Capítulo Um – O assassino misterioso

Carmen Sanchez, de 30 anos de idade, cabelos loiros, olhos azuis e corpo atlético, usando saia justa acima dos joelhos, terninho combinando e salto alto, atravessa o longo corredor de celas daquela penitenciária iluminado por lâmpadas fracas e amareladas, onde alguns guardas já finalizam a contagem dos detentos e fecham as grades de ferro. Sua expressão séria e seus passos firmes são respeitados por todos os guardas que demonstram este respeito quando ela passa…

Guarda 1
– Boa noite, detetive!

Guarda 2
– Tenha uma boa noite, detetive Carmen!

Quando passa pela última cela uma voz rouca sorri maliciosamente e lhe chama:

Voz
– Detetive Carmen…

Ela se pára e desvia o olhar para aquela penumbra da cela. Um dos guardas bate com o cacetete na grade tentando intimidar o dono da voz, que parece não dar bola e sorri novamente, quando se observa uma sombra se levantando e se aproximando das grades, revelando um semblante bastante assustador atrás de um rosto desfigurado de um lado, cabelos desgrenhados e barba por fazer.

Homem da cela
– …isso aqui vai virar um caos detetive…e nenhum de vocês vai poder fazer nada…os detentos transformarão tudo em rios de sangue…e depois detetive…

O homem agarra com força as grades e a detetive, tentando não se mostrar intimidada, observa suas mãos calejadas e tremendo.

Homem da cela
– … será a vez da sua vida virar um inferno…

O homem começa à dar gargalhadas amedrontadoras fazendo o sangue da perspicaz detetive ferver. Ela se aproxima das grades, em um ato de impulso.

Detetive Carmen
– Escuta aqui…

Ela é contida por um dos guardas, que a segura pelo braço puxando-a para trás. Ele grita chamando por outro guarda.

Guarda
– Adriano, corre na enfermaria…

O guarda olha para o homem atrás das grades, que larga as mesmas e se afasta entrando novamente na penumbra da cela enquanto vai diminuindo o volume de suas gargalhadas.

Guarda
– Traz os remédios deste infeliz.

Carmen se recompõe, mas ainda está com o sangue fervilhando.

Guarda
– Este está com os dias contados aqui dentro, detetive. Não deixa ele entrar na sua mente…

Carmen
– Quem ele pensa que é? Ele realmente acha que depois que peguei ele em flagrante, ia facilitar as coisas pra ele?

O guarda acompanha a detetive Carmen até a porta que separa o corredor de celas da sala que leva para o exterior da penitenciária. Ele aperta o botão vermelho e, logo em seguida, a porta é aberta por um outro guarda do interior da sala. Eles adentram a sala e o guarda fecha novamente a porta.

Guarda
– Este detento será transferido semana que vem. Está causando um certo pavor entre todos os presos. Seu modo de agir, suas palavras, na sua primeira noite aqui já matou cinco, dias depois mandou um detento para o isolamento e semana passada um outro cometeu suicídio…

Na penumbra daquela cela, aquele detento amedrontador, está sentado na cama de madeira de colchão de palha. Olhar baixo fitando o chão, ele segura entre seus dedos um medalhão que está pendurado em seu pescoço por um cordão.

ESCUTA-SE o estrondo da grade da cela sendo aberta e clareando um pouco o local revelando um ambiente bastante sujo e com cheiro ruim, que faz o agente penitenciário Adriano pôr a mão sobre o nariz ao entrar.

Adriano
– Toma aqui teus remédios seu doente!

Ele joga duas cartelas sobre aquela cama imunda enquanto o detento esconde o medalhão por dentro da camisa. O agente penitenciário Adriano se retira imediatamente da cela, que volta novamente à penumbra após o seu fechamento.

A sombra daquele detento é vista pegando as cartelas de remédios sobre a cama e se dirigindo até a pia no fundo da cela. Pode se ouvir o barulho da água escorrendo quando ele liga a torneira…

…e tudo ESCURECE.

Alcatraz, julho de 2015

A chuva torrencial não dava trégua à pequena e charmosa cidade de Alcatraz já fazia mais de quatro dias. Suas ruas escuras e vazias mostravam a força do inverno daquela região. Naquela manhã fria de julho, a perspicaz detetive Carmen Sanchez, colocou seu sobretudo preto, manta e luvas e entrou no carro junto com o delegado adjunto da cidade, o eficiente Carlo Gaitán, de 49 anos de idade e 25 anos de experiência tendo passado de detetive para policial chefe e depois delegado em pouquíssimo tempo.

O caminho percorrido através das ruas alagadas da cidade e depois pela estrada de terra batida até o matagal à beira da represa, foram de longos minutos de silêncio, tendo Gaitán concentrado no difícil trajeto que se apresentava à sua frente e Carmen com o olhar vago e distante nas paisagens que passavam entre os respingos de chuva nos vidros do carro.

Debaixo daquela forte chuva, um homem de + ou – 45 anos, é mantido algemado em um poste e ajoelhado no barro. A água da chuva escorre pelo seu rosto misturando-se ao sangue e formando um rio vermelho ao seu redor. Ele é observado de perto por dois parrudos policiais fardados que dão risadas de sua cara, protegidos da chuva debaixo de um telhado. Mais ao lado dos policiais, também debaixo do telhado, um corpo estirado no chão coberto por um saco preto que deixa à vista apenas os pés e, que pode se ver, ser de uma mulher.

Os dois policiais viram a cabeça para trás ao ouvirem o ronco do motor de um carro se aproximando.

Policial I
– Já não era sem tempo.

O outro policial então se vira para o homem algemado.

Policial II
– Está ouvindo seu doente? Agora acabou pra ti.

O carro estaciona debaixo de toda aquela chuva que não quer parar e, Gaitán e Carmen demoram alguns segundos até se encorajarem e abrirem as portas para se juntar aos policiais.

Carmen corre primeiro e se pára ao lado dos policiais, que mudam o semblante tornando-se sérios.

Carmen
– Bom dia.

Policial I
– Bom dia detetive.

Policial II
– Bom dia.

Carmen olha para o corpo estirado no chão. Agacha-se, abre o zíper do saco preto e um rosto jovial de pele clara e lábios carnudos revela-se.

Carmen
– Já têm a identificação?

Policial I
– Sem confirmação detetive. Mas, quem ligou anonimamente, disse se tratar da filha do senhor Gustavo.

Carmen levanta a cabeça olhando para o policial.

Carmen
– Senhor Gustavo…o dentista?

Gaitán se junta à eles debaixo do telhado.

Gaitán
– Sim detetive. Senhor Gustavo, o dentista. Me ligou ontem final da tarde relatando o sumiço da filha. Mandei uma equipe de busca iniciar os trabalhos e…pimba! Uma ligação anônima nos poupou o trabalho.

A conversa é interrompida pelas gargalhadas do homem algemado na chuva. Todos o olham. Carmen se levanta.

Policial II
– O que tá rindo seu doente?

O policial que questionou pega seu cacetete e ameaça bater no homem, mas é ordenado à parar pelo delegado Gaitán, que sem se importar com a forte chuva, se aproxima e se pára de pé diante do homem.

Gaitán
– Qual é a graça?

O homem levanta a cabeça encarando o delegado. Olhar amedrontador. Boca suja de sangue. Rosto sujo de barro.

Homem
– Ué, delegado Carlo Gaitán. Se o dentista queria a filhinha dele, agora é só ele vir buscar.

Gaitán não se contém, cerra o punho e acerta um soco forte no queixo do homem, fazendo sua cabeça virar para o lado.

Carmen
– Delegado?

Gaitán faz sinal com a mão de que está tudo bem. O homem aos seus pés, lentamente, vira a cabeça e volta à lhe encarar com a boca cheia de sangue. Com olhar amedrontador e um sorriso diabólico, ele cospe sangue nos pés do delegado.

Gaitán
– Policial Ferreira, leva este filho da puta daqui. Joga no camburão.

O policial se aproxima, solta-o do poste e o ergue. A detetive Carmen Sanchez se aproxima e fica frente à frente com o delinquente já debaixo do telhado.

Carmen
– Você está preso. Preso em flagrante de acordo com o art. 302, parágrafos I e II…

O homem parece não está surpreso e nem assustado. Ele encara a detetive com um ódio no olhar.

Homem
– Isso não vai ficar assim não, detetive.

A detetive Carmen se mantém firme diante da situação. Já deu voz de prisão à muitos delinquentes e já está acostumada com tudo isso.

Carmen
– Você é apenas mais um. E foi preso em flagrante. E tenho certeza que não foi a primeira vez que cometeu tal atrocidade. Tens o direito de permanecer calado. E tudo que disser pode ser usado contra você…

Homem
– E blá blá blá…

O policial Ferreira pega o cacetete e bate com força na região lombar do homem que se dobra de dor, mas não mostra a mesma no olhar.

Carmen
– Calma Ferreira. Pode levar esse daí.

Carmen encara o delegado Gaitán mais atrás e suspira fundo.

Gaitán
– Policial, chama o IML. Vamos levar este corpo daqui de uma vez.

Penitenciária Charles Freire

A chuva tinha parado quando o camburão chegou em frente à penitenciária Charles Freire. Agora a neblina toma conta e não se enxerga um palmo na frente. O policial Ferreira desce pelo lado do caroneiro e, imediatamente, puxa a gola do casaco para cima protegendo-se do frio e do vento gelado. Ele dirige-se à parte traseira e puxa com força o engate abrindo-a.

Policial Ferreira
– Vamos. Aproxime-se devagar.

Em questão de segundos consegue se ver aquele homem todo sujo e molhado surgir na porta do camburão com as mãos algemadas. Um agente penitenciário aproxima-se de Ferreira.

Agente Penitenciário
– Então este é o cara?

Policial Ferreira
– Este é o delinquente.

Ferreira olha para o homem ainda em cima do camburão.

Policial Ferreira
– Pode descer. Ou quer que eu te carregue no colo?

O semblante antes debochado do homem, agora é um semblante sério. Ele salta de cima do camburão e olha, através de toda aquela neblina, para as paredes pichadas do exterior da penitenciária.

Agente Penitenciário
– Bem vindo ao lar.

O agente se posiciona atrás do homem e o empurra fazendo-o seguir em direção ao portão de entrada.

Residência da Família Sanchez

Longe dali, em algum lugar daquela singela cidade, uma mão feminina coloca uma chave na fechadura de uma porta e gira duas vezes. A mesma mão pousa na maçaneta girando-a e abrindo a porta revelando um ambiente escuro de uma casa. A mesma mão ainda pousa em um interruptor de luz apertando-o e clareando uma sala de uma casa simples e aconchegante.

A dona da mão é a detetive Carmen Sanchez. Cara preocupada e olhar cansado, ela avista seu marido, Jairo, de 39 anos, um homem magro e alto de cabelos afro no estilo Black Power. Ele encontra-se de olhos fechados e com a cabeça escorada no encosto de um sofá de tecido preto.

A detetive Carmen suspira fundo, larga a bolsa sobre uma poltrona mais próxima e empurra a porta fechando-a.

Carmen
– Oi amor.

Jairo somente abre os olhos sem mexer o restante do corpo.

Jairo
– Boa noite amor.

Ele se ajeita no sofá. Parece estar cansado também.

Jairo
– Está exausta?

Antes da detetive responder, ele complementa.

Jairo
– Mas também não é pra menos. Dia deve ter sido difícil. Mas enfim, conseguiu o que queria…

Carmen olha surpresa para ele.

Jairo
– …prendeu o tal desgraçado que aterrorizava a região.

Carmen
– Como você sabe?

Jairo
– Noticiário minha cara. E cidade pequena as notícias voam.

Carmen pega imediatamente o controle em cima da mesa de centro e aumenta o volume da televisão.

Jairo
– Acabou de dar a notícia. Agora você vai conseguir sossegar um pouco.

Carmen se senta em uma poltrona do outro lado, exausta.

Carmen
– Espero que sim. Mas esta história não acabou ainda. Tem o julgamento, tem o simples fato de não sabermos nada sobre este desgraçado, sequer seu nome.

Jairo
– Ué, mas com ele preso tudo irá se resolver.

Jairo se levanta e vai por trás da poltrona que encontra-se Carmen. Ele se inclina e coloca as mãos nos ombros dela e começa à massagear a esposa.

Jairo
– Tenta relaxar amor.

Carmen parece gostar da iniciativa do marido. Ela fecha os olhos e relaxa com a massagem.

Carmen
– Acho que era tudo que eu estava precisando.

Jairo pára com as mãos nos ombros da esposa, inclina sua cabeça sobre a dela e lhe dá um beijo invertido.

Carmen abre os olhos encarando Jairo.

Carmen
– Obrigada.

Jairo se recompõe e continua com a massagem.

Jairo
– Agora que este desgraçado já vai pra trás das grades, a gente podia retomar aquele assunto…

Carmen de relaxada com a massagem, muda a expressão para séria. Jairo sorri de canto de boca, sabe que mexeu onde não devia, que tocou em um assunto delicado demais e, talvez em um momento muito impróprio.

Jairo
– …nunca mais falamos…

Carmen se desfaz da massagem. Levanta do sofá brava.

Carmen
– Achei que tivesse ficado bem claro da última vez.

Carmen pega a bolsa de cima da outra poltrona e se dirige para o corredor que leva ao banheiro e quartos. Jairo vai atrás e a alcança segurando-a pelo braço. Ela o encara com seu rosto bem próximo do dele.

Carmen
– Não Jairo. Acabou com o resto do meu dia. Vou tomar um banho e vou dormir.

Jairo
– Mas amor…

Carmen se desprende de Jairo e segue pelo corredor.

Carmen
– Eu já te disse que não quero ter filho!

Penitenciária Charles Freire

O sinal sonoro ecoa pela penitenciária indicando que é hora de todos os detentos se dirigirem às suas celas para a contagem dos agentes. Sentado em um banco em um canto, isolado de todos, aquele homem misterioso já com o uniforme laranja dos presidiários aguarda e observa todos indo para suas celas.

Agente Penitenciário
– Vamo bandido! Não ouviu a “vaca” berrar?

O homem encara o agente, se levanta tranquilamente, apaga o cigarro jogando o toco em uma lata de lixo e caminha em direção à escada que leva ao segundo pavimento onde está localizada a sua cela.

Agente Penitenciário
– Chegou hoje e já tá se fazendo de difícil, era só o que me faltava.

Outros agentes já se posicionam em frente às celas para a contagem e trancamento das mesmas. O homem entra na sua cela, onde seus colegas já se encontram e lhe olham de atravessado, com um certo receio e rancor.

As celas da penitenciária Charles Freire são todas de tamanho padrão, com dois beliches, um em cada lado e uma pia e um vaso separados por uma cortina. Porém, nem sempre estas celas contam com apenas quatro detentos, na maioria das vezes se encontram sete, oito, até dez presos em uma mesma cela.

Quando o homem misterioso adentrou aquela cela, as quatro camas já estavam ocupadas e havia mais um colchão velho jogado no chão para um outro detento. Ao entrar, ninguém lhe deu a mínima atenção, e ele se sentou sobre uma cama vazia, pois seu dono estava de costas na pia.

Detento I
– O que tá fazendo novato?

Detento II
– Cara folgado.

O preso que dorme no chão está agarrado em uma imagem de São Jorge. É um homem negro e gordo, que pela sua fisionomia, não aparenta oferecer perigo algum.

Homem Negro
– Vo…vo… cê é lo…lou…co!

O homem misterioso olha surpreso para o negro.

Homem misterioso
– Tá gaguejando de medo é?

Detento III
– Pera aí novato! Aqui ninguém zoa com o Cardume. Se ele gagueja que que tu vem a ver com isso?

Os outros dois detentos se levantam e se param de braços cruzados. O dono da cama está ainda na pia, de costas. Ele desliga a torneira e se vira lentamente. Um homem mal encarado, com uma cicatriz na bochecha, barba mal feita e careca.

Detento I
– O “comédia” aí tá achando que vai ficar na tua cama.

O homem mal encarado não fala nada. Pega uma toalha, seca o rosto e caminha até sua cama. Ao se aproximar, ele joga a toalha na cara do homem misterioso, que não esboça nenhuma reação. Ele pega a toalha e a larga na cama ao seu lado.

Homem mal encarado
– Esta cama tem dono!

Para surpresa de todos, o homem misterioso apenas sorri de uma forma bastante sinistra, se levanta e senta em um canto ao lado do vaso, escorado na parede abraçando as pernas.

Um agente bate com o cacetete nas grades.

Agente
– Silêncio aí bandidagem! Hora das crianças “contar” carneirinhos!

Os detentos silenciam e se ajeitam em suas camas. Cada um com suas particularidades. Um conversa com o retrato de uma mulher. Outro reza com um crucifixo entre os dedos. Outro pega um gibi debaixo do travesseiro e começa à ler antes que escureça totalmente. O homem mal encarado se deita com os braços cruzados sobre o peito nú olhando para a parte debaixo da cama de cima, enquanto o negro gago já dorme agarrado na sua imagem de São Jorge.

O homem misterioso, escorado na parede e abraçado nas pernas, começa se balançar para frente e para trás, ao mesmo tempo em que cochicha algumas palavras indecifráveis. E tudo vai ESCURECENDO…e o silêncio daquela penitenciária torna-se assustador.

Na sala de observação um agente penitenciário, responsável pelo turno da noite, dorme sentado em uma cadeira e com os pés sobre a mesa, enquanto se escuta o tic-tac do relógio na parede.

O tempo vai passando. As noites no silêncio das penitenciárias são longas e cheia de expectativas, pois à qualquer momento algo pode eclodir e o caos tomar conta. Já passava das 03:00 horas da manhã quando o agente penitenciário responsável pelo turno levantou e saiu da sua sala para fazer a ronda nos pavilhões. Era um serviço tenso de se fazer e ele saiu com sua arma na cintura e seu cacetete em mãos.

Estava tudo calmo no Pavimento Inferior e então, ele subiu as escadas de ferro para o Pavimento Superior, onde está localizada a cela em que se encontra àquele homem misterioso. O silêncio era assustador até metade da escada. Foi quando ele ouviu gritos vindo da cela 47 que ficava na parte final do pavilhão. Ele empunhou firme seu cacetete e acelerou os passos já comunicando no rádio e chamando reforços. Os gritos oriundos da cela despertaram os demais detentos que batiam contra as portas de ferro e, em questão de segundos, o silêncio deu lugar à um ambiente hostil e assustador. Em poucos minutos os reforços chegaram, exatamente quando o responsável do turno abriu a janelinha da porta da cela, iluminou com uma lanterna e viu o que ele, mais tarde, veio a declarar como “a imagem mais tensa, sangrenta e assustadora que já viu em toda sua trajetória de agente penitenciário”. Assim que iluminou a cela, um par de olhos castanhos se parou à sua frente por alguns segundos lhe encarando. Depois aqueles olhos subiram e uma boca com dentes amarelados lhe sorriu de uma maneira amedrontadora, liberando a visão para o interior logo em seguida.

Agente Penitenciário
– Oxiii, merda!

Ele recolhe a lanterna e se vira para os demais agentes que se aproximam.

Agente Penitenciário
– Vamos precisar do batalhão pra entrar aí. O maldito, pelo jeito, estraçalhou todos os companheiros de cela.

Os gritos dos demais detentos acordou todo o pavilhão e, em questão de minutos, o diretor da penitenciária, Henrique Miranda, um sujeito baixinho e gordo de mais ou menos 60 anos de idade, de cara fechada atrás de seu bigode grosso e óculos, chega ao pavilhão.

Diretor Miranda
– O que tá acontecendo aqui? Que baderna é esta?

O agente penitenciário se aproxima do diretor enquanto os demais ficam com cacetetes e armas à postos esperando por uma ordem para entrar em ação.

Agente Penitenciário
– Tá uma carnificina só aí dentro, Miranda.

Diretor Miranda
– Quem são os detentos desta cela?

Agente Penitenciário
– O gago e o Cacique com seus três amigos vagabundos…e o tal homem misterioso que chegou ontem.

O diretor se exalta.

Diretor Miranda
– Puta que pariu. Vocês me colocaram um delinquente que nem sequer sabemos o nome, junto com o Cacique?

Agente Penitenciário
– A prisão tá lotada diretor.

Diretor Miranda
– Mas não se coloca um delinquente junto com outro. Aí é pedir pra desgraça acontecer.

O diretor olha para os lados.

Diretor Miranda
– Me consegue uma arma.

Agente Penitenciário
– Você não vai entrar aí, vai?

Diretor Miranda
– Se vocês não são capazes de fazerem o serviço de vocês, eu faço o meu e o de vocês.

Um outro agente alcança uma arma para o diretor que a engatilha.

Diretor Miranda
– Aí bandido. Eu vou entrar. E tô armado. Qualquer movimento brusco e tu vai pro mesmo lugar dos teus “parceiro” aí de dentro.

O agente penitenciário responsável pelo turno pega a chave da cela e, visivelmente, com as mãos trêmulas, demora até encaixar a chave no cadeado que tranca aquela cela.

Quando a porta de ferro é aberta um cheiro horrível emana de dentro fazendo os agentes envolvidos virarem o rosto, menos o diretor, que tranca a respiração e mantém a arma apontada para o lado de dentro enquanto vai entrando com todo o cuidado.

Diretor Miranda
– Acende as luzes.

Imediatamente todas as luzes são acesas e o cenário dentro da cela é digno de um filme de terror. Os corpos dos cinco detentos estão destroçados, com sangue por toda a parte e alguns com partes internas expostas fora do corpo.

Diretor Miranda
– Que merda!

Um barulho entoa de um canto atrás de algumas cobertas. O diretor aponta a arma nesta direção.

Diretor Miranda
– Aí bandido. Levanta com as mãos na cabeça.

O sujeito atrás das cobertas se mexe e levanta. Está com a boca e mãos ensanguentadas e carrega um sorriso sarcástico no rosto. Ele coloca as mãos na cabeça conforme ordem do diretor Miranda e se pára diante do mesmo.

Diretor Miranda
– Agente Cruz, traz as algemas. Este aqui vai conhecer um lugar especial aqui da prisão.

O agente Cruz é o agente responsável pelo turno da noite. Ele passa pelo diretor e se aproxima do detento com as algemas na mão.

Agente Cruz
– Mãos para trás bandido.

O detento mantém o mesmo sorriso no rosto e encara o agente penitenciário, colocando as mãos para trás do corpo. Cruz coloca as algemas no bandido.

Agente Cruz
– Acha que aqui faz o que quer e fica por isso mesmo? Agora vai conhecer a solitária. Uns dias sozinho, no escuro vão lhe fazer bem.

Diretor Miranda
– Pode deixar duas semanas lá.

Agente Cruz
– “Bora” bandido. Antes uma ducha de água gelada da mangueira pra tirar esta inhaca.

O diretor Miranda encara o ambiente horrendo ao seu redor. Depois olha para os demais agentes presentes.

Diretor Miranda
– Chama a equipe pra levarem os corpos…

Miranda suspira fundo desengatilhando e entregando a arma para o agente que lhe emprestou.

Diretor Miranda
– …o dia será longo.

Ele sai da cela cuidando para não pisar nos corpos destroçados no chão. Começa à se ouvir o burburinho dos demais detentos novamente. Miranda aponta para um outro agente.

Diretor Miranda
– E faça essa estes outros vagabundos calarem a boca. Não quero ter que “botar” mais ninguém na solitária.

Residência da família Sanchez

Enrolada em seu roupão, Carmen Sanchez, com os cabelos desarrumados surge no corredor que liga quartos até a sala. Ela se pára escorada na parede observando seu marido Jairo, que acabou dormindo no sofá após a discussão da noite anterior. Carmen sempre sente-se mal à cada discussão, à cada briga que tem com o marido. Mas são sempre pelos mesmos motivos, e ela não quer ceder neste assunto. Ela suspira fundo e passa pela sala para ir até a cozinha. Jairo se mexe no sofá acordando.

Carmen
– Bom dia.

Jairo esfrega os olhos e senta-se no sofá.

Jairo
– Bom dia.

Carmen pára antes de entrar na cozinha e encara o marido.

Carmen
– Vem tomar café, vem.

Ela se vira entrando na cozinha.

Jairo
– Espera amor…

Ele se levanta e se aproxima dela.

Jairo
– …não pode encarar como se não tivesse acontecido nada.

Carmen se irrita. Ela quer fugir do assunto quem nem o diabo foge da cruz.

Carmen
– Eu não consigo Jairo. Nada me faz mudar de ideia. Eu não quero, tu sabe. Já deixei isso bem claro pra você.

Jairo também se irrita com o modo com que a esposa trata o assunto.

Jairo
– Não quer? É só isso mesmo?

Carmen
– Ué? Agora duvida também das minhas razões?

Carmen começa à passar o café na cafeteira. Derruba uma xícara no chão. Se irrita. Põe as mãos na cabeça e começa chorar. Jairo se aproxima querendo ajudar.

Carmen
– Me deixa Jairo!

Jairo
– Ok. Não quer ajuda, não quer falar. Tudo bem. Eu não vou mais insistir. Não vou mais incomodar.

Jairo se vira e sai da cozinha e, em questão de segundos, ouve-se o bater da porta de entrada.

Carmen puxa uma cadeira. Senta e chora debruçada na mesa enquanto o café está sendo passado na cafeteira.

Mais tarde…

O relógio grande na parede da sala marca 11:00 horas em ponto. Carmen Sanchez surge vindo do quarto vestindo uma calça jeans surrada, blusa branca colada no corpo e está colocando um casaco de malha por cima. Maquiada e de cabelos penteados ela senta na poltrona e fica olhando para o nada. Muitas vezes mascaramos nossos problemas com uma boa maquiagem, um cabelo bem escovado, um sorriso disfarçado no rosto, mas, por dentro, nossa alma está se corroendo e, o problema só está guardado, pronto para atacar novamente. E, quando ele ataca, é mais forte do que antes…

Carmen escora a cabeça no encosto da poltrona e fecha os olhos. A campainha toca. Ela nem dá atenção. Toca mais uma vez. E mais uma. E mais uma. Até que Carmen se levanta para atender.

Do lado de fora está o delegado Gaitán com alguns documentos em mãos. A porta é aberta.

Gaitán
– Carmen…bom dia! Está tudo bem?

Carmen tenta disfarçar com um sorriso no rosto.

Carmen
– Bom dia. Sim, sim. Tudo bem…entra delegado.

Carmen dá lado para Gaitán entrar e fecha a porta em seguida.

Gaitán
– Jairo não está?

Carmen
– Ele saiu… nós…

Carmen baixa a cabeça.

Carmen
– …deixa pra lá. Senta Gaitán.

O delegado Gaitán senta no sofá largando os documentos na mesinha de centro.

Gaitán
– Aconteceu alguma coisa? Aconteceu sim. Eu te conheço detetive.

Carmen senta na poltrona.

Carmen
– Você me conhece eu sei. Aconteceu…mas deixa pra lá. Garanto que veio aqui não pra ouvir meus problemas.

Gaitán
– Sabe que pode sempre contar comigo.

Carmen sorri afirmando com a cabeça.

Gaitán
– Bom…

Gaitán se estica e pega novamente os documentos.

Gaitán
– …realmente não vim aqui para ouvir seus problemas, mas, se for preciso, sou todo ouvidos.

Carmen sacode a cabeça negativamente.

Carmen
– Já disse, pode deixar pra lá. Vamos ao que interessa. Deve ser algo importante pra você ter vindo aqui em casa ainda de manhã.

Gaitán
– Sim, minha cara detetive. Aqui nas minhas mãos temos tudo o que precisávamos. Uma ficha minuciosa sobre nosso prisioneiro.

Carmen se anima na poltrona. Nada poderia deixá-la mais animada do que as coisas darem certas no seu trabalho. Parece que tudo voltava ao normal. Ela esquecia os problemas. Tinha algo para focar.

Carmen
– Não acredito que você descobriu tudo o que não sabíamos…como fez isso? Me deixa ver.

Gaitán
– Calma detetive. Vamos por partes.

Carmen
– Estou curiosa.

Gaitán segura na frente dos olhos um dos documentos.

Gaitán
– João Acácio de la Rocha. Nascido em 25/10/1970…filho do uruguaio Francisco de la Rocha e da brasileira Adelaide Souza. Seu pai veio fugido do Uruguai ainda adolescente. Viveu nas ruas, conheceu o mundo sombrio e devastador das drogas…sua mãe é filha de médicos. Sempre teve tudo do bom e do melhor, formou-se enfermeira e… conheceu o pai do nosso detento…engravidou de João, teve um erro terrível no trabalho e encontrou na heroína apresentada pelo marido o refugo para suas dores.

Carmen está perplexa ouvindo as palavras do delegado.

Carmen
– Não acredito. Que história…

Gaitán tira a folha de frente dos olhos e encara a detetive à sua frente.

Gaitán
– Espera que tem mais…

Penitenciária Charles Freire – Solitária

A janelinha da porta de ferro da solitária é aberta levando alguma claridade àquele ambiente bastante desolador. Em um canto, sentado no chão, está o homem misterioso, João Acácio, escorado na parede, roupas molhadas do banho de mangueira de água gelada, e abraçado às suas pernas. Uma bandeja de comida é colocada no suporte ao lado da janelinha da porta e a mesma fechada novamente. TUDO ESCURECE.

Ouve-se a voz do delegado Gaitán continuando à contar para a detetive Carmen tudo o que descobriu.

Gaitán
– João Acácio de la Rocha sofre de distúrbios mentais. Ele é esquizofrênico, do modo paranóide, aquele que sofre de delírios e tem visões, as quais não pode controlar sem medicação. A origem de sua esquizofrenia pode estar ligada ao fato dos pais terem sido usuários de drogas…

Gritos desesperados são ouvidos no escuro junto à um estouro de algo sendo quebrado. Em questão de segundos a janelinha da porta de ferro é novamente aberta clareando o ambiente. João Acácio permanece sentado do mesmo jeito, no mesmo lugar e, pelo chão, a comida e os estilhaços do prato. Ele começa à se balançar para frente e para trás abraçado nas suas pernas.

A Widcyber está devidamente autorizada pelo autor(a) para publicar este conteúdo. Não copie ou distribua conteúdos originais sem obter os direitos, plágio é crime.

Pesquisa de satisfação: Nos ajude a entender como estamos nos saindo por aqui.

Leia mais Histórias

>
Rolar para o topo