Sarah acariciava seu ventre com a frieza de uma predadora. O sexo tinha sido bom, muito bom. Suas unhas marcavam a pele da barriga, enquanto seu marido roncava ao seu lado. Havia arranhões nas costas do homem e no pescoço. Ele parecia não se importar com isso, gostava da selvageria da mulher na cama.

Apesar de jovem, Pedro não conseguia engravidá-la. Eram casados há dois anos e o relógio biológico batia à sua porta. Queria um filho, um herdeiro para a Fazenda do D’Ouro. Todas as outras Sinhazinhas do Vale do Açúcar tinham filhos, menos Sarah. O marido dava de ombros para o assunto. Lhe importava apenas a plantação da cana e os escravos que chegavam ao Porto de Galinhas. Queria aumentar a lida, assim como a produção do seu açúcar mascavo. Sarah tinha 30 anos, Pedro 26. O médico dissera para se apressarem, a natureza era madrasta com mães temporãs.  

_ Aquiete-se, mulher! Não posso deixar meus afazeres para te satisfazer sempre que molhada. Preciso trabalhar – disse, depois do sexo daquela tarde.

_ O Doutor nos instruiu no que fazer. Não estou inventando histórias.

_ Eu sei o que ele disse. Estava contigo na consulta.

Antes de se aprumar nas roupas, lhe deu um beijo no rosto.

_ Preciso de um filho, Pedro.

_ Estou fazendo o que posso, não estou? Tenho lhe dado amor como um garanhão. O que mais desejas de mim? Que lhe oferte um dos nossos escravos reprodutores?

O tapa que o marido levou da esposa fez com que desequilibrasse. Ele olhou para a mulher sem espanto, conhecia seu gênio ruim. 

Depois que calçou as botas, Pedro deixou-a em paz. Sarah chorou enrolada nos lençóis. Talvez não fosse má ideia pegar um dos pretos da fazenda. Pena que eram negros. Criar um “pardinho” como sendo filho de Pedro era uma péssima ideia. Que as coisas se aquietassem por enquanto. Em breve seu marido a procuraria na cama novamente. Se não o fizesse, o chamaria de frouxo na frente dos seus homens. 

 

***

Pedro tinha o péssimo hábito de mascar fumo. Isso irritava seu capataz e a mulher. Quando perto de Sarah, mantinha o recato – porque precisava dela -, quanto ao empregado? Que fosse às favas! Ele pagava o seu salário, portanto, que aguentasse seu fumo. Onofre, o capataz, sentia-se nauseado vendo a saliva escura na boca do patrão. Quando perto do homem, sentia-se perto do Inferno. 

Passavam das oito horas quando pegaram a estrada. Chegariam ao Porto de Galinhas pela manhã do outro dia. Precisavam chegar antes que descarregassem os escravos na feira. Da última vez, sobrara apenas mulheres e crianças para eles; dessa vez, queriam homens fortes, capazes de aguentar o sol quente de Pernambuco. 

_ Aceita? – Pedro ofereceu seu fumo para o capataz. _ Te deixa forte como um touro!

O sol batia na areia da praia quando apearam da carroça. Às areias refletiam através da água do mar o calor na cara dos Senhores de Engenho – que seguravam suas sombrinhas com a mão esquerda -, enquanto os negros se espremiam sem roupas. 

_ Não se preocupe, cabra – Pedro percebeu a angústia do seu funcionário _ O couro dessa gente é grosso. 

Os Donos de Pernambuco se aglomeraram no sombreamento do navio com à praia. Precisavam ser rápidos, antes que o menino das docas gritasse:

_ Tem galinha nova no Porto!

O capataz do D’Ouro escolheu três negros ossudos, de mandíbulas grande e peito ondulado. Os braços compridos e ancas fortes faziam com que se destacassem dos outros. Todos ali procuravam por homens que aguentassem o trabalho pesado nos moinhos de engenho.  Onofre nunca errara na escolha de escravos, tinha o faro bom para negros. Aqueles eram perfeitos e cheios de vida! 

_ Fico com os três _ disse Pedro para o traficante do navio negreiro.

_ São 1350 Réis.

_ Não perguntei o preço. Já disse que fico com os três.

O Senhor do D’Ouro era conhecido entre os senhores de engenho por sua arrogância. Onofre sempre conseguia um bom desconto quando barganhava longe dele.

_ Vamos lá, Pierre, ocê pode fazê melhor que isso.

_ Faço um bom desconto se levar mais um.

O sorriso tupiniquim do falso francês fez Pedro arrumar a sombrinha.

_ Eu posso ajudar o Sinhozinho _ alguém falava com eles do convés.  _ Lavo, passo, cozinho e do de comida pros animais.  

Um negro de feições arredondadas gesticulava à favor do sol.

_ Quem é ele? – Perguntou para Pierre. 

_ Ninguém, senhor, ninguém.

_ Eu conheço reza, benzeção e faço pedido que padre não faz. Eu posso ajudá o sinhô no que precisá.

_ Leva esse merda lá pra dentro – Pierre fez um sinal com a cabeça para dois de seus homens. _ Tem sujeira na cozinha, Vassoura. Quero vê-la limpa até o final do dia.

_ Espera! _ Pedro suava sob a sombrinha. _ Traga ele aqui, quero um dedinho de prosa com esse preto.

_ Não de assunto para Vassoura, Senhor. É um negro safado, daqueles que vieram nos primeiros navios do Porto. Não compartilha da fé católica, vive com seus próprios credos.

Mesmo com o falatório de Pierre, Onofre não se fez de rogado em descer o homem do convés. 

_ Eu posso ajudar o Sinhô. Posso sim _ Vassoura mostrou seus dentes brancos como marfim. _ Isso tem que ficar em segredo, Sinhozinho _ ele cruzou os dedos sobre a boca _ deve compartilhar suas coisas comigo em silêncio. Os outro não pode sabê _ o escravo tateava o vento. _ Posso lê a mão do patrão e de todos que o senhô quisé.

Onofre ficou entre os dois.

_ Fique longe dele, Patrãozinho. É macumbeiro, filho de satanás.

Pedro não deu conversa para o seu capataz. Ele não acreditava nas crendices dos escravos. Já vira alguns rituais antes, mas nunca deu atenção para as coisas tolas dos pretos. Eram selvagens, quase índios. Se aquele homem conseguisse deixar sua mulher ocupada com suas benzeções, seria um bom investimento.

_ Quanto fica com esse aqui? – Perguntou para Pierre.

_ Faço por uma bagatela de 1400 Réis.

_ Coloque-os na carroça, Onofre. Vou pagar o Capitão. 

_ O senhor maluqueceu? Essa aí não dá pra lida. 

_ Faça o que te mando, homem! Não o trouxe aqui para questionar minhas ordens. 

Onofre abaixou a cabeça.

_ Sim sinhô. Será feito como o patrão falô.

O escravo tinha os olhos leitosos de um cego.

 

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