“O PESO DO ÓDIO”

CENA 01. CASA DE SAMUEL. QUARTO DE SAMUEL. NOITE. INT.


Samuel está com os olhos arregalados, vendo aquele indivíduo idêntico a ele a sua frente. Esfrega os olhos com força. Ao abri-los, a entidade continua à sua frente.


SAMUEL (assustado)

Isso não é real. Isso não é real. Isso não é real. 


Esfrega os olhos novamente, os abre lentamente e a pessoa ainda continua lá.


SAMUEL (assustado)

Quem é você? 


DEMÔNIO (calmo)

Eu sou você! Ou melhor, eu sou a sua vontade!


SAMUEL (confuso)

Como assim? 


DEMÔNIO (caminha pelo quarto)

Há algumas noites, eu fui invocado neste quarto. (fica ao lado do espelho quebrado) Você me invocou.


Samuel se lembra da noite que socou seu espelho. Aquele momento vem em flashes em sua cabeça.


SAMUEL

Eu lembro. Naquela noite eu estava com um aperto no peito. Com algo pesado dentro de mim. 


DEMÔNIO

Sim, esse peso era eu, que buscava liberdade. (vira-se para Samuel) E você me libertou para cumprir a sua vontade.


SAMUEL

Que vontade?


DEMÔNIO

Justiça! É isso que você quer, não é? (se aproxima de Samuel) Justiça por todos os inocentes que pedem ajuda por aí e não são ouvidos.


SAMUEL

Então… aquelas vozes? Aquelas frases? Todo esse tempo era você?


DEMÔNIO

Sim. Estou fazendo a sua justiça, Samuel. (a poucos centímetros dele) Até me tornar livre por completo.


SAMUEL

Livre?


A entidade olha para a janela, como se sentisse algo o chamando.


DEMÔNIO 

Ainda há pessoas que precisam pagar por seus pecados. Na próxima vez que nos encontramos, será o nosso último encontro. (sorri e desaparece)


Samuel senta-se na cama, ainda perplexo com tudo aquilo. Seu coração acelera.


CORTA PARA


CENA 02. LANCHONETE. NOITE. EXT.


Túlio está reunido com alguns amigos em uma mesa fora da lanchonete. Ambos estão bem animados. Do outro lado da rua a entidade aparece e os observa.


LÍDIA

Então, Túlio… como foi o primeiro dia no cargo novo? (todos atentam-se a ele)


TÚLIO

Foi tranquilo. Não imaginava que entrava tanta gente assim numa loja de brinquedos. 


NÁDIA

Tem muitas crianças no mundo, sabia disso?! (todos riem)


TÚLIO

Eu só acho que deveria ter um filtro melhor, sabe? A loja é de grande porte, localizada em uma área nobre da cidade. Só que eles deixam qualquer um entrar.


LÍDIA

Ih, te entendo completamente. Hoje é difícil escolher um ambiente socialmente visitável.


TÚLIO

Isso, exato. Se vocês tivessem visto o gay que entrou hoje na loja, dizendo que queria comprar uma boneca para a sobrinha. Não que eu seja preconceituoso, respeito todos independente de qualquer coisa, mas, lá tinha outras crianças, cara. Creio que nesse tipo de ambiente, eles deveriam proibir esse tipo de gente. 


DÊNIS

E você o atendeu?


TÚLIO

Eu não. Fingi que estava ocupado arrumando a seção de carrinhos. Mas tempo depois, tive que atender uma negra que apareceu lá. (ri) Que aliás, só pelo o estilo de roupa que ela estava usando, eu sabia que não iria comprar nada.


LÍDIA

Ela comprou?


TÚLIO

Nadinha. Entrou, observou alguns brinquedos, mas depois que viu os preços, percebeu que não poderia comprar nada ali e foi embora.


LÍDIA

Se a loja tivesse segregado bem seus clientes, esse tipo de gente jamais pisaria por lá.


TÚLIO

Também penso assim. Mas o que eu posso fazer?! São normas da empresa, tenho que colocar um sorrisinho no rosto e atender bem a todos.


Repara duas garotas entrando na lanchonete, ambas negras.


TÚLIO

Acho que a loja de brinquedos não é o único lugar que deve selecionar bem seus clientes. (aponta para as garotas)


LÍDIA

Pelo menos elas parecem ter dinheiro pra pagar. (todos riem)


NÁDIA

Você é uma garota muito ácida, sábia menina?! 


Todos continuam rindo, olham em direção às garotas que acabaram de entrar.


CORTA PARA


CENA 03. RUA. NOITE. EXT.


Lindy anda pela calçada, quando um carro, na cor prata, estaciona ao lado dela. A janela do veículo desce, revelando Murilo (29 anos, corpo atlético)


MURILO (sorri)

Oi!


LINDY (feliz)

Olá! (se aproxima do veículo) Nunca mais veio me procurar. Pensei que havia me esquecido.


MURILO

Entra aí. Vamos dar uma voltinha. 


Lindy dá sinal para as outras meninas, informa que está tudo bem. Dá a volta no veículo e entra. Dentro do veículo, ela acaricia a perna de Murilo.


LINDY (sorri)

Estava com saudades! 


Se aproxima dele, o beija por um bom tempo.


MURILO

Quando chegarmos no motel, a gente conversa. Coloca o cinto. 


Lindy se ajeita, coloca o cinto. Murilo acelera o veículo.


CORTA PARA


CENA 04. MOTEL. SUÍTE. NOITE. INT.


Lindy entra aos beijos com Murilo. Ele fecha a porta e os dois caminham até a cama. 


LINDY (sorri)

Pensei que nunca mais fosse sentir essa boca de novo. 


Sobe em cima dele, voltam a se beijar. Murilo a joga na cama, ficando por cima. O clima está quente entre os dois. Da porta, ambos estão sendo observados pela entidade. O demônio mantém uma expressão séria no rosto.


Após o sexo, Lindy está deitada sozinha mexendo no celular. Murilo está tomando banho. O celular dele toca, Lindy o pega e verifica quem está ligando.


LINDY (grita)

É a patroa!


Murilo responde do banheiro.


MURILO (grita, v.o.) 

Deixa tocar! 


O chuveiro desliga, Lindy coloca o celular no mesmo lugar. A ligação se encerra. Murilo entra no quarto, se enxuga.


MURILO 

Falei que iria comprar algo na farmácia. Não vou poder demorar hoje.


LINDY

Ah, não. (senta-se) Pensei que iriamos ficar mais tempo. Você não me visita há semanas.


MURILO

Eu sei, desculpa. Aproveitei que ela teve um desejo de grávida e decidi dá uma passadinha rápida aqui.


Coloca a toalha em seu pescoço, sobe na cama.


MURILO

Queria sentir o seu corpo. (a beija)


LINDY

Falta muito para essa criança nascer?


MURILO

Ela completou o 8° mês ontem. (saí da cama) 


LINDY

Então, por hora você ainda tem que ficar ao lado dela e bancar o maridinho perfeito. 


MURILO

Exatamente.


Lindy se levanta e se aproxima dele. Aos poucos o empurra até a parede.


LINDY

Porque algo me diz que quando está criança nascer, a chance de nos vermos novamente será cada vez menor?


MURILO

Eu sempre deixei claro para você que minha família estará em primeiro lugar. Você sabe disso!


Lindy coloca seus braços ao redor do pescoço dele.


LINDY

Eu sei, eu sei… é que às vezes eu queria você só pra mim.


MURILO

É gostoso o que a gente faz, mas eu não vou trocar minha mulher por você. 


LINDY

Não precisa ficar me lembrando disso também. 


O beija, Murilo deixa a toalha cair no chão.


LINDY

Quanto tempo temos ainda?


MURILO (ri)

A gente não vai transar de novo! Acabei de tomar banho…


LINDY

Eu sei… (o leva até o banheiro) … só que é a minha vez de tomar banho. 


Sorri, o beija e os dois vão para o banheiro.


CORTA PARA


CENA 05. CASA DE MURILO. QUARTO. DIA. INT.


A esposa, Aline (26 anos, baixa, cabelos pretos), de Murilo está deitada na cama. Ele entra no quarto, trazendo uma bandeja com um reforçado café da manhã.


ALINE (feliz)

Olha só bebê, que pai incrível você vai ganhar. (acaricia sua barriga)


MURILO

Não tão incrível, quanto a sua mãezona aí. 


Coloca a bandeja na cama, Aline se ajeita. Murilo a beija brevemente.


ALINE

Mamãe chegou?


MURILO

Ainda não. Quer que eu mande mensagem pra ela, antes de ir para o trabalho?


ALINE

Não, não precisa. Ela deve estar chegando.


MURILO

Tudo bem. (acaricia a barriga da esposa) Até mais, campeão! Qualquer coisa, só me ligar. Venho correndo direto até vocês.


ALINE (sorri)

Eu sei! 


Murilo beija a barriga de sua esposa e sai do quarto. Da janela, toda a cena foi observada pelo demônio. A entidade caminha pelo quarto e fica ao lado de Aline, o observa por alguns minutos.


CORTA PARA


CENA 06. LOJA DE BRINQUEDOS. DIA. INT.


Túlio está dando uma volta entre as seções da loja. Uma moça com duas bonecas nas mãos o chama.


PAULINE

Oi. Poderia me ajudar. (ri) Eu estou em dúvida em qual dessas bonecas dar para a minha filha.


TÚLIO (simpático)

Claro. Quantos anos ela tem?


PAULINE

Ela tem seis. 


TÚLIO

Seis anos. Então acredito que essa aqui… (aponta para a boneca na mão esquerda) …ela irá gostar. Além de ter 128 frases, vem com duas peças de roupas trocáveis… 


Juca (28 anos, negro, calvo, alto) se aproxima dele.


JUCA

Oi, amigo. Sabe me dizer se aqui tem esse brinquedo? 


Exibe o celular para Túlio, que o ignora. Juca acredita que o rapaz não ouviu.


JUCA (toca no ombro dele)

Amigo, vocês teriam esse brinquedo aqui? 


Túlio continua sua explicação para a moça, o ignora. 


TÚLIO

Com toda certeza sua filha irá adorar essa boneca. Mas, se me permite… 


Toca no ombro da mulher, que a faz andar em direção a outra seção. 


TÚLIO (cont.)

Têm uma boneca linda e com mais diversão que essas duas aí. 


Os dois saem, ignorando completamente Juca que está logo atrás. Juca olha para os lados constrangido e vai atrás de outra pessoa que possa atendê-lo.


CORTA PARA


CENA 07. CASA DE MEIRE. SALA. DIA. INT.


Samuel está sentado no sofá de sua tia. Ela o observa, e diferentemente do dia anterior, ele parece bem mais ansioso. 


MEIRE (preocupada)

Aconteceu alguma coisa?


SAMUEL (ri sem jeito)

Nem sei como dizer isso. (coça a cabeça) Não sei se a senhora acreditaria em mim.


MEIRE

Se você me contar, talvez eu acredite.


Samuel ergue a cabeça, evita contato visual.


SAMUEL

Eu vi eu mesmo na minha frente. Não me refiro ao meu reflexo em frente a um espelho. Realmente eu vi alguém igual a mim… (olha para sua tia) …na minha frente. Completamente idêntico. Rosto, voz, corpo.


MEIRE

Essa pessoa apareceu de repente em seu quarto?


SAMUEL

Sim!


Meire abre seu bloco de anotações e escreve algo. Se atenta ao sobrinho na sequência. 


SAMUEL

Eu não entendo como isso é possível. (olha para o chão) Ele tinha o meu corpo. Ele falava igual a mim. (olha para sua tia) E disse que eu o libertei.


Meire se mantém bem interessada. Fecha o bloco de anotações, ergue seu corpo em direção ao sobrinho.


MEIRE (curiosa)

Como assim você o libertou?


SAMUEL

Ele disse que era a minha vontade. 


MEIRE

Sua vontade?


SAMUEL

Vontade por justiça!


Meire abre seu bloco e anota algumas coisas. 


SAMUEL

Assim que ele cumprir a minha vontade, ele estará livre.


MEIRE

Livre do que?


SAMUEL

Ele não disse. Logo em seguida ele desapareceu. Ele disse que tinha trabalho a fazer. 


Samuel olha para a janela ao lado, faz um longo silêncio. Meire fecha seu bloco, o observa.


SAMUEL (sério)

Ele disse que as pessoas tinham que pagar pelos seus pecados!


Meire sente um calafrio repentino. Olha para a janela, na mesma direção que o sobrinho. Tem um mal pressentimento. 


CORTA PARA


CENA 08. LOJA DE BRINQUEDOS. DIA. INT.


Túlio está indo em direção ao atendimento. Passa pelo rapaz que pediu ajuda minutos atrás, o ignora mais uma vez. Se apoia no balcão, próximo de Mica.


TÚLIO (feliz)

Consegui convencer uma cliente a levar duas bonecas pra casa. Pode me dar os parabéns agora.


MICA

Breno quer falar com você.


TÚLIO

Comigo?


MICA

Sim. Ele disse que é para esperar ele lá na segurança.


TÚLIO (sério)

O que foi que eu fiz agora?


CORTA PARA


CENA 09. CASA DE MEIRE. SALA. DIA. INT.


Samuel está em pé na porta, se despede de sua tia.


MEIRE

Amanhã vou atender um cliente especial, não estarei em casa. Mas gostaria muito que você voltasse semana que vem, para continuarmos nossa conversa.


SAMUEL

Volto, sim.


MEIRE

Que bom. Se cuida, querido. (o abraça) Qualquer coisa estranha que acontecer ou se seu outro eu aparecer, não hesite em me chamar.


SAMUEL

Tudo bem. Tchau, tia! 


Samuel vai embora. Meire o observa por alguns instantes, sente uma sensação estranha em seu interior.


CORTA PARA


CENA 10. LOJA DE BRINQUEDOS. SEGURANÇA. DIA. INT.


Túlio bate na porta do segurança.


TÚLIO

Oi, licença. É… o Breno pediu que eu viesse aqui. Tudo bem esperar aqui dentro?


SEGURANÇA

Entra. Ele avisou mesmo que você viria.


O segurança se levanta, pega sua xícara de café. 


SEGURANÇA

Vou aproveitar que vai ficar alguém aqui e pegar um pouco mais de café. Se você perceber qualquer movimentação estranha, aquele é o botão de reportar. 


Aponta para um botão vermelho ao lado, sai da sala em seguida. Túlio caminha até os monitores, ao todo são 16 câmeras espalhadas pela a loja. Repara alguns clientes andando em alguns setores. A movimentação no caixa. Na entrada e no estacionamento. O demônio aparece logo atrás dele, o observa. Calmamente, a entidade demoníaca se aproxima de Túlio. Estica seu braço para tocá-lo. Nesse momento, alguém entra na sala, fazendo a entidade desaparecer dali.


BRENO

Que bom que está aqui.


TÚLIO

Espero não ter feito nada errado, logo no meu segundo dia de trabalho.


BRENO

Bem, isso vai depender do que você tem a me dizer dessas cenas aqui.


Se senta na cadeira do guarda, procura algo no computador.


BRENO

Essas cenas foram de minutos atrás. 


Exibe o momento em que Túlio atende a mulher, com dúvidas nas bonecas.


TÚLIO

Foi a cliente que convenci a levar duas bonecas para a filhinha dela. Mandei bem, hein?!


BRENO

Talvez, mas quero que você me diga por que não atendeu o rapaz que falou com você logo atrás?


Mostra as cenas dele evitando Juca. 


TÚLIO

Eu simplesmente não o ouvi.


BRENO

Pelas imagens, parece que ele mostra algo no celular pra você. Até toca em seu ombro. Vai me dizer que você não sentiu também?


TÚLIO

Sabe o que é? É que eu estava tão focado em convencer a mulher a levar as bonecas, meio que eu não percebi esse cliente. Mas se você notar bem, logo ele é atendido pela a Sara. Olha só.


Aponta para as imagens de uma outra câmera, onde mostra Juca sendo atendido.


BRENO

Não fazemos distinção de clientes nesta loja.


TÚLIO (nervoso)

E não fiz. Realmente eu não notei a presença desse cara aí.


BRENO

Espero que isso não se repita. Se algum cliente o procurar, seja o motivo que for, ele deve receber atenção. Se recebermos reclamação de que ignoramos clientes, você está fora. (se levanta) Estamos entendidos?


TÚLIO (sério)

Estamos.


BRENO

Ótimo. (caminha em direção à saída) Volte para a loja. Seu expediente ainda não acabou! 


Breno sai da sala. Túlio vê as imagens do rapaz sendo atendido, fecha os punhos com raiva. O segurança entra, retorna para a sua cadeira. Coloca a xícara de café ao lado, repara o jeito tenso de Túlio.


SEGURANÇA

Levou uma bronca, foi?


TÚLIO (sério)

Não é da sua conta! 


Sai da sala, o segurança se surpreende com a atitude do colega. Pega sua xícara novamente e se atenta às imagens de segurança.


CORTA PARA


CENA 11. RUA. NOITE. EXT.


Após o expediente, Túlio convidou Dênis para darem uma volta na cidade. Os dois caminham pela rua.


TÚLIO

Por culpa daquele negrinho, recebi uma bronca.


DÊNIS

É típico dessa gente. Provocar confusão é com eles mesmo.


TÚLIO

Ah, mas se eu vejo esse cara de novo lá na loja. Dessa vez eu vou fazer questão de não o atender.


DENIS

Eu fosse você não faria isso. Do jeito que a loja é cheia de câmeras, seu superior vai ficar de olho em você.


TÚLIO

Ah, mas se eu encontro esse cara por aí. 


Túlio vê Juca e a filha saindo de uma floricultura. A garota segura um pequeno buquê de flores, parece feliz.


TÚLIO

Ei, espera aí. (aponta para Juca) É ele. É aquele cara que me fez levar a bronca hoje no trabalho.


DÊNIS

Quem? Aquele que está com a garotinha?


TÚLIO

Ele mesmo. Vem, vamos segui-los. (vai atrás de Juca)


DÊNIS

Agora? As garotas estão nos esperando, cara.


TÚLIO

Vêm, logo. (sem outro jeito, Dênis o segue)


Juca e a filha vão até o ponto de ônibus. Túlio e Dênis os observam. O ônibus chega, as pessoas entram no veículo. Dênis e Túlio correm rapidamente, conseguem alcançar antes que o ônibus partisse.


CORTA PARA


CENA 12. ÔNIBUS. NOITE. INT.


Juca e a filha estão sentados nas poltronas do meio. Túlio e o amigo ficam em pé, próximo a saída do ônibus. Não param de observá-los. Juca brinca com sua filha, a garotinha sorri.


CORTA PARA


CENA 13. RUA. NOITE. EXT.


Juca desce do ônibus segurando a mão de Bel. Túlio e Dênis descem logo atrás, indo na direção deles. Ao entrarem em algumas ruas, Juca percebe estar sendo seguido. Ele acelera os passos com a filha. Túlio e o amigo fazem o mesmo. 


Após ter a certeza de estar sendo seguido, Juca muda sua rota. Segura forte a mão da filha, aceleram os passos.


BEL

Porque estamos andando depressa, papai?


JUCA

Temos que entregar logo o presente para a mamãe, querida. 


Com medo de ser vítima de algum assalto e querendo proteger a filha, Juca acelera mais os passos.


BEL

Devagar, papai. Devagar.


Túlio e Dênis percebem que eles estão fugindo, correm atrás deles.


TÚLIO (grita)

Ei, você. Espera aí. 


Juca vira-se, desacelera. Reconhece quem o chamou.


JUCA

Espera, filha.


TÚLIO

Se lembra de mim? (se aproxima dele, o encara)


JUCA

Acho que sim. Você é funcionário da loja de brinquedos que me ignorou hoje mais cedo?


TÚLIO

Eu não te ignorei, bem. 


JUCA

Você me ignorou, cara. Eu te chamei duas vezes e você não deu a mínima pra mim. Eu toquei em seu ombro.


TÚLIO

Eu estava ocupado com outra cliente. Não notei você.


JUCA

Ou seja, me ignorou. 

 

TÚLIO

Escuta… (se aproxima dele, sério) …graças a você acabei levando uma bronca logo no meu segundo dia de trabalho. 


JUCA

Quem manda você não atender bem os clientes.


TÚLIO (muda de tom)

Quer saber de uma coisa? Eu te ignorei sim. Porque eu não atendo pessoas como você.


Juca o percebe alterado e leva a filha para trás, como tentativa de proteção.


JUCA 

Pessoas como eu? O que você quer dizer com isso? 


TÚLIO

Quero dizer, negrinho… que eu não atendo pessoas do seu tipo. (o empurra)


JUCA

Já saquei qual é a tua. 


Olha para a filha, a percebe um pouco assustada.


JUCA

Olha aqui… eu não quero confusão, está bem? Estou com minha filha, só quero ir pra casa.


TÚLIO

Tem ninguém aqui te segurando amigo! 


Juca o encara, olha para Dênis e o vê sorrindo, logo atrás de Túlio.


JUCA

Então cada um vai para o seu canto. Sem confusão nenhuma, combinado? 


Se distancia lentamente. Vira-se para ir embora, ainda mantendo a filha atrás dele, como proteção.


TÚLIO (tom alto)

Ei, negrinho… Esqueci de te dar uma coisa!


Assim que Juca se vira, Túlio lhe dá um soco na cara, que o faz cair no chão.


TÚLIO (alterado)

Você talvez não queira confusão, mas eu sim! 


BEL (grita)

Papai! 


JUCA (se recompõe)

Eu estou bem, filha. Papai, está bem. (encara Túlio) Eu já falei pra vocês. Eu não quero brigar, não com a minha filha aqui. (se aproxima dele) Mas… se você realmente quer resolver algo comigo, é só marcar o dia e o local, que estarei lá. Hoje não!


TÚLIO

Desculpa, mas eu vou querer resolver hoje esse acerto de contas! 


Tenta socá-lo mais uma vez, Juca desvia, segura o braço de Túlio e soca a cara dele que o leva ao chão com a boca sangrando. Dênis vai pra cima de Juca, que mais uma vez se defende e o derruba.


BEL (assustada)

Papai! (abraça a perna dela) 


JUCA

Vai para trás, filha. Ou não você vai se machucar.


BEL (com medo)

Vamos pra casa. 


Túlio ajuda Dênis a se levantar. Os dois observam Juca, procuram a oportunidade de atacá-lo.


BEL (com medo)

Por que o senhor está batendo nesses homens?


JUCA

Calma, filha. Papai só vai dar uma lição nesses moleques e logo vamos para casa. 


A leva para a calçada, próxima a um poste.


JUCA

Fica aqui está bem?


Ao notar Túlio vindo furioso por trás, a garotinha grita, avisando Juca.


BEL (grita)

Cuidado, papai!


Juca vira-se rapidamente, consegue desviar de Túlio. O segura pela a camisa e o leva ao chão mais uma vez.


TÚLIO (furioso)

Desgraçado!


Dênis parte pra cima de Juca. Juca se defende, soca a cara de Dênis e o leva ao chão. Túlio se levanta.


TÚLIO

Você se acha o bonzão, não é?! 


Juca vai para o meio da rua. Avisa mais uma vez para a filha ficar na calçada. Não era tarde da noite, mas a rua estava sem movimentação. Do outro lado, o demônio observa tudo em silêncio e sem ninguém vê-lo.


DÊNIS

Nós vamos te pegar. Vamos acabar com a tua raça!


Túlio e Dênis andam ao redor de Juca, o cercam.


JUCA

Eu já derrubei vocês duas vezes. Acredito que vão precisar de bem mais, para me pegar.


TÚLIO

Se acha corajoso? Você vai levar uma surra, na frente de sua filhinha. 


Juca olha para a filha, vê os olhinhos assustados da garota. Neste momento, Dênis tenta socá-lo. Juca desvia, dá dois socos na cara dele e o leva ao chão novamente.


JUCA

É melhor vocês irem embora, caras.


TÚLIO (furioso)

Seu merdinha! 


Vai para cima de Juca, que se defende. Com um só ato, Juca vira o braço de Túlio para trás, o pressiona.


JUCA (grita)

E você é o que, babaca? É melhor aprender a ter mais respeito com as pessoas, entendeu? Sua cor não o torna melhor do que ninguém aqui não.


Dênis percebe um pedaço de pau ao lado. Se levanta, pega o objeto e vai pra cima dela.


BEL (grita)

Papai, atrás de você! 


Juca não teve tempo de virar e se defender. Leva uma paulada na cara, caindo no chão. Dênis aproveita a oportunidade, pula em cima dele e começa a socá-lo no rosto.


TÚLIO (enfurecido)

Vou te mostrar onde é o seu lugar, porra.


Começa a chutá-lo, Juca tenta se defender dos dois. Apavorada por assistir o pai apanhando, a garota começa a gritar alto. Sai da calçada, tenta ajudá-lo. 


BEL (grita)

Deixem meu pai, deixem meu pai.


Dando vários murros nas costas de Dênis.


DÊNIS

Para de me bater, garota. 


Dênis segura forte o braço da menina, a joga na calçada, machucando o braço dela.


JUCA (grita)

Filha! Seu desgraçado. 


Juca se enfurece, segura a perna de Túlio, o leva ao chão. Rapidamente se levanta e parte pra cima de Dênis, o soca várias vezes.


JUCA (furioso)

Ela é só uma menina, desgraçado. 


A gritaria e confusão começa a chamar atenção dos vizinhos. Acreditando que seja alguma briga de rua, eles ficam dentro de suas casas. Alguns começam a filmar a briga pelos celulares. Juca derruba Dênis no chão, sobe em cima dele, continua socando sua cara.


JUCA (enfurecido)

Como pode fazer isso com uma criança? Não tem vergonha na cara?


Túlio se levanta logo atrás, olha o pedaço de madeira próximo de seus pés. O pega e em um ato de fúria enfia nas costas de Juca. 


TÚLIO (furioso)

Vou te mandar para o inferno, seu merda! 


BEL (apavorada, grita)

Papai!!! 


Todos que estavam em suas casas, também se apavoram com a cena.


PESSOAS

Chamem a polícia. Liguem para a ambulância. 


Juca cai para o lado, com o pedaço de madeira enfiado em seu corpo. Dênis se levanta, com o rosto todo machucado. Um casal sai de sua casa e caminha até a calçada onde está a garotinha. Uma mulher tampa os olhos da menina, para não continuar vendo aquela cena.


BEL (chora, tom alto)

Pai. Papai. Pai. Eu quero meu pai.


Juca vira o rosto em direção aos gritos da filha. Sente aquela madeira perfurando seu peito e uma dor insuportável dentro dele. A última coisa que vê, é o rosto de desespero da filha. 


JUCA (agoniza)

Fi… lha. 


Fecha os olhos, morto. Dênis olha para o amigo, se apavora.


DÊNIS (em desespero)

O que você fez, cara?


Túlio olha ao redor, percebe várias pessoas gravando.


TÚLIO

Vamos embora daqui. Vêm, vamos. 


Os dois saem correndo. As pessoas saem de suas casas, logo criam um círculo ao redor do corpo de Juca. Um homem liga para a ambulância. Alguns caras correm atrás dos assassinos. A mulher que puxou a filha de Juca, continua tapando os olhos da menina.


GAROTA (chora)

Papai. Quero meu pai. Papai… 


Mesmo podendo não ser visto por ninguém, o demônio está ao lado do corpo de Juca. Olha em direção onde Túlio e Dênis fugiram. Seus olhos brilham e a entidade desaparece dali.


Túlio e Dênis continuam correndo o mais rápido que podem. Percebem estar sendo seguidos por alguns homens. Ao entrarem em uma rua, acabam dando de cara com o demônio.


DEMÔNIO (sorri)

Pensam que vão fugir de mim? 


Seus olhos ficam vermelhos, brilham e todos desaparecem dali. Os homens que estavam os perseguindo, ao fazer a curva na rua, se questionam para onde eles foram.


HOMENS

Pra onde eles foram? Eles entraram nessa rua!


Os homens se entreolham, sem entender para onde eles foram. 


FIM DO EPISÓDIO.

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