Deitei-me no módulo de descanso. Relaxei e iniciei a transferência. Foquei a mente nas antigas lembranças. Meu corpo estremeceu. Senti uma espécie de corrente elétrica percorrer a espinha e concentrar-se na nuca. Como um relâmpago, ressurgi no apartamento onde tudo havia começado. Arma na mão. A mesma mobília. Tudo no mesmo lugar.
“Voltei ao ponto de partida” – Pensei. Caminhei até a janela e lá, no prédio vizinho, avistei a família, a mesma que vira antes de tentar o suicídio, reunida como de costume. Que estranha sensação! Estranha imutabilidade. Comecei a entender que sentimos falta do conhecido, da familiaridade. Ou seria saudade da nossa verdadeira origem?
Realmente foi inútil ter voltado. Não tinha mais o que fazer ali. Aquela era uma realidade que deveria ser deixada para trás. Preparei-me, então, para retornar àquela nova existência. Assim que foquei, comecei a escutar vozes. Ecoavam de maneira estranha. Não as compreendia. Senti o corpo adormecer. As vozes tornaram-se alteadas e nítidas. Uma delas se destacou:
– Não tenho mais o que fazer aqui. É inútil tentar. Hei, espere. Parece que está acordando.
Tudo girou. Não sei quanto tempo se passou quando reabri os olhos. Vi-me num quarto hospitalar. Outras vozes:
– Doutor Mourão, parece que ele recobrou a consciência. Acho que ele precisa de mais uma aplicação da droga para removê-lo daqui o quanto antes.
– Sim, Frederico. Por favor, chame a psicóloga Sara. Preciso de seu parecer. Peça a Joana que aplique mais uma dose intravenosa.
– Sim, doutor.
– Aproveite para remover aquela paciente também.
– Qual delas, doutor? Ely?
– Ela mesma. Aliás, ela poderia ser inoculada também. A nova droga permite melhorar muito a vida de doentes como eles.
– Até que viver num mundo de sonhos pode ser uma ótima opção para amenizar o sofrimento de suicidas compulsivos, não é doutor?
– Certamente. Ah, que bom! Sara chegou. Por favor, proceda com a análise. Fernando necessita ser removido para evitar mais problemas.