Capítulo Três – O interrogatório do Frajola

Sala da Detetive Carmen Sanchez
Manhã chuvosa

Carmen Sanchez coloca seus óculos que a deixam mais atraente ainda e pega uns papéis sobre sua mesa. Dirige-se até a janela com os documentos na mão, de onde fica à observar a chuva intensa do lado de fora. Por alguns longos segundos fica ali imóvel, fitando o exterior com o pensamento longe, quando um trovão corta o céu lhe trazendo de volta à realidade. Então, ela retoma suas atividades, ajeitando melhor os seus óculos e segurando aqueles papéis à sua frente.

Carmen começa à ler em voz alta. Trata-se da carta escrita por um detento que ela vai interrogar em seguida.

Carmen
– Ah, como é bom ver os outros sofrendo! Doenças, dores, desespero, agonia, pânico, tristeza, choro e lágrimas, esses são algumas das melhores sensações e sentimentos que posso querer ver alguém passar…

A imagem daquela folha à sua frente se funde com a chuva do lado de fora, que torna-se mais forte à medida que mais dois trovões seguidos rasgam o céu. Tudo fica escuro.

Carmen
– …ver o sofrimento dos outros é algo que me enche de prazer. Melhor do que isso, só se esse sofrimento tiver sido causado por mim mesmo. Aí sim, sinto-me realmente realizado…

A escuridão revela um vulto no fundo de uma cela. É um homem acima do peso sentado em uma cadeira, que parece ter um caderno sobre suas pernas, onde ele escreve alguma coisa. Ele dá uma gargalhada e continua a carta de onde Carmen parou.

Homem
– …tenho orgulho de causar sofrimento…e não importa os meios utilizados para alcançar tal objetivo.
Muitas pessoas se escandalizam quando ouvem tais coisas, mas sei que pessoas assim são “seres inferiores”, dominados por sentimentos de fraqueza. Tais “insetos” não merecem compaixão. Quando um destes “medíocres” cruza o meu caminho, não sinto a menor culpa em pisar-lhe com os dois pés…

Escuta-se o barulho de guardas se aproximando e gritando com alguns presos.

Homem
– …o mundo foi feito para os fortes. Nessa vida não há espaço para fracos e idiotas. Uns ganham e outros perdem. Dessa forma vivo, sempre ganhando e lucrando, principalmente se for às custas dos outros “seres insignificantes”…

As vozes dos guardas estão mais próximas. Aquele vulto esconde o caderno por um instante entre as suas costas e o encosto da cadeira. Escuta-se passos firmes passando pela frente da cela. Quando os passos parecem estar longe, aquele vulto retoma seu caderno e suas anotações.

Homem
– …faço tudo isso só pela satisfação momentânea que o sofrer alheio me proporciona. Cada vez que promovo um ato destes sinto uma sensação tão forte e intensa, maior mesmo que um orgasmo durante um ato sexual…

A escuridão dá lugar àquela chuva intensa na janela da sala da detetive Carmen. Alguém abre a porta despertando sua atenção. Ela se vira e se depara com a secretária do delegado, uma jovem negra de aparentemente 22 anos de idade.

Secretária
– O delegado Gaitán disse que você já pode se dirigir até a galeria dos presos, na sala de interrogatório.

Carmen, ainda atônita com o que acabara de ler, apenas sorri fazendo sinal de agradecimento à jovem. Ela dá uma última olhada naquele documento que tem em mãos e larga-o sobre sua mesa. No último parágrafo daquela folha está escrito algo que Carmen não deve ter lido ainda devido ao chamado da secretária.

” Esteja certo que se nós dois nos encontrarmos em algum lugar eu farei tudo para tornar sua vida amarga e cheia de dor”
Com carinho, JCF. F

Sala de Interrogatório

O detento João Carlos Ferreira, o Frajola, de 49 anos, está sentado diante de uma mesa redonda. Um sujeito gordo, careca e de barba rala. Usa uma camiseta branca suja e pequena para seu tamanho e no seu braço direito o motivo do seu apelido: uma tatuagem do personagem Frajola. Ele está com as mãos algemadas sobre a mesa.
Carmen Sanchez o observa do outro lado do vidro, ao lado do delegado Gaitán.

Carmen
– Será que ele vai contar tudo o que sabe?

Gaitán
– Apesar da aparência, Frajola é um cara sensato. Tenho quase certeza dos motivos dele de não ter sido adepto à fuga…

Carmen
– Sabe é?

Gaitán dá um sorriso de leve e um tapinha no ombro da detetive.

Gaitán
– Eu não posso afirmar nada…mas, tenho certeza que você vai arrancar a verdade dele.

Carmen Sanchez suspira fundo, ajeita os cabelos loiros caídos nos ombros e se dirige à porta da sala.
Frajola, de cabeça baixa, sorri quando ouve que a detetive entrou na sala. Ele apenas ergue o olhar sem levantar a cabeça e acompanha Carmen, que caminha e se pára de pé à sua frente.

Carmen
– João Carlos Ferreira, 49 anos de idade. Condenado há 35 anos e 8 meses por homicídio duplamente qualificado, além de tentativa de estupro e outras tantas ameaças de morte…

Frajola levanta a cabeça sorrindo.

Frajola
– Já conheço meus crimes “dotora”…

Carmen
– E vai colaborar comigo João Carlos?

Frajola
– Posso colaborar sim. Mas…antes vamos há algumas regras…

Carmen
– Regras detento? Acho que você não está em condições de impor regras aqui.

Frajola ergue as mãos algemadas.

Frajola
– Calma “dotora”…primeiro, vamos cortar essa formalidade de João Carlos. Já estou há mais de 30 anos aqui dentro. A bandidagem começou me chamar de Frajola, e assim que quero ser chamado. Do contrário, eu me nego à falar, seja o que for.

Carmen
– Ok…Frajola. Se esta é a sua exigência…eu me rendo.

Frajola
– Muito bom “dotora”, muito bom. Digamos, que pra começar só quero isso…

Carmen Sanchez puxa uma cadeira e se senta do outro lado da mesa redonda, de frente para o detento.

Carmen
– Pronto. Chega de enrolação. Agora me diga: você sabe o motivo da rebelião? O porquê de toda aquela chacina? O responsável é mesmo aquele homem que eu prendi há uns meses atrás?

Frajola só observa a detetive por alguns longos segundos. Depois também inclina-se sobre os cotovelos na mesa e a encara.

Frajola
– Aquilo lá era o verdadeiro demônio em pessoa “dotora”!

Carmen se recosta para trás na cadeira.

Carmen
– Ouvi histórias…mas cá pra nós Frajola, não vai me dizer que você tinha medo destas historinhas de fantasma?

Frajola
– Parece que você não sabe nada do cárcere “dotora”. Bandido trancafiado tem medo de assombração. Larga a bandidagem em uma cela, fecha ela, e depois diz pela janelinha dela que ali dentro “fulano” se enforcou ou que “ciclano” matou um colega pra tu vê! Tantos anos preso, posso dizer que já vi de tudo…

Carmen
– Eu acredito em você Frajola. Acredito que o sobrenatural possa causar medo em vocês detentos.

Frajola se ajeita na cadeira.

Frajola
– As penitenciárias conseguem atrair os espíritos “dotora”…e sabe porquê “dotora”?

Carmen
– Fique à vontade pra me dizer…

Frajola olha para o teto. Ergue as mãos algemadas e coloca um dedo sobre a boca pedindo silêncio. Carmen arregala os olhos. Olha para os lados. Encara o delegado Gaitán que observa tudo de trás do vidro sem entender o que se passa.

Frajola
– A carga emocional é muito grande…e parece demorar na atmosfera pra sair do frio…imagina “dotora”…

Frajola se recosta mais próximo da mesa. Seu olhar amedrontador fita os olhos arregalados de Carmen.

Frajola
– …um detento se suicida ou é brutalmente assassinado em uma cela, pode ter certeza que o seu espírito vai voltar pra este lugar, é como se estivesse em uma eternidade de confinamento.

Carmen tenta amenizar o clima pesado da conversa.

Carmen
– Ao menos que, logo após o ocorrido, um padre seja chamado e faça o que é de praxe.

Frajola solta uma gargalhada alta e se recosta no encosto da cadeira.

Frajola
– Mas pra isso todos deveriam crer em Deus “dotora”…e te digo, Deus nem sempre tem uma entrada fácil em lugares assim.

Carmen encara aquele homem à sua frente por alguns segundos. Passa a mão nos cabelos. Parece incomodada. Então pensa que este é o objetivo dele e se recompõe para não deixá-lo vencer.

Carmen
– Ok. Mas agora chega deste papo…

Carmen também se recosta no encosto da cadeira.

Carmen
– Tudo isso que você já viu neste tempo atrás das grades, inclui a rebelião e a chacina da penitenciária Charles Freire…e viu também os motivos que levaram à estas barbáries?

Frajola sorri. É esperto. Entende a jogada da detetive. Ela quer que ele revele os motivos que levaram àquela barbárie que ele presenciou. Quer que ele diga com todas as palavras que o homem que ela prendeu à um tempo atrás em flagrante é o grande responsável por tudo. Mas aquele homem agora está solto, e sabe se lá o que ele pode fazer.

Frajola
– Detetive…você não pode aumentar a minha pena simplesmente por eu não lhe passar estas informações…eu tenho mais dois anos e três meses pra cumprir…eu só quero sair deste inferno pela porta da frente e seguir os poucos dias que me restam em paz.

Carmen se recosta na cadeira. Cruza os braços. Sorri debochando do detento. Tantos anos de trabalho prestado à este sistema, sabe que tem que confiar desconfiando.

Carmen
– Então estou diante de um bom homem? De um detento realmente arrependido dos seus crimes? Ou quem sabe de um inocente?

Frajola solta uma gargalhada.

Frajola
– Não “dotora”… inocente eu não sou. Tenho consciência dos meus crimes. E se eu me arrependo deles?

Frajola olha para o teto com a pintura branca descascando. Está pensativo.

Frajola
– Não me arrependo não “dotora”. Acho que o arrependimento de nada adianta.

Carmen
– Não acredita em perdão não Frajola?

Frajola
– Em perdão não “dotora”. Mas acredito que posso pagar pelos meus erros e seguir adiante sem dever nada pra ninguém.

Carmen
– Então só me diga uma coisa:

Carmen se apoia com os cotovelos na mesa.

Carmen
– Aquele homem…sabe me dizer se em algum momento ele disse que ia atrás de alguém? Se ele disse onde ele iria se enfiar após a fuga?

Frajola encara a detetive lhe olhando bem dentro dos olhos.

Frajola
– Está com medo “dotora”? Medo dele ir atrás da tua família? Ir atrás de você?

Frajola sorri aquele seu sorriso amarelado. Baixa a cabeça, leva as mãos algemadas e coça-a.

Frajola
– Eu não sei “dotora”. Eu procurava ficar sempre longe daquela criatura. Principalmente quando vocês da lei, esqueciam, sabe? de dar os remédios dele…o bicho se transformava e nenhum detento era capaz de ficar perto…

Carmen presta atenção nas palavras dele. Sabe que qualquer informação é válida nestas horas.

Frajola
– …me lembro de uma coisa só “dotora”. Aquele demônio falou uma vez no pátio, um dia antes de tudo acontecer, que qualquer um que cruzasse seu caminho ia pagar, não importasse quem fosse. E ele também falou algo sobre achar um lugar pra viver. Agora não me peça onde, porque como disse, não ficava muito perto não.

Carmen retira um bloco de anotações e uma caneta do bolso do terno e rabisca algo. Ela encara o vidro onde o delegado está curioso para saber o que ela descobriu.

Carmen se levanta, guardando seu bloco de anotações no bolso. Cabeça baixa, sem dirigir o olhar para aquele homem à sua frente.

Frajola
– Anotou tudo “dotora”? Não esqueceu nada?

Carmen não o encara.

Carmen
– Anotei o suficiente…

Ela pára e o encara.

Carmen
– …Frajola.

Frajola levanta o olhar e sorri. Carmen se vira e caminha à passos firmes até a porta. Quando chega na mesma, pára e se vira novamente para o interior da sala.

Carmen
– Tenho uma última pergunta…Frajola.

Frajola levanta as mãos algemadas acima da cabeça e faz sinal de positivo com a cabeça.

Frajola
– E eu vou colaborar com você “dotora”.

Carmen, ainda parada diante da porta da sala.

Carmen
– Eu li tuas cartas.

Frajola
– Leu todas?

Carmen
– Li a mais enigmática. A que mais me intrigou…

Carmen volta para próxima da mesa. Se escora com ambas as mãos inclinando-se.

Carmen
– …e posso dizer que você mudou bastante daquela carta que li pra o homem na minha frente.

Ela se ergue ficando de braços cruzados.

Carmen
– Ou…você é um grande mentiroso.

Frajola sorri aquele seu sorriso debochado.

Frajola
– É melhor sentar-se novamente “dotora”.

Carmen
– Não tenho mais tempo para teus joguinhos.

A detetive Carmen resolve não dar mais “papo” para aquele detento. Ela só queria deixar claro que tem plena consciência de quem ele é e do que é capaz. Ela dá as costas para ele. Volta-se para a porta e sai da sala batendo a porta com força.

Frajola
– Espera…espera “dotora”…

Quando ela sai Frajola sacode a cabeça negativamente.

Frajola
– Carmen…Carmen…vai ter que treinar esta sua paciência se quiser chegar à algum lugar.

Do outro lado do vidro Carmen passa pelo delegado Gaitán, toca em seu ombro o convidando para se juntar à ela na sua sala. Ele dá uma última olhada para Frajola na sala de interrogatório e segue a detetive.

Sala da Detetive Carmen Sanchez

Carmen entra em sua sala, tira o bloco de anotações do bolso e joga em cima da mesa. Gaitán entra logo em seguida.

Carmen
– Ele é um maldito, um desgraçado! Fica fazendo joguinhos e não vai direto ao ponto.

Ela tira os óculos e o larga sobre a mesa. Gaitán, muito calmo, pára diante da mesa e lê as anotações que a detetive fez.

Carmen
– E você disse que era um homem sensato! É um escroto isso sim!

Gaitán
– Acredita mesmo que João Acácio foi quem começou toda a rebelião?

Carmen puxa a cadeira e senta. Está tentando se acalmar.

Carmen
– Tenho certeza que sim. Ele me falou uma vez que aquilo ia virar um inferno…e depois de todas as cenas dos joguinhos deste maldito Frajola, não me restam dúvidas.

Gaitán
– Mas e agora? O que tens em mente detetive?

Gaitán brinca com uma caneta que está sobre a mesa, apertando e soltando-a várias vezes.

Carmen
– Eu não sei. O outro maldito está solto por aí. Sabe se lá o que tem em mente. Se foi ele, ele já cumpriu o que me disse uma vez. E se isso aconteceu, é capaz de cumprir as outras promessas que me fez.

Gaitán para de apertar a caneta e a segura.

Gaitán
– Ir atrás de você?

Residência da família Sanchez

O relógio na parede da sala marca 19:30 horas. Carmen Sanchez chega do quarto e senta-se na poltrona em frente à televisão, de pijama largo e toalha enrolada na cabeça. Seu marido Jairo, está deitado no sofá maior.

Jairo
– Dia difícil?

Carmen
– Dia péssimo. Interrogatório sem respostas concretas…

Jairo se senta no sofá, pega o controle e abaixa o volume da televisão.

Jairo
– Tenho uma ideia, mas…

Ele se recosta no sofá. Carmen o encara.

Carmen
– Mas?

Jairo
– Minhas ideias são sempre mal interpretadas.

Carmen se irrita com o drama de Jairo. Levanta, tira a toalha e começa secar o cabelo.

Carmen
– Começou, agora termina.

Jairo
– Todo este trabalho só está te estressando. Vamos viajar um fim de semana que seja. Longe dos problemas, só a gente.

Carmen ri debochando do marido.

Carmen
– Fácil pra você que trabalha por conta. Pra mim não é bem assim.

Jairo
– Só porque não quer. Mas sabe amor…

Jairo se levanta, vai até uma mesa de canto e serve-se um copo de whisky.

Jairo
– O pessoal da galeria está organizando um acampamento de estudos no fim de semana…

Ele toma um gole e volta ao sofá.

Jairo
– Vou ir com eles então.. quem sabe tenha alguma inspiração nova para um novo quadro.

Carmen joga os cabelos para trás. Toalha na mão. Encara o marido.

Carmen
– Como você preferir.

Ela se aproxima de Jairo, pega o copo de whisky da mão dele e toma um gole.

Carmen
– Eu, infelizmente, não me entenda mal, vou ter que recusar o convite. Preciso focar no trabalho que está cada dia mais difícil.

Dia Seguinte – Manhã de sexta-feira

Penitenciária Araújo Sardinha

O sinal sonoro soa alto indicando que é hora do café da manhã. Alguns agentes penitenciários vão abrindo as celas para que os detentos se dirijam para o grande refeitório no segundo piso.

A penitenciária Araújo Sardinha é a segunda maior e mais organizada penitenciária do estado e fica localizada há alguns quilômetros de Alcatraz, na cidade vizinha de São Felipe Neves. Seu sistema prisional é referência no estado e recebe maiores verbas do governo. Os detentos da Charles Freire, que não morreram ou escaparam, foram todos transferidos para a Araújo Sardinha.

Uma placa no alto indica Cela 23. Dali saem seis detentos em fila, entre eles o Frajola.

Refeitório

Uma sala grande com boa iluminação e diversas mesas de seis lugares com bancos em ambos os lados. Cada cela está destinada para ficar em a mesa, exceto aquelas celas que possuem número maior de presidiários, estes são divididos em mais mesas.

Quando os detentos da cela 23 chegam na porta do refeitório, a maioria dos demais já estão acomodados em suas mesas esperando a ordem do agente responsável para se dirigirem até a janela da cozinha pegar seu café.

Frajola e os outros cinco detentos dirigem-se para sua mesa quando um agente penitenciário se aproxima.

Agente Penitenciário
– Frajola, vem comigo!

Frajola olha com cara feia para o agente.

Frajola
– E o meu café?

Agente Penitenciário
– Depois você toma. O diretor Miranda do Charles Freire está na sala do diretor Susin e tem algo pra ti.

Frajola pára enquanto os outros cinco passam por ele e vão para a mesa. O agente faz sinal com a cabeça e Frajola o segue para fora do refeitório.

Sala da Direção da Penitenciária

O ex diretor Henrique Miranda da Penitenciária Charles Freire está sentado em frente à mesa do diretor Haroldo Susin, responsável pela Penitenciária Araújo Sardinha.

O agente penitenciário abre a porta e dá lado para Frajola entrar, mas ele pára na entrada. O diretor Miranda se levanta e se vira para a porta.

Diretor Miranda
– Bom dia Frajola. Quanto tempo! Vamos, pode entrar!

Frajola encara o diretor Susin. Uma coisa que funciona de verdade na penitenciária Araújo Sardinha é o respeito dos detentos para com as autoridades maiores do local.

Diretor Susin
– É verdade Frajola. Pode entrar, fique à vontade.

Frajola baixa a cabeça e entra na sala.

Frajola
– Com licença diretor.

Ele olha para Miranda e se pára do lado da porta pro lado de dentro.

Frajola
– Bom dia diretor Miranda.

O diretor Miranda pega um envelope de cima da mesa e se levanta se aproximando de Frajola.

Diretor Miranda
– Tantos anos convivendo na carceragem você conhece nossas regras, não é Frajola?

Frajola
– Digamos que eu conheço o sistema.

Diretor Miranda
– Sabe o que é isso aqui?

Ele estende o braço e entrega o envelope nas mãos do detento.

Diretor Miranda
– Nós temos que abrir e ler todas as correspondências antes de entregar à vocês…todas as correspondências destinadas aos presos da Charles Freire estão sendo transferidas pra mim, porque eu tenho o controle de quem morreu, quem fugiu e quem foi transferido e para onde foi transferido.

O diretor Miranda aponta com o dedo para o envelope.

Diretor Miranda
– E esta é recente. E de alguém que lhe conhecia Frajola. Veja o destinatário aí.

Frajola, segurando o envelope, gira ele e, através dos seus olhos, pode se ler em letras emendadas e caligrafia difícil de entender:

“Para João Carlos Ferreira (Frajola)”

O diretor Susin observa atento à tudo.

Diretor Susin
– E o conteúdo da carta é bastante sério Frajola.

Diretor Miranda
– Nada que a gente já não soubesse, não desconfiasse, mas…

Diretor Susin
– As coisas tornaram-se perigosas agora.

Frajola encara os dois diretores com ar de preocupação.

Diretor Susin
– O agente Neves vai lhe acompanhar até uma sala restrita. Você lê a carta e depois se quiser falar algo pode nos chamar…ahhh, Neves leva teu café da manhã lá na sala também.

O agente penitenciário Neves entra novamente na sala para encaminhar Frajola.

Agente Neves
– Vamos Frajola.

Sala Restrita

Uma sala de 8 metros quadrados, toda pintada de cinza, sem janelas. Esta é a sala restrita da Penitenciária Araújo Sardinha, usada para diversos assuntos, interrogatórios, etc. Nela consta uma mesa de vime no centro e uma cadeira.

A porta de ferro se abre e o agente Neves conduz Frajola para o interior da sala, saindo logo em seguida. Ao bater a porta de ferro fechando-a, a canção Iridescent de Link Park começa sua introdução.

Frajola fica imóvel com aquele envelope em mãos. Quando, enfim, toma coragem, ele o abre lentamente, retira a folha que está dentro, a abre e começa à ler.

Voz na sua cabeça
– Caro amigo João Carlos Ferreira, vulgo Frajola…acredito que tu sabe quem sou…e tu sabe porque tô te escrevendo? Aquilo lá virou um inferno não foi? Acho que muitos bandidos barra pesada ali dentro nunca tinham visto tanto sangue em suas vidas…eu sei que tu não morreu. Eu sei que tu também não quis fugir. Acha mesmo que vai cumprir o resto da pena que te falta e vai seguir esta vida medíocre? Bandido será sempre bandido. A vontade de roubar, de matar, de fazer mal à alguém, sempre vai tá lá, martelando na sua mente…e uma hora ou outra, você vai ceder…

Frajola tira os olhos daquela folha e observa a sala ao redor. Aproxima-se da mesa de vime, larga a folha sobre a mesma, mas permanece de pé. Fita os olhos novamente na folha à sua frente.

Voz na sua cabeça
– …e você sabe demais sobre tudo o que aconteceu. Eu fugi. E, meu caro Frajola, continuo com a mesma sede de matar de antes, senão mais agora. E se eu souber que tu falou algo a mais sobre aquele dia, eu vou atrás de você. Não importa o que vem depois. O que importa é que tu não vai ver o que vem depois… portanto, caro amigo Frajola, o silêncio é teu companheiro pro resto da tua vida…ou…tu terá o fim que tu nunca imaginou. Sem mais por hoje meu amigo. A vida é assim, tu devia saber. No color. No magic.

Frajola fica pasmo olhando para aquela folha de papel sobre a mesa. Quando olha ao redor as paredes parecem girar. Ele fica tonto. Seus olhos viram e ele cai naquele chão frio.

Floresta na região de Alcatraz

Por uma estrada quase deserta cercada de ambos os lados por uma densa floresta, João Acácio, usando roupas velhas, sujas e rasgadas, perambula sem destino com seu par de chinelos velhos. Uma vez que outra algum carro passa em alta velocidade buzinando ou com algum adolescente gritando e tirando sarro dele.

Aquela estrada parece não ter fim. No céu de inverno um tímido sol já começa se esconder dando lugar para a lua cheia. João Acácio pára na beira da estrada fitando aquele caminho sem fim à sua frente. Está andando já faz horas, seus pés dóem, a fome aperta e o vento gelado começa à soprar cada vez mais forte fazendo o frio bater.

João escuta o ronco de motores e buzinas cada vez mais próximas e olha para trás na estrada, onde avista longe e se aproximando uma grande comitiva. A luz dos dois ônibus, um caminhão e outros três carros menores ilumina a estrada. João se pára de frente para a estrada esperando a comitiva passar. No ônibus que vem à frente e passa por ele, se lê na lateral em letras grandes e coloridas: CIRCO MAXIMUS. Mais atrás passa um grande caminhão com a mesma escrita seguido de três carros menores, onde todos ficam à observar aquele homem maltrapilho na beira da estrada.

Alguns metros após o último carro, um outro ônibus igual o primeiro, passa por João Acácio em velocidade um pouco reduzida. Em uma das janelas algo chama a atenção de João: o rosto triste de um palhaço que fica à trocar olhares com ele até o ônibus se perder de vista.

Uma placa de trânsito com a escrita: Km 225 surge no caminho iluminado pelos faróis altos de um carro. O mesmo estaciona na beira da estrada e desliga os faróis. As portas abrem e descem quatro homens, entre eles, Jairo, marido da detetive Carmen Sanchez.

Jairo
– Já tá escurecendo. Acho melhor pararmos e montarmos acampamento por aqui mesmo.

Jairo olha para a floresta de mata fechada à sua direita.

Jairo
– Que acha Renê? Tino? Jucá?

Tino é um homem loiro, alto e forte. Ele abre o porta-malas.

Tino
– Por mim já armo a barraca!

Renê é um homem mais velho que os demais e mais gordinho.

Renê
– Acho que o Jairo está certo. Vamos montar acampamento.

O motorista é Jucá, um cabeludo de olhos verdes.

Jucá
– Só precisamos achar uma estrada pra entrar com o carro aí.

Jairo se inclina através da janela do lado do caroneiro e pega algo no porta-luvas: um mapa. Após alguns segundos averiguando…

Jairo
– Aqui diz que no Km 227 há uma entrada à direita para a floresta.

Renê
– Só dois Km para frente.

Jucá olha para Tino que já estava tirando as coisas do porta-malas.

Jucá
– Guarda tudo aí Tino. Entrem no carro. Vamos achar essa estrada.

João Acácio, visivelmente muito cansado, pára em frente uma outra placa sinalizadora que mostra que ali é o Km 220. Ouve-se cantos de pássaros vindo de dentro da floresta e ruídos de animais silvestres. João se escora na placa observando a floresta. Sabe que já andou demais e necessita descansar. Também já está há dias sem o seu medicamento. A cabeça dói, os sentidos já não são os mesmos. Ele vê um vulto entre alguns arbustos, que parece ser de uma criança de + ou – 10 anos, de longos cabelos pretos. O vulto corre entre os arbustos, se escondendo. Sua risada inocente pode ser ouvida.

Vulto
– Você não me acha! Você não me acha!

João Acácio arregala os olhos. Agarra-se com força ao medalhão pendurado no pescoço.

João Acácio
– Espera! Espera!

Cambaleando, João Acácio começa à adentrar na floresta, na noite fria que chega.

João Acácio
– Rebeca? Espera! Rebeca! Rebeca!

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