Capítulo Cinco – Forte é quem domina sua ira

Floresta na região de Alcatraz

Após a chuva da noite anterior o dia se abriu trazendo aquele ar gelado de inverno e agora uma neblina toma conta da região da floresta de Alcatraz.

O tilintar do facão daquele homem corta o ar com ferocidade na direção da cabeça de Jairo caído ao chão. Uma mão agarra aquele braço que segura o facão impedindo a tragédia. É Tino, que ao ver a cena, salta como um leão salta para pegar sua presa.

Tino
– Naaaaaao!

O facão cai da mão daquele homem e os dois rolam agarrados em um pequeno penhasco no meio da floresta. Renê e Jucá também se aproximam e vão direto onde está Jairo.

Renê
– Jairooo???

Jucá se agacha e afere seus batimentos cardíacos colocando o dedo indicador no seu pescoço.

Jucá
– Ele está desacordado!

Renê se aproxima do pequeno penhasco e avista Tino brigando e rolando pelo chão com aquele homem.

Renê
– Jucá, fica com Jairo. Vou descer e ajudar o Tino com aquele desgraçado.

Tino olha para cima ao ouvir o amigo.

Tino
– Não precisa Renê! Cuidem do Jairo!

Tino leva um soco forte no rosto e o homem consegue se desvencilhar dele se arrastando e se afastando em meio às árvores.

Tino
– Desgraçado!

Tino levanta para correr atrás, mas tropeça e cai. Ele põe a mão sobre a coxa esquerda.

Tino
– Droga!

Tino olha na direção onde está indo aquele homem, que lhe encara e sorri debochadamente. O homem ajeita o chapéu e olha no penhasco lá em cima, onde Renê assiste tudo.

Renê
– Tino, consegue subir?

Tino, caído segurando a coxa, faz cara de dor.

Tino
– Acho que agora preciso de ajuda…Jairo está bem?

Renê olha para trás e depois de volta para Tino e começa à descer.

Renê
– Jucá está levando ele de volta ao acampamento.

De volta ao acampamento

Jucá sentou Jairo apoiado em um tronco de árvore e está tirando sua roupa molhada, quando ele começa à despertar e Renê chega segurando Tino que está mancando.

Renê
– Quem era aquele filho da puta?

Tino
– Não faço a mínima ideia. Mas ele me acertou em cheio. E ele ia matar o Jairo à sangue frio.

Jairo está meio tonto. Seus olhos reviram. Ele olha para os amigos.

Jairo
– Eu vi quando ele se aproximou, mas não pude fazer nada porque apaguei.

Jucá
– Fica tranquilo. Você precisa descansar!

Jucá encara Renê e Tino.

Jucá
– Alguém com sinal de telefone? Precisamos ligar pra polícia.

Renê e Tino procuram seus aparelhos.

Tino
– Droga! Meu celular deve ter se espatifado na queda.

Renê
– Eu tenho sinal.

Renê ajuda Tino sentar-se e se afasta um pouco procurando melhor sinal para a ligação.

Ainda dentro da floresta sob forte neblina, João Acácio limpa a sujeira de sua capa, todo barro e folhas grudadas nele após rolar brigando com Tino. Ele faz cara de dor e coloca a mão sobre as costelas na lateral da corpo, provavelmente da queda ou da briga. Ele se senta e procura seu medalhão pendurado no cordão ao seu pescoço. Abre e olha aquela menina de dois anos toda sorridente na foto. Aquele sorriso encantador se transforma na…

Rua das Alcachofras – 2007

…mesma menina há alguns anos atrás, chorando e perambulando sozinha pela rua. Ela pára em frente à uma padaria e fica observando os doces em exposição.

Olavo, 47 anos, um homem alto, magro, de longa barba grisalha e suas vestes muçulmanas, inclusive com seu gihah na cabeça, se aproxima dela. Ele se agacha perto da menina.

Olavo
– Você está sozinha meu anjo?

Rebeca permanece olhando os doces sem responder.

Olavo
– Cadê seus pais?

A menina baixa o olhar com a pergunta e uma lágrima brota em seus olhos.

Olavo
– Você quer um doce?

Rebeca assente que sim com a cabeça. Olavo se levanta e estende a mão para a menina.

Olavo
– Vamos então. Lá dentro você escolhe.

Dentro da padaria

O seu Manoel, um senhor alto e forte, de bigode e cabelos brancos, é o dono da padaria. Ele está atrás do balcão quando Olavo entra com a pequena Rebeca e vai até o balcão dos doces.

Olavo
– Bom dia seu Manoel.

Manoel
– Bom dia.

Olavo olha para a menina ao seu lado.

Olavo
– Pode escolher o que você quiser.

Seu Manoel inclina o corpo sobre o balcão para ver melhor a menina.

Manoel
– Rebeca, é você? Cadê seus pais?

Olavo
– Ela chorou quando pedi ali fora.

Olavo se aproxima de Manoel e fala mais baixinho.

Olavo
– Sabe quem são os pais dela?

Manoel
– João Acácio e Jerusa. Rua das Alcachofras. Casa número 4. Mas já vou lhe avisando que são pais problemáticos.

Olavo encara a menina, que aponta para um bolo com cobertura de brigadeiro.

Olavo
– Acho que ela já escolheu, seu Manoel.

Manoel sorri.

Manoel
– Um bolo com cobertura de brigadeiro, no capricho.

Pela primeira vez vemos o sorriso inocente daquela criança, enquanto observa seu Manoel pegando o bolo e colocando-o em um prato.

2015
Uma placa grande de metal indica: Azir Tecidos.

Pela porta grande entra Rebeca, 10 anos de idade, cabelos bagunçados, cara de sapeca, chinelo de dedo, camiseta e short. Ela entra correndo.

Olavo está atrás do balcão finalizando o atendimento à um cliente e Adilah está de costas arrumando uns tecidos na prateleira. Olavo faz cara feia ao ver a menina entrar correndo e se dirigir ao fundo da loja. Adilah nem nota a menina.

Olavo
– Aqui está! Muito obrigado! Volte sempre!

Ele entrega a sacola ao cliente que sorri despedindo-se.

Cliente
– Até mais. Obrigado seu Olavo.

Olavo fica observando o cliente sair da loja. Quando ele sai, se vira para sua esposa Adilah.

Olavo
– Você viu nossa pequena Rebeca?

Adilah
– Ela já chegou? Estava concentrada aqui, nem a vi entrando.

Olavo
– Chegou. E chegou feito uma ocidental. Sem suas vestes…

Adilah suspira fundo.

Adilah
– Esta menina… cadê ela?

Olavo faz sinal com a cabeça para o fundo da loja. Adilah faz sinal com a mão.

Adilah
– Deixa que eu vou falar com ela.

Adilah larga os restantes dos tecidos que falta arrumar na prateleira sobre o balcão e, calmamente, se dirige ao fundo da loja.

Consultório do Dr. Renan – Obstetrícia e Ginecologia

Uma sala pouco espaçosa com 10 cadeiras plásticas em duas fileiras e um balcão de MDF à frente, com uma porta logo atrás que leva ao consultório. A sala está lotada. Carmen Sanchez, sentada em uma das pontas na fileira da frente, parece assustada. Ela olha constantemente as horas em seu relógio de pulso.

A recepcionista, entediada em frente ao computador, atende ao telefone. É o doutor Renan lhe dizendo que já pode passar a próxima paciente. No mesmo instante em que ela desliga o telefone, a porta se abre e a paciente que estava em consulta sai.

A recepcionista se levanta com um prontuário em mãos.

Recepcionista
– Carmen Sanchez?

Ela olha para as pacientes sentadas à sua frente. Carmen se levanta.

Recepcionista
– Pode passar.

De cabeça baixa, Carmen passa pela recepcionista e adentra no consultório.

No consultório

Uma sala pequena, mas aconchegante. Uma maca, uma porta que leva ao toalete e uma mesa onde dr. Renan está atrás.

Carmen entra encabulada, olhar baixo.

Dr. Renan
– Bom dia Carmen.

Carmen levanta o olhar.

Carmen
– Bom dia doutor.

O Dr. Renan faz sinal para que Carmen sente-se à sua frente. Ele levanta e se pára em frente à impressora na ponta de sua mesa. Ouve-se o barulho da mesma se ligando e, em seguida, duas folhas são impressas.

O Dr. Renan pega as folhas quentes recém saídas da impressora. Volta à sua cadeira e se senta calmamente com as folhas, uma do lado da outra, sobre sua mesa. Ele suspira fundo. Encara a detetive na sua frente.

Dr. Renan
– Como tem passado os últimos dias Carmen?

Carmen levanta a cabeça. Tudo o que ela quer é ouvir o que está escrito naquelas folhas e não ficar de papo furado.

Carmen pensa consigo mesma: Só me diga o que preciso saber, doutor.”

O doutor Renan coloca seus óculos e pega a primeira folha.

Dr. Renan
– Eu não vou te enrolar, Carmen. Você já imagina o resultado, não é mesmo?

Carmen
– Negativo novamente doutor? Eu nunca poderei gerar um filho?

O doutor Renan estende a folha à frente dos olhos.

Dr. Renan
– Distúrbio do ovário policístico. Um distúrbio hormonal que causa um aumento no tamanho dos ovários…e você já está com diversos cistos na parte externa dos ovários, algo que precisamos entrar com tratamento urgentemente…

O mundo de Carmen parece desmoronar. Ela fica paralisada ouvindo as palavras do doutor. As mesmas que já ouviu anteriormente dele e há um tempo atrás de outros dois médicos diferentes. Não teria volta. Já fez tratamento no passado e de nada adiantou. O sonho do seu marido e, lá no fundo, seu sonho também, parecia que nunca iria se realizar. E o pior, ela não encontrava modos de falar isso para Jairo…

Dr. Renan
– A causa não é muito bem compreendida, Carmen…

O doutor olha para sua paciente, que está com os olhos cheios de lágrimas.

Dr. Renan
– …pode envolver uma combinação de fatores genéticos…

Carmen se levanta.

Carmen
– Eu sei doutor. Eu sei.

Ela está desnorteada.

Carmen
– Obrigada pela atenção doutor. Agora eu preciso ir.

Dr. Renan
– Espera…não pode sair assim…

Carmen faz sinal com a mão para o doutor Renan parar.

Carmen
– Eu estou bem doutor. Só preciso tomar um ar. Respirar ar puro. Pensar na vida. Está tudo bem…eu juro.

O doutor Renan pega as folhas dos exames, coloca-as em um plástico e entrega para Carmen. Ela pega sem olhar nos olhos do doutor, enxuga os olhos com o dorso da mão e dirige-se à porta.

Carmen
– Até mais doutor…

Dr. Renan
– Tem certeza que não quer que ligamos para seu marido?

Carmen abre a porta e sai.

Ruas da Cidade

Carmen Sanchez desce às escadas que levam até a rua com sua bolsa e o plástico com os exames debaixo do braço. Ela pára na calçada, olha para ambos os lados as pessoas indo e vindo, os carros passando e ela parece não saber para onde ir. Dá um passo adiante e um moleque passa de skate por ela quase atropelando-a e fazendo-a voltar ao seu mundo. Ela suspira fundo, olha novamente para os lados e resolve seguir para o lado direito.

A detetive caminha lentamente entre as outras pessoas, olhar vago e pensamento distante. Chega na esquina, põe o pé na faixa e um carro aparece dobrando a esquina e buzinando. Ela volta para a calçada assustada. Se escora no poste ao lado da faixa, não aguenta e lágrimas escorrem pelo seu rosto. Uma senhora, notando seu estado crítico, se aproxima.

Senhora
– Moça, precisa de ajuda?

Carmen encara a senhora. Seca as lágrimas.

Carmen
– Está tudo bem. Está tudo bem.

O seu celular começa à tocar na bolsa. Ela parece nem ouvir. Toca uma, duas, três vezes.

Senhora
– Moça, seu celular! Está tocando!

Carmen volta à si. Sorri distintamente e abre a bolsa procurando o aparelho, que continua tocando mais uma, duas, três, quatro vezes, até ela encontrá-lo.

Carmen
– Pronto!

Ela escuta a voz do outro lado por alguns segundos.

Carmen
– Está tudo bem. Eu só…só estou na rua. Muito movimento. Deixa achar um lugar mais calmo.

Carmen sorri novamente para a senhora e entra em uma padaria próxima.

Penitenciária Araújo Sardinha – sala do diretor

O diretor Susin está de pé com o telefone no ouvido, diante de uma pequena janela retangular com vista para o pátio da prisão.

Diretor Susin
– Detetive Carmen…nosso detento, seu interrogado, detentor de importantes informações, cometeu suicídio nesta noite…foi encontrado no chão da cela sob uma poça de sangue com os pulsos cortados…

Ele escuta por alguns segundos.

Diretor Susin
– …infelizmente não deu. Chegamos tarde. Ninguém ouviu, ninguém viu nada, até amanhecer…aí seus colegas de cela fizeram um escarcéu chamando pelos agentes. Quando o agente chegou já não tinha o que fazer.

O diretor Susin se volta para o interior da sua sala. Caminha até sua mesa. Verifica alguns documentos.

Diretor Susin
– Te aguardamos detetive… está tudo bem? Você parece triste?

Ele ouve enquanto lê os documentos em cima de sua mesa.

Diretor Susin
– Ok. Mas se precisar ficar em casa, tudo bem…

Ruas da Cidade

Carmen, com o celular no ouvido, mais atenta e disposta, sai da padaria, olha para os lados e atravessa a rua em meio às outras pessoas.

Carmen
– Em uns vinte minutos estou aí. Até mais!

Ela desliga o celular e guarda-o na bolsa. Coloca também o plástico com seus exames. Se tem algo que faz Carmen mudar seu foco, isto se chama seu trabalho. É o jeito que ela encontra de deixar de lado os seus problemas pessoais. Ali ela mantém o seu foco, sua atenção.

Floresta na região de Alcatraz

Renê, mais afastado do acampamento e dos amigos, está escorado em uma árvore com o telefone no ouvido. Escuta-se a voz de um policial do outro lado da linha.

Policial
– Departamento de polícia de Alcatraz! Qual a denúncia?

Renê
– Há algum maluco tocando o terror na floresta aqui na região. Ele tentou matar eu e meus amigos…

Policial
– Calma senhor, devagar. Qual a localização de vocês?

Renê
– Estamos no interior da floresta…

Policial
– A floresta é grande. Precisa ser mais exato.

Renê
– Nós entramos pela estradinha de terra no Km 227 e seguimos pela mata fechada. Montamos acampamento e agora este doido apareceu…

Policial
– Calma senhor. Como ele é?

Renê
– É um lunático. Parece de meia idade. Roupa toda suja. Usa um casacão preto e um chapéu…

Policial
– Ok. Vou enviar agora.mesmo uma viatura para averiguar…vocês estão em segurança?

Renê
– Um dos meus está mal. Brigou com ele. Rolaram pelo penhasco. Está machucado…

Policial
– Certo. Procurem ficar no acampamento. Fiquem juntos.

Renê
– Acho que o lunático não vai aparecer novamente. Ele viu que estamos em mais. Não vai se arriscar.

Policial
– Ok. Já vou mandar a viatura! Qualquer coisa entre em contato novamente.

Residência da família Azir

Uma casa grande de alvenaria de dois pisos com um pátio grande cercado. O portão da garagem é acionado e abre. Olavo entra com sua Ranger preta e estaciona do lado de dentro. Sai do carro. Do lado do caroneiro, sua esposa Adilah também sai. Ambos carregam grandes sacolas plásticas. Entram para o interior da casa.

Quarto de Rebeca

Rebeca, com os olhos cheio de lágrimas, observa através da sua janela no segundo andar os pais entrando em casa. Em poucos segundos, ouve-se batidas na porta do seu quarto. Ela se vira rapidamente.

Rebeca
– Tá aberta!

A porta se abre e seu pai Olavo entra, fechando a porta em seguida.

Olavo
– Minha filha…

Rebeca fica observando o pai se aproximar e sentar na beirada da sua cama. Ele faz sinal batendo na cama.

Olavo
– …senta aqui com o papá!

Rebeca enxuga as lágrimas, se aproxima e senta ao lado do pai. Ele acaricia seus cabelos desgrenhados.

Olavo
– Já falamos sobre você andar por aí com estas vestes ocidentais, não é mesmo minha filha?

Rebeca está de cabeça baixa.

Olavo
– Não foi assim que te criamos. Você já é quase uma moça, precisa manter vivo nossos costumes.

Rebeca engole à seco. Parece ter ganho coragem para enfrentar as palavras do pai.

Rebeca
– Eu não gosto pai! Parece que eu não pertenço à este mundo de vocês.

Olavo sorri, mas está preocupado. Sabe que apesar da idade a filha é madura o suficiente. Sabe que ela sabe que que não é sua origem e sabe que ela tem uma personalidade muito forte.

Olavo
– Não pertencia. Não pertencia meu bem. Mas fizemos e ainda faremos de tudo para que você se acostume. E você vai, você vai ver.

Rebeca enche os olhos novamente de lágrimas. Deita a cabecinha no colo do pai, que fica à acariciar seus cabelos.

Adilah abre a porta do quarto e fica à observar a cena diante dos seus olhos. Sorri para si mesma. Suspira fundo. Lembra o quanto ela brigou quando Olavo surgiu com aquela pequena na sua casa e o quanto ela ama aquela menina agora.

Penitenciária Araújo Sardinha

Quatro agentes penitenciários carregam o caixão fechado com o corpo de Frajola para fora da prisão onde seus familiares já o aguardam com um carro fúnebre para levá-lo ao enterro. Logo atrás surgem os diretores Gaitán e Miranda e a detetive Carmen acompanhando o cortejo. Eles se param em frente ao portão da penitenciária embaixo da placa com o nome da mesma enquanto os agentes encaminham o caixão para o interior do carro. A viúva, amparada por um senhor alto, chora e xinga o sistema.

Viúva
– Ele tinha mais dois anos para cumprir. Era só cuidar dele. Vocês o deixaram morrer!

Gaitán, Miranda e Carmen não respondem nada. Sabem que no fundo ela tem razão. Eles poderiam tê-lo deixado em cela separada estes dois anos, mas acharam que nada demais aconteceria.

Carmen
– E eu perdi uma fonte bastante importante.

Ela olha para os dois diretores ao seu lado.

Carmen
– Acho que voltamos à estaca zero!

Miranda acende um cigarro calmamente e dá uma tragada expelindo a fumaça pelo ar gélido.

Diretor Miranda
– Nunca regredimos tanto assim, minha cara detetive. Temos informações importantes que podem ser nosso ponto de partida. Na nossa profissão, toda e qualquer informação deve ser levada em conta.

O ruído de um trovão indica que logo cai mais chuva. Miranda, que está no meio, olha para Gaitán de um lado, olha para a detetive Carmen do outro lado, encara a viúva de Frajola xingando desesperadamente o sistema enquanto entra junto no carro fúnebre e se vira voltando para o interior da penitenciária.

Gaitán
– E vem chuva!

Carmen
– Vai atrapalhar o enterro.

Gaitán
– Li nos documentos que será cremado. Que este era o seu desejo.

Carmen encara o movimento de carros e pessoas desaparecerem aos poucos, após o carro fúnebre dar partida.

Carmen
– Que este seu desejo possa ser atendido. E que ele acerte as contas com o cara lá de cima.

Carmen olha para Gaitán.

Carmen
– Vai voltar?

Gaitán encara as nuvens carregadas no céu.

Gaitán
– Não. Por hoje chega deste ambiente. Tenho outras coisas à fazer.

Gaitán dá um tapinha nas costas da detetive e caminha em direção ao estacionamento da penitenciária. Carmen fica pensativa observando-o, dá meia volta e retorna ao interior da penitenciária a fim de pegar seus pertences.

Minutos mais tarde

Na noite gelada e nebulosa Gaitán dirige seu Maverick. Ao dobrar na esquina 11 ele dá direto na rua das prostitutas. Diminui sua velocidade e vai observando através da janela para ver se encontra Bia. A vê alguns metros adiante conversando com um possível cliente, cheia de sorrisos e gracinhas. Ele pára o carro, baixa todo o vidro e fica lhe observando e sorrindo.

Uma outra prostituta cutuca Bia pelo braço e faz sinal com a cabeça mostrando Gaitán lhe olhando. Bia pára o assunto com o outro homem, ele insiste, mas ela o empurra e ele fica sem entender nada. Ela vai na direção do carro.

Gaitán fica admirando ela se aproximar com aquela saia justa de couro, botas de cano longo, mini blusa e jaqueta jeans. Ela chega e se abaixa na janela do carro.

Bia
– Achei que não ia mais me procurar!

Gaitán sorri.

Gaitán
– Dá a volta. Entra aí!

Bia sorri também.

Bia
– Viu que eu estava com outro cliente?

Gaitán
– Quer ele? Pode ir…

Ele olha para trás de Bia para outras mulheres.

Gaitán
– …eu chamo uma delas.

Bia, irônica.

Bia
– Não chegam nem aos meus pés.

Ela se levanta. Ajeita a blusa e a jaqueta, com sua barriga à mostra e segue pela frente do carro em direção ao lado do caroneiro. Entra no carro e Gaitán dá a partida.

Penitenciária Araújo Sardinha – sala do diretor

Bastante pensativo, o diretor Miranda está de pé diante da sua janela que dá para o pátio da prisão. Observa o pátio vazio lá fora e um grupo da limpeza terminando de limpar a cela onde Frajola suicidou-se. Ele acende um cigarro, dá uma tragada e expele a fumaça que fica girando na sala.

Após alguns segundos imóvel em frente à janela, o diretor Miranda dirige-se à sua mesa, revira uns documentos e encontra uma página com o título: Depoimentos de Frajola.

Curioso, ele pega a folha e volta à janela enquanto lê.

Voz de Frajola no depoimento
– ” Bandido trancafiado tem medo de assombração. Larga a bandidagem em uma cela, fecha ela, e depois diz pela janelinha dela que ali dentro “fulano” se enforcou ou que “ciclano” matou um colega pra tu vê!”

Miranda levanta a cabeça e observa o grupo da limpeza fechando a cela onde houve o suicídio. A porta é aberta e o diretor Susin entra com uma pasta grande em mãos e começa recolher os seus pertences.

Miranda fica à observar o colega. Entende o que ele está fazendo. Susin está cansado de tudo, precisa de uns dias de férias, longe de tudo, longe de todos os problemas. Susin se aproxima de Miranda colocando a mão sobre seu ombro e Miranda entende o recado. Sabe que agora a penitenciária Araújo Sardinha é sua responsabilidade, só faltam acertar a parte burocrática junto ao governo…

Do lado de fora da penitenciária Araújo Sardinha, a chuva começa calma e vai tornando-se mais forte. Pelo portão principal, a detetive Carmen Sanchez sai abrindo seu guarda-chuva. Ela acelera o passo debaixo da chuva e pára debaixo de uma parada de ônibus que tem logo à frente.

Em um lapso de tristeza, ela deixa o guarda-chuva cair e se escora na parada, onde não se importa com os pingos da chuva que caem em seus cabelos. Ela mexe em sua bolsa e pega os seus exames.
Carmen Sanchez é uma mulher forte, mas até as mulheres mais fortes têm seus momentos de fraqueza. Embora o trabalho seja o seu refúgio, quando o dia termina, sua vida pessoal vem à tona, e o seu momento não é o que digamos, um momento bom. Ela agarra aqueles exames contra seu corpo e chora ali sozinha, debaixo daquela chuva que tende à se tornar cada vez mais e mais forte.

 

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  • A Carmem é um verdadeiro mulherão da P**a, porque passar por tudo o que ela passa e ainda conciliar com o seu trabalho, não é uma tarefa fácil. Ainda bem que não aconteceu nada de muito ruim com o Jairo, estou indo para o próximo capítulo.

  • A Carmem é um verdadeiro mulherão da P**a, porque passar por tudo o que ela passa e ainda conciliar com o seu trabalho, não é uma tarefa fácil. Ainda bem que não aconteceu nada de muito ruim com o Jairo, estou indo para o próximo capítulo.

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