de eu ir embora.

— O que aconteceu?

— Eu tenho uma notícia maravilhosa pra te contar.

— Qual?

— A patroa descobriu com um cliente que trabalha lá na fazenda Sertaneja, que voltou da cidade por esses dias, que tinha levado a Maria Rita e uma empregada para uma casa em Piaçabuçu.

— Pera aí, ela não estava em Sertão de Maria?

— Não, Dario, a Maria Rita não casou, ela foi embora, pegou as trouxas dela deixou a barra da saia, digo, a barra das calças do pai.

— Pois eu vou é agora mermo para Piaçabuçu atrás de Rita. Bença, mainha?

— Bença, fio, seja feliz. — fez o sinal da cruz nele.

Dario subiu no cavalo, saiu cortando estrada a noite e seguiu pensando em Maria Rita e quanto estava ansioso para revê-la e finalmente viver aquele amor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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