Removidos – Capítulo 4 – O Sequestro

Abri os olhos e recuperei os sentidos aos poucos. Vi-me sobre uma maca. Um forte odor de álcool misturado com éter me incomodou. Estava frio, minhas mãos geladas. Tentei mexer as pernas e por sorte estavam bem. Ouvi passos. O ambiente penumbrado. Alguém segurou meu braço e um súbito foco de luz ofuscou-me. Uma mulher perguntou se eu estava bem. Sem esperar pela resposta mediu a pressão arterial e espetou uma agulha no meu braço. Em seguida, ouvi um homem a conversar com alguém. Então, aproximou-se da maca e indagou à assistente:

– Já tem confirmação?

– Positivo, senhor.

– Muito bem. Quero conversar com ele agora. Mantenha os punhos e os pés amarrados.

Tornou para mim:

– Há vários meses esperávamos por isso. Averiguamos seus impulsos nervosos em diferentes situações, e agora, seu material biológico.

Fraco, porém, ansioso e ofegante, perguntei:

– O que faço aqui? Quem são vocês?

– Devagar, rapaz.

– Aqui é um hospital?

– Claro que não.

– O que aconteceu? Onde estou?

– Tudo armado. Até mesmo o resgate. Aliás, doutor Mourão foi bastante eficiente. Circunstâncias criadas para aproximá-lo de nós.

– Por quê? Que interesse têm em mim?

Aquele homem, com rosto mergulhado na sombra, disse algo alarmante:

– Rapaz, você não faz ideia de como é fácil monitorar tudo o que acontece com qualquer pessoa. Até mesmo no interior de seus lares. É para isso que servem os celulares, computadores e decodificadores de TV a cabo. No interior destes aparelhos existem microfones e câmeras que nos fornecem o que precisamos. Indivíduos que oferecem risco em potencial devem ser vigiados constantemente.

– Risco? Que tipo de risco eu poderia oferecer? Se se refere àquele maldito contato, nem sei se aquilo foi real.

– Facilitemos as coisas; basta responder o que perguntarei agora; Você foi designado como um removido?

– Sim, fui. Sei lá, parece que sim.

– Você não parece proativo. – Neste instante alguém chegou apressado. Era uma moça:

– Aqui está o resultado dos exames, senhor.

– Enfim, não precisamos da sua resposta. Estes exames indicam que definitivamente você é um removido.

– Que diabo é um removido?

– A biopsia das manchas em seus braços e o teste sanguíneo são as evidências que procurávamos. Explicarei: Somos uma agência encarregada de monitorar os que foram contatados e designados pelos seres não-locais como os removidos.

– De quem estão falando? Extraterrestres?

– Ets, marcianos, homenzinhos verdes, o nome que quiser dar. Os removidos devem ser eliminados. O DNA tornou-se anômalo devido a uma hibridação malfeita.

– Sou um cara normal. Não tenho nada de anômalo.

– Você era normal até este encontro acontecer. Em seu caso, o simples contato com o ser, deflagrou uma recombinação genômica. Você é diferente dos seres humanos apesar de fenotipicamente ser semelhante.

– Sou como você, como qualquer um. Não sou diferente. Que mal poderia fazer? Por favor, me tire daqui.

– Além de todas as análises celulares e biomoleculares, as manchas em seus braços dizem muito. Sinal típico de mutação gradativa. A diferenciação já está em progresso em seu corpo. Em breve será um deles. Por isso, libertá-lo não é possível. Caso escape, correremos o risco de seu DNA ser propagado para descendentes. Você, um vetor contaminante.

– Não estou doente. Que tipo de ameaça eu representaria?

– Todo removido é difícil de ser controlado. A estrutura psicológica se modifica, torna-se imune ao sistema de controle de massa. A história está repleta de removidos que foram eliminados e transformados em mártires.

– Provavelmente indivíduos bem diferentes de você.

– Que interessante! Tem bom humor. Deixe-me esclarecer algo: O pior mal é uma mente descontrolada. Você tem ideia de quanto custa ao sistema controlar bilhões de pessoas? É muito dinheiro para fazer o mundo engolir gente como você, metidos a heróis, anarquistas pé rapados que, com um monte de ideias diferentes, encabeçam movimentos libertadores, revolucionários. Indivíduos assim devem ser destruídos. Assim tudo volta ao normal. As pessoas continuarão a ocupar seus devidos lugares na massa.

– Por que o sistema não as estuda e as incorpora para benefício de um mundo melhor?

– Novas ideias danificam o sistema. Isto causa prejuízos financeiros inimagináveis. Já pensou se descobrissem que a cura do câncer está numa simples flor que pode ser cultivada em qualquer jardim? Ingênuo. O sistema lucra com doenças incuráveis e você representa a nossa desgraça.

– A verdade jamais será suprimida.

– Por isso os desmoralizamos ou os assassinamos. Contrainformação, meu querido. Ou quando não conseguimos nem uma coisa nem outra, criamos um rótulo… Por exemplo… Gênio excêntrico, cientista maluco, mártir, estas coisas. Por fim, engavetamos todas as descobertas importantes ou sumimos com elas. Procuramos apagá-las da história da humanidade. Bem, agora que somos íntimos, permitirei que veja meu rosto.

A luz do ambiente revelou um homem de expressão endurecida, determinada, mas algo aterrador desviou minha atenção. Meu entorno estava repleto de corpos dilacerados, amputados, tanto de homens, quanto de mulheres e crianças. Um verdadeiro matadouro.

– O que é isso? O que fizeram? – Gritei aterrorizado.

– Não somos bandidos. Protegemos o planeta de pragas. Este é o nosso trabalho. – Disse com frieza e ao aproximar-se de mim, notei que era alto, usando um uniforme azul e aparentava uns cinquenta anos. Minha mente girava, completamente atordoada. Fiquei sem palavras. Com um sorriso cínico, explicou:

– Pensávamos que, ao amputarmos membros, pararíamos a mutação. No entanto, descobrimos que a coisa era muito mais complexa do que imaginávamos. Agora olhe bem a sua volta. Veja como existem muitos de vocês infiltrados em nossa normal sociedade. Não é mesmo uma praga?

Impossível acreditar no que via. Corpos descartados como lixo, espalhados pelo chão sobre o qual formava um espelho de sangue viscoso e pútrido. Tentei me desvencilhar das algemas. Inútil.

– Olhe aqui, senhor X, não faço a menor ideia de onde estou, nem porque fui aprisionado, mas fique sabendo que sou um cara normal. Vocês estão enganados. Não tenho nada a ver com isso. Agora deixe-me ir.

– Sim, meu caro. Este era você até infelizmente ser contatado. Quando tomar consciência do que se tornará, aí então, se achará original e pregará coisas que só gerarão caos ao sistema. Olhe mais uma vez. Imagine se estes desgraçados propagassem o que lhes passasse pela cabeça. Já imaginou o prejuízo? O ser humano deve se contentar com o que tem, trabalhar e morrer. É o ciclo da vida e é isso que vamos preservar.

– O que farão comigo?

– Exames complementares. Será mantido aqui por mais algum tempo até concluirmos.

Deu as costas e ordenou que o ambiente ficasse em total escuridão. Ouvi seus passos se distanciarem. À medida que me acostumava com o escuro, minha audição se tornava mais aguçada. Podia ouvir o som daqueles corpos em decomposição, pareciam se mexer, estalidos e contrações musculares, aquilo tudo causava uma terrível sensação.

Passado mais um tempo a porta se abriu. Ergui a cabeça com dificuldade para ver quem poderia ser. Duas pessoas entraram. Senti um arrepio percorrer a espinha. Tive mau pressentimento. Supliquei:

– Por favor, seja lá o que forem fazer comigo, não quero sentir dor.

– Calma, amigo. Sou eu.

– Contive as lágrimas imediatamente ao reconhecer aquela voz:

– Marcos, é você?

– Eu mesmo. Surpreso?

– Deixe-me vê-lo. Ligue as luzes. Meu Deus, que bom…

Marcos ligou uma pequena lanterna que me possibilitou vê-lo; e ao seu lado estava Joana, companheira de Frederico. Observavam-me fixamente. Suspeitei. Alguma coisa não estava certa:

– O que fazem aqui? Como entraram?

– Temos acesso livre, amigo.

– Acesso livre? – Espantei com a frieza da resposta. Marcos completou:

– Escuta, sabe que somos amigos. Então, fui incumbido de monitorá-lo e há quatro anos sigo todos os seus passos. Fui incorporado à agência para investigar os removidos.

– Joana também… – Emendei.

– É uma agente contratada.

– Como poderiam saber (há quatro anos, meu Deus!) que o contato ocorreria comigo se na verdade isso aconteceu há alguns meses?

– Suspeitávamos, sim. A agência conta com uma avançada tecnologia. É ela que nos permite prever quem será o próximo contatado. Existe um aparelho que analisa o padrão bioelétrico das células que se torna diferente muito tempo antes de o contato acontecer. Quando ainda estávamos na faculdade, minha missão era monitorar os alunos e descobrir quem seria o próximo contatado. Pena que foi você. Um cara legal!

– Traidor nojento! Tire-me daqui agora.

– Tarde demais. Eu e Joana cumprimos nossa tarefa. – E com troca de sorrisinhos cínicos, deram as costas e saíram. O ódio, a decepção e todos os piores sentimentos emergiram em mim com toda força.

O tempo escoava apesar de não ter noção dele. Estava física e emocionalmente exaurido. Às vezes apagava, não sei dizer se de sono ou por desmaios sucessivos. Ao abrir os olhos, o coração saltava-me à boca. O cheiro dos cadáveres obrigava-me a saber o meu fim. Ouvi a porta se abrir novamente. Desta vez, passos rápidos e curtos. Som de alguém que usava sapatos de saltos altos. A tal pessoa se aproximou da maca, acionou um botão e fui abruptamente erguido a noventa graus. Consegui apenas balbuciar:

– O-o que é isso? O que vão fazer?

Sem dizer uma palavra, a pessoa, colocou-me um capacete. Tentei evitar revirando a cabeça de lá pra cá. Forçosamente ela conseguiu adaptá-lo. Percebi que não era um capacete de proteção comum, mas um aparato sofisticado. No lugar da viseira, havia uma tela de cristal líquido que demonstrava padrões gráficos (minhas funções vitais?).

– O que é isso? Questionei.

– Cale a boca. – Disse uma voz masculina, de quem devia estar furtivamente escondido em meio à escuridão. – Permaneça quieto. Precisamos ter a previsão do próximo contato. Os gráficos azuis e vermelhos representam a atividade bioelétrica das células e pelo que tudo indica o contato deverá ser em breve.

Subitamente, os gráficos vermelhos predominaram. Já sabiam o momento exato do próximo contato. O ambiente ficou agitado. Outras pessoas foram chamadas, incluindo seguranças fortemente armados.

– Temos que eliminá-lo agora. O contato será daqui a dois minutos – Alertou o homem em comando.

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