Pedro olhava para o cavalo baio de Onofre. Januário tapava o nariz para não sentir o odor da carniça. Urubus e carcarás brigavam pelas tripas do animal.

_ Diacho! _ Januário revirou com os pés a pata quebrada do baio. _ Quebrou em dois lugares.

_ Não estou vendo as coisas de Onofre. _ havia marcas de pés ao redor do cavalo – Deve ter seguido a pé.

_ Não seria melhor que tivesse voltado para a Fazenda do D’ouro?

_ Conheço os meus homens. São como potros de raça:  incapazes de refugar.

_ Não estou gostando.

_ Vamos um pouco mais adiante. Onofre é homem bom. Se machucado, vamos encontrá-lo.

O dia amanhecia no alto da caatinga e o sol depois do meio-dia era muito quente. Precisavam se apressar se quisessem encontrar Onofre antes do pôr do sol.

***

Sarah subiu as escadas da casa grande tropeçando nos degraus. Seus seios pendiam para fora da camisola rasgada. Ela puxou o roupão para tapá-los, tinha medo de que alguém a visse daquele jeito.

Assim que entrou no quarto, trancou a porta. Sentia a face quente e aquela tepidez entre as pernas. Não se entregara por completo aquele homem porque ele não quis, e isso assustava. Se esquecera de Pedro assim que Josué começou a tocá-la. Se fechasse os olhos, a sensação da boca dele vinha como uma onda suave de prazer. Ela se enfiou debaixo do chuveiro, lavando o corpo com água e sabão. Seus seios estavam doloridos, cheios de marcas e escorrendo leite. Sarah os acariciou devagar, para tentar aliviar um pouco da dor. Quando deixou o banheiro, se olhou no espelho. Havia marcas de dentes em volta das aréolas e um pouco de roxo nos bicos rachados. O leite cedera, assim como a dormência causada pela constante sucção do Ruivo. Sarah enrubesceu e se enrolou nos cobertores. Não conseguia dormir. Só pensava no que Josué lhe dissera.

_ Posso lhe dar um filho, Sarah. Ninguém ficará sabendo, nem mesmo seu marido.

Só precisava de uma estocada, nada mais que isso. E não seria de todo ruim. O homem a excitava de um jeito que Pedro jamais entenderia. Talvez se entregar a ele fosse a solução para o seu casamento. Um filho traria vida para aquela casa, para o cotidiano vazio de Sarah. Não precisaria de um negro para engravidá-la. Por outro lado, Josué era Ruivo. Se a criança nascesse com suas características? Ela era loira e com certeza fariam confusão. Não pensaria nisso por enquanto. A vida oferecia desafios. Era preciso se arriscar.

***

O dia amanheceu com Pedro e Januário no encalço de Onofre. Seguiam as pegadas no chão, na trilha que fizera o cavalo antes de quebrar a pata. O capataz caminhou cerca de dois quilômetros rumo ao Porto, mas por algum motivo, resolveu voltar para a Fazenda.

_ Diacho! _ Pedro sentia-se cansado, com a bunda doendo e um pouco de vertigem por causa do calor _ Estou com fome.

_ Vamos parar para comer e descansar _ Januário apeou do cavalo _ Os animais precisam de descanso também.

Pedro fez o mesmo.

Fizeram uma fogueira e café. Comeram o pão e o queijo de Conceição. Depois cozinharam arroz na banha com carne seca. Pedro comia calado, enquanto Januário olhava para ele.

_ O Ruivo já prestou serviço para meu pai. Ele não é nada educado com os negros.

Por que falava sobre o Capitão do Mato? O que sabia sobre ele? Com certeza aprontara com suas negrinhas.

_ O homem tem família?

_ Uma mulher e três filhos

_ Filhos, filhos e mais filhos! Sarah me enche as ideias por causa disso _ ele colocou mais arroz no prato. _ E o cabra da peste que está amuado lá em casa tem três.

Januário sorriu.

_ Afora os mulatinhos esparramados por aí.

Pedro olhou o céu. O sol alcançara seu topo; tão quente quanto um dia de verão.

_ Não me arrependo de Sarah. Ela é uma mulher e tanto.

_ Te preocupas com o Ruivo? Ele é bem-apessoado. As negras não reclamam quando embuchadas por suas estocadas.

_ Ele não ousaria mexer com as mulheres do D’Ouro. O homem tá com um dos pés quebrado. Galinha apeada não cisca. Nem mesmo na senzala.

Um carcará grunhiu do alto de um cupinzeiro.

_ Amanhã voltamos para o D’Ouro _ disse Pedro para Januário _ Não creio que encontraremos Onofre com vida. Algum predador o pegou.

_ O que vai fazer com o Ruivo?

_ Mandá-lo para casa assim que melhorar do pé.

Januário assentiu com a cabeça.

O Carcará grunhiu novamente. Os homens terminaram suas refeições para descansar até o pôr do sol.

***

Sarah vestia apenas seu roupão quando desceu as escadas nas pontas dos pés. Conceição tinha o sono leve, e mesmo dormindo num dos quartos do fundo, sempre despertava com o arrastar de Pedro pela casa. Havia uma lamparina e algumas velas no aparador da sala. A Senhora do D’Ouro acendeu-a para que apenas um feixe de luz iluminasse o caminho. Do lado de fora, uma escuridão bruxuleante, pios de coruja e coaxar de sapos. Sandro e Pardinho dormiam perto da senzala com os outros homens, para vigiar melhor os escravos.

_ Vigiem a senzala mais de perto. Se algum negro fugir, não vamos conseguir outro tão perto da colheita.

_ Sim senhora.

Não eram de muito questionamento. Cumpriam ordens e nada mais.

Sarah não teve dificuldades em chegar ao casebre do Ruivo. Não havia luz lá dentro, nem mesmo o barulho de alguém na cama. A porta estava destrancada, sem a corrente que mantinha Berenice do lado de dentro. A lamparina que carregava presa ao corpo jogou luz nos utensílios em cima da cadeira. Sarah se aproximou devagar, sem perceber que o homem estava atrás dela.

_ Eu sabia que viria, Senhora _ ele segurou seus ombros _ Me sinto honrado. 

A voz dele era calma e as mãos quentes como brasa. O roupão de Sarah escorreu até seus pés, deixando-a nua sob a luz mortiça.

_ É uma mulher bonita. Merece carregar um filho na barriga.

Josué desceu as mãos até seu ventre, massageando-o. Depois alcançou seu sexo, para afastar suas pernas. Sarah se esquivou do que pretendia fazer.

_ Não tenhas medo. Vais sentir um prazer jamais imaginado.

Ele deitou-a na cama com os braços esticados. No ambiente escuro não conseguia ver o rosto de seu algoz. Uma mão afastou suas coxas, deixando-a à mercê do homem que chamavam de Ruivo. Ele acariciava seu corpo, se concentrando nos seios. Sarah sentia os dedos dele dentro dela, abrindo caminho entre suas pernas.

As estocadas sacudiam a cama. Sarah se contorcia com as investidas dele. Sem querer vê-lo em cima dela, deixou que cavalgasse no seu corpo, empurrando, empurrando, empurrando. A mulher pressentia seus gritos, que em breve atingiria o clímax sexo. Quando abriu os olhos, gritou; não pelo prazer, mas pelo que viu em cima dela. Uma entidade sibilava com seus olhos vermelho. Sarah tentou se soltar, mas a besta continuava dentro dela. Seus olhos faiscavam ao vê-la com medo. Sarah gritou novamente, mas foi abafada pelas mãos do Demônio.

Ele se enfiou nela, com mais força, fazendo-o sentir prazer. Quando Sarah teve coragem para encará-lo, viu o Ruivo em cima dele, nada mais que isso. Foi nesse momento que o líquido dele escorreu para seu útero, queimando-a por dentro como lava. O Capitão do Mato soltou seu arroto, para depois rolar para o lado.

_ Volte para seu marido. Tem um filho meu no bucho agora.

Sarah pegou seu roupão no chão. Ela não conseguia ver o rosto dele. A luz da lamparina acendeu sozinha quando perto da porta. Ela pegou-a no chão apressada. Não havia nada de diferente na varanda, ou perto da Senzala. Dentro da Casa Grande, o tom sombrio das janelas da sala. A mulher subiu as escadas pulando alguns degraus. Quando se sentiu segura, tirou o roupão para se olhar no espelho. Não havia corrimento entre as pernas. O que se enfiara nela, ficou preso lá dentro.

***

Pedro e Januário pegaram a estrada de volta para a Fazenda do D’Ouro assim que o dia amanheceu. Não havia sinal de Onofre pelas bandas perto do Porto. Encontraram apenas sua matula no mato, com pingos de sangue e comida podre. Januário manteve o silêncio até a porteira da sede. Quando perto de apearem do cavalo, receberam a lufada estranha de Pardinho.

_ Não encontraram o home, né? _ Perguntou ajudando com o cavalo.

_ Cadê Sandro? _ Pedro não quis prosa.

_ Tá na senzala organizando os negros.

_ Chame-o aqui.

Januário deixou que Pardinho também levasse o seu cavalo.

_ Fica para o almoço. Precisa de uma comida decente.

_ Vou aceitar sim. Gosto do tempero da Conceição.

Sandro se aproximou com seu chicote.

_ Mandou me chamar, Patrãozinho? _ O chapéu encostado no peito.

_ Tu consegues ser o novo capataz?

O peão coçou a cabeça do seu jeito característico.

_ Não há outro jeito, há?

_ Não. É uma ordem, Sandro.

_ Se não tem outro jeito, eu aceito.

Januário se sentou na varanda com as botas sujas de poeira. Conceição virou a cara, para depois servi-lo com um café forte.

_ Cadê Sarah, Ceiça?

_ Dormindo. Eu não quis acordar a Sinhazinha. Fica preocupada quando o senhor tá longe da fazendo.

Quando se preparava para entrar na Casa Grande, esbarrou com ela na porta. Sarah o abraçou com força, beijando-o na boca.

_ Eu também senti sua falta, mulher! _ Pedro sorria.

_ Encontrou Onofre?

_ Não. Coloquei Sandro como capataz.

Januário cumprimentou-a com uma das mãos.

_ E o Ruivo?

O coração da Sinhá acelerou. Ela enrubesceu de repente.

_ No casebre. Eu não o vi nos últimos dias. Pardinho ficou responsável por alimentá-lo _ deu graças a Deus quando viu Januário mexendo nas botas.

_ Leve a comida, Conceição. Pardinho tem outros afazeres agora _ mandou Pedro.

_ O sinhô vai me desculpa, mas eu não quero saber daquele coisa ruim não. Eu ….

_ É uma ordem, Ceiça. Não quero conversa.

_ O Sinhô viu os zóio dele? Viu…

_ Obedece a Pedro, Ceiça _ Sarah teve que se segurar para não desmaiar. _ Creio que o homem nos deixará hoje.

_ A senhora e o sinhô não sabe o que tão me pedindo, não sabe de jeito nenhum …

A escrava foi para a cozinha reclamando. Sarah se sentou na mesa, junto com os homens. Sentia-se enjoada e sem apetite.

_ Tudo bem? _ Perguntou Pedro enquanto se servia de um copo de leite.

_ Claro! _ Ela sorriu para ele _ Esse calor me tira do prumo.

_ Eu que o diga, Senhora, eu que o diga! _ Januário se servia de um pedaço de bolo.

_ O que aconteceu com Onofre?

Pedro olhou para Januário.

_ Nós não sabemos, senhora. Não há nem sinal do cabra.

Conceição passou por eles com uma bandeja nas mãos.

_ Amanhã mando Pardinho na carroça. Preciso avisar o Porto do sumiço dele.

_ Vai arriscar perder outro homem?

_ Não tenho escolha. Creio que …….

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!

O grito estridente era de Ceiça.

Sarah deixou a xícara de café escorregar das mãos. Os homens correram para o casebre de Berenice sem se preocupar com o barro nas botas. A escrava derrubara a bandeja, esparramando mingau de aveia na cama. Assim que viram o Ruivo, vomitaram o café da manhã. A senhorinha do D’Ouro chegou na porta com a saia levantada até o tornozelo. Quando sentiu o cheiro de carniça, desmaiou aos pés do marido.

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