Olá, leitor(a)! O Observatório da Escrita está no ar com uma resenha e a continuação do manual de roteiro. Vamos lá?
A novela de hoje foi exibida em 2018 e reprisada em 2019. Até hoje, um dos maiores clássicos da Cyber TV — e que o seja pra sempre. Em 2020 é a vez de ela ganhar uma review aqui no Observatório.
No dia 2 de abril de 2018, estreou Doces Mentiras, novela de Alberto Sant’Anna. Dulce (doce em espanhol) faz gostosuras em casa para vender e conta com a ajuda da sobrinha Lígia, uma jovem bonita e cheia de sonhos. Com elas vive Carla, a vilã, o oposto de Lígia em caráter: ambiciosa e arrogante, do tipo que se envergonha da realidade da tia.
O capítulo inicial começa com Lígia e Dulce vendendo doces na rua com o tempo quase chuvoso, enquanto Carla continua despreocupadamente nos braços do Morfeu e, em seguida, aproveita mais uma chance de usar o ingênuo Billy numa das tentativas de dar o golpe do baú. Margarida, a mãe do rapaz, conhece bem a cobra. Enquanto isso, Maria Estela não perde a chance de envenenar o filho, Inácio, contra a nora indesejada, Sônia. O motivo: esta tem um caso com o jardineiro da mansão, Jonas. Eduardo, filho do casal e típico galã rico, atua na empresa da família, mas tem que contar com a concorrência do ambicioso Maurício e com o grude da noiva Graziela. O episódio termina com Lígia chocada ao ver a prima cheia de sacolas de compras de shopping.
No decorrer de 40 capítulos, Lígia e Carla conhecem Eduardo em situações distintas e travam uma luta acirrada; uma pelo coração, e a outra pela conta bancária. Carla se junta a Maurício. Com ele, põe em prática mil e uma intrigas das mais folhetinescas para separar o casal protagonista. Rola até chantagem contra Maria Estela. No fim, a arrivista termina morta por Suzana, que arma a cena do crime para incriminar a avó de Eduardo.
Outra personagem importante na trama é Carolina, moça que vivia apanhando do marido Alexandre. Ela é salva pelo irmão, o agente de modelos Marcelo, que alveja o agressor depois de mais um ataque violento. Billy, por sua vez, conhece a doce Ingrid e inicia um namoro com ela, esquecendo Carla. Dulce abre a tão sonhada loja de doces, enquanto Lígia e Eduardo ficam juntos e felizes.
Alberto optou pela escrita em roteiro-literário, que tem se difundido bastante pelas obras virtuais e ganhado adeptos. Um estilo menos técnico que o roteiro e mais livre e sintético que a narrativa; muito interessante para webnovelas. O autor utiliza muito bem esse formato e faz com que a leitura da trama seja fluida e instigante, característica também dos ganchos. De qualquer modo, o ponto mais positivo fica mesmo com o clima romântico e açucarado — doce como no título — das tramas amorosas e com as vilanias mexicanas mas sem exageros de Carla, Suzana, Maurício e Estela. Outra personagem de destaque é Glória, uma ex-garota de programa que recomeça a vida e tem que enfrentar o preconceito de muita gente — isso vale uma ótima surra dela em Carla.
Doces foi a única novela do autor na Cyber até agora. Alberto voltou em 2019 com o lindo conto Apesar de Tudo, em Saber Amar, mas os leitores querem e merecem novos trabalhos daquele que foi eleito o autor revelação no Cyber Awards 2018. Fico na torcida. Para você, leitor(a), um novelão. Para o autor, um chamamento.
Nos programas 62 e 63, introduzimos o conceito de roteiro, abordamos os principais componentes estruturais e detalhamos um pouco mais sobre os cabeçalhos e os diálogos. Agora vamos falar de mais dois elementos que integram esse fabuloso gênero dramatúrgico.
1 – DESCRIÇÃO DAS AÇÕES:
Como o nome já diz, é a sequência das ações que acontecem na cena, ou seja, tudo aquilo que será mostrado “na tela”. Quanto mais claro e conciso, melhor para o entendimento do leitor e dos profissionais envolvidos na arte. Alguns tópicos:
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Se o cenário for apresentado pela primeira vez na história, você pode escrever um pouco sobre ele apenas para situar o leitor. No caso da primeira aparição de um personagem, características físicas podem ser dadas se for o caso. Se preferir, pode usar parênteses para apresentar coadjuvantes e personagens aleatórios e dispensá-los quando se trata de protagonistas. Observe o exemplo da minissérie Anti-Herói:
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Em via de regra, os verbos devem vir no tempo PRESENTE.
Exemplo:
Marta anda de um lado a outro. Ela segura um cigarro com a mão direita.
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As ações podem ser unidas por mecanismos de coesão, o que dá maior fluidez à sequência performada pelo ator e à leitura do texto. Conjunções, preposições, pronomes de substituição e verbos no gerúndio são algumas dessas ferramentas que ajudam a “enxugar” a escrita da cena.
Exemplos:
Marta anda de um lado a outro e segura um cigarro com a mão direita.
Marta anda de um lado a outro, enquanto segura um cigarro com a mão direita.
Marta anda de um lado a outro, segurando um cigarro com a mão direita.
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Se a cena tiver muitas ações seguidas, não “interrompidas” por falas, e você ver que o parágrafo está gigante, há uma solução: divida em blocos menores com linhas em branco entre eles. Isto deixa a aparência do texto mais harmônica. Observe outro exemplo da obra de Cristina Ravela:
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Quando usar caixa alta (letras maiúsculas) numa descrição de roteiro? A tendência mais comum é fazê-lo para destacar:
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nomes de personagens — sempre ou quando eles aparecem pela primeira vez;
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palavras e objetos que se destaquem em ações específicas;
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efeitos técnicos (câmera, transição, etc.).
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Há roteiristas que o fazem apenas em um dos itens citados acima e também aqueles que fazem toda a descrição em caixa alta. A escolha depende das escolhas de estilo ou de estética do autor. Enquanto no Mundo Virtual e nas telenovelas há mais liberdade, existem padrões mais formais a serem seguidos em roteiros de cinema e de obras seriadas.
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Descrições longas e maçantes sobre o estado psicológico ou poético dos personagens ou sobre cada item do cenário, nem pensar! Figuras de linguagem menos ainda. Vocabulário sofisticado do século XIX? Só nos diálogos de uma novela de época e olhe lá. Na descrição, jamais!
Isto faz parte do gênero narrativo (literário). O roteiro é justamente o contrário: sequência lógica, clara e objetiva do que acontece na cena. A narrativa está para o diário pessoal assim como o roteiro está para uma receita de bolo.
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Uma pergunta muito interessante que surgiu de uma autora aqui da Cyber e que vale a pena dividir com você, leitor(a): é possível usar discurso indireto na descrição para sinalizar um pensamento ou um monólogo de um personagem que, no caso, planeja uma vingança? A resposta é não.
O discurso indireto é uma ferramenta muito utilizada em narrativa, mas que não se encaixa bem em roteiro. Se o personagem estiver sozinho em cena, pode-se apenas inserir a fala. Se houver outros personagens durante o monólogo, basta apenas pôr a instrução “fala pra si mesmo” ou algo parecido na descrição imediatamente anterior à fala ou mesmo numa rubrica. Se a fala for em off, basta indicá-lo também na rubrica — (V.O.) ou (OFF).
2 – TRANSIÇÕES:
Transições são efeitos de edição que interligam uma cena à outra ou mesmo partes de cena, através de indicações específicas feitas no roteiro. As mais comuns são:
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CORTA PARA: o “corte” é a simples troca de cenas, sem efeitos gráficos. Tem esse nome porque, no início da era cinematográfica, era necessário cortar literalmente o rolo de filme no fim de uma cena e grudar com outro rolo na parte em que começava a cena seguinte. Há roteiristas que dispensam seu uso, já que a passagem simples de cenas já indica um corte, utilizando apenas os demais efeitos quando quer um efeito específico.
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CORTA RÁPIDO PARA: a mesma coisa, só que com interrupção mais brusca da cena que termina.
- CORTE DESCONTÍNUO: corte utilizado com ideia de passagem de tempo ou de espaço no meio de uma cena ou uma sequência. Foi bastante utilizado na novela Escândalo, por exemplo.
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MATCH CUT: estilo de corte que “une” o mesmo elemento na cena que termina e na que começa, mostrando uma mudança de tempo ou de lugar. Lembra um corte descontínuo feito com um ponto focal específico. Foi utilizada na telenovela Os Dez Mandamentos, na cena em que um escudo marca a transição da primeira para a segunda fase da trama.
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FADE OUT: a imagem escurece gradativa e rapidamente até ficar toda preta.
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FADE IN: o contrário. A imagem “nasce” gradualmente a partir do preto.
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DISSOLVE ou FUSÃO: a passagem de uma cena para outra se dá por sobreposição de imagens.
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ABRE/FECHA EM ÍRIS: a tela fecha em direção a um ponto central ou abre a partir deste. Muito comum em desenhos animados, como o da Turma do Pernalonga.
Veja um exemplo da novela Nova Chance Para Amar:
No próximo programa, vamos analisar outros efeitos técnicos de um roteiro. No dia 17, vamos analisar quatro roteiros do Mundo Virtual e, no dia 24, abordar a nova tendência da literatura na internet, o “polêmico” gênero roteiro-literário.
O Observatório fica por aqui, mas não deixe de ler o Backstage daqui a pouco. Até lá!