_ Por que te chamam de Vassoura?

_ Por causa do meu cabelo, Senhorzinho.

_ E por que não o cortaram ainda?

_ Porque ele sempre cresce, sempre e sempre.

_ Quem furou seus olhos? 

_ A vida, Sinhozinho, a vida.

O preto se acocorou no fundo da carroça. Enquanto se balançava para frente e para trás, puxava dos cabelos alguns piolhos. Ele os comia sem cerimônia. Isso irritou Onofre.

_ Tenha modos, preto! Ocê não é um maldito macaco!

_ Calma, Onofre _ Pedro segurou o capataz para que não machucasse o escravo _ com o tempo ele vai aprender a se comportar.

_ Se fizé isso de novo, arranco seus dentes.

O escravo citava orações desconexas. 

_ O que ele tá fazendo agora, Patrãozinho?

_ Rezando. Há quanto tempo não reza, Onofre?

Pedro puxou mais um naco de fumo.

_ Diacho! Sei não, patrão, sei não.

Onofre se sentou com o peão que conduzia a carroça. Não gostava daquele preto, seus olhos leitosos enrugavam as pregas do seu cu.

_ Eu vou fazê o que prometi pro sinhô. Não sou homê que refuga.

_ E o que me prometeu?

_ Benzeção que padre não faz.

Pedro sorriu. O que há de se fazer com esses pretos?

A carroça avançou caatinga adentro. Os homens de engenho tinham fome e precisavam comer, assim como os pretos. Não os alimentar era o mesmo que ter porcos e não engordá-los. Precisavam de ração, assim como os cavalos. 

Onofre montou acampamento na sombra de um Pereiro. Os negros foram obrigados a pegar lenha sobre a vigília do capataz. Quando arrumada a fogueira, fizeram arroz com carne seca. Todos comeram, exceto Vassoura.

_ Não vai comer, preto? _ Onofre não conseguia deixá-lo em paz.

_ Não sinhô, gosto de comida da terra.

Vassoura revirou o cabelo, comendo mais piolhos. Onofre chutou-o no peito, jogando-o de cara no chão.

_ Eu disse pra para com isso!

O escravo revirou os olhos entre um muxoxo e outro. De repente, pulou por cima de Onofre. O capataz puxou sua faca, indo em direção ao escravo. Algo remexia nas mãos de Vassoura. Ele pegara uma cascavel perto de onde estavam sentados. 

_ Gosto de comida da terra, se o sinhozinho não se importa.

_ Negro filho da puta! _ Onofre foi para cima dele com intenção de matá-lo.

_ Deixe-o fazer sua comida _ Pedro não quis irritar o cego _ já terminamos com a fogueira.

Vassoura enterrou a cobra nas brasas. Acocorado perto do fogo, comia mais piolhos. Quando suas narinas se dilataram, tirou a cobra com um pedaço de pau para saborear sua carne branca. 

_ Meu Deus, patrãozinho, tem certeza que quê isso na Fazenda do D’Ouro? _ Onofre mantinha certa distância. Não gostava de negros macumbeiros.

_ Aquiete-se, homem! É apenas um pobre coitado.

Eles chegaram na fazendo do D’ouro com o cair da noite. Sarah esperava sentada na varanda. Vestia um vestido floral de algodão com um belo decote nos seios. Gostava de se vestir assim, para provocar o marido. Quando Pedro apeou da carroça, três negros desceram cabisbaixos. Onofre puxou vassoura pelos ombros, aprumando-o junto com os outros. De longe via-se seu sorriso de dentes perfeitos. 

_ A Senhorinha é bonita. Tem cabelos cor de ouro _ Vassouro mostrava seus dentes para ela.

_ Como sabe da beleza da minha mulher se és um cego?  _ Um negro trapaceiro, pensou o Senhor de Engenho.

_ Vassoura vê muita coisa, Sinhozinho. Não quis ofendê-lo não. Sou o que sou. Só consigo ver coisas.

Onofre puxou-o pelos cabelos. Pedro subiu os degraus da varanda aos pulos.

_ Por que trouxe um escravo sem valia? Sabe que não vai ser de muita utilidade na fazenda e nem dentro de casa.

_ Ele não é de todo cego. Como saberia a cor do seu cabelo se não enxergasse? Preciso de alguém para alimentar os animais. Não faz sentido colocar uma das negrinhas da cozinha para cuidar de porcos e galinhas. 

Pedro chamou-a para perto

_ Seu vestido é lindo. Depois do que me falou ontem achei que não me quisesse mais no seu leito?

_ Quero um filho. Apenas faça um filho em mim, senhor meu marido.

Pedro levou-a para cama. Sarah não reclamou da brutalidade do marido enquanto lhe arrancava as roupas. Gostava do seu jeito bruto de fazer amor. Nenhum dos empregados quis bater na porta para avisá-los do jantar. Apenas colocaram à mesa e se recolheram para seus quartos. Pedro se afundava nela com força, jorrando seu sêmen para dentro do seu útero.  Fizeram amor repetidas vezes, até que Pedro virou para o lado e adormeceu. Sarah continuou acordada, prendendo as pernas para que o líquido quente não escorresse por elas. Quanto mais tempo ficasse lá dentro, mais chances teriam de engravidar. Ela olhou para o teto bruxuleante, sentindo o ritmo da respiração do marido. Escutava-se o batuque dos negros na senzala. Eles davam boas-vindas aos novos escravos.             

 

*** 

O calor da madrugada não deixou Sarah dormir. Pedro roncava com os braços ao longo do corpo e a cabeça presa ao travesseiro. Pensou em acordá-lo, para fazerem amor de novo. Mas estava cansada, com o sexo dolorido. Não que desgostasse da intimidade, mas não queria repeti-la naquela noite. Bastava o que lhe dera, estava satisfeita. 

O barulho dos tambores continuava pela madrugada adentro, tão sonoro quanto ritmado. Sarah se levantou para ir até a janela. Via-se o clarão da fogueira através da plantação de cana-de-açúcar. A Senhorinha do D’ouro bocejou com o cheiro do mato sem se preocupar em acordar o marido, apenas vestiu sua camisola para ir até à cozinha buscar por um copo de leite. 

A mesa do jantar estava posta, ninguém se atreveu a tirar um prato do lugar. Isso era bom, muito bom. As negrinhas do D’Ouro tinham medo dela, darão boas mães de leite, pensou. Sarah colocou o copo na pia e foi para varanda. A noite parecia imersa na neblina, mas iluminada pela lua. O clarão na Senzala afundava à Casa Grande numa luz mortiça. Pedro gostaria de vê-la assim, tão primitiva. 

O vento soprou nas copas das árvores desabrigando as corujas que dormiam nas vigas do casarão. Diziam trazer mau agouro. Uma grande bobagem! Não era por causa das corujas que não engravidava, mas sim por causa do seu útero desgraçado – herança de sua mãe. Seu pai passou grande parte da vida culpando-a pela perda da mulher; por tê-la parido num dia de lua cheia. Outra besteira! A mãe morrera por causa de suas ancas estreitas. 

Em meio aos seus devaneios, um sibilo incomum chegou da plantação. Alguém chamava por ela? Não havia ninguém perto da casa. Onofre mantinha os negros sob rédeas curta. Não se atreveriam a chegar tão perto da Casa Grande.

Sarah. Alguém? Quem? 

Sarah. Uma voz masculina vinda da senzala? 

A mulher pisou no chão molhado em busca do som.

Saaaraaaahhhhhh … 

Perto da senzala, a dança dos negros a excitava. A Senhorinha do D’Ouro precisava de uma estocada, de uma única estocada, para sentir a criança crescendo no bucho. Mas isso era perigoso. Um menino mulato não seria benquisto pelo Vale do Açúcar. No entanto, havia um negro liso entre eles, um escravo com pele parda. Talvez se dormisse com aquele reprodutor seu filho nascesse branco.

_ A Senhorinha não precisa fazê isso não.

A voz assustou-a tanto quanto o piado da coruja. O negro cego tateava por ela nas sombras.

_ Como sabe o que quero, preto?

A ousadia dele não passou despercebido por Sarah.

_ Apesar de cego, vejo muita coisa.

A mulher continuava procurando pelo reprodutor de pele parda em meio a dança. Não daria assunto para um aleijado. Não tinha medo de ficar perto dele.

_ Se quisê chamo ele aqui. Vai tê prazer com ele, mas não é boa ideia não. Seu fio vai nascer preto. 

Sarah esboçou um sorriso. Pedro tinha razão, aquele escravo enxergava até demais.

_ O que andou conversando com o senhor meu marido?

_ Nada que abale o orgulho da sinhá. O seu útero é perfeito, como o das outra muié. O senhorzinho é que não pode tê fio.

A música soou longe, apenas às palavras de Vassoura ressoando entre às árvores. Sarah achou que fosse desmaiar, até sentir as mãos do preto sobre ela. 

_ Sente confusão agora, mas em breve vai tê seu fio.

 A Senhorinha do D’Ouro sentia como se um pau em chamas furasse seu útero.

_ O que desejas de mim? _ Sarah olhava para o escravo. 

_ Convesamu sobre isso numa outra prosa. Precisa da criança. Vô ajudá. A prenda fica pra depois.

O negro entoou sua reza.

_ Vai ser mãe de um menino. Tu és a escolhida. Quando ele lhe chamar, deite com ele.

O fogo se alastrou pelas entranhas de Sarah como brasa no capim seco.

_Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhh!

A mulher despertou na cama, ao lado do marido. Seu ventre pulsava como se tivesse vontade própria. Havia sujeira no chão do quarto e o bater de asas na janela.

_ O que foi? _ Perguntou Pedro ao ver seu afogueamento. 

_ Nada. Só me abrace.

Ele o fez. Apesar das diferenças entre os dois, amava sua esposa. Como não a amar? Sarah era perfeita!

A Widcyber está devidamente autorizada pelo autor(a) para publicar este conteúdo. Não copie ou distribua conteúdos originais sem obter os direitos, plágio é crime.

Pesquisa de satisfação: Nos ajude a entender como estamos nos saindo por aqui.

Leia mais Histórias

>
Rolar para o topo