“UM BOM MARIDO”
CENA 01. LOJA DE BRINQUEDOS. ESTOQUE. NOITE. INT.
Túlio e Dênis aparecem no estoque da loja de brinquedo. Ele reconhece o local.
DÊNIS
Que lugar é esse? Como viemos parar aqui?
TÚLIO
Estamos na loja!
Repara o demônio à sua frente. Como a entidade assumiu a forma de Samuel, Túlio se questiona.
TÚLIO
Samuel?
DEMÔNIO
Não. Não sou o Samuel.
TÚLIO
Mas é claro que você é o Samuel. E esses olhos vermelhos aí? Se afundou no mundo das drogas, foi?!
DEMÔNIO
Não vou perder tempo tentando explicar algo para vocês, porque não vale a pena. Eu vi o que vocês fizeram.
TÚLIO
Viu, é? (se aproxima) E quem vai acreditar em você? Um louco, que devia estar em um hospício.
DEMÔNIO
Humanos com um pensamento igual ao seu me cansam tão rápido.
Revira os olhos, começa a andar pelo ambiente.
DEMÔNIO
Se acham tão superiores. Tão donos da razão. Como se o mundo inteiro fosse apenas de vocês. Desrespeitam o seu próximo pela diferença da cor da pele. A diferença de dinheiro que têm. (ri) Até do jeito de se vestir vocês não aceitam. O jeito de andar, de falar, de ser, tudo fora do padrão os incomoda. Tudo precisa ser conforme o estabelecido por uma classe narcisista e conservadora, que são nada mais do que um bando de imbecis de nariz em pé.
A entidade senta-se em uma caixa. Túlio e Dênis o observam, sem entender o motivo daquele discurso todo.
DEMÔNIO
Já torturei tantas almas assim como a de vocês, que estou até cansado do mesmo repertório de sempre.
TÚLIO (irritado)
Quer parar com esse blá, blá, blá e dizer como viemos parar aqui?
DEMÔNIO
Viu só? São tão impacientes que nem aguentam um pouco de verdade.
DÊNIS (com medo)
Você vai nos denunciar para a polícia?
DEMÔNIO
Eu não. (salta da caixa, volta a andar) Uma hora dessa toda aquela plateia já deve ter feito isso. Os vídeos de vocês devem estar circulando em todas as redes sociais nesse momento. Vocês devem estar famosos. (ri)
TÚLIO (preocupado)
Droga.
DEMÔNIO
Me respondam uma coisa. Valeu a pena fazer aquilo? Matar o cara daquele jeito, só por que a cor dele era diferente? O que vocês ganharam com isso? O que mudou na vida de vocês ao fazerem aquilo?
Ambos ficam em silêncio, se entreolham, ambos ficam apreensivos.
DÊNIS (a Túlio)
Eu pensei que iríamos apenas dar um susto nele e pronto. Mas matá-lo?!
TÚLIO
O que foi, Dênis? O que tá feito, tá feito. Não dá pra voltar atrás. A gente precisa fugir agora. Precisamos ir para um lugar que ninguém possa nos encontrar.
DEMÔNIO
Eu tenho um lugar perfeito para mandar vocês, sabia?! Eu gostaria muito de torturar um pouquinho, sugar a energia vital de vocês, mas vocês são muito chatos.
Com um gesto de mão, o demônio faz dois bastões sobrevoarem o ambiente. Túlio e Dênis arregalam os olhos ao verem aquilo.
DÊNIS (apavorado)
Co… co… como você está fazendo isso?
Em um só ato, enfia os bastões no peito de cada um. Lentamente, ambos se ajoelham no chão.
DEMÔNIO
Vamos ver se vocês gostam da mesma sensação.
Dênis e Túlio caem no chão, agonizam de dor, morrem segundos depois.
DEMÔNIO (sorri)
Que sejam torturados bastante no inferno.
Outra transformação começa a ocorrer em seu corpo, desta vez internamente. Ele fecha os olhos, sente que seu interior está se modificando. Se sente cada vez mais forte. Cada vez mais pertencente àquele mundo.
DEMÔNIO (feliz)
Falta pouco. Só mais algumas almas e minha transição estará completa.
Abre os olhos, eles brilham e a entidade desaparece. CAM destaca os corpos mortos de Túlio e Dênis no chão.
CORTA PARA
CENA 02. CASA DE MEIRE. SALA. TARDE. INT.
Legenda: Alguns dias depois…
Meire serve uma xícara de café para Benjamim (48 anos, alto, cabelos grisalhos) e Elis (46 anos, cabelos castanhos, baixa).
ELIS (recebe a xícara)
Obrigada, querida.
MEIRE
Que bom que vocês estavam próximos daqui.
Pega uma xícara, senta-se na poltrona ao lado. Os observa, com uma certa angústia.
MEIRE
Imaginei que estaria em algum caso e que talvez nem veriam meu email.
BENJAMIN (tom humorado)
Elis olha os e-mails todo dia.
ELIS
Recebemos pedidos de ajuda constantemente de diversos lugares do país.
MEIRE
Entendo.
BENJAMIN
O mal não descansa, Meire. Precisamos ficar em alerta o tempo todo.
Meire coloca a xícara na bandeja, pega o seu bloco de anotações ao lado.
MEIRE (tensa)
Pior que é verdade.
ELIS
Poderia nos contar melhor o que está acontecendo com o seu sobrinho?
Folheia algumas páginas do bloco, observa atentamente as suas anotações. Elis deixa a xícara na bandeja, encara Meire.
MEIRE
Alguns dias atrás meu sobrinho veio até minha casa procurando ajuda. Ele estava com medo de estar ficando louco, assim como o pai dele. Conforme ele foi contando o que estava acontecendo com ele, logo percebi que não se tratava nada de loucura.
ELIS
É algo paranormal?
MEIRE
Acredito que sim. Ele me contou que começou a ouvir e ver coisas. Ele achava que estava ficando louco. Mas na verdade, acredito que isso seja responsável por alguma entidade que tenha se apossado do corpo dele.
BENJAMIN
O que exatamente ele chegou a ver?
MEIRE
Inicialmente… (observa suas anotações) …ele começou a ouvir uma voz estranha em seu ouvido. Em seguida, começou a ver frases escritas em sangue. Por último, chegou a ver a “si mesmo”.
Elis e Benjamin se entreolham, ambos receosos.
MEIRE
Em um livro de vocês, vocês chegam a contar que certos espíritos se aproveitam da fragilidade humana e meio que se hospedam neste indivíduo. A entidade então começa a se alimentar de sua força vital. Para deixar o indivíduo mais fraco, começa a mostrar e dizer coisas na mente desse hospedeiro. Muitos não chegam a suportar, surtam e são considerados como loucos. Eu não sei se o meu sobrinho está com algum espírito preso a ele, se alimentando de sua alma. Por isso que eu quero pedir a ajuda de vocês.
BENJAMIN
Os espíritos obsessores normalmente buscam uma forma de se comunicar com o seu hospedeiro. É uma forma de diversão pra eles. Eles gostam que o hospedeiro sinta a presença dele ali.
ELIS
Começam então a ter algumas alucinações, como ver e ouvir coisas.
BENJAMIN
Quanto mais fragilizado o hospedeiro fica, mais forte se torna a espírito.
ELIS
Então, quando mais cedo ele for descoberto…
BENJAMIN (complementa)
…as chances de expulsá-lo serão maiores.
ELIS
Onde está o seu sobrinho?
MEIRE
Ele está vindo para cá.
BENJAMIN
Ótimo. Assim que chegar, minha esposa é capaz de sentir se há ou não um espírito obsessor em seu sobrinho.
CORTA PARA
CENA 03. ÔNIBUS. TARDE. INT.
Samuel está sentado no final do ônibus, com seu cotovelo apoiado na janela e sua cabeça encostada na cadeira. Ele parece bem exausto, com olheiras no rosto, como se não tivesse tido uma boa noite de sono há dias.
CORTA PARA
CENA 04. CASA DE MURILO. SALA. TARDE. INT.
Murilo está sentado no sofá, troca mensagens com alguém. Sua esposa entra no ambiente, rapidamente ele guarda o celular. Murilo se levanta e caminha até ela.
MURILO
Tem certeza de que quer ir para essa reunião?
ALINE
Eu combinei com as irmãs, não posso desmarcar agora.
MURILO
Fico tão feliz em ver minha querida esposa tão empenhada assim no serviço do Senhor. Ainda mais grávida, do nosso filho.
Ajoelha-se, beija a barriga dela, sorri na sequência.
ALINE
Eu sei que você nos ama, mas tenho que ir agora querido. (um carro buzina lá fora) Olha só, a Rosângela chegou.
Murilo se levanta, acompanha a esposa até a porta.
MURILO
Qualquer coisa me liga que vou te buscar.
ALINE
Tá, bem.
Murilo abre a porta e leva Aline até o carro. Beija brevemente a esposa e retorna para casa. Dentro do veículo, Aline acena em direção ao marido e vai embora em seguida com sua amiga. Murilo fecha a porta com um sorrisinho no rosto, pega o celular em seu bolso e continua a trocar mensagens. Minutos depois, ele caminha apressado até o sofá, pega a chave de seu carro e sai de casa.
CORTA PARA
CENA 05. CASA DE MEIRE. SALA. TARDE. INT.
Samuel entra no cômodo um pouco constrangido, é acompanhado por Meire até o sofá onde estão Benjamin e Elis. Ele cumprimenta o casal, em seguida senta-se ao lado de Elis.
MEIRE
Eles irão me ajudar a resolver tudo isso que têm acontecido com você, Sam.
SAMUEL
Vocês também são especialistas no assunto?
BENJAMIN
Podemos dizer que sim, meu rapaz.
Olha para Meire, que recebe o sinal de não revelar seu verdadeiro trabalho.
BENJAMIN
Mas, digamos que o que fazemos, se atrela a esta área.
Desde que Samuel entrou na sala, Elis vem tentando sentir alguma energia de algum espírito que possa ter se hospedado nele. Ela não sente nada. Toca na perna do marido, o alerta que o garoto está limpo.
ELIS
Então, Samuel… sua tia nos contou o que você vem passando nos últimos dias. Mas, gostaríamos de saber diretamente de você, sobre essas coisas que você vem vendo e ouvindo.
Samuel olha para a tia, fica um pouco tenso. Elis segura a mão dele, o conforta.
MEIRE
Pode contar tudo, querido. Neles, você pode confiar.
Samuel respira fundo, abaixa um pouco a cabeça, em seguida atenta sua atenção para Benjamin. Começa a falar tudo o que aconteceu, desde o início.
CORTA PARA
CENA 06. CASA DE AURORA. SALA. TARDE. INT.
Aurora vai em direção a porta, animada. A abre com um sorrisinho bobo no rosto. Murilo está a sua frente.
MURILO
Não posso demorar muito. (entra na casa) Minha esposa está resolvendo algumas coisas no grupo de mulheres da igreja. Provavelmente, temos uma hora no máximo.
Murilo fica ao lado do sofá. Aurora fecha a porta e corre até ele. Murilo a segura pela cintura, ambos sorriem.
AURORA (sorri)
Temos tempo de sobra então.
O beija loucamente. Os dois caminham em direção ao sofá, começam a se despir. O demônio aparece ao lado da TV, observa toda a cena.
CORTA PARA
CENA 07. CASA DE MEIRE. SALA. TARDE. INT.
Conforme conta tudo para o casal, Samuel não para de esfregar suas mãos nas pernas, em sinal de nervosismo. Elis sente o quanto ele está angustiado. Sabe que está dizendo a verdade.
SAMUEL
E é isso… Desde que essa pessoa que se parece comigo apareceu no meu quarto e disse que era a minha vontade, eu comecei a duvidar se era mais alguma loucura minha ou se toda essa história era verdade.
ELIS
E você chegou a alguma conclusão?
Samuel se encosta no sofá, olha para o teto, parece confuso.
SAMUEL
Nenhuma.
BENJAMIN
Você falou que ele tinha a sua aparência, mas você não notou nenhuma diferença. Por mais pequena que seja?
SAMUEL (a Benjamin)
Não. Era como se eu estivesse me olhando no espelho.
Benjamin e Elis se entreolham, nota-se a cara de preocupação entre eles.
ELIS
Obrigada por ter nos contado tudo, Samuel.
BENJAMIN
Poderia nos deixar um tempo sozinhos, Samuel?
SAMUEL
Tá.
Samuel olha para sua tia, ela sorri o confortando. Ele se levanta e vai para a cozinha. Com a saída dele, Meire se aproxima de Elis.
MEIRE
Então… sentiu alguma coisa?
ELIS
Não. Não consegui sentir nada, desde o momento que ele entrou e saiu daqui.
BENJAMIN
Ela não sentiu, porque talvez não se trate de um espírito hospedeiro. Pode ser outra coisa que esteja atormentando seu sobrinho.
CLOSE em Meire, que fica apreensiva ao ouvir isso.
CORTA PARA
CENA 08. CASA DE AURORA. SALA. TARDE. INT.
Murilo e Aurora estão pelados no chão da sala. Seu celular toca em cima do sofá. Ele se levanta, pega o aparelho e atende.
MURILO (feliz)
Oi, amor. Já terminou? Está bem. Vou trocar de roupa aqui e vou aí te buscar. (a Aurora) É porque eu sujei a camisa aqui na cozinha, por isso vou trocar. (sorri) Mas não demoro. Estou indo, está bem. Tchau, te amo.
Desliga, se levanta e começa a se vestir. Observa Aurora ainda deitada no chão.
MURILO
Não vai levantar?
AURORA
Eu não. Aqui embaixo está permitindo uma ótima visão sua.
Acaricia a perna dele com o pé. Murilo sorri, termina de vestir a camisa.
MURILO
Não me provoca. (se agacha e a beija) Te vejo no culto hoje!
Murilo senta-se no sofá, calça o sapato. Se levanta e caminha até a porta.
MURILO
Tchau! Até mais tarde.
AURORA
Até mais!
Murilo verifica se não esqueceu nada, procura o celular, a carteira e a chave do carro. Tudo certo, ele abre a porta e vai embora. Aurora continua deitada no chão, olha para o teto com um sorriso bobo no rosto. O demônio continua ali, a observa por alguns instantes, com uma expressão séria no rosto. Desaparece na sequência.
CORTA PARA
CENA 09. CASA DE MEIRE. SALA. TARDE. INT.
Meire fica sem reação ao saber que o sobrinho pode estar sendo atormentado por outra coisa e não um espírito.
MEIRE
O que poderia ser então?
ELIS
Não podemos dizer de imediato assim, sem ao menos nos aprofundarmos mais com o que esse rapaz passou no quarto dele. (olha para Benjamin) Porém, podemos presumir que seja algum tipo de demônio.
MEIRE (assustada)
Demônio?!
BENJAMIN
Demônios podem assumir a forma de pessoas. Especialmente, a forma de seus hospedeiros.
ELIS
O que o seu sobrinho descreveu é típico de um demônio. A aparência física. Ver e ouvir coisas. E, ligando com o que ele viveu nos últimos dias, é possível chegar a essa conclusão inicial. Claro, precisamos investigar mais, ainda sim, é a hipótese mais plausível.
MEIRE (preocupada)
E como livramos ele desse demônio?
BENJAMIN
Bem, antes de mais nada, precisamos saber o tipo de demônio que está ligado ao seu sobrinho.
MEIRE
É possível descobrir isso?
ELIS
Sim, mas não trouxemos nossos objetos. (a Benjamin) Eles ficaram em casa, querido.
BENJAMIN
É, eu sei. Mas andei pensando, se você aceitar Meire, podemos fazer um ritual de contato com o objetivo de nos comunicarmos com esse ser, aqui em sua casa. (a Elis) Certamente, você conseguiria sentir algo, né amor?
Elis não responde de imediato. Sente um calafrio percorrendo seu corpo.
ELIS
Talvez.
MEIRE
E o que vocês precisam para esse ritual?
BENJAMIN
Um ambiente fechado, calmo, com pouca iluminação. Algumas velas, um copo d’água…
Conforme falava o que precisava, Meire se levanta, ouve atentamente e caminha em direção a cozinha. Benjamin olha para sua esposa, a percebe um pouco tensa.
BENJAMIN
Tudo bem?
Elis não responde, mas pressente algo maligno se continuar com essa ideia de se comunicar com a entidade invocada pelo garoto.
CORTA PARA
CENA 10. CASA DE MURILO. SALA. TARDE. INT.
Murilo chega em casa com sua esposa, ambos felizes.
ALINE
Nosso menino ficou tão alegre, quando soltamos o hino.
MURILO
É? Que bom, significa que nosso garoto antes de nascer, já gosta de servir o Senhor.
Se agacha, acaricia a barriga de sua esposa.
ALINE
Vou para o meu quarto descansar um pouco. Fiquei um bom tempo em pé, minhas pernas estão doloridas.
MURILO
Tá, logo mais subo com um almoço especial pra você. (a beija, sorriem)
ALINE
O que seria de mim, sem meu maridinho?
Os dois trocam beijos. Aline vai em direção ao quarto, Murilo caminha até a cozinha.
CORTA PARA
CENA 11. CASA DE MEIRE. QUARTO DE MEIRE. TARDE. INT.
Todos estão reunidos em torno de uma pequena mesa circular no centro do cômodo. Meire fechou todas as janelas e o ambiente está sendo iluminado apenas pelo o abajur próximo a cama e as velas sobre a pequena mesa. Os quatros estão sentados à mesa, de mãos dadas. Benjamin está de frente para sua esposa, assim como Samuel está de frente para a sua tia.
SAMUEL (preocupado)
Qual o propósito disso que estamos fazendo?
BENJAMIN
Vamos tentar identificar a origem do que está te atormentando. Acreditamos que possamos entrar em contato com essa sua vontade.
SAMUEL
Vocês querem que ela apareça aqui?
BENJAMIN
Se ela quiser conversar com a gente, sim.
Samuel olha um pouco assustado para sua tia. Elis segura forte a mão dele, tendo sua atenção.
ELIS
Não se preocupe, querido. Estamos aqui do seu lado, está bem?! (sorri)
O sorriso dela o deixa um pouco confortável. Benjamin olha para todos, inicia o ritual.
BENJAMIN
Peço que por gentileza, todos fechem os olhos e baixem suas cabeças. (a Samuel) Quero que se concentre no ser que você viu, está bem?
Samuel concede que sim com a cabeça. Todos fazem o que ele instruiu. Todos ficam em silêncio por alguns segundos. Benjamin é o último que baixa a cabeça e fecha os olhos.
BENJAMIN (tom alto)
Estamos aqui! Queremos conversar com você. Queremos entender por que está usando o corpo de Samuel para as suas vontades.
O ambiente continua em silêncio.
BENJAMIN
Se você tem a intenção de se comunicar com a gente, esse é o momento.
Todos continuam de cabeça baixa e olhos fechados. Tudo ao redor do quarto continua normal.
CORTA PARA
CENA 12. CASA DE MURILO. COZINHA. TARDE. INT.
Murilo está na cozinha preparando algo para levar pra sua esposa. A entidade surge na entrada do cômodo, o observa. Se aproxima lentamente dele. Estende sua mão para tocá-la, mas nesse momento escuta algo.
BENJAMIN (v.o.)
Não precisa ter vergonha da gente. Queremos apenas conhecê-lo melhor.
O rosto da entidade se enfurece, desaparece em seguida. Murilo vira-se, com a sensação de que tinha alguém ali.
CORTA PARA
CENA 13. CASA DE MEIRE. QUARTO. TARDE. INT.
O ambiente continua em silêncio. Benjamin abre brevemente os olhos. Não vê nada sobrenatural ao redor.
BENJAMIN
Estamos aqui para te ouvir. Queremos apenas conversar. Por favor, apareça.
A temperatura do ambiente cai subitamente. A luz do abajur começa a piscar. Elis sente uma presença demoníaca no ambiente.
ELIS (apavorada)
Ele tá aqui! Ele tá aqui.
Meire abre os olhos, sente medo com o estado de Elis e com o que está acontecendo em seu quarto.
BENJAMIN
Quem está aí?
Samuel começa a se remexer na cadeira. Seu corpo é usado como canal de comunicação.
MEIRE (preocupada)
Samuel? O que está acontecendo, querido? Fala com a gente?
Em posse do corpo de Samuel, a entidade solta uma gargalhada demoníaca. Meire arregala os olhos, solta sua mão de Benjamin e Elis.
BENJAMIN (tom alto)
Não desfaça o círculo. Caso contrário, o demônio pode se apossar do corpo do seu sobrinho por completo.
Rapidamente Meire volta a pegar a mão de ambos. Ela e Benjamim ficam atentos a Samuel, que continua gargalhando. Elis está de cabeça baixa, olhos fechados e com o semblante de pavor, ao sentir a presença maligna ao seu lado.
SAMUEL (com voz de demônio)
Eu não quero o corpo do Samuel. Em breve eu vou ter o meu próprio corpo.
BENJAMIN
O que você quer? Por que está usando o rapaz?
SAMUEL (com voz de demônio)
Eu quero o que todos vocês querem.
MEIRE (apavorada, grita)
Deixa o meu sobrinho em paz!
O rosto de Samuel gira lentamente em direção a Meire.
SAMUEL (com voz de demônio)
Eu vou deixá-lo, não se preocupe. Eu jamais faria algo para machucar o seu querido sobrinho.
Meire começa a chorar. Benjamin repara o estado de sua esposa.
BENJAMIN
Elis? Você consegue vê-lo? O que você está sentindo?
O rosto de Samuel gira lentamente para Elis. Ao sentir a entidade olhando para ela, Elis solta um grito alto e apavorante.
SAMUEL (com voz de demônio)
Você quer me conhecer, professora? Vou mostrar minha verdadeira face pra você. (os olhos de Samuel ficam vermelhos)
Elis ergue a cabeça, arregala os olhos e grita apavorada ao ver a verdadeira face do demônio. Ela se levanta histérica, solta a mão de ambos. Fica em pé, grita desesperada, implora para aquela imagem sair da sua cabeça. Benjamin se levanta rapidamente, vai até sua esposa.
ELIS (histérica, grita)
Sai da minha cabeça. Sai da minha cabeça. Sai da minha cabeça.
BENJAMIN (tom alto)
Se acalma, Elis. Por favor, se acalme. (a abraça) Fala comigo amor.
Elis continua gritando desesperada. O rosto de Samuel continua em direção a Elis, gargalhando com sua voz demoníaca. Meire se levanta, começa a orar. Retira o pequeno terço de seu pescoço e coloca na frente de Samuel. Benjamin tenta controlar a esposa, que não para de gritar.
BENJAMIN
Por favor, Elis. Eu estou aqui. Se acalma. (grita em direção a Samuel) Deixa a minha mulher em paz, seu demônio.
Samuel fica de pé, dá poucos passos em direção a Benjamin.
SAMUEL (com voz de demônio)
Depois pergunte a sua mulher se ela gostou de me conhecer?
Gargalha demoniacamente, deixa o corpo de Samuel. Elis para de gritar, desmaia nos braços de Benjamin. Samuel abre os olhos, repara o estado apavorado de sua tia orando, mostrando o terço em sua direção. Olha para Elis desmaiada nos braços de Benjamin.
SAMUEL (assustado)
O que aconteceu aqui?
CORTA PARA
CENA 14. BANCO. TARDE. INT.
Berlina (39 anos, cabelos pretos, alta) entra no banco e empurra a cadeira de rodas de sua avó, Cândida (74 anos, cabelos grisalhos, pele enrugada). Vendo que elas têm prioridade, rapidamente consegue um caixa eletrônico. Faz todo o processo para retirar o dinheiro da aposentadoria da senhora, que parece um pouco debilitada. Nota-se um certo receio por parte de Cândida, avó dela, em querer erguer o braço para fazer a leitura de sua digital. Berlina segura o braço enrugado da senhora com uma certa força, o leva até o leitor do caixa eletrônico. Rapidamente disfarça, ao perceber o guarda de olho nelas.
BERLINA
A senhora sempre dá trabalho nessa parte, né vovó. (sorri)
Com o dinheiro em mãos, Berlina o coloca em sua bolsa e sai do banco empurrando feliz a cadeira de rodas de sua avó. Enquanto ela cumprimenta o pessoal que trabalha ali com um sorriso no rosto, Cândida, continua de cabeça baixa com um semblante triste no rosto.
CORTA PARA
CENA 15. CASA DE MURILO. SALA. TARDE. INT.
A campainha toca. Murilo entra na sala apressado, direto até a porta. A abre e é surpreendido com um beijo. Empurra a mulher imediatamente, olha para os lados, récua um pouco para dentro de casa.
MURILO (chateado)
O que significa isso?
Puxa Michele para dentro, repara mais uma vez se algum vizinho viu aquela cena, fecha a porta na sequência.
MICHELE
Estava com saudades sua.
Michele se aproxima para beijá-lo, ele recua.
MURILO
Aqui não sua maluca. (vai até o sofá) Sua irmã está deitada lá em cima. Imaginou se ela desce e vê aquilo que você fez?
MICHELE
Qual é? Eu estava com saudades. Tanto tempo que você não me procurou mais.
MURILO
Não sei se percebeu, mas sua irmã está grávida. Ela precisa de alguém para ajudá-la. Ainda mais nessa reta final de gravidez.
MICHELE (sarcástica)
Ah, me esqueci que você é um maridinho super dedicado. Vou ver como minha irmã está.
Vai em direção aos quartos chateada. Murilo a observa, na sequência vai para a cozinha. A entidade demoníaca aparece na sala, faz sinal de negativo com a cabeça. Olha para a janela ao sentir algo lá fora. Seus olhos ficam vermelhos e ele desaparece dali.
CORTA PARA
CENA 16. CASA DE CÂNDIDA. SALA. TARDE. INT.
Berlina chega na casa de sua avó. Empurra a cadeira da senhora de qualquer jeito, fazendo-a bater no sofá. Acaba machucando o joelho da senhora. A entidade aparece ao lado da janela, fica atenta a cena. Berlina está em pé, próximo ao sofá, conta o dinheiro que sacou da aposentadoria da avó.
BERLINA
Francamente, não entendo como o governo quer que a gente sobreviva com essa mixaria. Mas, é o que temos.
Enrola o dinheiro, coloca no bolso de sua calça. Se aproxima de sua avó.
BERLINA
A senhora sempre fazendo ceninha quando é para colocar a mão, né?
Segura forte o braço de Cândida, a pobre senhora sente medo.
BERLINA
A senhora sabe que tem que erguer a porra da mão, então porque não ergue a droga desse braço?!
Joga forte o braço de Cândida na cadeira. Cândida sente dor, começa a chorar.
BERLINA
Pronto, vai começar. Isso nem foi tão forte assim.
Se afasta dela. Cândida acaricia o braço machucado. Está debilitada demais para sustentá-lo perto de si.
BERLINA
Só por causa dessa ceninha de hoje no banco, vai ficar sem jantar e sem seus remedinhos.
Caminha em direção a cozinha, Cândida fica sozinha.
CÂNDIDA (chora, tom baixo, voz abatida)
Socorro! Por favor, socorro!
A entidade caminha até a cadeira de rodas da senhora, a observa atentamente. Olha em direção a cozinha.
DEMÔNIO
Acho que o pastor infiel vai ter que esperar um pouquinho.
Foca sua atenção para Cândida, que chora de cabeça baixa, com o braço machucado perto do corpo.
FIM DO EPISÓDIO.