Atchimmmmmm! — E num simples espirro foi-se a alegria. A casa vazia, fria. O ar entra nos pulmões mas não refrigera, a respiração demora a acontecer, e eu sofro, um sofrer oblíquo, pois, nada dói mais do que observar os retratos. Ao rever as fotos do Natal em Hong Kong, do Ano Novo, percebo o quanto que era feliz, meu sorriso parecia tão verdadeiro. Hoje custo acreditar que os sorrisos eram meus, apesar de ser nítido.

— A comida vai esfriar, senhora. — Essa é a frase que mais ouço nesse lugar, as enfermeiras insistem em me alimentar, mal sabem elas que estão alimentando uma morta-viva. Meu corpo degusta, mas minha alma padece de alimento.

A solidão se tornou minha companheira, a mais fiel de todas que já conheci. Às vezes ouço a voz de Liang me chamando pela manhã. São as manhãs mais felizes, mas quando me deparo com a minha companheira, choro, pois sei que tudo foi um simples devaneio… em saber que entrei aqui por ela e que ela não me esperou. Após o vovô adoecer, todos pensávamos que era uma gripe comum, mas deixamos Liang cuidando dele, por precaução. Um erro fatal! Na noite mais escura, vi o vovô ser levado já sem vida, enquanto todos nós éramos examinados por médicos mascarados.
— Os senhores não se infectaram. Uma dádiva! — Me senti tão aliviada.

Estar bem no caos às vezes traz um alívio que não se descreve mas no mesmo instante, senti um toque diferente, era uma enfermeira.

— Infelizmente, sua filha terá que vir conosco. Há alguns indícios. Pode ser crucial tê-la em nossa observação. — Meu mundo desabou. Eu iria no lugar dela. Eu pouparia minha pequena Liang daquilo tudo. Ao lembrar, sinto; meu coração enche-se de tristeza e consigo enxergar a harmonia do meu ser.

Depois daquele dia, não a vi mais. Onde ela estava? No hospital central; disso eu sabia, mas não podia me aproximar, sequer podia sair de casa. O pânico se generalizava na grande capital. Ouvia-se gritos, choros estridentes, pessoas clamando por socorro e penarem sozinhas, pois não se podia se obter um alento, um abraço.

Meu marido dormia num cômodo separado do meu, o nosso pequeno Chan também. Um horror! Convivíamos na mesma casa, sem se tocar, apenas vendo, me senti como num pomar ansiando pela maçã mais alta, sem poder alcançar. Eu não podia acalmar meu próprio filho. Ele chorava à noite toda, e eu apenas o ouvia, sofria calada. Cantarolava para ele, mas nem sempre resolvia; eu o compreendia, eu me sentia da mesma forma. O governo estava tentando acalmar a população mas não conseguia preencher o vazio dos corações, e esse era o problema.

Quase um mês após a ida de Liang, eu me desesperei, cheguei no meu ápice e num ato abrupto, impensado, saí correndo do apartamento. A histeria me alcançou. Policiais se aproximavam abruptamente. Pessoas saíam na janela me observando, chocados.

Eu estava sedenta por notícias de minha filha e, no momento, pensei em apenas uma coisa: reencontrar Liang, ainda que para isso eu precisasse ter contato com o vírus. Uma senhorinha estava na calçada, tossindo, sendo levada pelos enfermeiros mascarados. Ao vê-la, decidi me aproximar. Os enfermeiros me privaram mas o vírus já estava em mim. Eu senti, apesar de estar ensandecida; eu sentia ele entrando por meus poros. Fui levada imediatamente para o hospital central.

Á noite recebi uma notícia inesperada: a senhorinha havia morrido. Ali evidenciava o prognóstico. Todos os enfermeiros tinham certeza do meu estado clínico e eu apenas ansiava pela resposta.

— O exame deu positivo — disse o médico, sóbrio. — Então me leve para o quarto — disse eu num tom exacerbado.

Ninguém me compreendia, mas eu seguia plena. Ao entrar no quarto, pude vivenciar o mais gélido e sombrio quarto. Sombrio mesmo com as paredes brancas, claras. Passaram-se dias e o que eu achava que seria o portal de encontro com minha filha se tornou o ponto de desencontro. O que eu não esperava era que as notícias sobre ela estavam lá fora.

— Sei que será duro para você. Não será fácil! Mas seja forte. — Ao ouvir aquilo, deduzi tudo… tudo, menos a verdadeira informação. — Sua filha está morta. – Meu mundo desabou…acabou! Minha missão ali estava acabada, não havia mais razão. Meus objetivos haviam se perdido com a morte dela, mas fiz o que pude. E

u posso ser tachada de louca, mas quem nunca fez uma loucura por amor? Eu fiz e não me arrependo, mas preciso enfrentar as consequências, ainda que sejam sórdidas.

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