PARTE II – As batidas durante as noites
A mão de dedos alongados e unhas compridas pegou e abriu um caderno sobre a mesa, apanhou uma caneta e começou a escrever…
Primeira noite de Alicia
“Já passavam das 23h30m e o silêncio perpetuava por toda a colina. Terminei de tomar meu chá diante da janela entreaberta observando a escuridão e escutando o chirriar das corujas. Senti que precisava me deitar, mas antes, como de costume, passaria de quarto em quarto para ver como estavam as crianças, principalmente a nossa nova moradora.
Subi as escadas, passei pelo quarto de Manu e ela dormia de bruços espalhada pela cama toda. O segundo quarto é o de Kevin. Quando empurrei a porta vi que ele se escondeu debaixo das cobertas fingindo estar dormindo. Fiz que acreditei. Ele sabia que não gosto que fiquem lendo histórias até tarde, mas aquele dia eu deixei passar… Phelipe estava dormindo feito um anjo, é um menino muito querido por todos e…sim, ele já passou por muita coisa nesta vida.
Saí do quarto de Phelipe após ficar alguns minutos observando o seu sono tranquilo. Vi a porta do quarto de Alicia aberta pela metade. Notei a luz amarelada do abajur ainda acesa e, mal e mal, conseguia se ver a cortina balançando suavemente. Senti um arrepio percorrer todo o meu corpo e, passo pós passo, me encaminhei para aquele cômodo. Entrei e sentei na beira da cama observando aquela menina dormir. Passei a mão lentamente naqueles cabelos e ela sequer acordou, apenas virou-se de lado trocando de posição e encolheu- se continuando o seu sono dos anjos…ou assim me pareceu ser.
Notei que havia algo debaixo do seu travesseiro. Puxei devagar e vi que se tratava de uma fotografia. Era Alicia, uma mulher que parecia ser sua mãe, uma outra mais velha aparentando ser sua avó e a outra era aquela senhora que deixou Alicia no internato mais cedo. Gerações de uma família que pareciam ser algo especial para aquela menina. Fiquei mais alguns minutos apenas olhando Alicia dormir. Ouvi um barulho como se fosse uma batida vindo de dentro da parede e arregalei meus olhos. Fui até a janela e, por Jesus, Maria e José, como os arredores daquela colina ainda me causavam um estranho medo à noite. Fechei rápido a janela e puxei as cortinas. Encarei a cama e lá estava Alicia ainda na mesma posição. Fechei os olhos por uns instantes: “você precisa dormir, Allegra”, pensei comigo mesma.”
Allegra Doménic dormia debruçada sobre o caderno em que escrevia. Levantou o corpo assustada ao ouvir o toque incessante do despertador tocando e marcando 07h00m e custou a desligá-lo. Manu foi a primeira criança a aparecer. De pés descalços ainda estava com sua roupa de dormir e os seus cabelos bagunçados. Espreguiçou-se e sentou na mesa vazia do café da manhã. Allegra passou os olhos sobre o que tinha escrito e fechou o caderno guardando-o na parte mais alta da estante.
Após o desjejum feito por todas as quatro crianças, Allegra ordenou que fossem brincar no pátio da frente enquanto ela cuidava dos afazeres. Aquele seria um ótimo momento para a pequena Alicia se enturmar com os novos amigos. Manu, Kevin e Phelipe saíram na frente e, só depois que já se encontravam brincando no gramado, é que Alicia resolveu sair, tímida, receosa com o novo lar e com as novas pessoas ao seu redor.
Mas não demorou muito para que as crianças fizessem amizade. Quando espiou pela janela da cozinha, Allegra pôde notar que Alicia já demonstrava um sorriso em seu rosto angelical enquanto conversava e corria com os demais.
O dia se foi e a noite chegou com uma neblina densa que tomou conta de toda a colina, não sendo possível enxergar um palmo à frente.
Segunda noite de Alicia
“Ordenei que as crianças se acomodassem em seus quartos. Como o dia havia sido muito tranquilo, achei que não tinha com o que me preocupar. A pequena Alicia já parecia mais confortável no novo lar. Comeu bem, brincou, conversou e, exceto pelo momento em que ficou encarando a entrada da floresta no final da tarde como se tivesse vendo uma assombração, não houve mais nada de estranho.
Enchi minha xícara de chá e sentei-me na minha cadeira de balanço na varanda. À minha frente uma nuvem sem fim tomava conta de tudo e um vento gelado fez eu me aconchegar no meu xale. Aos poucos fui tomando meu chá, quando ouvi algo que soava como um sopro vindo pela estrada principal. Larguei a xícara sobre a mesinha ao lado, levantei e, lentamente, fui até ao lance de degraus. Ameacei descer, mas fui surpreendida pela pequena Alicia abrindo a porta principal agarrada na sua boneca. Me assustei. O sopro que estava próximo se dissipou e parece ter ido para além da floresta.
“O que houve, menina? Já pra cama!”, disse para ela.
“Não consigo dormir”, me respondeu ela com um certo medo na sua voz.
Respirei fundo, peguei em sua mão e nos dirigimos para dentro. Subimos as escadas passo por passo e ela segurava minha mão tão forte que chegava doer. “O que houve?”, eu lhe perguntei. Ela me puxou até a porta do seu quarto e apontou com o dedinho para a parede ao lado do roupeiro. “Está uma noite muito barulhenta”, me respondeu Alicia se aconchegando perto de mim.
Eu a encorajei entrar no quarto, algo que ela não queria de jeito nenhum. Deitei-a em sua cama e sentei ao seu lado. “Não há nada, minha pequena. É só o vento lá fora”, lhe respondi sem ter certeza nas minhas próprias palavras. “Fica aqui comigo até eu dormir?”, me perguntou ela. E então eu fiquei. Com uma mão ela agarrava sua boneca e com a outra apertava meu braço.
Acariciei seus cabelos e comecei cantarolar baixinho uma melodia que minha mãe sempre cantarolava para eu me acalmar em dias de tempestades. Parecia estar dando certo, não fosse por um estrondo que ouvimos vindo de onde ela tinha me mostrado. Alicia se levantou assustada e se agarrou em mim. Também me apavorei. Minha respiração ficou ofegante, assim como a dela, e o estrondo tornou-se mais forte e mais forte, até que cessou por completo e o silêncio perpetuou por alguns longos segundos…”
Allegra guardou o caderno e a caneta debaixo do seu travesseiro, apagou o abajur de luz amarelada e deitou de lado encolhendo-se em seu corpo. Não conseguia pregar os olhos, estava pensativa com os acontecimentos desta segunda noite. Olhou para o relógio em cima do seu criado mudo. O mesmo marcava 03h30m. Olhou para o chão e a pequena Alicia dormia agarrada em sua boneca deitada em um colchão.
Do lado de fora a neblina se dissipou, nuvens escuras e carregadas se formaram no céu e logo uma intensa chuva começou a cair sem parar. Sobre a floresta que cercava toda a colina e o internato Santa Helena começou a se ouvir sussurros, parecendo vozes de crianças pedindo por socorro.
Já passavam das quatro da manhã. Allegra finalmente conseguiu pregar os olhos depois de mais uma noite bastante conturbada. A janela do seu quarto abriu repentinamente com um vento soprando forte. Allegra se contorceu na cama virando para o outro lado enquanto a pequena Alicia acordou, se levantou e ficou lhe observando de pé diante da cama agarrada em sua boneca por mais ou menos uns dois minutos sem se mover.
A pequena calçou seus chinelos e abriu a porta do quarto com cuidado para não acordar Allegra. Saiu do quarto e caminhou pelo corredor escuro chegando na escada que levava até um outro andar. Observou o topo como se estivesse vendo alguém, e subiu passo por passo sem temer a escuridão que tomava conta e os trovões do lado de fora.
Há quem diga que as crianças são mais suscetíveis de pressentir o paranormal e, para Alicia, isso parecia ser algo extremamente comum sendo descendente de Magali, uma médium bastante conhecida no vilarejo, mas que deixou de exercer sua paranormalidade após eventos trágicos acontecerem.
Alicia deixou sua boneca cair e caminhou firmemente em direção à última porta no final do corredor. Conforme se aproximava do seu destino podia se ouvir batidas vindas de dentro daquele cômodo. Batidas que se tornavam mais altas, mais nítidas, mais perturbadoras. A pequena parou diante da porta, pôs sua mãozinha na maçaneta e forçou para abri-la…sem sucesso.
Ouviu-se um leve rangido e aquela porta se abriu vagarosamente. Um vento forte soprou balançando a camisola de Alicia, que sorriu não demonstrando nenhum receio ao que acontecia. O quarto estava em uma penumbra assustadora, mas mesmo assim, Alicia deu três passos e entrou no cômodo. Um estrondo ensurdecedor fechou a porta às suas costas e um grito apavorado se escutou seguido de um silêncio perturbador…
As descrições estão muito vívidas. Que mistério tem nesse quarto da Alicia?
Muito bom o episódio.
Ahhhh meu amigo. Muito obg. Espero que goste do final.
As descrições estão muito vívidas. Que mistério tem nesse quarto da Alicia?
Muito bom o episódio.
Ahhhh meu amigo. Muito obg. Espero que goste do final.
Em choque fiquei, já quero ir pro próximo saber o que aconteceu com a Alicia.
É…onde Alicia foi se meter. Espero que curta o final.
Em choque fiquei, já quero ir pro próximo saber o que aconteceu com a Alicia.
É…onde Alicia foi se meter. Espero que curta o final.