The Doll on the House chegou ao fim no dia 06 de Março e após umas semanas muito corridas para mim, finalmente vim trazer esse post comentando um pouco sobre o final e algumas curiosidades da obra em si.
Como será um post de final explicado, eu nem preciso dizer que teremos muitos SPOILERS, então caso ainda não tenha lido, melhor passar longe dessa postagem por enquanto. Não sou a Helsa do Frozen, mas Let´s Go!
O FINAL
No 3º e último episódio vimos que Ewa encontrou finalmente Heiko Koslowski, que depois descobrimos que ela nasceu menino e depois de um tempo, acabou aderindo a sua personalidade feminina após sofrer uma série de abusos do pai e também de garotos de sua escola.
Heiko é uma das (senão a) personagens mais importantes de toda a série e talvez uma das mais incríveis que eu criei nos últimos tempos. O arco dela lembra muito o da irmã Irene de Rest Home, por toda a sua trajetória de dor e sofrimento. Heiko era um menino gay que sonhava encontrar um amor verdadeiro e se apaixonou por um colega da escola chamado Peter. Ele/Ela relata para Ewa que desde criança tinha o sonho de que ele era uma bailarina que dançava por uma rua e encontrava um bosque onde morava um anjo, e que ele se apaixonou por esse anjo do bosque.
Creio que todo mundo (pelo menos os brasileiros) sabem que isso é uma referência à clássica cantiga infantil “Se essa rua fosse minha” onde deu título ao último episódio da série. Mas a cantiga em si não serviu apenas como fã-service, mas foi o arco central da Heiko e refletiu em seu último minuto de “tela”.
Heiko projetou todo o seu amor em Peter após perdê-lo em um trágico acidente. Então ela acabou comprando um boneco de tamanho humano que tivesse uma aparência semelhante ao seu amado. Isso cumpre a teoria feita por muitos fãs antes mesmo da trama começar com apenas os teasers lançados. A redatora do Blog da Zih: Cristina Ravela já havia dito em declarações que sempre desconfiou de que aquele boneco era o “crush” daquela mulher que abandonou ela. Ela acertou no quesito de ser o seu crush, mas não esperava que ele havia morrido de uma forma tão trágica.
O BONECO
Desde os primeiros teasers, muitos teorizaram de que aquele boneco seria o grande “vilão” da trama. Até mesmo cogitaram de uma performance aos moldes de Chucky, Anabelle ou até mesmo a mais recente “M3GAN”. Mas a verdade é que não foi nada disso que ocorreu e todo o mistério do boneco estava apenas conectada à ligação de Heiko com seu amado e da senhora Truth (que já vamos falar dela melhor posteriormente).
Apesar de tudo, o mistério do boneco foi o suficiente pra prender a atenção dos leitores no quesito de tentar descobrir: Como ele apareceu? Qual era a conexão dele? Será que ele era um boneco vivo? Um brinquedo assassino? Bom, tirando a parte de que a alma de Truth o possuiu para atacar a Ewa, o “senhor Peter” não passava de um boneco de plástico inofensivo.
A CASA DAS BONECAS
Um dos objetos mais intrigantes em toda a série foi a casa de bonecas situada na mansão. Desde o início eu apontava de forma singela no texto pra vocês prestarem muito a atenção naquela casa porque ela não estaria ali por acaso. E quem conhece minhas obras anteriores, sabem perfeitamente bem que objetos ou ambientes sempre possuem função narrativa quando eu as introduzo no texto: “O laço cor-de-rosa em NØ Magic”, “O espelho em Reflexo da Morte”, “A cuia e as velas em A Fazenda”, “As cartas de baralho em O Rei de Copas”, “O quarto 21 em Hotel Hilbert”… E outras centenas de objetos e ambientes que poderíamos citar.
O que eu quero dizer é que a casa de bonecas também era um personagem. Era o “país das maravilhas” onde a Heiko morava e queria que Ewa ficasse lá com ela para lhe fazer companhia. E a prova viva de que essa casa era um personagem foi quando a Ilse revelou para Ewa de que antes de morrer, sua filha Truth fez um pacto com as trevas e fragmentou a sua alma em três partes: “O vestido”, “O boneco”, e “A casa das bonecas”. Ou seja, o tempo todo a casa de bonecas atuava conforme às vontades de Truth.
MAS AFINAL QUEM ERA A BONECA DA CASA?
Isso foi revelado no meio de um diálogo intenso da Heiko com a Ewa, e aqui só ressalto de que esse tempo todo, a boneca da casa era a própria Heiko. Não era o boneco “Peter” e muito menos a boneca que a Ewa tinha quando criança, a boneca sempre foi a Heiko. Ela vivia dentro daquela casa presa em um mundo de ilusões.
A FAMÍLIA VON CARNAP
Muitos devem estar se perguntando sobre qual é a real da família Von Carnap. Essa família realmente existiu? A resposta é: SIM!
Todos os membros mencionados na história realmente existiram na vida real e seus nomes eram exatamente esses (não me preocupei em utilizar os mesmos nomes, pois são pessoas que morreram a mais de 100 anos, então não corro o risco de ser processado por isso , espero). A única exceção é do quarto filho, Haskel. Na vida real nunca descobrimos realmente o nome verdadeiro do quarto filho da senhora Ilse e do senhor Johan. Mas fora isso, todos os elementos e profissões foram exatamente como ocorreu na série, inclusive Rudiger realmente falesceu com apenas 14 anos de idade, como ditado na produção.
Claro que toda a trajetória da Truth e de ela ter feito um pacto com as trevas foi apenas um recurso de narrativa utilizado por mim pra dar peso à presença maligna na casa e envolver todo o arco da família nela. Na vida real, não sabemos realmente se Truth mexia com esse tipo de coisa, mas vamos deixar a imaginação fluir.
O PALÁCIO DE KOSCIELNIKI GÓRNE EXISTE ATÉ HOJE
Se pensam que o palácio foi apenas utilizado como pano de fundo, estão equivocados. Ele existe e é realmente descrito como é na série e que você pode vê-lo melhor na imagem acima. Até hoje esse palácio recebe visitantes do mundo inteiro e impressiona por sua estrutura continuar intacta após mais de um século depois. Ah e o mausoléu dos Von Carnaps também existe, por tanto tudo relacionado à mansão aconteceu. A cena dos soldados no ato de abertura do segundo episódio era na verdade um adentro de que nessa mesma época, a mansão serviu para abrigar refugiados durante a segunda guerra mundial.
Sim, a cena também foi montada por cima de algo que aconteceu, claro que sem a parte das aranhas ou do soldado encontrando uma fantasma e se enforcando. Mas tudo teve uma correlação entre a obra e a vida real.
A HISTÓRIA É BEM DIFERENTE DE REST HOME? NÃO ASSUSTA TANTO COMO ELA?
Obviamente era quase impossível não fazer comparações de TDOTH com Rest Home, porque afinal de contas foi a minha obra mais bem sucedida do ano passado e quiçá, da minha carreira como escritor. Então as expectativas por um novo terror da minha autoria eram altas, então logicamente aquele público mais frenético esperavam por algo com o mesmo tom terrorífico dela e que iriam ficar noites sem dormir a base de óleo ungido e louvores da Cassiane.
Mas o que talvez muitos até tenham ficado ligeiramente “decepcionados”, é que desde o começo eu havia falado que o tom e a proposta dessa minissérie era totalmente diferentes. Em todas as entrevistas que eu concedi à blogs literários e até mesmo na live que eu realizei com meus seguidores, eu deixei bem claro que TDOTH não era um terror qualquer, se tratava de um “Romance Gótico”. Mas afinal de contas,
O QUE É UM ROMANCE GÓTICO?
A literatura gótica, de acordo com os estudiosos do tema, surgiu em meados do século XVIII simultaneamente ao próprio romance. Na Inglaterra, isso ocorreu devido a mudanças sociais como a revolução industrial, as transformações nos centros urbanos e a expansão da classe média. Esses aspectos do período, além de impulsionarem o romance, ainda fizeram com que este gênero ajudasse a definir uma espécie de identidade de classe, constituindo interesses sociais.
Ascendendo em um contexto iluminista que tensionava razão e sentimento, o gótico literário “lida com as emoções mais refinadas dos personagens, traçando minuciosamente seus sentimentos, escolhendo situações para evidenciar sua consciência reflexiva, situações cheias de patologia e agonia”. Alguém duvida que esse último trecho definiu tudo o que The Doll on the House significa? Bom, vamos continuar.
A obra que inaugura o gênero é O Castelo de Otranto, escrita por Horace Walpole no ano de 1764, que conta a história de Manfredo, um príncipe que usurpa um castelo ativando assim uma maldição. Por conta disso, seu filho é atingido por um elmo gigante que o mata instantaneamente, uma situação inexplicável que dá início a uma série de outros episódios fantasiosos que só cessam no momento em que Manfredo é finalmente expulso do local.
CARACTERÍSTICAS DO ROMANCE GÓTICO
As principais características do gótico são os espaços insólitos, onde um segredo, geralmente de ordem sobrenatural, – como uma maldição, no caso de Otranto -, ameaça a integridade física e psicológica das personagens. Assim, de acordo com Júlio César Jeha, tal “ameaça pode assumir a forma de fantasmas ou monstros que invadem esse espaço para manifestar crimes que não podem mais ficar ocultos […], um crime cometido, mas não punido, que ameaça destruir o indivíduo, quando não o grupo, ao qual ele pertence”, caracterizando o romance gótico como uma das diversas formas da ficção de crime.
O ROMANCE GÓTICO DA LITERATURA AO CINEMA
Vocês sabiam que Drácula (1931) é um romance gótico? Detesto desapontar vocês que acharam que era apenas um terror vampiresco, mas estão devidamente enganados. O terror gótico no cinema começou ali na década de 1920 onde tivemos os pioneiros “O Gabinete do Dr. Caligari” (1920), “A Morte Cansada” (1921) e claro “Nosferatu” de 1922 (O quê?).
Em 1931, foram lançados duas importantíssimas obras do gênero que fixaram as bases do terror gótico no cinema: Drácula dirigido por Tod Browning (inspirado no romance homônimo de Bram Stoker) e Frankenstein, dirigido por James Whale (também inspirado no romance homônimo de Mary Shelley).
Outra característica importante e quase fundamental dos filmes e da literatura gótica é o foco na sexualidade (Lembram da cena bizarra da Heiko tendo relações sexuais com o boneco?). A mistura do predador masculino e da vítima feminina histérica mostrou uma forte conotação sexual em filmes como O Médico e o Monstro (1931). O grito profundo dado pelas vítimas femininas indefesas era visto por muitos como uma repressão sexual.
No século 21, o romance gótico está quase em extinção, mas tivemos nesta década a fabulosa “A Maldição da Mansão Bly” de Mike Flanagan, que — pra quem não sabe — é adaptação do livro “A Volta do Parafuso” de Henry James, também um dos grandes nomes da literatura gótica ao lado de Edgar Allan Poe.
Acredito que “A Maldição da Mansão Bly” (2020) é um dos melhores exemplos do romance gótico contemporâneo na era da modernidade, não é a toa que toda a construção da série da Netflix é uma verdadeira obra prima e só não gostou aqueles que também esperavam que seria uma série assustadora como “A Maldição da Residência Hill” (2018). Creio que o mesmo aconteceu aqui, muitos esperavam um terror assustador como Rest Home, mas a verdade é que a intenção de TDOTH nunca foi ser assustadora, e sim, capturar a atenção do público aos mistérios da mansão e aos sentimentos dos personagens.
A cena da morte da Ilse no lago foi uma clara referência à essa série citada onde envolve uma mulher do lago na trama da Netflix. Podemos encontrar várias referências também como o poço de cadáveres no segundo episódio, uma referência à “Poltergeist- O Fenômeno” (1982) e também algumas situações podem ser comparadas com “A Ghost Story” (2017) e Pearl (2022).
Resumindo em meúdos, posso afirmar que The Doll on the House sempre foi um romance gótico e a intenção nunca foi ser aterrorizante ao extremo.
A DEDICATÓRIA NO FINAL DO ÚLTIMO EPISÓDIO
Acho que todos devem ter ficado em choque ou até mesmo ficado perplexos ao chegar no último parágrafo do último capítulo e terem dado de cara com uma mini dedicatória que eu fiz pra uma pessoa em questão, não é mesmo? Então vamos agora colocar os pingos nos “I” pra explicar o motivo de eu ter feito isso.
Quando eu estava escrevendo Rest Home, eu havia acabado de sofrer uma desilusão amorosa, eu não cheguei a namorar com a pessoa em questão, mas fiquei bem apaixonado a ponto de desenvolver um apego emocional muito forte por aquela pessoa e depois ter sido deixado às traças como nada. Isso prejudicou muito a minha vida na época, principalmente minha vida profissional, pois pausei todas as minhas atividades por conta das minhas crises de ansiedade e quase depressão após ter sido iludido daquela forma.
Então eu havia colocado todo o meu ódio em Rest Home, todo o sofrimento eu usei pra descrever melhor os meus sentimentos naqueles personagens. Principalmente David, Irene e Cláudia. Depois de quase 1 ano, eu pensei: Será que eu consigo escrever um terror estando em um estado de espírito bom? Pois já havia passado essa minha fase de luto, mesmo tendo desenvolvido um bloqueio emocional muito forte a ponto de não querer amizades e muito menos um relacionamento. Tinha chutado o pau da barraca e estava disposto a nunca mais entregar meus sentimentos a outra pessoa de novo, mas…
O Guilherme apareceu!
Quando eu comecei a me relacionar com o Guilherme, eu estava na metade do início da finalização de TDOTH. E antes de mais nada, eu não vou ficar aqui entrando em detalhes sobre sexualidade, sobre rótulos (hétero, gay, bi…) e essas coisas que acredito que todo mundo aqui já é bem grandinho pra não discutir sobre isso como se fosse o fim do mundo. Continuando, quando a gente começou a namorar, eu não esperava que ele iria refletir tanto na trama que eu estava escrevendo, pois a história dele se parecia muito com algumas coisas da história da Heiko.
Em respeito a ele, não vou mencionar tudo o que aconteceu em sua vida, mas digo que fiquei bastante impactado de quando ele me contou a história de vida dele e eu já estava fazendo algo parecido com a personagem da Heiko sem ele saber e sem eu saber da versão dele. Tem muito da Heiko nele como também tem em mim. A rejeição dos pais, o bullying na escola e etc. Temos histórias muito parecidas apesar da nossa diferença considerável de idade.
Acredito que minha relação com o Guilherme ajudou muito a entender os sentimentos da Heiko, eu consegui entender o que ela estava sentindo, porque que eu estava vivendo o mesmo contexto que ela. Ela sonhava com aquele anjo do bosque durante anos e Deus sabe que eu também orava e sonhava por esse mesmo anjo há muito tempo. Meu amigo Jota e também a Zih comentaram sobre a minha singela homenagem a ele e como isso refletiu em toda a história.
Digo que The Doll on the House tem muito sobre mim e sobre o meu atual estado de espírito, e o apoio do Guilherme nesse arco final da história foi necessário pra mim. Ele sabe que todo o meu coração nessa obra foi projetada através do nosso relacionamento. Por isso muitas pessoas não entenderam o conceito geral do final, principalmente a cena da morte da Heiko e ela encontrando o anjo dela no bosque em uma cena lúdica, porém simples.
E também da própria Ewa que encontrou aquele rapaz do trem, e ainda escreveu o livro que deu título à série. Tem muito sobre mim na Ewa também.
THE DOLL ON THE HOUSE TERÁ 2ª TEMPORADA?
Sem enrolação eu digo que: NÃO. A história foi completamente fechada, porém não descarto o uso de alguns desses personagens em projetos futuros. Da mesma forma que cogito mais pra frente investir em mais romances góticos, acho que o público dessa geração precisam conhecer mais obras desse gênero.
Bem, mais uma vez agradeço a todos pela compreensão e espero ter tirado as dúvidas de vocês. Agradeço aos revisores, Marcos Vinícius, ao Marcelo Delpkin, também aos comentários do autor de “Corrompidos” Guilhardo Almeida, que, segundo ele, minha obra favorita dele hahaha. Também à Felipa Lima pelos posts sobre a série, ao Well Vianna pelo apoio de sempre e a todos os leitores que estiveram nos acompanhando. Muito obrigado e até a próxima!