“Dizem que é um cara mais velho, aparentando ter um pouco mais de 30…”

“Lucas, de boa, eu descobri que meu lance é com as garotas…”

“Querido, você vai para Laranjeiras antes de mim.” 

Meu peito está doendo. Uma dor estranha, incomum…

Ofegante…

         Minha respiração…

                    Hiperventilação…

Isto não é bom… Preciso controlá-la…

“A sua mãe sabe o que está fazendo, Lucas.”

“Pessoas carentes como você acham que amam, mas não. Fazem reféns!”

 

Sim… Dona Lúcia… O desconhecimento dos próprios sintomas… Vinte milhões de brasileiros também sofrem de ansiedade… Não, não. Estou tendo é uma crise de pânico. É isso… Não sou o único. Não sou o único… 

 

Amigo… Você está bem?

A mão sobre o meu ombro esquerdo… Ela continua pesada…

Thomas… Jonas… David é uma serpente…

Bia! O contive de amizade… O messenger… Pouco me importa…

A chave é tentar parar de prestar atenção nos sintomas… 

 

Amigo... Você está bem?

                                       Amigo?…

 

A voz ao longe continua insistindo…

                              Um curto circuito atravessando todo o meu corpo…

Meu coração vai saltar pela boca!…

A chave é tentar parar de prestar atenção nos sintomas para não ampliá-los. Foi isso o que dona Lúcia sempre me disse…

Descerro os olhos e de pronto volto a me deparar com os carros sobre a avenida passando como flechas disparadas habilmente, rumo a um destino certo, sem interrupções, ao passo que meu raio de visão é assolado, ainda, por uma sensação de vertigem, que ao menos por agora me parece bem menos intensa.

Inspiro e expiro, sem pressa, enquanto busco o equilíbrio entre a necessidade de sobreviver com o mínimo de dignidade e a tentação de mergulhar de cabeça, corpo e alma nesse mar de agonia, nesse desespero atroz, nesse desamor… Desaparecer dentro desse poço de desesperança cavado a sete palmos dentro do meu coração. 

Não vou me dar por vencido, não vou. Não posso. Não está no meu sangue! Mesmo sobrecarregado, inseguro, mesmo sentindo como se estivesse rastejando dentro da minha própria pele, não vou me permitir ser derrotado. 

Fecho os olhos mais uma vez e meu cérebro, claro, é tomado pelas palavras de dona Lúcia, o discurso que me dirigiu depois das minhas primeiras manifestações dramáticas e de rebeldia quando fui informado da virada de 180 graus que minha vida iria sofrer. Ela buscou abrandar (ou reduzir, do meu ponto de vista) todo o meu sofrimento afirmando que as pessoas possuíam altos e baixos em algum momento de suas vidas e que nutrir pensamentos ansiosos sobre uma situação estressante seria normal.

Mas (é claro que sempre existe um “mas”) nem todo mundo que sofria de ataques de pânico teria transtorno do pânico. E caso eu sentisse em algumas dessas PSEUDOCRISES, que estaria perdendo o controle, a chave seria tentar parar de prestar atenção nos sintomas para não ampliá-los. 

Ter ou não ter uma mãe psicóloga? Eis a questão. Elas racionalizam tudo. Não nos deixa dramatizar, padecer e com isso nos tira o direito de atravessar as tais fases do luto (a negação, a raiva, a negociação, a depressão e a aceitação – essa última eu não sei se vou alcançar) que elas mesmas apregoam. Alguém avisa para a doutora Lúcia que eu estou sofrendo perdas irreparáveis e quero passear, sim,  E-COM-ESCALAS, entre todas essas fases?

 

Amigo... Você está bem?

 

Novamente a tal voz distante… Não consigo identificá-la…

O mar. Eu vim até aqui para ver o mar, recordo ao mesmo tempo que respiro, forte, e daí sinto mãos envolverem meus braços com firmeza, me forçando a recuar alguns passos, como se eu estivesse prestes a sair correndo, sem destino, incontrolável… 

Meneio a cabeça, bem, bem devagar enquanto percebo o som ao redor ser captado pelos meus ouvidos, agora de forma cristalina, sem interrupções, atropelos, desordem…

– Você está bem perto da rua, sabia?

Abro os olhos e de pronto miro o chão. Não havia percebido que eu estava em pé, na beirada de um meio fio.

– Mais uns dois passos e pode acabar sendo atingido por um carro…

Pelo Criador, a pessoa não pode sequer ter um ataque de pânico em paz?

Decido virar a cabeça para o lado, na direção dessa voz misteriosa que está me aporrinhando, e me deparo com um jovem esquadrinhando sem qualquer cerimônia cada canto do meu rosto. Mesmo com o seu semblante refletindo uma brandura genuína, não consigo deixar de me sentir incomodado e então semicerro os olhos na tentativa de encontrar algum traço familiar em sua fisionomia que justifique essa postura insolente… Nada!

– Independente de qualquer coisa, a vida é muito bela para que a desperdicemos amigo.

– Como é que é?

Questiono ao mesmo tempo que trato de encarar o meu interceptor demonstrando toda a indignação que acabou de tomar conta de mim.

– Jura que você tá achando que eu vou me atirar embaixo desses carros? – pergunto sem disfarçar o quão ofendido estou e em seguida baixo os olhos na direção dos meus braços enlaçados por suas mãos e retorno, com cara de poucos amigos, demonstrando com exagerada ênfase o meu desconforto.

Não recebo qualquer resposta. O carinha apenas afasta suas mãos, e inacreditavelmente sem nenhuma pressa, enquanto seus lábios se movem, ensaiando um sorriso carregado de indulgência à medida que seus olhos transbordam uma firmeza e segurança inacreditáveis, como uma embarcação navegando de forma absurdamente tranquila em meio a uma violenta tempestade…

 

👉  👉 E    isso    me    deixa    ainda    mais    puto.

 

– Não quer se sentar?  – ele pergunta.

É impressão ou esse ser humano realmente não parece nem um pouco afetado com a minha reação deliberadamente hostil?

Por que algumas pessoas precisam ser tão filantrópicas e simpáticas? Reflito com demasiada amargura e impaciência e por fim prendo o fôlego e solto o ar lentamente, voltando a encarar a avenida, mas não por muito tempo, pois de soslaio olho para o sujeito, que ainda permanece parado, a poucos centímetros de onde estou, exalando receptividade.

Vamos lá, dona Lúcia. Segundo a senhora, poucos indivíduos conseguem aceitar críticas, mesmo sendo construtivas e com isso a insegurança acaba nos forçando a vê-las como um ataque pessoal e aí colocamos em discussão a própria autoestima reagindo de maneira passivo-agressiva ou até mesmo abertamente agressiva e eu, agora, sei que estou fazendo isso. Merda!

Reunindo todas as forças possíveis e imagináveis conto até dez e inclino a cabeça e volto a fitar o chão, o meio fio onde meus pés estavam se equilibrando, e então conto até dez novamente e num esforço hercúleo eu peço desculpas ao tal rapaz, mas entre os dentes, sem baixar a guarda, e depois ergo a cabeça, com toda dignidade, e me viro por completo na sua direção.

– Não se preocupe. Só estava um pouco pensativo, distante… – remato, dando de ombros enquanto o meço sem cerimônias.

Agora, de frente, percebo que temos a mesma altura, só não arrisco a mesma idade, mas ele não deve ter mais do que vinte e três.

– Desculpe se te ofendi – ele inicia com um sorriso meio sem graça…

Alguém grita o nome “Thiago” e meu interceptor se vira imediatamente.

– Estamos atrasados cara – vocifera um rapaz a certa distância e na nossa direção.

Thiago (com aspas, pois não sei se realmente esse é o seu nome) acena com a palma da mão direita, sinalizando para o outro que o aguarde e se volta para mim logo em seguida.

– Realmente peço desculpas pela minha intromissão, mas você me pareceu um tanto distraído…

– É… Eu estava realmente pensando na vida… – respondo pouco me importando se minhas palavras irão parecer evasivas.

Até que esse Thiago com aspas não é feio. Olhos em tom de mel, cabelos bem cortados, sobrancelhas grossas, nariz empinadinho…

E lábios finos?!

Fazer o quê, ninguém é perfeito…

– Vamos – ele aponta para o alto, atrás de mim – Te ajudo a atravessar…

De bom grado eu me viro e sigo a direção por ele apontada e dou de cara com o semáforo vermelho.

– Jura? – retorno e lanço minha pergunta carregada de descrença e sarcasmo – Você deve tá brincando, né?

“Thiago” encolhe os ombros, claramente desconcertado, mas ainda assim não deixa de me encarar. Seus olhos tom de mel irradiam uma estabilidade surpreendente diante da saia justa em que acabei de colocá-lo..

– Thiago… – mais um chamado do seu amigo – Cara, estamos realmente atrasados.

Dessa vez ele o ignora.

– Creio que abusei do demérito de ser indelicado… – recebo essa satisfação enquanto o vejo arquear as duas sobrancelhas, deixando escapar um sorriso meio tímido do canto dos lábios.

 

Demérito… De ser… Indelicado?

😱 😱 😱

 

Quem, nos dias de hoje, consegue ser tão cortês, se preocupando em usar o português de maneira exemplar, já que nesse nosso país verde e amarelo as pessoas não só falam cada vez pior a nossa língua, como se interessam cada vez menos em aprendê-la?… Estou completamente desarmado. Esse “Thiago” acabou de conseguir catapultar o meu humor volúvel da mais profunda depressão a uma felicidade exultante.

– Eu quem peço desculpas, por favor. É que estou um pouco ansioso, nervoso, ou qualquer outro adjetivo que termine em oso

Respondo já revirando os olhos após me arrepender dessa manifestação digna de um colegial. Detesto me comportar como um idiota, ainda mais na frente de um carinha da hora como esse que consegue unir na mesma frase um substantivo e um adjetivo com uma elegância ímpar…

– Preciso ir então – “Thiago” anuncia estendendo a mão direita que eu trato de apertar sem demora – Meu amigo está me esperando e daqui a pouco vai entrar em trabalho de parto, e pelo andar da carruagem é bem capaz de parir elefantes gêmeos. 

Rimos da sua piada, mas ele sorri um sorriso contagiante, delicioso e que mais parece uma estrela brilhando bem forte no meio de uma tempestade…

– Nunca deixes de sorrir, nem mesmo quando estiver triste, porque nunca se sabe quem pode se apaixonar por teu sorriso.

– Como? – questiono sem pestanejar diante dessa inusitada declamação ao mesmo tempo que nossas mãos se soltam – O que você disse?  

– Gabriel Garcia Marquez – ele responde sem afetação – Um dos meus escritores favoritos.

Gabriel Garcia Marquez?! Pelo Criador. Onde esse ser humano estava escondido todo esse tempo? Além de ter um olhar sincero, um sorriso largo, sabe se expressar sem hesitações, de jeito claro e tem um timing, diferente do David, que só sabe falar de esportes e de coisas óbvias…

Peraí. O que eu tô fazendo?

Esse Thiago com aspas há cinco minutos estava achando que eu era um neurótico suicida…

Cérebro, coração (o senhor principalmente), vamos dar um tempo, ok? Não vou deixar vocês me jogarem dentro daquela espiral de carência me fazendo ver coisas aonde não existe, e o pior de tudo, alçando o prego do David a um patamar de referência.

– Você realmente está bem?

“Thiago” pergunta, rompendo a viagem silenciosa que acabo da fazer à minha egotrip

– Estou sim… – não demoro a responder, me policiando a fim de evitar qualquer outra reação que me fará parecer um pateta – Obrigado pela sua gentileza e cavalheirismo. Está de parabéns…

 

                   Gentileza-e-cavalheirismo?! 😳

Está-de-parabéns?! 🤨

 

Onde eu estou com a cabeça? 🤐

 

A minha carência deve ter alcançado níveis insustentáveis e alarmantes. Agora estou me expressando como uma donzela de algum desses romances de época estrelado pela insossa da Keira Knightley. Imediatamente me esforço para sustentar um semblante de paisagem. 🙄 😬

– Tudo bem então. Mas tenha cuidado.

“Thiago” sugere enquanto recua dois passos, sem tirar os olhos de cima de mim até se virar e começar a caminhar na direção do tal rapaz que o está aguardando com cara de poucos amigos. Eu, claro, aproveito a oportunidade para vislumbrá-lo por completo (mesmo que de costas), desde o tênis branco até os cabelos curtos e lisos e o corpo escultural, sem exageros, sendo valorizados por peças de roupas levemente justas, deixando alguns músculos visíveis.

– Pode apostar que vou ter! – sussurro para mim mesmo, extasiado, ao mesmo tempo que termino de admirar “Thiago” se afastar ao lado do seu acompanhante até começar a se perder no meio das pessoas que estão transitando pelo calçadão.

Uma estranha sensação de desespero me invade de repente. Sou tomado por um desejo arrebatador de segui-lo e perguntar se por algum acaso do destino não nos conhecemos, ou para me apresentar, dar o número do meu celular, o endereço do meu face, qualquer coisa que possa abrir um precedente para nos encontrarmos novamente… Respiro fundo, bem fundo e fecho os olhos. Preciso me conter.  O que esse Thiago, com aspas, praticou, foi tão somente uma boa ação me fazendo enxergar que a humanidade ainda não está de todo desperdiçada.

Abro os olhos e os direciono para a praia, para o horizonte que se desdobra à minha frente. A noite está começando a cair e uma brisa suave toca minha pele e então decido avançar para a areia, me afastando do calçadão onde o movimento dos transeuntes só faz aumentar, ao tempo que vou ruminando os motivos que levaram esse tal Thiago me dizer a frase do Gabriel Garcia Marquez sobre alguém poder ser apaixonar pelo nosso sorriso… E justo no momento em que sorri de volta para ele?

Balanço a cabeça com raiva, não acreditando nos devaneios que estou permitindo que meu cérebro crie. Estou mais uma vez parecendo uma destas protagonistas femininas de romances cafonas que são retratadas exageradamente como inseguras, sem personalidade e ingênuas, a ponto de olhar para um estranho na rua e pensar, nossa ali está o grande amor da minha vida, e em seguida ouvirem fogos de artifícios explodindo, sentirem a terra tremer e cheiro de flores inundando o local onde estão…

Não. Definitivamente não vou descer por esta estrada. Já sei onde ela vai dar: dias, uma semana ou duas criando expectativas, hipóteses, por alguém que nunca mais verei e para quê? Para desperdiçar o meu tempo e morrer na praia, mas desta vez vou optar pela racionalidade. Já tenho problemas demais acontecendo a minha volta para querer mais este…

Talvez essa ida para Tão, tão distante (se realmente acontecer, mas é óbvio que vai acontecer, a quem estou enganado?), me ensine como lidar com essa minha falta de maturidade emocional…

Por que fui sair do meu quarto? Devia ter ficado por lá, hibernando nessas últimas quarenta oito horas.

Paro de caminhar quando chego bem próximo do mar, o suficiente para sentir suas águas tocando os meus pés, molhando as havaianas com as quais estou calçado.

Ok. Fiquei impressionado com a postura desse tal Thiago com aspas. Só isso. Ele parece ser bacana, inteligente, divertido, tudo o que o David não é e nenhum dos meus outros dois namorados também foram… Merda. Merda. Merda. Não sei por que estou gastando essa energia… Esse Thiago com aspas nem sequer olhou para trás enquanto se afastava… Provavelmente o carinha que o estava chamando era o seu namorado…

Não resisto à tentação e viro a cabeça para o lado onde os dois se perderam na multidão, na expectativa de me surpreender com “Thiago” voltando… Até parece. Idiotice e ingenuidade a minha, claro.

Procuro o celular no bolso da bermuda para poder ligar para Gabriela e sem demora constato o seu visor completamente apagado. Talvez o tenha desligado sem querer depois que falei com o Rômulo, busco me convencer à medida que certifico a probabilidade da minha teoria.

Nada feito.

A criança está realmente sem bateria.

Mas também não sei se minha amiga ia me dar a atenção que eu tô precisando. Do jeito que está enrolada com aqueles dois trabalhos da escola, no mínimo ela iria me passar outro sermão, justifico tentando combater minha frustração ao passo que devolvo o telefone para o bolso e então volto-me na direção do mar, cruzando os braços e erguendo um pouco o queixo enquanto semicerro os olhos, continuando a sentir a água brincando em volta dos meus pés.

Fato: meu cupido tem problemas sérios e dona Lúcia vai me torrar o saco porque eu estou demorando a voltar. Melhor achar o rumo de casa. Vai que ela decide colocar em prática o que prometeu e não me deixe ir à minha festa de despedida…

Pelo Criador.

 

°    °    °

 

É meio engraçado

Todo esse sentimento…

 

Sigo cantarolando trechos de “Your Song”, do maravilho Elton John, enquanto faço o trajeto de volta para o metrô. Preciso ocupar a mente, mas pelo jeito minha veia dramática está pulsando como se estivesse disputando um campeonato de fórmula um, e essa canção que escolheu para “musicalizar” esse meu momento sem noção, no melhor estilo Alice “chapada” em o País das Maravilhas, não está me ajudando nem um pouco.

 

Não tenho muito dinheiro, mas garoto, se eu tivesse

Compraria uma grande casa onde poderíamos morar

 

Por que não paro de pensar na frase que o “Thiago” me disse?

 

Mas que saco.

 

Aqui estou (de novo e mais uma vez) me deixando consumir por um episódio tão comum, tão sem sentido, corriqueiro, me comportando como um compulsivo, imaturo e irracional, criando teorias fantasiosas e castelos de areia. Se existe uma pessoa digna de possuir os títulos de Redundante e Idiota do século, essa pessoa sou eu! Já perdi a conta das vezes em que uma simples troca de olhares, um esbarrão dentro do metrô, ou andando na rua, na escola, me fez imaginar uma vida a dois, com uma casa, filhos adotivos… Será que existe algum estudo cientifico sobre isso?

Por que não posso ser como a maioria dos carinhas gays da minha geração, só buscando curtir, sem dramas, sem raízes, dormindo uns com os outros sem compromisso, sem se importar de no dia seguinte dar uma satisfação, retornar uma ligação, querer repetir o encontro desde que não seja tão somente a cama o objetivo a ser alcançado?

Odeio essa minha carência exacerbada. Odeio não conseguir controlar meu desespero por querer ter alguém ao meu lado para dividir um instante, um entusiasmo, um sucesso alcançado, compartilhar alegrias… Alguém para me apoiar quando estiver decepcionado já que minhas três tentativas de um namoro, DE VERDADE, deram com os burros n’água.

Um fogo lento surge em algum canto do meu cérebro enquanto sinto dor e raiva engasgando minha voz… Preciso aprender a agir como Clark Gable, na pele de Rhett Butler, quando abandonou elegantemente Vivien Leigh encarnada de sua inesquecível e avassaladora Scarlet, no final de E o vento levou, respondendo às declarações de amor dela, um tanto tardias, com um simples: francamente, querida, eu não dou a mínima.

Magnetismo animalesco, personalidade persuasiva e delicadeza feroz. Uma combinação perfeita para não sofrer, ou pelo menos saber a hora certa de deixar o barco antes que ele afunde de vez… Na verdade, melhor não, constato balançando a cabeça, irritado, frustrado. Esse é o David e eu definitivamente não quero ser como ele.

Compro o meu ticket e atravesso a roleta que dá acesso aos vagões do metrô quase a arrancando do lugar. A ansiedade e a pressão estão me deixando louco a cada minuto que passa. Já desisti de contar, e isso no trajeto da praia até aqui, todas as vezes em que montei e remontei o rosto desse “Thiago”, das infinitas versões que criei para esse esbarrão que tivemos na beira da praia, incluindo um final cinematográfico onde ele deixa o seu possível namorado a ver navios e corre de volta para me reencontrar, empurrando as pessoas, ensandecido e gritando o meu nome, apesar de inacreditavelmente não termos nos apresentado…

Sem sombra de dúvidas o maior alucinógeno que existe é a carência, e com toda certeza ele é bem mais forte que aqueles cogumelos mágicos que a Alice comia enquanto batia um papo cabeça com uma lagarta que fumava mais que a Bette Davis.

Paro na amurada que antecede os degraus que levam à plataforma a fim de tentar recuperar o que resta da minha sanidade. Eu nem sequer achei esse tal Thiago (e suas aspas) interessante antes dele pedir desculpas pelo demérito de ter sido indelicado e citar Gabriel Garcia Marquez… Dou de ombros, acobertando meu despeito com uma camada frágil de resignação e arqueio as sobrancelhas para em seguida estufar o peito, endireitando minha postura. É o mais próximo da dignidade que posso alcançar nesse momento.

Súbito, visualizo a frente de um vagão surgindo na saída do túnel escuro. Ele e a fileira que o acompanha vão diminuindo a velocidade à medida que tomam conta dos trilhos que beiram a plataforma, onde um aglomerado de pessoas os aguarda, até que estacionam de vez. Eu, sem pestanejar, tomo impulso e desço as escadas de dois em dois degraus para me atirar dentro de um desses vagões e durante o meu alucinado trajeto algumas pessoas, claro, me olham surpresas, outras, assustadas, e pouco me importo; caminho até encontrar um espaço disponível para me encostar, onde logo em seguida trato de inspirar e expirar, sem pressa.

O Rômulo está certo. Já que o leite está derramado e vai ser impossível colocá-lo de volta no jarro, vou pra minha festa de despedida, me esbaldar muito, beber todas e esquecer essa palhaçada do “nobre em cima de um cavalo branco”, afinal de contas onde estou com a cabeça? Eu ainda nem consegui digerir essa história do David com o seu novo namorado e já estou fomentando outro príncipe encantado perfeito, maravilhoso, digno de toda minha atenção…

Passo a mão no cabelo, em seguida me aprumo ajeitando minha roupa (como se eu estivesse vestido com um smoking), cruzo os braços e aperto os olhos uma, duas, três vezes e deixo escapar um som estranho pelos lábios entreabertos após encher e esvaziar minhas bochechas: gestos que não deixam dúvidas do quão ansioso eu estou…

Quanto mais perturbadora a lembrança, mais persiste a sua presença, recordo uma frase do livro Água para elefantes e então arregalo os olhos e miro o chão, irritado diante da minha impotência por não conseguir resistir, de novo e mais uma vez, e por tudo isso ser mais forte do que eu. Odeio essa figura patética e idiota que sou. Odeio o David. Odeio o Jonas, o Thomas. Odeio todos os outros que cruzaram o meu caminho e despertaram em mim, sem saber, esperanças, um amor frustrado… A humilhação…

Engulo em seco. Meu coração está martelando de raiva.

Um, dois, três. Um, dois, três. Preciso me controlar. Preciso esvaziar minha mente…

Ergo os olhos e tento aquietar meu coração, recompor minha fisionomia. Devo estar parecendo um maluco.

Decidido, busco respirar pausada e profundamente até que de forma gradativa a sensação de mal-estar começa a ceder e então viro a cabeça para trás, arriscando um olhar carregado de expectativas na direção da escadaria, do lado de fora, enquanto a porta automatizada do vagão se fecha instantaneamente.

 

Meu presente é essa canção. E essa é pra você

Espero que você não se importe, espero que não se importe

Que eu expresse em palavras

O quão maravilhosa a vida é enquanto você está no mundo

 

 

 

Your Song ♥ Elton Jhon

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*  *  *  vídeo “Your Song”, Elton Jhon.: FONTE YOTUBE.com.br

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