Aquela era uma manhã importante para Bruno. Ele entrou no carro e dirigiu até o Conselho de Psicologia de Recife. Estacionou ao lado do prédio cinza que sustentava características barrocas. Abriu o porta-luvas em busca de sua carteira, mas só achou alguns preservativos espalhados. Em seguida, abriu um pacote e retirou um pão doce, dando uma mordida generosa. Observou as pessoas subindo as escadarias do prédio e pensou que aquilo tinha que ter um final feliz.
Victória se aproximou do carro e deu uma batidinha de leve no vidro da janela, acordando Bruno. Ele se assustou com a presença dela.
– Desculpa te fazer vir até aqui, mas precisava conversar com você – ela confessou.
– Sem problemas – levantando-se e saindo do carro. Os dois se cumprimentaram e Bruno deu um beijinho na face de Victoria.
– Eu tô com muito medo – ela desabafou.
– Fica tranquila. Vai dá tudo certo. Você vai contar o que aconteceu. Vai contar que três caras usando bataclava entraram no seu escritório e lhe forçaram a contar sobre a Jade. Eles não podem te punir por agir sob ameaça.
– Não sei se eles vão entender dessa maneira – encostando-se na lateral do carro.
– O Babemco aceitou ser testemunha?
– Aceitou.
– Eu não confio nesse cara. Ainda acho que tem dedo dele nessa história.
– Ele disse que iria contar tudo o que viu.
– Não queria te desanimar, mas não confio nesse cara – entregou Bruno.
Os dois caminharam até a escadaria, entrando no prédio. Percorreram um longo corredor ornamentado com reproduções de telas famosas. Entraram na sala de audiência que já estava lotada.
Alguns minutos depois, os 15 conselheiros entraram e tomaram os seus assentos. Eram todos sérios e compenetrados, como se a circunstância exigisse solenidade.
A sala branca tinha uma bancada que cabia todos os conselheiros. Diante da bancada uma mesa, onde Victória estava sentada. E atrás, várias cadeiras preenchidas por assessores e estudantes de psicologia.
Um senhor com traços orientais, usando óculos garrafais e bigode grisalho, levantou-se e deu início à audiência.
– Declaro aberta a audiência que visa analisar e julgar os aspectos disciplinares a respeito da psicóloga Victória Cesar de Castro, registrada no CRP de nº 1468.
Victória levantou-se e apresentou sua carteirinha para o escrivão.
– O Conselho Regional de Psicologia recebeu a denúncia contra Victória César de Castro, cujo teor trata sobre quebra do código de ética do psicólogo. Especificamente a violação do Art 9º do referido código, em que há quebra do sigilo profissional, expondo dessa forma a confidencialidade, a intimidade do paciente. A violação poderá ser penalizada com cassação do exercício profissional, ad referendum do Conselho Federal de Psicologia, conforme Art 21, alínea “e”, do Código de Ética – ele respirou, pra continuar em seguida – Ocorre que no dia 21 de março de 2020 um áudio foi amplamente reproduzido nas redes sociais, e nesse áudio era perceptível que a ré descrevia toda a ficha de sua paciente, Jade Sousa. Em relação a essa denuncia, o que a senhora tem a declarar?
Victória levantou-se, trêmula.
– Eu fui coagida a contar aquelas coisas. Três homens mascarados portando armas de grosso calibre entraram no meu escritório e mostraram a foto da minha paciente. Eles disseram que se eu não contasse tudo sobre ela, eu iria morrer. Temendo pela preservação da minha vida, eu contei o que sabia sobre a paciente – falou com a voz frágil.
Bruno somente observou os conselheiros que ora fitavam a psicóloga, ora liam os documentos sobre a bancada.
– A primeira testemunha pode entrar, por favor – pediu o presidente da sessão.
Babemco entrou com o peito estufado parecendo um pavão real. Sentou-se em uma cadeira no campo oposto da sala em que Victória estava e sorriu para os conselheiros. Ele ajustou sua gravata preta de bolinhas amarelas, e puxou a manga do paletó vermelho, parecia confortável.
– Por favor, identifique-se – pediu o conselheiro.
– Eu me chamo Babemco Mozart Campeiro. Fui paciente da doutora Victória por um dia – disse cruzando os dedos.
– O senhor estava presente no dia que Victória falou sobre sua paciente?
– Sim. Estava diante dela vendo e ouvindo tudo.
– O senhor pode nos dizer o que aconteceu?
Babemco se inclinou para frente olhando para Victória. Ele fitou os olhos na mulher como se pudesse sondá-la por dentro.
– Três homens entraram mascarados dentro da sala. Eles gritaram com Victória ameaçando matá-la caso ela não pagasse um valor para eles. Pareciam bastante chateados com ela.
– Seu mentiroso! – Victória gritou, levantando-se e batendo o punho na mesa.
– Acalme-se senhora! – ordenou o presidente.
– Não foi isso que aconteceu! – ela vociferou com a mão fechada.
– Pedimos que a senhora fique em silêncio até que a testemunha finalize o depoimento, ou então iremos pedir que se retire.
Victória sentou-se revoltada. O conselheiro acenou para Babemco pedindo pra continuar.
– Enfim, eles pareciam irados com ela, que tentava contornar a situação dizendo que iria pagá-los assim que pudesse. No fim, ela entregou uma pasta para eles e eles falaram que se ela não pagasse, eles iriam divulgar os podres dela. Foi isso que eu testemunhei – finalizou Babemco, inclinando levemente a cabeça para o lado.
– Você armou tudo. Foi você que gravou o áudio e divulgou – Victoria afirmou, parecendo mais tranquila.
– Estou contando a verdade. Nada além da verdade – afirmou Babemco.
Após algumas horas de deliberação e outas testemunhas ouvidas, os conselheiros deram o veredicto.
– Consideramos que a psicóloga Victória César de Castro deverá ter o seu registro junto ao Conselho Regional de Psicologia, suspenso. O processo disciplinar irá seguir para o Conselho Federal de Psicologia onde será deliberada a cassação ou não do seu registro. Declaramos encerrada a sessão.
Victória levantou-se sentindo derrotada. Lágrimas teimosas insistiam em cair de seus olhos, mas ela segurou-se até chegar no estacionamento, onde abraçou Bruno.
Ele estava revoltado com toda aquela situação. Porém, agora ele tinha certeza: Babemco era um bandido.
EPISÓDIO: COMPLEXO FANTASMA
A casa de Jade e Lucas estava em excelente estado. Marieta ouviu a campainha e logo foi atender. Ela usava um vestido preto e tinha uma expressão de seriedade.
Bruno e Victória entraram e foram logo sentando no sofá. Marieta serviu chá para os dois. Os olhos da psicóloga estavam vermelhos de chorar.
– O que aconteceu? – Marieta perguntou.
– O desgraçado do Babemco desgraçou a minha carreira – Victória disse rangendo os dentes.
– Marieta, essa é Victória a psicóloga da Jade – apresentou Bruno.
Marieta pegou na mão da mulher, tentando demonstrar empatia.
– Precisamos começar. O Babemco não está pra brincadeira. O que você descobriu? – Bruno perguntou para Marieta.
– Babemco ainda não me deu acesso aos arquivos da empresa. Ele parece estar fazendo uma limpa em tudo. É um esperto aquele babaca – relatou Marieta.
– Ele desconfia de que você está espionando ele? – Bruno questionou.
– Eu não sei. Ele tá fazendo um jogo estranho. Tem momentos que eu penso que ele sabe que eu sei quem ele é. Tem ocasiões que eu acho que ele não desconfia. Me convidar pra ser presidente? Não sei se eu uma raposa dentro do galinheiro?!
– Aí é que mora o perigo. Já ouviu o ditado? Que é melhor manter o inimigo por perto!
– Babemco manchou a minha imagem de graça, e eu não tinha nada haver com isso. Ele é capaz de tudo, aquele louco – disse Victória, tomando um gole do chá de hortelã.
– Eu sei que ele é perigoso. Mas a minha vontade de descobrir o paradeiro do meu filho é maior. Não aguento isso – Marieta angustiada.
– Nós vamos pra Monte Verde atrás do Lucas e da Jade – disse Bruno.
– Eu preciso ficar aqui e saber mais sobre o Babemco. Tenho que ir minando essa cobra – afirmou Marieta, decidida – Vou destruir ele.
– Licurgo me disse que está trabalhando com a delegada local, uma tal de Yeda. Posso ajudar nas buscas.
Do outro lado da rua, dentro de um carro escuro, o delegado Valter observava a reunião dos três, através de um binóculo.
– O que vocês estão tramando? – se perguntava.
**
Quando Pimentel retirou o capuz da cabeça de Jade, ela fechou os olhos com a claridade. Um refletor estava ligado diretamente em seu rosto, mostrando os vários machucados e hematomas. Ela estava algemada com as mãos para trás em uma cadeira de ferro.
– Você vai passar a noite aqui, tá certo?! Nós precisamos conversar algo sério com você. Amanhã te levaremos para o Complexo Fantasma – disse Pimentel soltando as algemas.
– O que vocês querem de mim? Por que tudo isso? É dinheiro? – ela perguntou, sentindo dores no pescoço.
O rosto de Pimentel parecia ainda mais oleoso com a luz daquele refletor.
– Não é dinheiro. Quer dizer, no fundo no fundo tudo é sobre dinheiro. Mas, é sobre um plano maior que estamos falando aqui. E, você é peça fundamental nesse plano. Peço que tenha paciência. Amanhã conversamos. Coma um pouco, bebe água que vai te fazer bem. Tenha uma boa noite – fechando a porta do quarto.
Antes que ele desligasse o refletor, Jade ainda teve tempo de analisar o buraco em que estava. Uma saleta minúscula com um colchonete no chão, um buraco para as necessidades e um banquinho que apoiava um prato de comida e uma garrafa d’água.
Ela correu para a comida e morrendo de fome devorou tudo em segundos. Secou a garrafa em uma golada só e encostou-se na parede totalmente esgotada. O refletor desligou. Estava em total escuridão.
Pôs a mão no pescoço sentindo muita dor. Seu abdômen também doía bastante. Não enxergava nada naquele breu, apenas uma luz fraca que passava pela fresta da porta.
Queria tomas mais água. Seus lábios estavam rachados e de sua testava brotava suor. Sentia calafrios por todo o corpo. Devia estar com febre.
Ouviu vozes vindo do lado de fora. Primeiro, vozes masculinas. Em seguida um choro de criança. Por fim, ouviu sua própria voz. Mas aquilo não era possível. Estava delirando.
Seu estômago revirou. O milho que ela comeu se revolveu e saiu como vômito. Ela golfou uma gosma verde e pegajosa. Eca! Isso não era nada bom. Sua garganta doeu ainda mais após o vômito. Não entendia o porquê da dor. Havia feito uma cirurgia bem-sucedida. Não deveria estar doendo.
Jade se afastou do vômito. O cheiro fétido da bílis se espalhou por todo o ambiente claustrofóbico. O ar parecia esgotar.
Ouviu quando alguém mexeu na porta. Viu a sombra dos pés de alguém atrás da porta. Sentiu medo.
O sono pesou em seus olhos. Tentou mantê-los abertos, mas não conseguia. Não conseguia saber se estava acordada ou sonhando quando alguém abriu a porta.
Tentou manter as pálpebras abertas e ver a pessoa, mas não conseguia. Será que tinha algo na comida, ou na água? Queria manter-se acordada, mas não conseguia. Viu de relance quando uma mulher loira entrou no quartinho. Ela era bonita, e parecia-se com ela. Não era possível! A mulher se agachou fitando o rosto de Jade.
Jade caiu em um sono profundo.
**
Quando o dia amanheceu Bruno e Victória pegaram a estrada. Passaram em um supermercado e compraram alguns mantimentos. Abasteceram o carro e calibraram o pneu.
Victória estava deslumbrante com uma camiseta regata e óculos de sol apoiados na cabeça. Sua pele morena era lisa e brilhava com o sol.
Bruno observou a mulher enquanto comprava algo na loja de conveniência do posto. Sentiu-se atraído por ela. Apesar de saber da diferença de idade entre eles. Tentou não pensar mais nisso. Tinha um foco e esse foco era encontrar Jade e Lucas.
Seguiram pela BR 232 durante toda a manhã. O dia estava agradável com uma brisa suave. Passaram por pastos verdejantes e plantações de caju. Até que chegaram em Monte Verde.
A cidade era pacata e singela, mas em breve seria palco de um brutal massacre.
**
Licurgo marcou de encontrar Bruno em um restaurante local. Quando Bruno chegou, estacionou em frente ao imóvel. O lugar tinha uma fachada branca com detalhes rosa. Entraram em um ambiente climatizado e elegante. Foram até a mesa dos fundos onde Licurgo estava com a delegada Yeda. Todos se cumprimentaram e sentaram em seguida.
– Ah, Bruno antes de começar preciso apresentar nosso mais novo amigo, ele é um reforço pra nos ajudar a encontrar a Jade – disse Licurgo se levantando e apresentando um homem.
Quando Bruno olhou para o homem tomou um susto. O delegado Valter com toda sua arrogância estava parado ao seu lado.
– Esse é Valter Justa, ele é delegado em Recife e esteve na casa da Jade. Mandaram ele até aqui pra investigar também – disse Licurgo, dando um tapinha nas costas de Valter.
– Tudo bem? – perguntou o delegado, com um sorriso maligno e com a mão estendida para o advogado.
Bruno sentiu o sangue congelar dentro de si. “O que esse idiota está fazendo aqui?”, pensou.
**
Jade acordou com o sol queimando sua testa. Estava amarrada. Caída na terra seca. Levantou-se ainda fraquejando das pernas. Observou o lugar ao redor. Parecia estar em uma espécie de coliseu romano. Uma arena de luta medieval. Um círculo cercado por arquibancadas de pedra. Achou estranho.
Dois homens abriram uma portinhola que ficava no lado sul da arena. Foram em direção a ela. Eles portavam fuzil e não pareciam amigáveis.
– Anda! – disse um dos homens, escoltando Jade.
Ela foi caminhando à frente dos homens até passar pela portinhola sul. Passou por um campo onde mulheres capinavam. Elas todas olharam para Jade como que reconhecendo aquele rosto. Usavam macacão cinza e uma faixa vermelha no braço direito.
Em seguida, entrou em um longo corredor de pedras e no fim, entrou em uma cela ampla de pedras brancas.
Outras mulheres estavam ali e todas olhavam desconfiadas para a novata.
Jade sentiu medo. Não sabia o que era tudo aquilo. Enquanto que vários rostos femininos olhavam para si. Rostos magros e gordos. Rostos brancos e negros. Rostos amigáveis e outros raivosos. Todas eram mulheres e estavam encarceradas.
Um rosto era familiar a Jade. E este rosto era o de Olívia. Ela saiu detrás das mulheres e andou em direção à Jade.
– Olívia?! – disse Jade, surpresa – Onde é que estou?
Seja bem-vinda ao Complexo Fantasma – ela falou com um sorriso feliz.
INCOGNOSCÍVEL
Eita. Que dó da Jade, vontade de ajudá-la… tá cada dia mais difícil pra ela. E olha, Babemco está à cada cena se mostrando mais terrível. Ele é um personagem genial!
A Jade tá passando por um momento muito difícil, mas acredito que tudo fará sentido no final. O Babemco é um personagem complicado. Não sei o que se passa na cabecinha dele. É só acompanhar os próximos episódios que vai ter mais armações dele.
Eita. Que dó da Jade, vontade de ajudá-la… tá cada dia mais difícil pra ela. E olha, Babemco está à cada cena se mostrando mais terrível. Ele é um personagem genial!
A Jade tá passando por um momento muito difícil, mas acredito que tudo fará sentido no final. O Babemco é um personagem complicado. Não sei o que se passa na cabecinha dele. É só acompanhar os próximos episódios que vai ter mais armações dele.
Mano do céu, que rolê foi esse que a Jade foi parar, minha gente? Coitada! E como assim a Olivia tá lá? Ai ai ai.
Mano do céu, que rolê foi esse que a Jade foi parar, minha gente? Coitada! E como assim a Olivia tá lá? Ai ai ai.