Entrego a passagem e minha identidade para que o funcionário da empresa aérea faça a devida conferência. Com seus gestos rápidos e frívolos não demoro a receber de volta o meu documento e uma parte do ticket destacado, observando-os por alguns segundos antes de guardá-los para logo em seguida começar a percorrer o trajeto que me levará à entrada do avião ao mesmo tempo que decido não olhar para trás. Recuso-me a ver minha mãe e Gabriela acenando e se debulhando em lágrimas. Detesto despedidas, ainda mais desse tipo, no pior estilo ítalo-mexicano de ser, carregadas de drama elevado à milésima potência. 

Continuo o meu trajeto e a cada passo que avanço me sinto como se estivesse sendo escoltado para minha execução sumária; logo um tique nervoso começa a tomar conta do meu rosto, sinto minhas veias saltarem das têmporas, minha mão esquerda tremer e a garganta ficar seca até que faço a curva no fim do corredor e visualizo as comissárias de bordo sorrindo na porta do avião.

Vou morrer antes de alcançá-las. Sinto isso. 

Agora palpitações no peito e falta de ar. Invoco o auxilio de São Luís Gonzaga, padroeiro dos adolescentes, para que não me deixe ter um ataque.

Respiro fundo e caminho como se nada estivesse acontecendo. Preciso me controlar ou então pedir ajuda diante da minha incapacidade. Escolho: sigo para o meu destino e tão logo cumprimento as duas funcionárias impecavelmente vestidas em seus uniformes, ganho um fone para os ouvidos e algumas balinhas e uma breve troca de sorrisos para depois me dirigir ao meu assento, onde graças ao Criador ninguém está ocupado as duas cadeiras (a do corredor e a do meio) até esse momento. E se tudo der certo vai ser assim até o avião aterrissar em Belo Horizonte.

Atiro-me na poltrona junto à janela e fixo meu olhar na asa do avião, no asfalto, no diabo a quatro, mas logo sou interrompido com o anuncio da chegada de um whats… Merda. É o David. Está desejando que o avião despenque. Deve estar possesso por eu tê-lo ignorado nas suas tentativas de despedidas… Penso em responder alguma coisa, qualquer coisa, mas desisto. O ser humano não vale as impressões digitais que deixarei sobre o teclado do meu telefone.

Cruzo os braços e respiro fundo e começo a tamborilar os dedos nos braços da poltrona enquanto meu cérebro se revira de todas as maneiras possíveis até que retorno o olhar na direção da minha janela e logo o som de outro whats chegando invade os meus ouvidos. Apanho o telefone na certeza de que vou encontrar mais uma mensagem desagradável de David, mas me surpreendo: é de dona Lúcia… Engulo em seco antes de abri-la.

 

Já que você, meu querido menino, insiste em dizer que está indo para “Nárnia”, te deixo com uma passagem deste livro encantador: “Nem tudo está perdido como parece… sabe. Coisas extraordinárias só acontecem às pessoas extraordinárias. Vai ver é um sinal que você tem um destino extraordinário, algum destino maior do que você pode ter imaginado”.

Sou sua mãe e nunca se esqueça de que te amo mais do que qualquer coisa nesse mundo. Nos vemos daqui a dois dias. Um beijo, meu amor.

 

Ok. Sei que meus olhos estão marejados, mas não vou me permitir chorar. Não mesmo. Nossas mães têm esse poder e essa intenção, porém, aqui, agora, não vou me derreter como uma manteiga jogada na frigideira. Guardo o celular de volta. 

Não posso responder nada nesse momento à dona Lúcia. Quando chegar lá, em Nár… em Laranjeiras eu agradeço. Fecho os olhos e faço uma oração ao Criador e sinto uma lágrima, UMA, escorrer pelo meu rosto.

Merda.

Abro os olhos e de pronto desvio o olhar da minha janela e o estaciono sobre as duas poltronas vazias ao meu lado. Pareço hipnotizado. Preciso de alguns segundos para colocar minha mente em ordem e saber realmente o que devo fazer quando chegar lá, no Sítio do Pica-pau Amarelo, aonde minha avó, uma tia e uma prima sonsa vão estar me aguardando…

Fecho os olhos novamente. De raiva. Total raiva frustração e conto até dez. Meu peito arfa. Vou descer deste avião. É isso. Vou descer…

Abro os olhos, contudo, não estou mais sentado na poltrona, junto à janela… Estou deitado em um campo verde, muito, muito verde. Sinto uma brisa tocando de leve o meu rosto, meus cabelos e toda minha pele que não está protegida pelo tecido da roupa que estou usando. Um céu azul reluzente brilha diante de mim, pontilhado por nuvens fofas, que me parecem próximas demais a ponto de serem tocadas…

Não consigo me mexer.

Não consigo gritar.

Meneio a cabeça com força; ao menos isso eu consigo fazer para expressar a sensação de pânico que explode dentro de mim.

– Está tudo bem?

Uma voz, que não reconheço de imediato, me faz essa pergunta. Tento me virar na sua direção, mas não consigo, então procuro mover a cabeça, mais uma vez, porém meu pescoço, agora, está travado.

– Fique calmo. Estou com você.

– Quem está falando?

Ouso, por fim, perguntar, mas recebo apenas o silêncio como retorno, o que me deixa ainda mais enfurecido.

– Quem está falando? – questiono novamente, porém aos berros.

De pronto sou invadido por uma angústia insuportável enquanto meu cérebro, em ebulição, detecta que alguma coisa dentro desse conjunto de imagens não faz sentido…

Céu? Campo verde? Nuvens? Eu não deveria estar aqui…

Fecho os olhos e uma sombra de fantasmas e sombras antropofágicas vêm em minha direção. Elas estão subindo uma escada, aos tropeços, tentando ultrapassar umas às outras…

Escada? Escada?

Consigo virar a cabeça para um dos lados. Dormentes de madeira, azaleias e vasos de suculentas estão por toda parte.

– Seja lá o que o Lucas tenha feito, cabe a vocês dois resolverem isso da forma mais adequada, lavando a roupa suja em casa…

– Você devia perguntar o que seu amiguinho fez. Esse viadinho postou um monte de merda a meu respeito na internet e nada mais justo que eu venha tirar satisfação…

Vozes estranhas…

Abro os olhos, rápido, e me deparo com uma luz forte irradiando de dois postes e de três arandelas penduradas em um muro de concreto semicoberto por heras, ladeando um portão de aço. De repente uma mão aberta surge sobre o meu rosto, cobrindo-o totalmente, deixando apenas que fachos da claridade do céu azul atravessem os espaços de seus dedos… Um aroma, uma mistura de apimentado e refrescante exala da pele espalmada.

Semicerro os olhos e então inspiro e expiro sem pressa.

Numa fração de segundos a mão estendida vai recuando e uma sombra paira sobre mim.

 Estou sonhando…

Tudo isso não faz sentido algum…

Permaneço de olhos entreabertos.

Preciso acordar. Preciso encontrar a porta de saída desse caleidoscópio…

 Nunca deixes de sorrir, nem mesmo quando estiver triste, porque nunca se sabe quem pode se apaixonar por teu sorriso.

 Thiago!

Sou tomado de sobressalto diante dessa constatação.

Abro os olhos imediatamente e encontro o seu rosto sobre o meu. A distância que nos separa é tão pouca que posso sentir sua respiração acelerando, seu perfume inebriando minha mente, suas mãos geladas começando a passear sobre o meu corpo, fazendo com que todos os meus pelos se arrepiem… Nossas cabeças estão tão próximas, tão perto…

Estou sonhando…

Não. Não me deixe acordar. Pelo Criador, eu não quero acordar…

Thiago começa a se afastar… Seu corpo está flutuando e algo parece sugá-lo… Um vento forte o está levando embora. Um vento forte que apenas a ele atinge, o está tirando de mim. Ele está desaparecendo… Eu nunca mais o verei…

Laranjeiras… Minha avó… Bia… Eu nunca mais verei Thiago…

Um vazio imenso, uma tamanha confusão toma conta do meu interior por completo. Sinto-me como uma flor murchando por falta de sol.

Thiago desapareceu e estou de volta à poltrona do avião, sentado junto à janela…

Fecho os olhos e choro, mas pareço não chorar enquanto uma escuridão profunda consome minha mente e meu corpo.

Estou sonhando…

Preciso…

acordar!

 

 

Abro os olhos e de imediato experimento minha visão meio turva. Enquanto busco recuperá-la, junto com a parte consciente do meu cérebro, sinto-me um pouco cansado, fraco, confuso…

 Alguém finalmente deu sinal de vida…

Uma voz chega amiúde aos meus ouvidos. Estou deitado de lado e sinto meu cabelo sendo acariciado à medida que vislumbro uma persiana bege plissada, uma figura de uma escrivaninha Dream no acabamento cinza, assim como uma luminária laranja e alguns outros detalhes decorativos descansando sobre sua base, se perfazendo diante da minha visão ao passo em que ela vai se restaurando.

Bela Adormecida?

Novamente uma voz. Demoro um pouco para processá-la, reconhecê-la, mas finalmente consigo identificá-la: é a voz da Gabriela.

– Não bastasse ser sua festa de despedida, precisava chamar ainda mais a atenção pra cima de você, seu cretino?

Movo a cabeça para o lado e encontro Gabriela com um sorriso largo à minha espera, examinando meu rosto minuciosamente e amparando minha cabeça sobre o seu colo. Sua imagem, numa questão de segundos, parece tão distante que chega a me assustar.

– O que houve? – interpelo, já tomando impulso para me levantar.

– Fique deitado mais um pouquinho meu amigo – ela retruca me puxando de volta – Dois desmaios em menos de dez minutos não é muito, não?

– Oi? – disparo num misto de surpresa e assombro ao mesmo tempo que lanço um olhar débil para minha amiga.

– O senhor desfaleceu depois da pancada que levou e quando voltou a si, tentou ficar de pé, mas caiu de novo.

Abro e fechos os olhos num movimento alucinadamente contínuo, acreditando (sabe-se lá o motivo) que essa sequência de gestos me ajude a absorver a sopa de informações que Gabriela acabou de derramar sobre mim. Não me lembro de um primeiro desmaio, quem dirá de um segundo… A última imagem que me vem à cabeça sou eu cambaleando na direção de Gabriela, na escadaria em frente à casa do Rômulo, depois que alguma coisa atingiu o meu rosto e a saliva na minha língua começou a ferver…

– Eu não pensava que você fosse tão frágil assim, meu amigo – Gabriela depõe com uma cadência no tom de sua voz enquanto continua afagando meus cabelos.

– E eu não conhecia esse seu lado maternal – tento sorrir após o meu gracejo, mas uma dor incômoda no lado esquerdo da face me impede; sem demora trago uma das mãos até esse lado do rosto, porém quase não consigo tocá-lo.

A famigerada cotovelada… Pelo Criador!

Levanto-me, com a mão em cima da cara, deixando um longo gemido escapar até conseguir ficar sentado sobre a cama, ignorando, veemente, qualquer tentativa de intervenção de minha amiga.

– O que fizeram com o meu rosto? – com minha mão que está livre apalpo o bolso da calça jeans na busca do meu celular, entretanto não o encontro.

– Relaxa Lucas – Gabriela debruça metade do seu corpo na direção oposta a minha, indo de encontro ao criado mudo para retornar tão logo com o meu telefone, entregando-o para mim ao mesmo tempo que sustenta um ar de fingida pretensão – É isso que está buscando?

Imediatamente vejo meu reflexo sobre a tela apagada do aparelho e, à primeira vista, não encontro nenhum inchaço ou protuberância.

– Preciso de um espelho – determino ávido, dando um salto da cama e logo sendo acometido por uma vertigem leve, mas suficiente para não me deixar dar o próximo passo.

– Lucas, será que você pode sossegar esse rabo?

Depois que um véu vermelho termina de passar diante dos meus olhos, faço menção em reiniciar minha empreitada na intenção de encontrar um espelho ou qualquer outro objeto que possa reproduzir nitidamente o meu reflexo, porém não consigo avançar muito, já que minha blusa social xadrez é puxada para trás por mãos robustas, me forçando a retornar para cima da cama. Só nesse instante percebo que estou sem o meu colete cinza e com os primeiros botões da minha camisa abertos.

– Você não vai perguntar o que houve lá fora? – Gabriela questiona um tanto surpresa, usando um tom de voz inquisitório – Não quer saber como toda aquela confusão terminou depois que você desligou?

– Entre mortos e feridos salvaram-se todos, com certeza – não me intimido e respondo de pronto, a mão ainda sobre o lado esquerdo da face, fazendo com que minha voz pareça um tanto sibilada – Agora não posso dizer o mesmo em relação ao meu rosto, que a julgar pela dor que estou sentindo, amanhã vou parecer o homem elefante.

De repente meu cérebro é invadido pela lembrança do tal almoço com o tal noivo da minha tal prima Bia que dona Lúcia agendou sem sequer me consultar. Um atordoamento imobilizante percorre minhas entranhas. Era só o que me faltava. Ser apresentado com um edema facial para um ser humano totalmente estranho a mim, e o qual não faço a mínima questão de conhecer, sem falar na impressão desagradável que irei causar quando chegar lá no Sítio do Pica Pau Amarelo, daqui a menos de 48 horas, com um lado do rosto parecendo o biscoito Trakinas e aquele bando de matutos gargalhando nas minhas costas, fofocando entre si, tentando imaginar o tamanho da surra que eu possa ter levado…

– Eu não acredito.

Vocifero, tentando mais uma vez levantar da cama, e mais uma vez sem sucesso, já que Gabriela me impede, esticando o seu braço esquerdo na altura do meu tórax, parecendo uma mãe protegendo o filho minutos antes de um movimento abrupto.

– Vou ser motivo de chacota pra um joão-ninguém e depois pra um bando de caipiras, que irão eternamente assimilar minha imagem a de um Quasimodo chegando à aldeia deles…

– Lucas – Gabriela recolhe o braço e me fita com uma expressão de assombro, como se eu estivesse prestes a ser enfiado dentro de uma camisa de força – Do que você está falando?

Desço a mão do rosto e a encaro, semicerrando os olhos.

– De como está a minha cara, de como vou parecer um palhaço no almoço com o noivo da minha prima, de como vou parecer…

– Que noivo da sua prima?

Lembro-me de que com a chegada do David parecendo o incrível Huck não consegui contar a Gabriela sobre esse compromisso completamente sem pé nem cabeça que minha mãe me enfiou.

– Aquela ligação da dona Lúcia que eu recebi quando nós dois estávamos chegando à casa do Rômulo… – esclareço, descerrando os olhos.

– Sim… O tal almoço…

– Então… Segundo a minha mãe, o noivo daquela que se diz minha prima está de passagem no Rio e por isso, amanhã, vamos almoçar juntos como se fôssemos uma família feliz… – disparo num só fôlego enquanto Gabriela me fita com um semblante irritavelmente impassível – Nem ao menos parente ele é – completo pouco me importando com o meu comentário preconceituoso.

– O seu egoísmo às vezes consegue me surpreender…

– O meu egoísmo? – Gabriela se ergue da cama e faz um sinal com a palma de uma das mãos para que eu permaneça onde estou – E como devo chamar esse show de egocentrismo, hein senhor Rei Sol? – a alcunha, claro, me é concedida envolta em um oceano de ironia.

Tento responder, mas Gabriela, num gesto rápido, fecha a mão que está parada no ar e em seguida levanta o dedo indicador, colocando-o sobre os meus lábios, ao mesmo tempo que me fita de maneira severa, para depois recolhê-lo e então começar a andar para cá e para lá, tomando o cuidado de se manter convenientemente no meu raio de visão.

– Você provocou uma briga onde um dos seus melhores amigos acabou sendo envolvido para te proteger e agora está aqui, tendo um piti, inquieto em como vai parecer para alguém que você nunca viu na vida ao invés de estar preocupado em como o Rômulo está, se ele se machucou… 

Sinto um ricto nervoso contrair minha face, só não sei se pelo reflexo da dor ou pela indignação diante desse comentário injusto, ou pelos dois.

– Fui tão egoísta que saltei pro meio daquela rinha de galo disposto a me juntar ao meu amigo e acabei levando uma cotovelada e agora estou aqui, padecendo…

Gabriela me afronta carregada de uma convicção e censura medonha.

– Você mesma viu. Não estou mentindo, estou? – pergunto sem pestanejar ao tempo que dou de ombros.

– Você não fez mais do que obrigação, convenhamos.

– Não, não, não, senhorita – eu balanço meu indicador de um lado para o outro cheio de ênfase enquanto tento me levantar, porém sou novamente impedido – Eu não vou pagar essa conta. Não vou carregar essa cruz…

Gabriela estaca e me observa de tal maneira que faria a “cara de Sapa” da diretora de Defesa das Artes das Trevas, Dolores Umbridge, em Harry Potter, se corroer de inveja até a morte.

– Quem começou aquela confusão lá fora, hein? – ela intercepta o meu olhar antes que ele fuja da sua mira inflexível.

– Não fui eu – respondo enquanto cruzo as pernas, tentando parecer o mais natural possível – Não tenho culpa se o David decidiu jogar para alto o resto da sanidade que ele possuía…

– E por que será que ele agiu dessa maneira? – Gabriela continua o seu ataque.

Descruzo as pernas.

– Na boa, eu não tô entendendo aonde você quer chegar – a repreendo ao mesmo tempo que cruzo os braços e logo em seguida os descruzo para voltar a tocar com a mão esquerda o lado do rosto dolorido.

Gabriela dá mais alguns passos à minha frente até que decide, por fim, voltar a se sentar ao meu lado.

– O que foi aquilo? – seu olhar está focado no chão, no tapete à beira da cama. Parece cansada – O seu discurso pro David, dizendo que ele não passava de um mero pôster grudado na parede… – ela ergue o rosto, voltando a me encarar.

Não consigo responder de imediato. Tento colocar em ordem os meus pensamentos a respeito de tudo aquilo que disse para o David quando as palavras foram surgindo dos profundos recessos da minha alma depois que terminei aquela oração…

– Sei lá. Não faço a mínima ideia – admito, por fim, fazendo pouco caso e voltando a mirar a escrivaninha à minha frente – Acho que tive uma epifania…

– O que?

– Uma epifania, Gabriela – inicio abrindo e fechando os olhos, impaciente – Uma apreensão, geralmente inesperada do significado de algo…

– Eu sei o que é uma epifania, professor Pasquale – ela retruca um tanto seca – O que estou perguntando é como você comprou essa ideia?

– Como assim? Esse tipo de manifestação acontece… – volto a fitá-la.

– Para – Gabriela mais uma vez passa o dedo indicador da mão direita sobre os meus lábios – Você é uma pessoa tão inteligente, Lucas, mas quando se trata de conhecer a si mesmo, na verdade quando se trata de deixar a vaidade e o egoísmo de lado…

– Sinceramente não sei aonde você quer chegar…

– Cala a boca e escuta – ela ordena sem vacilar – Já parou pra pensar que o Jonas, o Thomas e o David nunca significaram nada para você? Que foram meros objetos de troca dentro desse seu mar de desespero em busca do príncipe da Disney?

Meneio a cabeça um tanto incrédulo diante dessa abordagem inusitada de Gabriela, ao mesmo tempo que continuo tentando entender onde ela definitivamente pretende chegar.

– Você nunca gostou de nenhum deles, Lucas. E só se permitiu encarar isso, aceitar, quando o próximo se encontrava sob o controle da sua obsessão de ter um namorado…

– Eu acho que já ouvi esse discurso hoje, quando estávamos a caminho da casa do Rômulo… – desdenho, agora com os olhos baixados no edredom marrom claro com listras horizontais.

– E com o David está sendo a mesma coisa…

Gabriela parece ter ignorado o meu comentário sarcástico e repreensivo.

– Depois desse encontro que você teve com o tal senhor das aspas, decidiu, como que por encanto, que o David não lhe dizia mais nada… Se você parar pra pensar, quanto tempo ficou sofrendo depois que ele lhe deu um chute? Três dias? Se for tudo isso, foi muito. Sem falar que você só resolveu ter uma crise de pelanca depois de três semanas e só porque eu contei que ele havia arranjado um namorado… Tenho certeza que sua indignação se deu mais por orgulho que pelo término da relação.

Viro-me para o outro lado. Se ela quiser continuar com esse discurso depreciador, ignorando o meu martírio, me castigando sabe-se lá por quê, que o faça, mas sem a minha concessão. Começo a passear o meu olhar bem devagar pelo entorno a fim de deixar clara a importância que estou dando para toda essa baboseira pseudointelectual.

Uma combinação contagiante da cor laranja, com uma suavidade do verde, impera nesse cômodo onde estamos. O guarda roupa tem acabamentos cinza com preto, seguindo o mesmo padrão da escrivaninha e da cama Bilbox onde estou “aprisionado”… Isso sem falar no bege sem graça da persiana plissada que só o Criador para saber que modelo de janela ela deve esconder… Se eu estiver dentro da casa do Rômulo, o que é provável, não me recorda que a mãe dele tivesse tanto mau gosto para decoração…

– Você está me ouvindo, Lucas?

A censura no tom da voz de Gabriela me resgata para a realidade.

– O que você acha? – eu respondo, virando a cabeça na sua direção, resoluto, decidido a demonstrar o quão enfadonho está sendo o seu monólogo.

– Desisto – minha amiga se levanta da cama à medida que deixa escapar, de maneira nem um pouco discreta, o ar de seus pulmões – Lucas… Estou tentando fazer você enxergar algo que não esteja entre neblinas, que não seja produto da sua imaginação carente, algo que talvez, para o bem ou para o mal, te ajude a amadurecer, a não sofrer tanto, ainda mais agora, diante dessa contagem regressiva para a sua viagem…

– Gabriela, pelo Criador – eu consigo, por fim, sair de cima da cama sem qualquer gesto me impedindo do contrário – Eu não estou entendendo essa sua súbita mudança, trazendo à baila um discurso do qual já havíamos deixado para trás, quando descemos daquele Uber…

Minha amiga e eu nos encaramos novamente. Gabriela está branca, nitidamente tensa, as sobrancelhas pretas acima dos olhos parecem agarrar-se à sua pele, da mesma forma como ficou segundos antes de me contar sobre a mudança de endereço (e sobre a surpresa) da minha festa de despedida.

Não demora e um longo suspiro entrecorta o fluxo da sua respiração.

De verdade, não gosto de vê-la desse jeito, desnuda, cheia de reticências, dando voltas em um assunto. Gabriela não é assim, muito menos duas vezes no mesmo dia. Nesses raros momentos a arrogância tão peculiar à sua personalidade, que a faz ser considerada, dentro dos seus 1.68, como um galo combativo respeitado no terreiro, desaparece totalmente e dá lugar a uma fragilidade que não combina em nada com sua alma valente, desafiadora, inquieta, sem papas na língua…

– Lucas, já parou pra pensar que alguém, entre os seus amigos, está sofrendo muito mais que todos os outros com essa sua partida?

 

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Wild Heart – Bleachers, fonte: https://www.youtube.com/watch?v=FJ-6ZgoFlEE

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